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Portugal

Cidades

Publicado: Terça, 24 de Janeiro de 2017, 13h02 | Última atualização em Quarta, 18 de Outubro de 2017, 13h42

  • Renata Klautau Malcher de Araújo

    Uma vez que a palavra cidade tem origem no latim civitate é possível dizer-se que, ao menos no campo linguístico, a cidade surge em Portugal com a colonização romana. Tal é em boa parte verdade, embora, evidentemente, o território que viria a ser Portugal tenha tido longa ocupação anterior. Identificam-se as matrizes da ocupação castreja no norte ou os contatos com outros colonizadores (gregos, fenícios) na área do mediterrâneo. No entanto, no conjunto do povoamento pré-romano não terão havido elementos unificadores que pudessem definir a estrutura de cidades. Assim, a romanização é o primeiro dado da efetiva "urbanização" do território, o primeiro "nivelamento da diversidade"[1], que é feito não apenas pela instituição dos núcleos urbanos, mas pela efetiva organização física e social do território.

    Neste sentido, é importante notar que o termo civitate que vai dar origem à palavra cidade designava originalmente em latim não propriamente o espaço físico delimitado onde a população se instalava mas dizia respeito ao conjunto da ocupação territorial de uma determinada área. A civitate era assim toda uma região que envolvia não só o núcleo urbano, mas a área rural dele dependente, onde se distribuía a comunidade e onde eventualmente podiam haver outras povoações menores. Progressivamente a mesma palavra civitate foi então sendo associada ao centro urbano em si da região em causa, o oppidum mais populoso e onde se concentravam as infra-estruturas físicas e, sobretudo, onde se situava a sede do poder administrativo. Os dois significados terão permanecido em paralelo até que prevalecesse o sentido do centro urbano em detrimento da área territorial.

    De certo modo tal evolução linguística corresponde ao próprio processo histórico de urbanização da península durante a romanização. Como indica Alarcão, esse processo dá-se tanto pela apropriação de alguns "lugares centrais" já existentes, como pela criação de outros, estabelecendo ali os pólos urbanos onde se vai implantar a rede de infra-estruturas que caracterizam a colonização romana[2]. A cidade surge assim como o principal agente de hierarquização estrutural do território, ao mesmo tempo em que também é a base física da estruturação social, política e cultural que a romanização impunha. Todos estes aspectos originários ficaram marcados na carga semântica da palavra cidade sendo ainda hoje evidentes. Por um lado, e respeitando em parte o sentido inicial do vocábulo latino, ressalta-se a idéia da cidade como uma instância hierarquicamente superior na organização do território. Foi por esta via que se seguiu a identificação das cidades como os núcleos urbanos com sede episcopal, noção que perdurou a partir da Idade Média e que se prolongou por todo o Antigo Regime.

    É também essa a noção que permanece, sobretudo em Portugal, da cidade como um título de classificação dos núcleos urbanos de maior dimensão ou importância, que tem papel privilegiado nos contextos regionais e que aparecem numa categoria "superior" aos outros núcleos identificados pelos títulos de vila, povoação ou aldeia. Por outro lado, e ainda evocando o processo de evolução do termo latino, a cidade surge claramente identificada como o lugar de instalação do poder, o espaço onde este se concentra e de onde emana, o centro administrativo. E essa é possivelmente uma das mais significativas relações que o termo estabelece pois a idéia de cidade na cultura portuguesa está profundamente vincada por esta relação com a sede do poder, o que será especialmente sensível no processo de Expansão, como veremos.

    Na sequência da desintegração do império romano as cidades fundadas na península entraram naturalmente em ruptura, registrando-se casos tanto de abandono de certos núcleos como de hiper-concentração noutros. No entanto, a gradual mas completa penetração do cristianismo, a partir do séc. II, voltará de certo modo a repor um padrão de romanização. Embora em termos físicos a apropriação cristã dos espaços urbanos tenha sido diferente da dos romanos, perdendo-se em vários casos a regularidade da matriz romana, no que diz respeito à organização territorial o modelo do império continuava de pé. E é por esta via que se irá estabilizar ao longo da baixa Idade Média a noção de cidade como o núcleo urbano onde está situada a sede do bispado. A ocupação muçulmana de parte do território português (séc. VIII-XI) irá, por sua vez, também marcar uma outra faceta da apropriação dos antigos núcleos romanos. De uma maneira geral estes serão as suas principais bases de instalação, aos quais irão no entanto desenvolver de acordo com a sua cultura, que embora com valores formais diferentes não deixava de ser marcadamente urbana.

    Desde a Reconquista Cristã, que dá efetivamente início a Portugal como nação, e ao longo de toda a primeira dinastia (séc. XII-XIV) o conceito vigente de cidade terá sido quase que exclusivamente o de núcleo urbano que abrigava uma sede episcopal, no que se dava seguimento à tradição cristã. Embora as cidades (apenas 9 durante este período), coincidissem de fato com os maiores centros do país, aparentemente esta classificação não implicava numa desconsideração dos outros núcleos urbanos. Várias vilas integravam as cortes do reino incluindo-se entre elas alguns núcleos de grande importância econômica e populacional, como era o caso de Santarém. Os títulos quer de cidade, quer de vila, eram concedidos por carta de foral e apenas ao rei, em última instância, cabia tal prerrogativa (embora em determinadas circunstâncias o rei pudesse conceder a outrem o direito de criar vilas, como foi o caso das ordens militares no reino e como seria o caso dos capitães-donatários nas ilhas atlânticas e no Brasil).

    A concessão de cartas de foral foi, na verdade, o principal instrumento da "construção" do território português. Os forais eram a base legal do município, o meio para estabelecer institucionalmente as cidades, e eram usados tanto no caso dos povoados previamente existentes que eram conquistados para o reino, como no caso da fundação de novos. É especialmente importante notar que a instituição de uma "cidade" ou "vila" não implicava necessariamente a criação física de um núcleo (uma vez que este podia já existir) mas tratava-se da imposição de uma instituição jurídica que integrava aquele espaço no reino. Assim, tal como na colonização romana, a criação da cidade é vista como um instrumento de expansão e controle do território. Note-se no entanto, que aqui não se tratava de submeter uma região ao conjunto do Império, como era no contexto romano, mas de conquistar independência e autonomia. De todos os modos, em ambos os casos, as cidades foram utilizadas para marcar as áreas de domínio: no primeiro momento para expandir os tentáculos do Império, no segundo, para "desenhar" as fronteiras do novo reino.

    Este mesmo procedimento, em vários aspectos, repetir-se-á no contexto da Expansão, onde as cidades serão usadas como instrumento de conquista e estruturação dos territórios conquistados e também como agentes colonizadores em si pretendendo através delas impor novos modelos culturais. A gestão da concessão de cartas de foral por parte do rei representa também uma base profunda da urbanização portuguesa, desde que ela pode ser assim chamada. O Estado (o rei) é historicamente em Portugal um "urbanizador" e gestor da urbanização. Durante a primeira dinastia, e em especial nos reinados de D. Afonso III (1245-1279) e D. Dinis (1279-1325), foram instituídos, com as respectivas cartas de foral, a maior parte dos municípios até hoje existentes. São evidentes as diferenças no tipo de ação e distribuição dos municípios dependendo da região. No centro e sul (Alentejo e Algarve), de uma maneira geral, os novos municípios sobrepunham-se aos núcleos preexistentes que estavam sob domínio muçulmano, mantendo uma ocupação do território que em linhas gerais remontava já ao período romano, que valorizava as áreas centrais da península e os portos do sul. No norte (Minho e Trás-os-Montes), há um investimento crucial na criação de novos municípios, que pretendiam garantir a ocupação destas zonas despovoadas assim como marcar os limites com os reinos vizinhos de Espanha. O mesmo procedimento é tomado ao longo de toda a fronteira oriental, com o estabelecimento de uma série de vilas e castelos que literalmente desenham o território e fazem com que Portugal seja, dentre os países europeus, um dos que mais cedo definiu os seus limites. Estabelecida a fronteira interior o procedimento urbanizador seguinte é a progressiva ocupação das áreas do litoral, onde também se faz notar a ação régia, com a criação, durante os séculos XIII e XIV, de uma série de póvoas marítimas.

    Em vários casos a criação dos novos núcleos implicou não apenas o estabelecimento do seu órgão de funcionamento jurídico, a câmara, como também o seu desenho formal no terreno. Nessas circunstâncias seguiram-se padrões morfológicos regulares, similares aos utilizados em outros países europeus no mesmo período, como é o caso das "bastides" francesas. Tratavam-se, no fundo, de operações de colonização interna incentivando o povoamento de determinadas áreas. Na conjuntura francesa era evidente o imperativo da defesa e as novas povoações caracterizavam-se pela existência quase sempre de muralhas e pelo processo regularizado de desenho das ruas e de distribuição de lotes. No caso português nem sempre existem as defesas externas, mas o processo de distribuição de lotes é similar (na sua maioria profundos e estreitos) e as ruas desenham-se de forma regular.

    Quando, com a tomada de Ceuta em 1415, tem início o processo de Expansão, o quadro urbano do território português está estabilizado. As novas povoações vão-se fazer, sobretudo no ultramar. Grosso modo, mantinham-se as linhas mestras de ocupação definidas durante a primeira dinastia com uma maior concentração de núcleos urbanos no centro e sul e o despontar dos núcleos do litoral. Lisboa era naturalmente a maior cidade do país, seguida pelo Porto, Évora e Coimbra. Em termos formais é impossível estabelecer um padrão comum que abarque todos os núcleos urbanos, mas a maioria é, com vimos, produto de um longo passado que remonta aos romanos, passando pelos muçulmanos e pela retomada cristã. Este processo espelha-se não apenas na forma urbana, mas também na própria estrutura social das cidades onde convivem os dados que formaram a cultura portuguesa.

    Na altura do descobrimento do Brasil, apesar de algum crescimento demográfico, as cidades e vilas principais eram ainda bastante pequenas em termos populacionais. Apenas 33 aglomerações urbanas tinham mais de 500 fogos (2000 a 2500 habitantes)[3]. Lisboa era a única que escapava a este quadro, concentrando, em 1527, cerca de 60.000 habitantes, num processo que teria contínuo crescimento, incrementado naturalmente pelo seu papel de capital do Império.

    Dois momentos são especialmente marcantes na evolução urbana de Lisboa: o período manuelino e a reconstrução pombalina da cidade após o terremoto de 1755. Durante o reinado de D. Manuel I (1498-1521) Lisboa assiste a uma série de intervenções que moderniza o seu tecido urbano. Alargam-se algumas ruas e abrem-se novos eixos, estabilizam-se em termos formais as duas grandes praças da cidade, o Rossio e o Terreiro do Paço e, especialmente nesta última, voltada para o Tejo, são criados os grandes equipamentos urbanos a partir de onde se fazia a gestão do Império (a Ribeira das Naus, o Paço, a Alfândega). O sismo de 1755 viria atingir Lisboa com especial violência, abalando, sobretudo a sua zona central, a baixa. A reconstrução da capital é gerida politicamente pelo marquês de Pombal e executada pelos engenheiros militares do reino, tendo a frente Manuel da Maia, Eugênio dos Santos e Carlos Mardel. Trata-se de um dos mais importantes processos de desenho urbano do século XVIII que fez surgir dos escombros da cidade soterrada uma nova Lisboa. Com malha urbana regular e edifícios submetidos a uma rigorosa simetria, o projeto da reconstrução alia os dados da modernidade com a tradição procurando manter no desenho da cidade reconstruída os principais elementos da cidade destruída, em especial as duas grandes praças.

    Além dos valores em si do projeto, não se pode deixar de considerar os elos que a reconstrução de Lisboa estabelece com o urbanismo da Expansão. As várias vilas e cidades fundadas por todo o império, e, sobretudo no Brasil, foram o fundamento da prática de uma verdadeira escola de arquitetura e urbanismo de que os engenheiros pombalinos eram os herdeiros e continuadores.É esta Lisboa, ainda em obras de reconstrução, que é o cenário da maioria dos documentos que se referem às cidades em Portugal que se encontram no Arquivo Nacional[4]. Escritos entre 1801 e 1819, os documentos, na maior parte dos casos, espelham a complicada conjuntura da capital durante os anos de ausência da corte. As principais preocupações dizem respeito, naturalmente, às questões de ordem pública. Viveram-se neste período as sucessivas ocupações francesas e a capital era palco de importantes disputas políticas entre os partidários da presença estrangeira e os que lhes resistiam. Percebe-se um clima de denúncia constante. Vários documentos se referem diretamente a estas questões ressaltando-se neste caso a importância cada vez maior dos meios de divulgação (a imprensa, os panfletos, etc.).

    Mas por trás e para, além disso, a vivência urbana, a indiscutível herança, desde sempre apontada como traço de união entre a metrópole a colônia, é também visível nos documentos. Um interessante conjunto trata de questões relacionadas com a higiene urbana e com a iluminação pública que apontam para a continuidade dos cuidados da câmara na gestão do espaço urbano e que remetem para o quadro maior das preocupações higiênicas que viria marcar o urbanismo do século XIX. É especialmente significativo notar que estas mesmas preocupações também estão presentes na gestão do Rio de Janeiro, então convertido em capital do Império. 

    [1] Cf. Walter Rossa. A Cidade Portuguesa, in "História da Arte Portuguesa" (dir. Paulo Pereira), vol. III. Lisboa : Círculo de Leitores, 1995.
    [2]Cf. ALARCÃO, Jorge - A cidade Romana em Portugal. A formação de "lugares centrais" em Portugal: da Idade do Ferro à Romanização, In "Cidades e História", Lisboa : Fundação Calouste Gulbenkian, 1992. 
    [3] Orlando Ribeiro. Cidade, in "Dicionário da História de Portugal", vol. II. Porto : Livraria Figueirinhas, 1992, pp. 60-65.
    [4] No conjunto documental da Secretaria de Estado do Ministério do Reino, reunidos em coleção intitulada "Negócios de Portugal" (código de fundo 59), encontram-se cerca de 27 documentos que tem "cidades (Portugal)" como argumento de pesquisa.

  • Conjunto documental: Secretaria de Estado do Ministério do Reino

    Notação: Caixa 651, pct 01
    Datas-limite:1803-1814
    Título do fundo ou coleção: Negócios de Portugal
    Código do fundo: 59
    Argumento de pesquisa: cidades, ordem pública (Portugal)
    Ementa: edital escrito por João José Mascarenhas de Azevedo e Silva dirigido aos habitantes de Alentejo, onde se enaltece o povo de Beja que resistiu à ocupação francesa. O documento contém ainda relatos de batalhas e passagens sobre as relações entre Portugal, Espanha e Inglaterra.
    Data do Documento: 5 de julho de 1808
    Local: Mértola
    Folha (s): -

    Conjunto documental: Secretaria do Estado do Ministério do Reino
    Notação: Caixa 651, pct 01
    Datas-limite: 1803-1814
    Título do fundo ou coleção: Negócios de Portugal
    Código do fundo: 59
    Argumento de pesquisa: cidades, ordem pública (Portugal)
    Ementa: relatório do armamento da força que foi mandada em socorro do Porto, contendo minuciosa descrição dos combates havidos. O documento escrito por Antônio Marcellino de Victoria relata a deserção de mais de 600 homens, em decorrência dos boatos sobre a legitimidade de seu oficial. Diz ter sofrido insultos por parte da população e acredita que os autores de tais calúnias tenham sido os franceses, tentando fazer as autoridades lusitanas caírem em descrédito.
    Data do Documento : 3 de Abril de 1809
    Local: Coimbra
    Folha (s): 1 e 1v

    Conjunto documental: Ministério do Reino
    Notação: Caixa 626, pacote 04
    Datas-limite: 1816-1817
    Título do fundo ou coleção: Negócios de Portugal
    Código do fundo: 59
    Argumento de pesquisa: cidades, iluminação pública (Portugal)
    Ementa: ofício assinado por Ricardo Raimundo Nogueira, por Alexandre Ferreira Castelo e pelo marquês de Borba ao Conselho da Fazenda. Trata do requerimento de Gervásio Portazio da Costa, inspetor dos faróis da barra de Lisboa queixando-se do pagamento do imposto da iluminação pública, que estava sendo cobrado até mesmo sobre o azeite comprado pela Real Junta do Comércio para utilização nos faróis públicos.
    Data do documento: s.d.
    Local: Palácio do Governo, Lisboa
    Folha (s): doc. 26

    Conjunto documental: Secretaria de Estado do Ministério do Reino
    Notação: Caixa 684, pct. 01
    Datas-limite: 1801-1819
    Título do fundo ou coleção: Negócios de Portugal
    Código do fundo: 59
    Argumento de pesquisa: cidades, ordem pública (Portugal)
    Ementa: carta escrita pelos três governadores do Reino, entre eles o 2º marquês de Borba, a d. João VI na qual reiteravam os motivos pelos quais os periódicos “Correio Brasiliense” e “O Português” estavam proibidos de serem editados e vendidos em Portugal e seus domínios. Os periódicos eram acusados de incitar o povo a fazer tumultos e revoluções, perturbar a harmonia do Reino, disseminar idéias sobre anarquia e contar mentiras sobre a Revolução Francesa, entre outras acusações.
    Data do documento: 23 de Dezembro de 1817.
    Local: Lisboa, Palácio do Governo.
    Folha (s): Pac. 1,100; folhas 153 a 166

    Conjunto documental: Secretaria de Estado do Ministério do Reino
    Notação: Caixa 678, pct. 01
    Datas-limite: 1764-1808
    Título do fundo ou coleção: Secretaria de Estado
    Código do fundo: 59
    Argumento de pesquisa: cidades, ordem pública (Portugal)
    Ementa: aviso emitido por d. Rodrigo de Souza Coutinho para o intendente geral da Polícia sobre as ordens do príncipe regente d. João para a conservação da tranqüilidade pública e a segurança dos que andam pela cidade. Ordena-se que após o anoitecer as casas que tiverem suas portas para a rua devam ser trancadas e que cada um de seus moradores deve ter uma cópia da chave. Em caso de habitações muito grandes e com vários moradores, dever-se-ia iluminar bem com lampiões para que a Guarda pudesse reconhecer se havia algum “mal intencionado” escondido dentro da casa.
    Data do documento: 28 de dezembro de 1801.
    Local: Palácio de Queluz
    Folha (s): Pacotilha n.º 1,68

    Conjunto documental: Secretaria de Estado do Ministério do Reino
    Notação: Caixa 709, pacote 01
    Datas-limite: 1803-1814
    Título do fundo ou coleção: Negócios de Portugal
    Código do fundo: 59
    Argumento de pesquisa: Cidades, ordem pública (Portugal)
    Ementa: ofício de Lucas de Seabra da Silva, intendente geral da Polícia do Reino de Portugal a d. Fernando José de Portugal e Castro, conde de Aguiar, justificando a recusa ao pedido do padre João Teixeira de Carlos de que o seu ordenado continuasse sendo pago pelos cofres da Polícia. O intendente relata os inúmeros gastos que estavam sendo empreendidos para a limpeza e manutenção das calçadas da cidade de Lisboa e com os franceses detidos em Cascais. Além disso, o intendente fala da diminuição dos rendimentos do Reino devido ao fato de Lisboa ter tido suas exportações bastante reduzidas. A crise financeira estaria dificultando, inclusive, a manutenção de serviços básicos na Capital.
    Data do documento: 4 de agosto de 1810
    Local: Lisboa
    Folha (s): documento 41, folhas 263 e 263 v

    Conjunto documental: Consultas do Senado da Câmara de Lisboa.
    Notação: Códice 257
    Datas-limite: 1812-1820
    Título do fundo ou coleção: Negócios de Portugal
    Código do fundo: 59
    Argumento de pesquisa: Cidades, higienização (Portugal)
    Ementa: consulta do Senado da Câmara de Lisboa ao rei d. João VI sobre a representação do conselheiro do Pelouro da Almotaçaria, inspetor e superintendente da Praça da Venda Pública chamada “da Figura”. Tal conselheiro julga ser necessário inspecionar a praça no intuito de verificar se está conforme regulamento de 7 de fevereiro de 1800. Dentre suas reflexões baseadas no regulamento supracitado, menciona a necessidade de limpeza da área em horários determinados.
    Data do documento: 23 de fevereiro de 1818.
    Local: Lisboa
    Folha (s): 86 a 88 v

    Conjunto documental: Consultas do senado da câmara de Lisboa.
    Notação: Códice 257
    Datas-limite: 1812-1820
    Título do fundo ou coleção: Negócios de Portugal
    Código do fundo: 59
    Argumento de pesquisa: cidades, higienização (Portugal)
    Ementa: consulta do Senado da Câmara de Lisboa ao rei d. João VI sobre a preocupação com o estabelecimento de fábricas de destilação de aguardentes, de vidros e de depósitos de lenha no centro da cidade. Tal preocupação deve-se a exemplos como o incêndio na fábrica de vidros da Bica do Sapato no dia 19 de junho. Além da preocupação com a possível ocorrência de incêndios, outro inconveniente na instalação de fábricas no centro da cidade é o fato de muitas pessoas migrarem das províncias, deixando-as despovoadas. Dessa forma, o Senado pede ao rei que as fábricas sejam levadas para locais distantes da cidade, baseado em dois alvarás emitidos por d. Sebastião.
    Data do documento: 25 de julho de 1819
    Local: Lisboa
    Folha (s): 128 v a 130

    Conjunto documental: Secretaria de Estado do Ministério do Reino
    Notação: Caixa 709, pacote 01
    Datas-limite: 1803-1814
    Título do fundo ou coleção: Negócios de Portugal
    Código do fundo: 59
    Argumento de pesquisa: cidades, ordem pública (Portugal)
    Ementa: ofício de João Antônio Salter de Mendonça, secretário do Governo ao arcebispo da cidade de Braga. Solicita que fosse comunicado aos párocos de todas as igrejas de sua diocese o pedido de muitas orações e preces públicas para que Deus abençoasse as armas e os aliados dos portugueses, que se preparavam para a defesa do terceiro ataque dos exércitos franceses, liderados pelo general Massena.
    Data do documento: 25 de Junho de 1810
    Local: Lisboa
    Folha (s): Documento 24

    Conjunto documental: Secretaria de Estado do Ministério do Reino
    Notação: Caixa 709, pct. 01
    Datas-limite: 1803-1814
    Título do fundo ou coleção: Negócios de Portugal
    Código do fundo: 59
    Argumento de pesquisa: cidades, ordem pública (Portugal)
    Ementa: impresso intitulado “Providências de Polícia para os bairros de Lisboa”, assinado por João Antônio Salter de Mendonça, secretário do governo. Contêm as regras pelas quais os corregedores e juízes do Crime deveriam se guiar para organizar a distribuição dos órgãos policiais pelos bairros da cidade de Lisboa: Bairro-Alto, Alfama, Mouraria, Andaluz, Mocambo, Rocio, Belém e Santa Catarina.
    Data do documento: 28 de março de 1810
    Local: Lisboa
    Folha (s): Documento 53

    Conjunto documental: Secretaria de Estado do Ministério do Reino
    Notação: Caixa 709, pacote 01
    Datas-limite: 1803-1814
    Título do fundo ou coleção: Negócios de Portugal
    Código do fundo: 59
    Argumento de pesquisa: Cidades, ordem pública (Portugal)
    Ementa: ofício de João Antônio Salter de Mendonça, secretário do governo a d. Fernando José de Portugal e Castro, conde de Aguiar, comunicando que, após sucessivos esforços, a cidade de Lisboa encontrava-se em grande tranqüilidade. Para tal, haviam sido presos suspeitos de serem partidários dos jacobinos e fora controlada a conspiração formada para a “entrega” do Reino. O autor ressalta a importância do exército para a pacificação da cidade de Lisboa e expulsão dos invasores.
    Data do documento: 8 de novembro de 1810
    Local: Lisboa
    Folha (s): doc. 46, folhas 276 e 276v

    Conjunto documental: Secretaria de Estado do Ministério do Reino
    Notação: Caixa 678, pacote 01
    Datas-limite: 1764-1808
    Título do fundo ou coleção: Negócios de Portugal
    Código do fundo: 59
    Argumento de pesquisa: cidades, iluminação pública (Portugal)
    Ementa: ofício do intendente geral da Polícia da Corte e Reino a d. Rodrigo de Souza Coutinho, remetendo cópia da conta dirigida ao Ministro Secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros da Guerra, para “ressuscitar a iluminação de Lisboa”, o que muito concorrerá “para manter a tranqüilidade Pública, e para a segurança particular das pessoas que transitam de noite”.
    Data do documento: 17 de novembro de 1801
    Local: Lisboa
    Folha (s): Pacotilha 1,16

    Conjunto documental: Secretaria de Estado do Ministério do Reino
    Notação: Caixa 678, pacote 01
    Datas-limite: 1764-1808
    Título do fundo ou coleção: Negócios de Portugal
    Código do fundo: 59
    Argumento de pesquisa: Cidades, iluminação pública (Portugal)
    Ementa: cópia enviada ao intendente geral da Polícia, Diogo Inácio de Pina Manique, do aviso remetido ao Senado pelo príncipe regente requerendo o orçamento da implantação e manutenção da iluminação da cidade.
    Data do documento: 3 de dezembro de 1801
    Local: Paço
    Folha (s): Pacotilha 1,4

    Conjunto documental: Secretaria de Estado do Ministério do Reino
    Notação: Caixa 694, pacote 01
    Datas-limite: 1808-1815
    Título do fundo ou coleção: Negócios de Portugal
    Código do fundo: 59
    Argumento de pesquisa: cidades, ordem pública (Portugal)
    Ementa: documento da Conta dos Governadores, que registra a denúncia do periódico “Correio Brasiliense” feita pelo juiz do Crime do Porto alegando que esta publicação “está cheia de doutrinas subversivas de ordem social e espalha a insurreição”.
    Data do documento: 16 de agosto de 1809
    Local: Lisboa
    Folha (s): _

    Conjunto documental: Secretaria de Estado do Ministério do Reino
    Notação: Caixa 694, pacote 01
    Datas-limite: 1808-1815
    Título do fundo ou coleção: Negócios de Portugal
    Código do fundo: 59
    Argumento de pesquisa: Cidades, ordem pública (Portugal)
    Ementa: documento da Conta dos Governadores com a tradução do folheto “Política Popular” que contém matérias perigosas e novidades contrárias à Soberania.
    Data do documento: 16 de agosto de 1809
    Local: Lisboa
    Folha (s): _

    Conjunto documental: Consultas do Conselho da Fazenda de Lisboa
    Notação: códice 253, vol 2
    Datas-limite: 1814-1818Título do fundo ou coleção: Negócios de Portugal
    Código do fundo: 59
    Argumento de pesquisa: cidades, iluminação pública (Portugal)
    Ementa: requerimento dos moradores de Condeira, nova comarca de Coimbra, pedindo o perdão das contribuições do ano de 1810 que não haviam sido pagas em função da invasão francesa. No dia 21 de abril de 1815, foi concedido o perdão das dividas.
    Data do documento: 21 de abril de 1815
    Local: Rio de Janeiro
    Folha(s): 50v

    Conjunto documental: Secretaria de Estado do Ministério do Reino
    Notação: Caixa 684, pct. 01
    Datas-limite: 1801-1819
    Título do fundo ou coleção: Negócios de Portugal
    Código do fundo: 59
    Argumento de pesquisa: cidades, ordem pública (Portugal)
    Ementa: carta dos governadores do Reino para d. João VI comunicando a execução pública de conspiradores, acompanhada pelo povo da cidade que estava horrorizado pelos delitos cometidos. Relata que tudo transcorreu com tranqüilidade, ressaltando, ainda, o amor e a fidelidade do povo para com o rei e que esperam ansiosamente por sua volta.
    Data do documento: 25 de Outubro de 1817.
    Local: Lisboa, Palácio do Governo
    Folha(s): Pacotilha n.º 1,46 documento n.º 496

    Conjunto documental: Secretaria de Estado do Ministério do Reino.
    Notação: Caixa 684, pct. 01
    Datas-limite: 1801-1819
    Título do fundo ou coleção: Negócios de Portugal
    Código do fundo: 59
    Argumento de pesquisa: cidades, ordem pública (Portugal)
    Ementa: carta de Joaquim Guilherme da Costa para o chanceler que serve de regedor João Antônio Salter de Mendonça descrevendo as execuções de Gomes Freire de Andrade e mais onze indivíduos, todos condenados por conspiração. A carta informa que tudo transcorreu tranqüilamente, sem a menor alteração do povo.
    Data do documento: 19 de Outubro de 1817
    Local: Lisboa
    Folha(s): Pacotilha n.º 1,46 documento n.º 2

    Conjunto documental: Secretaria de Estado do Ministério do Reino
    Notação: Caixa 659, pct. 03
    Datas-limite: 1764-1810
    Título do fundo ou coleção: Negócios de Portugal
    Código do fundo: 59
    Argumento de pesquisa: cidades, ordem pública (Portugal)
    Ementa: documento da Conta dos Governadores sobre várias medidas régias, como a apreensão dos exemplares da “Tradução da Política Popular”; a censura ao “Correio Brasiliense”; o controle da fábrica das fitas de Graciano Salicho. Há também a aprovação do dia de aniversário da expulsão do governo francês, assim como a prisão de indivíduos que pudessem perturbar a tranqüilidade pública.
    Data do documento: 22 de abril de 1810
    Local: Lisboa
    Folha(s): Pacotilha n.º 3,52; folhas 39 a 47

    Conjunto documental: Secretaria de Estado do Ministério do Reino
    Notação: Caixa 659, pct. 03
    Datas-limite: 1764-1810
    Título do fundo ou coleção: Negócios de Portugal
    Código do fundo: 59
    Argumento de pesquisa: cidades, ordem pública (Portugal)
    Ementa: Documento da Conta dos Governadores, onde relatam vários assuntos, entre eles, a aprovação do dia 12 de maio para se festejar a expulsão dos franceses da cidade do Porto. Em anexo há a representação da Câmara do Porto para esta festa, datada de 7 de abril de 1810, onde é sugerido que os habitantes iluminem suas casas como demonstração de gratidão à nação britânica.
    Data do documento: 26 de abril de 1810
    Local: Lisboa
    Folha(s): Pacotilha n.º 3,63

    Conjunto documental: Secretaria de Estado do Ministério do Reino
    Notação: Caixa 703, pct.03 
    Datas-Limite: 1809-1819
    Título do fundo: Negócios de Portugal
    Código do fundo: 59
    Argumento de pesquisa: cidades, ordem pública (Portugal)
    Ementa: parecer sobre a querela entre as lavadeiras do Tanque das Alçarias em Alfama, e o inspetor dos Incêndios Antônio Joaquim dos Santos. As lavadeiras se diziam perseguidas pelo Inspetor, mas ele atribui a origem do conflito a elas.
    Data do documento: 24 de abril de 1819
    Local: Lisboa
    Folha(s): _

    Conjunto documental: Secretaria de Estado do Ministério do Reino
    Notação: Caixa 677, pct.1 
    Datas-Limite: 1801-1820
    Título do fundo: Negócios de Portugal
    Código do fundo: 59
    Argumento de pesquisa: cidades, ordem pública (Portugal)
    Ementa: representação do Senado a d. João VI, onde argumenta sobre a necessidade dos rendimentos transferidos para a Intendência Geral da Polícia voltarem ao Senado, o qual se comprometia a iluminar a cidade, conservar a limpeza das ruas e conservar as calçadas, caminhos e pontes. O Senado disserta sobre o que é de competência da Intendência Geral da Polícia que, entre outras, seria extirpar a mendicância e a ociosidade das ruas. Também reconhecia a necessidade da instalação e a manutenção de uma guarda cívica a pé e a cavalo em número proporcional à extensão da cidade.
    Data do documento: 19 de dezembro de 1801
    Local: Lisboa
    Folha(s): Pacotilha 1,3 (documento 1)

    Conjunto documental: Secretaria de Estado do Ministério do Reino
    Notação: Caixa 677, pct.1
    Datas-Limite: 1801-1820
    Título do fundo: Negócios de Portugal
    Código do fundo: 59
    Argumento de pesquisa: cidades, ordem pública (Portugal)
    Ementa: consulta do Senado da Câmara de Lisboa a d. João VI, onde disserta sobre seu intuito em cumprir as ordens reais do aviso de 28 de julho, expedido pela Secretaria de Estado dos Negócios da Fazenda. Acredita ser necessário expor suas objeções, assim como seu trabalho realizado por vários séculos em relação às posturas que diziam respeito à limpeza da cidade, entulhos, caliças e canos. O Senado descreve sua obediência e eficiência em aplicar tais posturas na administração realizada até 1780. A partir de 1702, um novo método fora implantado para a limpeza da cidade por d. Pedro II. Vale destacar que a pacotilha contém  outros documentos referentes à administração do Senado em relação à limpeza da cidade, tais como: descrições anteriores sobre o estado imundo das ruas da cidade, denúncias do Senado sobre a existência de cães e porcos nas ruas, avisos, decretos, alvarás e ordens régias, além de outras consultas do Senado.
    Data do documento: 7 de agosto de 1802
    Local: Lisboa
    Folha(s): Pacotilha 1,11

    Conjunto documental: Secretaria de Estado do Ministério do Reino
    Notação: Caixa 677, pct.1
    Datas-Limite: 1801-1820
    Título do fundo: Negócios de Portugal
    Código do fundo: 59
    Argumento de pesquisa: cidades, ordem pública (Portugal)
    Ementa: consulta do Senado da Câmara de Lisboa a d. João VI, e demais documentos referentes à questão do direito da Casa do Ver o Peso de exigir avenças dos mercadores e negociantes da Corporação do Bacalhau e Peixe Seco e dos mercadores da Corporação de Mercearia da cidade de Lisboa, para licenciar o uso de pesos e balanças grandes em suas lojas. Os merceeiros e bacalhoeiros suplicaram ao Senado que justifique tal cobrança e também moveram uma ação ordinária nos feitos da Real Coroa e juízo contra o síndico do Senado e o administrador da Casa do Ver o Peso. O Senado apresenta documentos que mostram a origem deste direito de peso, a origem das avenças, o modo com que o atual administrador geral ajusta e convenciona as mesmas, entre outros. Dessa forma, justifica a cobrança de tal taxa anual e pede a d. João que indefira a ação movida pelos suplicantes e feche as portas de suas lojas.
    Data do documento: 16 de fevereiro de 1803
    Local: Lisboa
    Folha(s): Pacotilha 1, 23

    Conjunto documental: Secretaria de Estado do Ministério do Reino
    Notação: Caixa 659, pct.01
    Datas-Limite: 1782-1809
    Título do fundo: Negócios de Portugal
    Código do fundo: 59
    Argumento de pesquisa: cidades, ordem pública (Portugal)
    Ementa: sentença proferida contra o réu Joaquim José Fragoso Pereira, pelo desembargador Antônio Xavier de Moraes Teixeira Homem. Nela, o réu é acusado de ser partidista do governo francês, pois na época em que este ocupava Portugal, mostrava ser um “apaixonado” pelo governo invasor. Fazia diversos elogios calorosos em uma loja de bebidas que freqüentava, chegando até a falar mal do governo local e a fazer ameaças àqueles que dele discordasse.
    Data do documento: 15 de abril de 1809
    Local: Lisboa
    Folha(s):_

    Conjunto documental: Secretaria de Estado do Ministério do Reino
    Notação: Caixa 659, pct.01
    Datas-Limite: 1782-1809
    Título do fundo: Negócios de Portugal
    Código do fundo: 59
    Argumento de pesquisa: cidades, ordem pública (Portugal)
    Ementa: certidão de prisão do réu Thomas Ferrari, acusado de retirar papéis e cartazes que eram colocados pelas esquinas e ruas da cidade, não importando serem esses papéis de particulares ou de assuntos ligados ao Governo, autoridades civis e militares. Nos autos do crime, diz-se que o réu praticava tal ato apenas com o objetivo de aproveitar o papel, sem nenhum fim criminoso, mas que mesmo assim deveria ser penalizado.
    Data do documento: 23 de maio de 1809
    Local: Lisboa
    Folha(s):_

    Conjunto documental: Secretaria de Estado do Ministério do Reino
    Notação: Caixa 659, pct.01
    Datas-Limite: 1782-1809
    Título do fundo: Negócios de Portugal
    Código do fundo: 59
    Argumento de pesquisa: cidades, ordem pública (Portugal)
    Ementa: certidão de prisão do réu Diogo Soares da Silva e Bivar, onde este é acusado de ter hospedado em sua casa, na vila de Abrantes, o general Junot no período em que o exército francês passou pela dita vila. Também é acusado de ter ficado tão “afeiçoado” aos invasores, que passados poucos dias da invasão, este foi até Lisboa solicitar o cargo de juiz de fora.
    Data do documento: 23 de maio de 1809
    Local: Lisboa
    Folha(s):_

    Conjunto documental: Secretaria de Estado do Ministério do Reino
    Notação: Caixa 659, pct.01
    Datas-Limite: 1782-1809
    Título do fundo: Negócios de Portugal
    Código do fundo: 59
    Argumento de pesquisa: cidades, ordem pública (Portugal)
    Ementa: certidão de prisão de um grupo de nove homens acusados, de juntamente com muitas outras pessoas, terem promovido uma ceia e baile na noite do dia 29 de novembro de 1808, dando claramente como motivo o aniversário da fatal entrada dos franceses no Reino de Portugal.
    Data do documento: 23 de maio de 1809
    Local: Lisboa
    Folha(s):_

    Conjunto documental: Secretaria de Estado do Ministério do Reino
    Notação: Caixa 677, pct. 01
    Datas-limite: 1801-1820
    Título do fundo ou coleção: Negócios de Portugal
    Código do fundo: 59
    Argumento de pesquisa: Cidades Portugal
    Ementa: consulta do Senado da Câmara de Lisboa a d. João VI, em relação às posturas que diziam respeito à limpeza da cidade, entulhos, caliças e canos. Descreve o estado imundo das ruas da cidade, a existência de cães e porcos nas ruas. O documento mostra a preocupação da administração pública em melhorar as condições de limpeza da cidade.
    Data do documento: 07 de agosto de 1802
    Local: Lisboa
    Folha (s): Pacotilha 1,11

  • Limpeza pública

    Consulta do Senado da Câmara de Lisboa a d. João VI, em relação às posturas que diziam respeito à limpeza da cidade, entulhos, caliças e canos. Descreve o estado imundo das ruas da cidade, a existência de cães e porcos nas ruas. O documento mostra a preocupação da administração pública em melhorar as condições de limpeza da cidade.

     

    Conjunto Documental: Secretaria de Estado do Ministério do Reino
    Notação: Caixa 677, pct. 01
    Datas-limite: 1801-1820
    Título do fundo ou coleção: Negócios de Portugal
    Código do fundo: 59
    Argumento de pesquisa: Cidades Portugal
    Data do documento: 07 de agosto de 1802
    Local: Lisboa
    Folha (s): Pacotilha 1,11

     

    Leia esse documento na íntegra

     

    “Senhor,

    O Senado da Câmara[1] da capital deste Reino, que teve com ele o seu nascimento, e criação. Que todos os Senhores Reis, Augustíssimos Predecessores de Vossa Alteza Real[2] distinguiram sempre com as maiores honras e privilégios, dando-lhe um lugar imediato ao trono nas Funções mais Brilhantes da Monarquia. Devendo dar à execução as Reais Determinações, que V.A.R. foi servido mandar-lhe executar pelo Aviso de 28 de julho próximo passado, expedido pela Secretaria de Estado dos Negócios da Fazenda; põem na Real Presença de V.A.R. as cópias autênticas, que no mesmo Régio Aviso se lhe assinalam, e para sua maior inteligência, buscar demonstrar pois que desta demonstração pende conhecer V.A.R., não só a antiguidade deste principal ramo da economia, que o Senado desde o princípio do Reino administrou, até ao ano de 1780, mas o muito que trabalhou sempre para se dar um método seguro para a limpeza da cidade, o qual conseguiu no feliz Reinado do Senhor Rei Dom Pedro Segundo[3], que está em Glória, terceiro avô de V.A.R. (...).

    (...) mostra o Senado as providências que fez dar sobre a mesma limpeza, entulhos lançados nas praias, porcos vagando pela cidade, proibição feita aos Contratadores da Limpeza para não lançarem as lamas das ruas quando chovia nos canos da cidade; para se evitar que se amarrassem embarcações nas pontes da limpeza: para que os (sic) não pudessem estrumar as hortas com a lama das ruas, pelo prejuízo que se seguia à Saúde Pública: Estes os cuidados que o Senado sempre teve na limpeza da cidade (...).

    (...) seria de muito peso, e de grande ruína à maior parte dos fiéis vassalos[4] de V.A.R. obrigá-los para que não lançassem águas, ou imundices pelas janelas, vendo-as depositar no meio das ruas de noite, ou de manhã cedo: a maior parte dos habitantes desta capital, são os menos abastados, e que por isso habitam os quartos mais iminentes dos edifícios, sem meios de pagarem a quem os sirva, e sem forças para se servirem a si mesmos: seria inútil obrigá-los a este fim, ou seriam as condenações tantas, como os moradores, de que se seguiria infalivelmente não poder ser a lei executada, ou as grandes vexações do povo, quanto mais, que tanto estes moradores, como aqueles a quem se impusesse a obrigação de varrerem a sua testada, pagam diariamente no subsidio dos reais para que se lhes faça a limpeza, e seria contra a Reta e Real Intenção de V.A.R. que pagando os seus fiéis vassalos um subsidio diário para serem pagos os que lhe fizessem esta limpeza, a houvessem eles de fazer por si mesmos ou pagarem de novo a quem lha fizesse, isto seria arder em dois fogos, o que  não permitem as Leis, nem V.A.R.  o quer permitir.

    (...) na consulta, que subiu à Real Presença de V.A.R. , em dezenove de dezembro do ano próximo passado, em observância do Real Aviso de sete do dito mês e ano, teve o Senado a honra de expôs a V.A.R. as objeções que havia, e o que tinha já praticado o Intendente Geral da Polícia[5] sobre a extinção da multiplicidade de cães, que vagam sem dono por esta capital, cuja consulta ainda V.A.R. se não dignou de resolver. Porém no caso de ser do agrado de V.A.R., que se extingam os ditos animais, a Guarda Real da Polícia[6] pode ter todo o cuidado, sobre esta extinção, havendo-o V.A.R. assim por bem, e o Magistrado[7] que administra a limpeza ter igual cuidado de mandar enterrar os cadáveres. Quanto aos porcos, quase todos os que surgem por esta cidade são de pessoas muito poderosas, e por isso os Oficiais da Almotaçaria[8] temem de os apreender, sem embargo das Ordens do Senado, que faz menção o Apenço no 5 e por isso só a Guarda Real da Polícia poderá fazer esta apreensão (...) O Senado em todo o tempo zeloso de cumprir a Real vontade dos Soberanos e muito mais a de V.A.R., sem embargo das justificadas objeções que propõem, e provas exuberantes, que demonstra a eficaz vigilância que teve sempre nesta administração, e nas mais da sua jurisdição, conferidas pela Monarquia, cumprirá com a maior submissão, humildade e profundo respeito tudo quanto por V.A.R. lhe for ordenado, na certeza que V.A.R. só quer, deseja e promove o bem de seus fiéis vassalos, o que pede a retidão e demonstra a justiça. Porém sobretudo V.A.R. ordenará o que for mais do Seu Real Agrado. Lisboa[9], sete de agosto de mil oitocentos e dois. Marquês de Pombal[10]; João José de Faria da Costa Abreu; João Anastácio Ferreira Raposo; José de Castro Henriques; Francisco de Mendonça Arraes Mello; Felizardo José Gorjão; Manoel Antonio de Souza Britto; Domingos João dos Santos; Anton

     

    [1]CÂMARA MUNICIPAL: peças fundamentais da administração colonial, as câmaras municipais representam o poder local das vilas. Foram criadas em função da necessidade de a Coroa portuguesa controlar e organizar as cidades e vilas que se desenvolviam no Brasil. Por intermédio das câmaras municipais, as cidades se constituíam como cenário e veículo de interlocução com a metrópole nos espaços das relações políticas. Do ponto de vista da administração municipal e da gestão política, foram, durante muitos anos, a única instituição responsável pelo tratamento das questões locais. Desempenhavam desde funções executivas até policiais, em que se destacam resolução de problemas locais de ordem econômica, política e administrativa; gerenciamento dos gastos e rendas da administração pública; promoção de ações judiciais; construção de obras públicas necessárias ao desenvolvimento municipal a exemplo de pontes, ruas, estradas, prédios públicos, etc; criação de regras para o funcionamento do comércio local; conservação dos bens públicos e limpeza urbana. As câmaras municipais eram formadas por três ou quatro vereadores (homens bons), um procurador, dois fiscais (almotacéis), um tesoureiro e um escrivão, sendo presidida por um juiz de fora, ou ordinário empossado pela Coroa. Somente aos homens bons, pessoas influentes, em sua grande maioria proprietários de terras, integrantes da elite colonial, era creditado o direito de se elegerem e votarem para os cargos disponíveis nas câmaras municipais.

    [2]JOÃO VI, D. (1767-1826): segundo filho de d. Maria I e d. Pedro III, se tornou herdeiro da Coroa com a morte do seu irmão primogênito, d. José, em 1788. Em 1785, casou-se com a infanta Dona Carlota Joaquina, filha do herdeiro do trono espanhol, Carlos IV que, na época, tinha apenas dez anos de idade. Tiveram nove filhos, entre eles d. Pedro, futuro imperador do Brasil. Assumiu a regência do Reino em 1792, no impedimento da mãe que foi considerada incapaz. Um dos últimos representantes do absolutismo, d. João VI viveu num período tumultuado. Foi sob o governo do então príncipe regente que Portugal enfrentou sérios problemas com a França de Napoleão Bonaparte, sendo invadido pelos exércitos franceses em 1807. Como decorrência dessa invasão, a família real e a Corte lisboeta partiram para o Brasil em novembro daquele ano, aportando em Salvador em janeiro de 1808. Dentre as medidas tomadas por d. João em relação ao Brasil estão a abertura dos portos às nações amigas; liberação para criação de manufaturas; criação do Banco do Brasil; fundação da Real Biblioteca; criação de escolas e academias e uma série de outros estabelecimentos dedicados ao ensino e à pesquisa, representando um importante fomento para o cenário cultural e social brasileiro. Em 1816, com a morte de d. Maria I, tornou-se d. João VI, rei de Portugal, Brasil e Algarves. Em 1821, retornou com a Corte para Portugal, deixando seu filho d. Pedro como regente.

    [3]PEDRO I, D. (1798-1834): batizado como Pedro de Alcântara Francisco Antônio João Carlos Xavier de Paula Miguel Rafael Joaquim José Gonzaga Pascoal Cipriano Serafim de Bragança e Bourbon, d. Pedro I era filho de d. João VI e de d. Carlota Joaquina. Tornou-se herdeiro da Coroa portuguesa após a morte do primogênito Antônio, recebendo o título de príncipe real no mesmo ano da sagração de d. João como rei de Portugal, em 1816. Casou-se com a arquiduquesa da Áustria, Carolina Josefa Leopoldina em 1817, que veio a falecer no Brasil nove anos depois. Contraiu segundas? núpcias com a duquesa alemã Amélia Augusta em 1829. Com o retorno da família real a Portugal, em 1821, d. Pedro tornou-se príncipe regente do Brasil. Os planos políticos que as cortes de Lisboa destinavam ao Brasil levaram d. Pedro a romper definitivamente com Portugal, proclamando a independência do Brasil em setembro de 1822, quando foi sagrado e coroado imperador e defensor perpétuo do Brasil. O reinado de d. Pedro I (1822-1831) foi marcado por acontecimentos importantes como a convocação e dissolução da Assembleia Constituinte (1823); a outorga da primeira constituição do Brasil (1824); a criação do Conselho de Estado e a Guerra Cisplatina (1825-1828). Com a morte de d. João, em 1826, d. Pedro ascendeu ao trono, recebendo o título de Pedro IV. Forçado a abdicar em favor de sua filha primogênita, Maria da Glória, nomeou seu irmão d. Miguel como regente. Em 1831, foi a vez de d. Pedro abdicar do trono no Brasil, em favor do seu filho Pedro de Alcântara. A esta altura o monarca já havia dado várias demonstrações de seu caráter autoritário, a exemplo da dissolução da Assembleia Legislativa e do afastamento dos irmãos Andrada do governo por defenderem ideias consideradas radicais como o fim da escravidão e a limitação dos poderes do imperador. Os empréstimos com a Inglaterra, conflitos internos e a Guerra da Cisplatina agravaram a situação financeira do recém-criado Império, além das disputas entre os grupos políticos formados pelos partidos português, brasileiro e radical, que incendiavam ainda mais o contexto instável do governo e contribuíam para a impopularidade do imperador que, também no aspecto pessoal, era visto como boêmio e mantinha um famoso caso extraconjugal com a marquesa de Santos. Todos esses fatores levaram à abdicação do trono brasileiro e, ao regressar a Portugal, d. Pedro assumiu a liderança nas lutas contra seu irmão pelo trono. Amante da música, d. Pedro I compôs o hino da Carta (posteriormente adotado como hino nacional português até 1910) e o hino da independência do Brasil. Morreu tuberculoso em 1834.

    [4] VASSALO: súdito do rei, independentemente de sua localização no Império. Até o século XV, o título “vassalo” era empregado para designar homens fiéis ao rei, aqueles que o serviam na guerra, sendo, portanto, cavaleiros ou nobres de títulos superiores. Em troca do apoio e serviços realizados, recebiam tenças (pensões), dadas, inicialmente, a todos os vassalos e seus filhos varões. Na medida em que se pulverizaram as distribuições destes títulos, principalmente por razões de guerra (a conquista de Ceuta foi a mais significativa nesse processo), e que eles começaram a ser mais almejados, principalmente pelos plebeus e burgueses em busca de mercês e de aproximação com a realeza, o rei diminui a concessão dos títulos, e, mais importante, das tenças. A esta altura, as dificuldades financeiras da monarquia também empurraram para a suspensão da distribuição dos títulos e benefícios. O rei passa, então, a conceder mercês e vantagens individuais, e o termo vassalo se esvazia do antigo significado de título, passando a indicar homens do rei, súditos e habitantes do reino, de qualquer parte do Império.

    [5]INTENDÊNCIA GERAL DA POLÍCIA DO REINO: órgão criado em 1760 pelo marquês de Pombal, tinha entre suas atribuições a segurança pública e a manutenção da ordem, inclusive fazendo uso de espiões e informantes. Seu intendente mais conhecido foi Diogo Inácio de Pina Manique, nomeado em 1780 por d. Maria I, e esteve à frente da instituição por 25 anos, até sua morte. Durante o período das invasões francesas o papel da Intendência foi se desvalorizando gradualmente, principalmente face ao crescimento de importância da Guarda Real da Polícia, que atuava como instrumento repressivo e militar, sob a orientação inglesa. Esse processo culminou com a extinção do órgão em 1833. A Intendência funcionou fortemente na repressão aos crimes, comuns ou políticos, e inovou ao propor uma estratégia de prevenção à criminalidade, promovendo a educação de meninos órfãos e pobres, com a criação da Casa Pia de Lisboa. Respondeu ainda pela censura de livros e ideias “perigosas” e revolucionárias, pela circulação, em oposição, de panfletos difundindo os “bons costumes” e também ordenando e controlando o espaço urbano. O órgão era responsável pela iluminação da cidade, pela inspeção dos portos, para impedir a entrada de epidemias e febres pelos navios, pelo combate ao contrabando, pelas reformas de melhoramento de ruas, calçadas e chafarizes e até mesmo pela arborização de ruas e praças.

    [6]GUARDA REAL DA POLÍCIA DE LISBOA: criada em 10 de dezembro de 1801, no período das reformas militares (1796-1807) promovidas pelo governo português, estava subordinada ao Intendente Geral da Polícia da Corte e do Reino, consequência direta do empenho de d. Rodrigo de Sousa Coutinho (Secretário de Estado da Marinha e Domínios Ultramarinos). Sua composição original tinha como base a divisão em oito companhias de infantaria e quatro de cavalaria, em um total de 642 homens de todas as patentes. Este número sofreu aumento gradativo devido à maior necessidade de segurança na região, principalmente em relação ao contrabando e outros delitos. O primeiro comandante nomeado foi o oficial francês emigrado, conde de Novion, que permaneceu no cargo até 1808, abandonando-o em função de sua colaboração intensa com o exército francês de Junot, durante a invasão a Portugal. Em 1807, após a partida da família real, a Guarda Real recebeu ordens de permanecer em Portugal e recepcionar o general Junot, desde Sacavém até Lisboa. Suas funções mantiveram-se durante a presença francesa na cidade de Lisboa e o conde de Novion chegou a ser nomeado Governador das Armas da cidade. Os soldados que se recusaram a colaborar foram demitidos. Após a ocupação francesa, o comando da Guarda Real de Polícia foi substituído, sendo nomeado o major do regimento da cavalaria, Filipe de Sousa Canavarro.

    [7]MAGISTRADO: Era a pessoa investida de poderes da Nação para governar ou distribuir justiça.  Ministro da Justiça.

    [8]ALMOTACEL: juiz eleito pela câmara municipal, encarregado da inspeção dos pesos e medidas, da regulamentação dos preços dos gêneros alimentícios, da limpeza da cidade e outras funções no âmbito da segurança pública. De acordo com o costume e as leis portuguesas, esse cargo só poderia ser ocupado pelos chamados homens bons.

    [9]LISBOA: capital de Portugal, sua origem como núcleo populacional é bastante controversa. Sobre sua fundação, na época da dominação romana na Península Ibérica, sobrevive a narrativa mitológica feita por Ulisses, na Odisseia de Homero, que teria fundado, em frente ao estuário do Tejo, a cidade de Olissipo – como os fenícios designavam a cidade e o seu maravilhoso rio de auríferas areias. Durante séculos, Lisboa foi romana, muçulmana, cristã. Após a guerra de Reconquista e a formação do Estado português, inicia-se, no século XV, a expansão marítima lusitana e, a partir de então, Portugal cria núcleos urbanos em seu império, enquanto a maioria das cidades portuguesas era ainda muito acanhada. O maior núcleo era Lisboa, de onde partiram importantes expedições à época dos Descobrimentos, como a de Vasco da Gama em 1497. A partir desse período, Lisboa conheceu um grande crescimento econômico, transformando-se no centro dos negócios lusos. Como assinala Renata Araújo em texto publicado no site O Arquivo Nacional e a história luso-brasileira (http://historialuso.arquivonacional.gov.br/index.php?option=com_content&view=article&id=3178&Itemid=330), existem dois momentos fundadores na história da cidade: o período manuelino e a reconstrução pombalina da cidade após o terremoto de 1755. No primeiro, a expansão iniciada nos quinhentos leva a uma nova fase do desenvolvimento urbano, beneficiando as cidades portuárias que participam do comércio, enquanto são elas mesmas influenciadas pelo contato com o Novo Mundo, pelas imagens, construções, materiais, que vinham de vários pontos do Império. A própria transformação de Portugal em potência naval e comercial provoca, em 1506, a mudança dos paços reais da Alcáçova de Lisboa por um palácio com traços renascentistas, de onde se podia ver o Tejo. O historiador português José Hermano Saraiva explica que o lugar escolhido como “lar da nova monarquia” havia sido o dos armazéns da Casa da Mina, reservados então ao algodão, malagueta e marfim que vinham da costa da Guiné. Em 1º de novembro de 1755, a cidade foi destruída por um grande terremoto, com a perda de dez mil edifícios, incêndios e morte de muitos habitantes entre as camadas mais populares. Caberia ao marquês de Pombal encetar a obra que reconstruiu parte da cidade, a partir do plano dos arquitetos portugueses Eugenio dos Santos e Manuel da Maia. O traçado obedecia aos preceitos racionalistas, com sua planta geométrica, retilínea e a uniformidade das construções. O Terreiro do Paço ganharia a denominação de Praça do Comércio, signo da nova capital do reino. A tarde de 27 de novembro de 1807 sinaliza um outro momento de inflexão na história da cidade, quando, sob a ameaça da invasão das tropas napoleônicas, se dá o embarque da família real rumo à sua colônia na América, partindo no dia 29 sob a proteção da esquadra britânica e deixando, segundo relatos, a população aturdida e desesperada, bagagens amontoadas à beira do Tejo, casas fechadas, como destacam os historiadores Lúcia Bastos e Guilherme Neves (Alegrias e infortúnios dos súditos luso-europeus e americanos: a transferência da corte portuguesa para o Brasil em 1807. Acervo, Rio de Janeiro, v.21, nº1, p.29-46, jan/jun 2008. http://revista.arquivonacional.gov.br/index.php/revistaacervo/article/view/86/86). No dia 30 daquele mês, o general Junot tomaria Lisboa, só libertada no ano seguinte mediante intervenção inglesa.

    [10]MELO, SEBASTIÃO JOSÉ DE CARVALHO E (1699-1782): estadista português, nascido em Lisboa, destacou-se como principal ministro no reinado de d. José I (1750-1777). Filho do fidalgo da Casa Real Manuel de Carvalho e Ataíde e de d. Teresa Luísa de Mendonça e Melo, Sebastião José de Carvalho e Melo frequentou a Universidade de Coimbra; foi sócio da Academia Real da História Portuguesa (1733); ministro plenipotenciário de Portugal em Londres e Viena entre os anos de 1738 e 1749, sendo nomeado secretário de Estado dos Negócios do Reino de Portugal com a ascensão de d. José I ao poder. Ficou no governo durante 27 anos, período em que realizou uma série de reformas que alteraram sobremaneira a natureza do Estado português. As reformas pombalinas, como ficaram conhecidas, em consonância com a Ilustração ibérica, marcaram um período da história luso-brasileira, caracterizadas pelo despotismo esclarecido de Pombal – uma conciliação entre a política absolutista e os ideais do Iluminismo. Preocupado em modernizar o Estado português e tirar o Império do atraso econômico em relação a outras potências europeias, o primeiro-ministro buscou reestabelecer o controle das finanças, controlando todo comércio ultramarino, além de fortalecer o poder estatal, consolidando a supremacia da Coroa perante a nobreza e a Igreja. Entre as principais medidas empreendidas por Pombal durante seu governo, podemos destacar: a criação de companhias de comércio, como a Companhia Geral do Grão-Pará e Maranhão (1755-1778) e a de Pernambuco e Paraíba (1759-1780); a expulsão dos jesuítas do reino e domínios portugueses (1759); a reorganização do exército; a transferência da capital do Estado do Brasil de Salvador para o Rio de Janeiro (1763) e a reforma do ensino, em especial a da Universidade de Coimbra (1772). Pombal sobressaiu-se, ainda, por ter sido o responsável pela reconstrução de Lisboa, destruída por um terremoto em 1755. Foi agraciado com o título de conde de Oeiras, em 1759, e de marquês de Pombal em 1769. Com a morte de d. José I e a consequente coroação de d. Maria I, Pombal foi afastado de suas funções e condenado ao desterro. Em decorrência de sua idade avançada, Carvalho e Melo recolheu-se à sua Quinta de Oeiras, onde permaneceu até sua morte.

     
     
    Sugestões de uso em sala de aula:

    Utilização(ões) possível(is):
    - No eixo temático sobre a “História das relações sociais da cultura e do trabalho”
    - No eixo temático sobre a “História das representações e das relações de poder”

    Ao tratar dos seguintes conteúdos:

    - Práticas e costumes coloniais
    - A manutenção  do sistema colonial
    - Estrutura administrativa colonial

    Opulência na Corte

    Inventário de Maria de Jesus, falecida em novembro de 1803, que tem por inventariante o capitão Francisco da Cunha Pinheiro. No documento são listados todos os seus bens, tais como móveis e utensílios de madeira, imagens sacras, louças, ouro, prata e 14 escravos em diferentes faixas etárias, caracterizando uma casa ricamente mobiliada. Além disso, constam imóveis localizados na rua do Ouvidor, na rua Direita e em Vila Nova de Gaia em Portugal.

     

    Conjunto documental: Maria de Jesus
    Notação: maço 361, proc. 6368
    Datas-limite: 1804-1808
    Título do fundo ou coleção: Inventários
    Código do fundo: 3J
    Argumento de pesquisa: cidades, Portugal
    Data do documento: 20 de outubro de 1808
    Local: Rio de Janeiro
    Folha (s): 1 a 38
     

    “Auto de Inventário[1]

    Ano do nascimento de Nosso Senhor Jesus Cristo de mil oitocentos e quatro aos dois dias do mês de janeiro do mesmo ano nesta cidade do Rio de Janeiro[2], e Casas da residência do Juiz de Órfãos[3] Luiz Telles Barreto de Meneses onde eu, escrivão, fui vindo, e sendo a eis (sic) presente, capitão Francisco da Cunha Pinheiro o dito juiz lhe deferiu o juramento dos Santos Evangelhos e lhe encarregou desse Inventário todos os bens que ficaram por morte de sua mulher sem reserva ociosa alguma até o valor de quarenta réis[4] dinheiro, ouro, prata, cravos (sic), móveis e de raiz, efeitos, carregações e seus produtos (...) Avaliações dos bens da falecida dona Maria de Jesus de quem é inventariante o capitão Francisco da Cunha Pinheiro.

    Casas: (...) Uma morada de casa de dois sobrados[5] na rua do Ouvidor[6]4:17:30 fazendo canto para o beco que vai para a rua do Rosário[7], cujas casas têm de frente no seu vão palmos e fundo cento e vinte palmos, no seu fundo é mais estreita dezoito palmos, na distância de trinta e quatro palmos; a sua formação na frente pedra e cal com janelas de sacada de pedra tanto embaixo quanto encima (...); outra dita casa de dois sobrados na rua Direita[8], fazendo canto para a rua do ouvidor que de um lado parte com casas do Capitão Domingos Francisco Rosa, cujas casas têm de um vinte e seis palmos e fundo noventa palmos, sua formação na frente e lado é parede de pedra e cal e na frente duas janelas de sacada, em lado quatro janelas de sacada e uma de peitoril, tudo de pedra e tudo formado, menos o corredor que vai para a cozinha (...); Há uma morada de casas na rua da Quitanda dos Pretos[9] com seu sotroques (sic) e um lado parte com casas do padre Ivan da Silveira e pelo outro lado com outro do mesmo inventário, cujas casas têm de vão quinze palmos, fundo trinta palmos e sua formação na frente é frontal de tijolo com dois portões de madeira, encima é uma janela de peitoril de madeira (...); Há uma morada de casas térreas na rua do Conde[10] que de um lado parte com casas do capitão Bernardo Gomes Souto e pelo outro com quem direito pertencer cujas casa têm de vão trinta palmos, e fundo enquanto casas setenta e dois palmos, e tem mais uma meia água livre o leste comprimento que serve de cozinha e vários quartos de acomodação que tem de comprido oitenta e quatro palmos com quatorze palmos de largo, e tem mais de quintal até o portão trinta e sete palmos (...); No lugar chamado a Gamboa uma casa de vivenda de sobrado que tem de vão trinta palmos e fundo cento e quarenta e dois em cujo a sua formação na frente parede mestra até ao vigamento e do lado embaixo até ao meio da casa, e daí para o fundo em até o vigamento pilares de tijolo (...); no lugar chamado o Saco do Alferes[11] em terras do mesmo senhorio, um pedaço de muro que faz frente ao mar. Com seu portão é dentro do dito terreno tem duas casas de meia água cobertas de telhas com paredes de pau-a-pique (...); Móveis de madeira: um oratório de três faces, com vidros, com talha no Remate e na venda, todo dourado, em bom uso avaliado na quantia de oitenta mil Reis (...), um espelho de parede com moldura preta avaliado em dez mil Reis (...), uma cama grande de jacarandá antiga torneada avaliada na quantia de dois mil quinhentos e setenta Reis (...), uma canoa de tomar banho avaliada na quantia de quatro mil Reis (...), uma bengala com castão de prata avaliada em dois mil Reis (...); Imagens: uma imagem de Cristo com cruz e calvário de Sebastião de Arruda, com pontas de madeira de pequeá[12] avaliada na quantia de dezenove mil e duzentos Reis (...); Louça: Dois jogos de chá brancos pó de pedra lavados, avaliados a cinco mil Reis cada um (...), seis pratos esmaltados da Índia[13], avaliados todos na quantia de mil duzentos e oitenta Reis (...), quatorze pratos do Porto[14], grossos, avaliados a setenta Reis cada um (...); Roupa: (...) um xale de seda riscado, avaliado em dois mil quinhentos e sessenta (...), uma toalha de cambraia de flores com babados, avaliada na quantia de três mil e duzentos Reis (...), duas saias de pano de linho avaliadas ambas na quantia de mil duzentos e oitenta Reis (...); Ouro: (...) um rosário de ouro de mão antigo, pesa assim como está dezoito oitavas e três quartos, a mil e quatrocentos a oitava, importa na quantia de vinte e seis mil duzentos e cinqüenta Reis (...), um laço e brincos antigos com cento e trinta e um diamantes rosas em prata, avaliados na quantia de vinte mil Reis (...), um anel antigo com uma água marinha em prata, fundo e aro em ouro de lei, avaliado na quantia de três mil e duzentos Reis (...), três pares de brincos de cristais com folhas de várias cores, em prata, avaliados todos na quantia de mil e duzentos Reis (...); escravos: Manoel Benguela, que pareceu ter trinta anos, do serviço de casa, e dei ser rendido de ambas as virilhas, avaliado na quantia de cento e dois mil e quatrocentos Reis, (...), Luzia Cabindá, que pareceu ter setenta e seis anos do serviço de casa avaliada em quarenta mil Reis (...), Narcisa Mina, que pareceu ter trinta e oito anos, costureira, diz padecer erisipelas[15], e tem a perna direita inchada, avaliada na quantia de oitenta mil Reis (...), Rosa Crioula, filha da dita, que pareceu ter quatorze anos, costureira, e diz padecer quase sempre do estômago, avaliada na quantia de noventa mil Reis (...), Sabina Crioula, filha da dita Narcisa, que pareceu ter três meses de idade, avaliada em doze mil Reis (...); Gado vacum: cinco vacas, avaliadas umas por outras a seis mil Reis, importam todas na quantia de trinta mil Reis (...); Bens existentes em Portugal[16] em Vila Nova de Gaya[17], como consta do termo de louvação abaixo: (...) primeiramente, (...) foram vistas e examinadas quatro moradas de casas, as quais servem de loja de ferreiro (...) e são situadas na praia da Vila Nova de Gaya (...).”

     

    [1]INVENTÁRIO: levantamento e registro que geralmente se faz dos bens pertencentes a uma pessoa falecida, mas que também pode ser feito ainda em vida.

    [2]RIO DE JANEIRO: a cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro foi fundada tendo como marco de referência uma invasão francesa. Em 1555, a expedição do militar Nicolau Durand de Villegaignon conquista o local onde seria a cidade e cria a França Antártica. Os franceses, aliados aos índios tamoios confederados com outras tribos, foram expulsos em 1567 por Mem de Sá, cujas tropas foram comandadas por seu sobrinho Estácio de Sá, com o apoio dos índios termiminós, liderados por Arariboia. Foi Estácio que estabeleceu “oficialmente” a cidade e iniciou, de fato, a colonização portuguesa na região. O primeiro núcleo de ocupação foi o morro do Castelo, onde foram erguidos o Forte de São Sebastião, a Casa da Câmara e do governador, a cadeia, a primeira matriz e o colégio jesuíta. Ainda no século XVI, o povoamento se intensifica e, no governo de Salvador Correia de Sá, verifica-se um aumento da população no núcleo urbano, das lavouras de cana e dos engenhos de açúcar no entorno. No século seguinte, o açúcar se expande pelas baixadas que cercam a cidade, que cresce aos pés dos morros, ainda limitada por brejos e charcos. O comércio começa a crescer, sobretudo o de escravos africanos, nos trapiches instalados nos portos. O ouro que se descobre nas Minas Gerais do século XVIII representa um grande impulso ao crescimento da cidade. Seu porto ganha em volume de negócios e torna-se uma das principais entradas para o tráfico atlântico de escravos e o grande elo entre Portugal e o sertão, transportando gêneros e pessoas para as minas e ouro para a metrópole. É também neste século, que a cidade vive duas invasões de franceses, entre elas a do célebre Duguay Trouin, que arrasa a cidade e os moradores. Desde sua fundação, esta cidade e a capitania como um todo desempenharam papel central na defesa de toda a região sul da América portuguesa, fato demonstrado pela designação do governador do Rio de Janeiro Salvador de Sá como capitão-general das capitanias do Sul (mais vulneráveis por sua proximidade com as colônias espanholas), e pela transferência da sede do vice-reinado, em Salvador até 1763, para o Rio de Janeiro quando a parte sul da colônia tornou-se centro de produção aurífera e, portanto, dos interesses metropolitanos. Ao longo do setecentos, começam os trabalhos de melhoria urbana, principalmente no aumento da captação de água nos rios e construção de fontes e chafarizes para abastecimento da população. Um dos governos mais significativos deste século foi o de Gomes Freire de Andrada, que edificou conventos, chafarizes, e reformou o aqueduto da Carioca, entre outras obras importantes. Com a transferência da capital, a cidade cresce, se fortifica, abre ruas e tenta mudar de costumes. Um dos responsáveis por essas mudanças foi o marquês do Lavradio, cujo governo deu grande impulso às melhorias urbanas, voltando suas atenções para posturas de aumento da higiene e da salubridade, aterrando pântanos, calçando ruas, construindo matadouros, iluminando praças e logradouros, construindo o aqueduto com vistas a resolver o problema do abastecimento de água na cidade. Lavradio, cuja administração se dá no bojo do reformismo ilustrado português (assim como de seu sucessor Luís de Vasconcelos e Souza), ainda criou a Academia Científica do Rio de Janeiro. Foi também ele quem erigiu o mercado do Valongo e transferiu para lá o comércio de escravos africanos que se dava nas ruas da cidade. Importantíssimo negócio foi o tráfico de escravos trazidos em navios negreiros e vendidos aos fazendeiros e comerciantes, tornando-se um dos principais portos negreiros e de comércio do país. O comércio marítimo entre o Rio de Janeiro, Lisboa e os portos africanos de Guiné, Angola e Moçambique constituía a principal fonte de lucro da capitania. A cidade deu um novo salto de evolução urbana com a instalação, em 1808, da sede do Império português. A partir de então, o Rio de Janeiro passa por um processo de modernização, pautado por critérios urbanísticos europeus que incluíam novas posturas urbanas, alterações nos padrões de sociabilidade, seguindo o que se concebia como um esforço de civilização. Assume definitivamente o papel de cabeça do Império, posição que sustentou para além do retorno da Corte, como capital do Império do Brasil, já independente.

    [3]JUIZ DOS ORFÃOS: autoridade judiciária, tinha a função de zelar pelos órfãos de sua jurisdição e seus bens, inclusive registrando em livro próprio quantos órfãos havia e de que bens dispunham, além de verificar se os mesmos estavam sendo bem geridos. Aos juízes dos órfãos competia uma quantidade enorme de atribuições e atividades, até mais do que aos juízes ordinários e de fora. Entre as competências constam nomear e confirmar tutores e curadores, prover os órfãos de bens para garantir seu sustento, fazer inventários, avaliar os bens e realizar as partilhas, fazer vender imóveis e arrendar bens de raiz, cuidar para que os rendimentos seguissem para a educação do órfão, conceder cartas de emancipação e licenças de casamento. Eram responsáveis por assegurar com que todos os órfãos tivessem tutor até um mês depois do falecimento do pai ou da mãe, fossem familiares ou não, e por fiscalizar e verificar a idoneidade do tutor ou curador. Se sobre os tutores fosse constatada alguma irregularidade ou má conduta, o juiz deveria destituí-los e obrigá-los a restituir os bens dos órfãos, além de nomear um novo tutor. Era obrigação dos juízes fiscalizar e vigiar os valores que entravam e saíam do cofre dos órfãos e verificar o patrimônio dos tutores, além de fiscalizar o trabalho realizado pelo juiz anterior e denunciá-lo em caso de irregularidades, e arrecadar impostos e taxas para o Juízo. Possuía jurisdição sobre todas as ações cíveis que envolvessem os órfãos, fossem como autores ou réus, até a sua emancipação. Estruturalmente, o juízo dos órfãos era constituído pelo respectivo juiz, pelos escrivães, pelo tutor geral dos órfãos, pelo contador e pelos avaliadores e partidores. Ainda cabia a eles fiscalizar seus oficiais subordinados, escrivão, ajudante de escrivão, oficiais de registro, tesoureiro, contador, avaliador, partidor e porteiro do auditório – considerando que uma mesma pessoa poderia acumular mais de uma função – e prestar contas de tudo o que acontecia sob sua jurisdição ao Provedor, responsável, por sua vez, por fiscalizar as atividades do juiz dos órfãos.

    [4]RÉIS: moeda portuguesa utilizada desde a época dos descobrimentos (séculos XV e XVI). Tratava-se de um sistema de base milesimal, cuja unidade monetária era designada pelo mil réis, enquanto o réis designava valores fracionários. Vigorou no Brasil do início da colonização (século XVI) até 1942, quando foi substituída pelo cruzeiro.

    [5]SOBRADO: casa grande possuidora de dois ou mais pavimentos. Geralmente, era utilizado como prédio comercial ou misto – embaixo atividades comerciais como farmácias e mercearias, e em cima funcionava como moradia –, adquirindo fins estritamente residenciais somente pelas famílias mais abastadas. Enquanto moradia própria das camadas mais privilegiadas do Brasil colonial, durante o período de urbanização brasileiro, processo iniciado com a atividade mineradora e intensificado com a chegada da corte no início do século XIX, o sobrado seria elemento importante para compreensão de uma ordem sociocultural marcada pelo patriarcalismo. Segundo Gilberto Freire, as casas-grandes urbanizaram-se em sobrados, configurando-se núcleo das interações socioeconômicas e culturais entre os habitantes das cidades, expressando novas relações de distanciamento e integração entre ricos e pobres, brancos e negros, homens e mulheres, o antagonismo entre os domínios públicos e privados e conferindo status a esses homens, proprietários dos sobrados. Com padrões arquitetônicos europeus, numa busca pela modernização do país, os sobrados caracterizaram o processo de urbanização das cidades brasileiras. No Rio de Janeiro colonial, concentravam-se nos logradouros mais importantes do centro da cidade, como na freguesia da Candelária e nas proximidades do largo do Paço.

    [6]OUVIDOR, RUA DO: uma das ruas mais antigas do Rio de Janeiro, com registros de sua existência desde fins do século XVI. Seu nome atual data de 1870, quando a Câmara Municipal designou este logradouro como endereço residencial dos ouvidores nomeados para a comarca do Rio de Janeiro. Mas, foi no século XIX e início do XX que a rua do Ouvidor se firmou como ponto de excelência da sociabilidade carioca, tendo sua história contada por Machado de Assis, Joaquim Manoel de Macedo, João do Rio, entre outros. A rua começou a ganhar importância a partir da chegada da família real portuguesa ao Brasil em 1808. Com abertura dos portos às nações amigas, muitos comerciantes estrangeiros estabeleceram seus negócios e lojas naquela artéria urbana central, diversos deles voltados para artigos da moda e costumes das grandes cidades europeias. Endereço de elegância, foi onde os principais cafés, confeitarias, lojas de artigos de luxo, jornais e livrarias se instalaram. A Ouvidor tornou-se o principal centro cultural, político e comercial da cidade. Lugar do novo, onde todas as inovações chegavam primeiro, lá surgiram a primeira vitrine, o primeiro cinema, a primeira linha de bonde regular da cidade, onde foi instalado o primeiro telefone. Foi também a primeira rua a ter obras de calçamento e receber iluminação a gás e, no final do século, elétrica. O Rio de Janeiro, ao longo do século XIX, passou por intenso processo de urbanização e modernização e, segundo cronistas da época, a rua do Ouvidor era a que mais traduzia a nova fisionomia e a alma da cidade.

    [7]ROSÁRIO, RUA DO: uma das ruas mais antigas da cidade do Rio de Janeiro, nascia na praia do Peixe e terminava na antiga rua da Vala, atual Uruguaiana, de frente para a Igreja de Nossa Senhora do Rosário e São Benedito dos Pretos. Recebeu este nome porque era a rua que ia para a Igreja do Rosário, erguida entre 1701 e 1736 pela Irmandade de Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos (fundada em 1640) e foi a primeira a permitir a participação de negros, livres ou escravos, na cidade do Rio de Janeiro. Antes de se tornar rua do Rosário teve diversas denominações, já que cada quarteirão ou esquina tinha um nome, de Domingos Manuel, do padre Matoso, do Vila Lobos, moradores conhecidos de cada trecho. A igreja que fica na própria rua é a de Nossa Senhora da Conceição e Boa Morte (erguida entre 1735 e 1835), que passou a abrigar a Irmandade de Nossa Senhora da Conceição, de pardos livres, que anteriormente ficava na Sé de São Sebastião no morro do Castelo. Às vésperas da Independência algumas sessões do Senado da Câmara, entre elas a célebre do dia do Fico, aconteceram no consistório da Irmandade de Nossa Senhora do Rosário, na Igreja. No século XIX, o trecho entre as ruas da Quitanda e a Direita tinha muitas casas de negócio importantes, mas a rua era também ocupada por escritórios de advogados, médicos e engenheiros. Na rua do Rosário morou o médico francês José Francisco Xavier Sigaud, em cuja casa se reuniram os primeiros fundadores da Sociedade de Medicina do Rio de Janeiro (posteriormente Academia Imperial de Medicina). Estabeleceram-se ali instituições como o hotel inglês Balger (ou Bulcher), um colégio para meninas da Corte: o Pensionat de Jeunes Demoiselles de propriedade de Madame St. Julien, e o periódico literário fundado por Artur Azevedo, A Gazetinha, quase em frente à rua Gonçalves Dias. Em 1902 sofreu um processo de alargamento desde a rua Visconde de Itaboraí até a Igreja do Rosário.

    [8]DIREITA, RUA: prolongamento da rua da Misericórdia, no centro do Rio de Janeiro, passou a se chamar rua Primeiro de março em 1870 quando as tropas brasileiras voltaram da Guerra do Paraguai. Rua mais antiga da cidade, fazia a ligação direta entre o Morro do Castelo e o Morro de São Bento, os dois principais núcleos de ocupação na cidade do Rio colonial. Esta rua ganhou notoriedade por ser o palco das batalhas travadas contra o francês Duclerc, em 1710, durante invasão francesa à cidade [ver Invasões francesas]. Foi o local escolhido para sediar o convento dos Carmelitas, fundado em 1590, na época o maior prédio da cidade. Os carmelitas também fundaram um hospital (com entrada pela rua do Carmo), posteriormente desalojado para abrigar os livros provenientes de Portugal por ocasião da vinda da família real para o Brasil. Foi palco de cerimônias reais importantes como a sagração de d. João VI em 1816, o casamento do príncipe d. Pedro com d. Leopoldina em 1817 e o juramento da Constituição de 1824 pelo imperador, na igreja da Sé da cidade. Destacou-se, ainda, por ter acomodado o primeiro Banco do Brasil, a primeira sede dos Correios, onde até hoje ficam a Igreja de São José e uma das faces do Paço Imperial.

    [9] QUITANDA, RUA DA: anteriormente conhecida como rua do Açougue Velho, rua da Quitanda Velha, ou da Quitanda dos Pretos, ou da Quitanda dos Mariscos, localizada no centro da cidade do Rio de Janeiro, fazia a comunicação entre a Prainha (região da atual Praça Mauá) e o bairro da Misericórdia. Recebeu este nome pela existência de uma grande feira aberta, semelhante a uma quitanda, em um trecho da rua. Foi nesta via que ocorreu o pagamento do resgate oferecido pela cidade ao corso francês Duguay-Trouin em 1711 e o episódio conhecido como "Noite das Garrafadas" em 1831 – conflito entre brasileiros e portugueses que antecedeu a abdicação de d. Pedro I ao trono. Nessa importante rua do centro da cidade, estabeleceram-se, entre outros: a sede da tipografia dos irmãos Laemmert; a Loteria da Santa Casa da Misericórdia; a primeira Escola Homeopática (1844); a primeira sede da Academia Brasileira de Letras; o Gabinete Inglês de Leitura e o Clube Militar. Foi também o endereço de inúmeros jornais, como O Mequetrefe e o Correio Mercantil.

    [10]CONDE, RUA DO: atual Frei Caneca foi um dos primeiros logradouros abertos na Cidade Nova, durante o vice-reinado do Conde da Cunha (1763-1767), D. António Álvares da Cunha. Foi traçada passando pelo terreno da chácara do sargento-mor Pedro Dias Paes Leme, sitiada entre o largo do Rocio e o Campo de Santana. Inicialmente, recebeu o nome de rua da Sentinela, em função da sua execução, em 1774, sobre os aterros da lagoa de mesmo nome. Recebeu, ainda, a denominação de rua Nova do Conde em 1766 e, em 1866, rua do Conde D'Eu. Essa região, durante todo século XVIII, caracterizava-se pelo predomínio de chácaras, com certo ar rural. Apenas com a chegada da Corte portuguesa em 1808, e a crescente demanda por habitações, a região passaria por um maior processo de urbanização.

    [11]SACO DOS ALFERES: pequena enseada localizada entre o Saco de São Diogo e a Gamboa, no centro da cidade do Rio de Janeiro. No século XVII, a região pertencia ao alferes Diogo de Pina, daí o nome atribuído à praia existente no local. A área rural, conhecida também como praia Formosa, era destinada, até a segunda metade do século XVIII, à plantação de canaviais, sendo em sua quase totalidade desabitada. A urbanização da região ocorreu em fins do século, com a construção do cais do Valongo e intensificada após a chegada de corte em 1808. A grande movimentação comercial no porto do Rio de Janeiro, provocou um redimensionamento do espaço portuário e na região do Saco do Alferes, assim como na Gamboa. Foram construídos armazéns e trapiches, levando à abertura de novas ruas com a instalação inclusive de um curtume no local, dotado de cais próprio (Cf. LAMARÃO, Sérgio Tadeu de Niemeyer. Dos trapiches ao porto. Rio de Janeiro: Secretaria Municipal das Culturas, 2006). A região foi totalmente aterrada – incluindo a Ilha das Moças e dos Melões – na primeira década do século XX para dar lugar ao Novo Porto do Rio de Janeiro.

    [12]PEQUEÁ: denominado vulgarmente piqui, uma espécie do gênero Caryocar, encontrado também no Suriname e Guiana. No Brasil, a área de incidência é vasta, estendendo-se do Amazonas, Pará, Maranhão, Piauí, Goiás, Bahia, Ceará até São Paulo e Minas Gerais em menor escala. Árvore de grande porte, sua madeira é fibrosa, resistente e muito usada na construção de móveis. A casca fresca e seca do fruto pode substituir a noz de galha na preparação de tinta preta esverdeada de escrever e para tinturaria. O óleo do fruto de pequi é considerado um substituto da banha e toucinho. O licor de pequi, preparado com o caroço, tem virtudes principalmente estomacais e como fortificante.

    [13]ÍNDIA: região da Ásia meridional ligada à península Indochinesa. Desde o século XII os artigos orientais, como as especiarias, já se faziam presentes no comércio português, tornando-se em pouco tempo os produtos mais lucrativos no comércio europeu. A partir de 1453, quando Constantinopla e a rota de envio desses produtos para a Europa caiu sob o domínio turco, esses produtos sofreram uma alta abrupta de preços, colocando a necessidade de se buscar um caminho alternativo que possibilitasse aos comerciantes lusos tratar diretamente com os do Oriente. Esse foi um dos principais propulsores da expansão marítima do século XV, cuja finalidade era chegar às Índias, onde se poderia obter as tão cobiçadas especiarias, além de tecidos, porcelanas, chás, marfim, entre outros produtos de luxo. Vasco da Gama chegou a Calicute, no sudoeste da Índia, em 1498. Sete anos mais tarde, foi fundado o estado da Índia, colônia portuguesa com sede do governo em Cochim. Em 1530, a capital foi transferida para Goa, de onde o governador exercia sua autoridade sob as possessões portuguesas no Oceano Índico.

    [14]PORTO, CIDADE DO: localizada à margem direita do rio Douro, é atualmente a segunda maior cidade de Portugal, sendo considerada a capital do norte do país. Inicialmente batizada de Cale e, posteriormente, de Portucale (nome que deu origem à denominação Portugal), a cidade passou a chamar-se Porto no século XIII, como forma de distingui-la do reino recém-fundado. Entre os séculos XIII e XV, a região desenvolveu fortemente a atividade marítima e comercial, reforçando as relações com portos importantes do Velho Mundo (Barcelona, Valência, Londres, entre outros). A cidade também se tornou conhecida pela produção e comércio de vinho de alta qualidade, que contribuiu para o aumento populacional da região no século XVII. No Porto foi instalada a Companhia Geral da Agricultura das Vinhas do Alto Douro com o objetivo de sustentar a reputação dos vinhos dessa região, a cultura das vinhas, beneficiar o seu comércio. A cidade foi palco e centro irradiador da Revolução Liberal do Porto em 1820. De caráter liberal e antiabsolutista, tinha como principal objetivo a formulação da primeira constituição de Portugal.

    [15]ERISIPELAS: doença infecciosa causada por bactéria (Streptococcus erysipelatis, mais comum) e que se caracteriza por um “enrubescimento da pele” e aparecimento de feridas doloridas, às vezes acompanhado por bolhas ou pequenas vesículas sebosas. Sua ocorrência dá-se geralmente em surtos, principalmente em locais sujos e sem saneamento que propicia a proliferação bacteriana.

    [16]PORTUGAL: país situado na Península Ibérica, localizada na Europa meridional, cuja capital é Lisboa. Sua designação originou-se de uma unidade administrativa do reino de Leão, o condado Portucalense, cujo nome foi herança da povoação romana que ali existiu, chamada Portucale (atual cidade do Porto). Compreendido entre o Minho e o Tejo, o Condado Portucalense, sob o governo de d. Afonso Henriques, deu início às lutas contra os mouros (vindos da África no século VIII), das quais resultou a fundação do reino de Portugal no século XIII. Tornou-se o primeiro reino a constituir-se como Estado Nacional após a Revolução de Avis em 1385. A centralização política foi um dos fatores que levaram o reino a ser o precursor da expansão marítima e comercial europeia, constituindo vasto império com possessões na África, nas Américas e nas Índias ao longo dos séculos XV e XVI. Os séculos seguintes à expansão foram interpretados na perspectiva da Ilustração e por parte da historiografia contemporânea como uma lacuna na trajetória portuguesa, um desvio em relação ao impulso das navegações e dos Descobrimentos e que sobretudo distanciou os portugueses da Revolução Científica. Era o “reino cadaveroso”, dominado pelos jesuítas, pela censura às ideias científicas, pelo ensino da Escolástica. Para outros autores tratou-se de uma outra via alternativa, a via ibérica, sem a conotação do “atraso”. O século XVII é o da união das coroas de Portugal e Espanha, período que iniciado ainda em 1580 se estendeu até 1640 com a restauração e a subida ao trono de d. João IV. Do ponto de vista da entrada de novas ideias no reino deve-se ver que independente da perspectiva adotada há um processo, uma transição, que conta a partir da segunda metade do XVII com a influência dos chamados “estrangeirados” sob d. João V, alterando em parte o cenário intelectual e mesmo institucional luso. Um momento chave para a história portuguesa é inaugurado com a subida ao trono de d. José I e o início do programa de reformas encetado por seu ministro Sebastião José de Carvalho e Melo, o marquês de Pombal. Com consequências reconhecidas a longo prazo, no reino e em seus domínios, como se verá na América portuguesa, é importante admitir os limites dessa política, como adverte Francisco Falcon para quem “por mais importantes que tenham sido, e isso ir-se-ia tornar mais claro a médio e longo prazo, as reformas de todos os tipos que formam um conjunto dessa prática ilustrada não queriam de fato demolir ou subverter o edifício social” (A época pombalina, 1991, p. 489). O reinado de d. Maria I a despeito de ser conhecido como “a viradeira”, pelo recrudescimento do poder religioso e repressivo compreende a fundação da Academia Real de Ciências de Lisboa, o empreendimento das viagens filosóficas no reino e seus domínios, e assiste a fermentação de projetos sediciosos no Brasil, além da formação de um projeto luso-brasileiro que seria conduzido por personagens como o conde de Linhares, d. Rodrigo de Souza Coutinho. O impacto das ideias iluministas no mundo luso-brasileiro reverberava ainda os acontecimentos políticos na Europa, sobretudo na França que alarmava as monarquias do continente com as notícias da Revolução e suas etapas. Ante a ameaça de invasão francesa, decorrente das guerras napoleônicas e face à sua posição de fragilidade no continente, em que se reconhece sua subordinação à Grã-Bretanha, a família real transfere-se com a Corte para o Brasil, estabelecendo a sede do império ultramarino português na cidade do Rio de Janeiro a partir de 1808. A década de 1820 tem início com o questionamento da monarquia absolutista em Portugal, num movimento de caráter liberal que ficou conhecido como Revolução do Porto. A exemplo do que ocorrera a outras monarquias europeias, as Cortes portuguesas reunidas propõem a limitação do poder real, mediante uma constituição. Diante da ameaça ao trono, d. João VI retorna a Portugal, jurando a Constituição em fevereiro de 1821, deixando seu filho Pedro como príncipe regente do Brasil. Em 7 de setembro de 1822, d. Pedro proclamou a independência do Brasil, perdendo Portugal, sua mais importante colônia.

    [17]VILA NOVA DE GAYA: situada na margem sul do rio Douro (que significa rio de ouro), suas origens remontam ao tempo em que era uma aglomeração de construções em torno de um castelo celta. Quando a vila foi incorporada ao império romano chamava-se Cale ou Gale, a população vivendo às margens do rio. Com o tempo foi se tornando um centro de trocas comerciais, de um lado e do outro do Douro, onde hoje ficam Vila Nova de Gaia e a cidade do Porto. Com as invasões mouras no século VII, a fronteira entre o estado árabe e o cristão passou a ser o rio, até por volta do ano 1000. A população de Gaia frequentemente fugia para o outro lado do Douro, em virtude das constantes invasões mouras – só retornaram em definitivo para a cidade depois da Reconquista, no século XIII. Foi então que a vila mudou o nome para Gaia – Vila Nova era uma outra vizinha. Juntaram-se ao Porto em 1383, e mantiveram-se uma região de forte vocação agrícola, além da comercial. Vila Nova e Gaia se uniram de vez no século XIX (só se tornaram uma cidade definitivamente em 1984). Tornou-se uma terra de homens do mar, artífices, mercadores e homens de negócios a partir da segunda metade do século XVIII. Data desse mesmo século a instalação da Companhia Geral da Agricultura das Vinhas do Alto Douro na região, por ordem do marquês de Pombal, promovendo sua economia e seu desenvolvimento urbano. A facilidade para a travessia do rio e o seu enorme ancoradouro fizeram da cidade um importante estaleiro e entreposto comercial.

     
    Sugestões de uso em sala de aula:
    Utilização(ões) possível(is):
    -  No eixo temático sobre a “História das relações sociais da cultura e do trabalho”
    -  No eixo temático sobre a “História das representações e das relações de poder”

    Ao tratar dos seguintes conteúdos:
    -  A sociedade colonial
    -  Práticas e costumes coloniais
    -  O Rio de Janeiro colonial  

    Real Arquivo da Torre do Tombo

    Carta do conde de Aguiar ao patriarca eleito de Lisboa, do Palácio do Rio de Janeiro. Apoiando as providências dos governadores do reino para se encaixotarem os livros, e papéis do Real Arquivo da Torre do Tombo, resguardando a documentação de uma possível invasão e destruição das tropas francesas. Demonstra a preocupação sobre os efeitos das invasões francesas em Portugal.

     

    Conjunto Documental: Avisos e Portarias do Governo do Brasil para várias autoridades de Portugal
    Notação: códice 251 vol. 2
    Datas-limite: 1810-1812
    Título do fundo ou coleção: Negócios de Portugal
    Código do fundo: 59 
    Argumento de pesquisa:  cidades, Portugal
    Data do documento: 4 de fevereiro de 1811
    Local: Rio de Janeiro
    Folha (s): 50 a 51 v.

     

    “Para o Patriarca eleito de Lisboa

    Excelentíssimo Senhor. Levei a Augusta Presença de Sua Alteza Real[1] a Conta dos Governadores do Reino no 68, em data de 5 de novembro do ano passado, que me ordenou comunicasse as suas Reais Ordens sobre os objetos que lá contém na forma seguinte.

    Merecerão a Real aprovação as providências para segurança dos bens, vidas e propriedades dos habitantes do sul do Tejo[2] no caso de intentar o inimigo[3] passar a vão como tão bem ordem que se deu na Portaria no 1a requisição do Enviado Extraordinário de Sua Majestade Britânica[4] para que se praticasse o mesmo que se observou em 1807 no caso de ser essa capital invadida, a favor dos vassalos[5] portugueses, e comerciantes Ingleses para poderem salvar as suas fazendas e bens compreendendo-se nesta providência os Negociantes Nacionais que tão bem a Requiseram (...) Está Sua Alteza Real inteirado das acertadas providências que se deram da prevenção para se encaixotassem os livros, e papéis do Real Arquivo da Torre do Tombo[6] para o salvar no caso de invasão[7], a circunstância e exata informação que sobre este importantíssimo objeto deu o Desembargador João Pedro Ribeiro, e como o qual se conforma esse governo para que se hajam de transportar somente os duplicados, e os que não forem indispensáveis aos Vassalos Portugueses, que ficarem residindo em Portugal[8] no caso de se verificar a invasão o que Deus não permita afim de não serem privados dos Títulos de seus bens, possessões, e direitos (...) Deus guarde a V. Exa . Palácio do Rio de Janeiro[9] em 4 de fevereiro de 1811.  Conde de Aguiar[10]

     

    [1]JOÃO VI, D. (1767-1826): segundo filho de d. Maria I e d. Pedro III, se tornou herdeiro da Coroa com a morte do seu irmão primogênito, d. José, em 1788. Em 1785, casou-se com a infanta Dona Carlota Joaquina, filha do herdeiro do trono espanhol, Carlos IV que, na época, tinha apenas dez anos de idade. Tiveram nove filhos, entre eles d. Pedro, futuro imperador do Brasil. Assumiu a regência do Reino em 1792, no impedimento da mãe que foi considerada incapaz. Um dos últimos representantes do absolutismo, d. João VI viveu num período tumultuado. Foi sob o governo do então príncipe regente que Portugal enfrentou sérios problemas com a França de Napoleão Bonaparte, sendo invadido pelos exércitos franceses em 1807. Como decorrência dessa invasão, a família real e a Corte lisboeta partiram para o Brasil em novembro daquele ano, aportando em Salvador em janeiro de 1808. Dentre as medidas tomadas por d. João em relação ao Brasil estão a abertura dos portos às nações amigas; liberação para criação de manufaturas; criação do Banco do Brasil; fundação da Real Biblioteca; criação de escolas e academias e uma série de outros estabelecimentos dedicados ao ensino e à pesquisa, representando um importante fomento para o cenário cultural e social brasileiro. Em 1816, com a morte de d. Maria I, tornou-se d. João VI, rei de Portugal, Brasil e Algarves. Em 1821, retornou com a Corte para Portugal, deixando seu filho d. Pedro como regente.

    [2]TEJO: importante afluente da geografia portuguesa, o rio Tejo nasce na Espanha e deságua no oceano Atlântico, em sua foz foi construída a cidade de Lisboa. Desde à pré-história à idade contemporânea, encontram-se vestígios do aproveitamento econômico de seu vale no povoamento e desenvolvimento humano na região. Suas margens foram fundamentais para a manutenção de populações antigas, bem como responsável pelo comércio fluvial português, já que estabelece a ligação entre o litoral e o interior da península Ibérica. Pela sua extensão, localização geográfica e navegabilidade, o rio Tejo foi um meio de comunicação e de transporte de pessoas e mercadorias, permitindo a saída de produtos para os circuitos econômicos internacionais e vice-versa (Magalhães, Fátima. O Tejo na organização do espaço. Lisboa: Minerva do Comércio, 1996). Foi do seu estuário que partiram as naus e as caravelas dos descobrimentos portugueses. As embarcações eram ancoradas à frente da Ribeira das Naus, de onde o rei poderia assistir à movimentação dos navios e que possuía um grande número de estaleiros. Durante cerca de cinco dias os navios eram preparados e abastecidos de munição e víveres indispensáveis para a viagem, antes de partirem para o mar Oceano através das águas do rio Tejo.

    [3]INIMIGO: a diplomacia portuguesa, no período das invasões, foi forçada a deixar o silêncio e a neutralidade em favor de uma aliança com a Inglaterra, inimiga da França. Este posicionamento político, tomado por uma série de fatores econômicos e políticos mais favoráveis, fez com que a França, e evidentemente, o povo francês, passassem a ser identificados e rotulados como “inimigo”. Mas, como na diplomacia os interesses e sentimentos variam conforme a vantagem obtida para seu país, findo o período napoleônico, Portugal restabeleceu os laços com o governo francês, declarando o povo francês como “amigo” e digno de confiança.

    [4] JORGE III (1738-1820): Jorge Guilherme Frederico, da dinastia de Hanôver, tornou-se conhecido na história por ter governado a Inglaterra no período da independência das Treze Colônias (1776), das guerras napoleônicas (1805-1815) e por ter adotado o inglês como língua oficial. Jorge III sofria de uma doença crônica que o levou a ter problemas mentais e lhe rendeu o cognome de “louco”. Em 1811, seu filho assumiu a regência com o título de Jorge IV, após a constatação da total impossibilidade de o pai continuar a reinar. Faleceu cego e louco, tendo governado por 51 anos.

    [5] VASSALO: súdito do rei, independentemente de sua localização no Império. Até o século XV, o título “vassalo” era empregado para designar homens fiéis ao rei, aqueles que o serviam na guerra, sendo, portanto, cavaleiros ou nobres de títulos superiores. Em troca do apoio e serviços realizados, recebiam tenças (pensões), dadas, inicialmente, a todos os vassalos e seus filhos varões. Na medida em que se pulverizaram as distribuições destes títulos, principalmente por razões de guerra (a conquista de Ceuta foi a mais significativa nesse processo), e que eles começaram a ser mais almejados, principalmente pelos plebeus e burgueses em busca de mercês e de aproximação com a realeza, o rei diminui a concessão dos títulos, e, mais importante, das tenças. A esta altura, as dificuldades financeiras da monarquia também empurraram para a suspensão da distribuição dos títulos e benefícios. O rei passa, então, a conceder mercês e vantagens individuais, e o termo vassalo se esvazia do antigo significado de título, passando a indicar homens do rei, súditos e habitantes do reino, de qualquer parte do Império.

    [6]REAL ARQUIVO DA TORRE DO TOMBO: arquivo instituído na Torre do Tombo do Castelo de Lisboa no século XIV. A Torre do Tombo, durante o Antigo Regime, foi essencialmente composta do arquivo do rei, ou da Coroa, sendo o lugar onde se guardavam todos os tipos de registros oficiais, tais como: tombos de registro e demarcação de bens e direitos, documentos da Fazenda, capítulos das Cortes, livros de chancelaria, registros de instituição de morgados e capelas, testamentos, forais, sentenças do juiz dos feitos da Coroa, bulas papais, tratados internacionais, correspondência régia e outros documentos. Desde 1378, o mais importante arquivo português denomina-se Torre do Tombo, uma vez que os principais documentos que o rei mandava guardar – o Recabedo Regni, ou Livro do Tombo, onde se registravam as suas propriedades e direitos – localizavam-se na torre albarrã, do castelo de São Jorge, em Lisboa. Em 1755, esta torre foi destruída no terremoto que abalou Lisboa, sendo o arquivo acomodado, provisoriamente, em parte do mosteiro de São Bento, onde hoje está o edifício da Assembleia da República. A invasão das tropas bonapartistas em 1807 colocou em risco os arquivos portugueses, com o embarque dos fundos de secretarias de governo para o Brasil. Os arquivos da Torre do Tombo permaneceram no reino, mas foram selecionados e encaixotados diante da reentrada dos franceses em 1809 e da ameaça de tomada de Lisboa no ano seguinte, quando se discutiu que documentos deveriam ser embarcados para o Rio de Janeiro. Afastados esses riscos esses arquivos não foram afinal deslocados para a colônia (MARTINS, Ana Canas Delgado. Governação e arquivos: d. João VI no Brasil. Lisboa: Instituto dos Arquivos Nacionais, [2007]). Na década de 1990, o Arquivo Nacional da Torre do Tombo foi transferido para um moderno edifício-sede, com amplas instalações, na cidade universitária de Lisboa.

    [7]PÉRFIDA USURPAÇÃO DOS FRANCESES: a invasão a Portugal pelos franceses aconteceu em decorrência da guerra que Napoleão Bonaparte movia contra a Inglaterra pela hegemonia no continente europeu. No campo econômico, uma das principais medidas de Napoleão para enfraquecer os britânicos foi a decretação do bloqueio continental em 1806. Tal medida previa a proibição de quaisquer laços comerciais com os ingleses às nações aliadas a França, sob pena de terem seus territórios invadidos por seus temíveis exércitos, incluindo os lusitanos. Diante da não adesão portuguesa ao bloqueio e, ao contrário, da reafirmação dos compromissos com a potência britânica, tropas francesas, comandadas pelo general Junot, entraram em Portugal em novembro de 1807, contando com o reforço da aliança firmada entre Espanha e França. Como consequência, a corte e a família real portuguesa transferiram-se para o Brasil naquele mesmo ano. Uma vez no Brasil, d. João declarou guerra à França. Após importante vitória na batalha do Buçaco em 1810, sob o comando do general inglês Arthur Wellesley, duque de Wellington, os franceses foram definitivamente expulsos de Portugal pelas tropas anglo lusitanas em 1811.

    [8]PORTUGAL: país situado na Península Ibérica, localizada na Europa meridional, cuja capital é Lisboa. Sua designação originou-se de uma unidade administrativa do reino de Leão, o condado Portucalense, cujo nome foi herança da povoação romana que ali existiu, chamada Portucale (atual cidade do Porto). Compreendido entre o Minho e o Tejo, o Condado Portucalense, sob o governo de d. Afonso Henriques, deu início às lutas contra os mouros (vindos da África no século VIII), das quais resultou a fundação do reino de Portugal no século XIII. Tornou-se o primeiro reino a constituir-se como Estado Nacional após a Revolução de Avis em 1385. A centralização política foi um dos fatores que levaram o reino a ser o precursor da expansão marítima e comercial europeia, constituindo vasto império com possessões na África, nas Américas e nas Índias ao longo dos séculos XV e XVI. Os séculos seguintes à expansão foram interpretados na perspectiva da Ilustração e por parte da historiografia contemporânea como uma lacuna na trajetória portuguesa, um desvio em relação ao impulso das navegações e dos Descobrimentos e que sobretudo distanciou os portugueses da Revolução Científica. Era o “reino cadaveroso”, dominado pelos jesuítas, pela censura às ideias científicas, pelo ensino da Escolástica. Para outros autores tratou-se de uma outra via alternativa, a via ibérica, sem a conotação do “atraso”. O século XVII é o da união das coroas de Portugal e Espanha, período que iniciado ainda em 1580 se estendeu até 1640 com a restauração e a subida ao trono de d. João IV. Do ponto de vista da entrada de novas ideias no reino deve-se ver que independente da perspectiva adotada há um processo, uma transição, que conta a partir da segunda metade do XVII com a influência dos chamados “estrangeirados” sob d. João V, alterando em parte o cenário intelectual e mesmo institucional luso. Um momento chave para a história portuguesa é inaugurado com a subida ao trono de d. José I e o início do programa de reformas encetado por seu ministro Sebastião José de Carvalho e Melo, o marquês de Pombal. Com consequências reconhecidas a longo prazo, no reino e em seus domínios, como se verá na América portuguesa, é importante admitir os limites dessa política, como adverte Francisco Falcon para quem “por mais importantes que tenham sido, e isso ir-se-ia tornar mais claro a médio e longo prazo, as reformas de todos os tipos que formam um conjunto dessa prática ilustrada não queriam de fato demolir ou subverter o edifício social” (A época pombalina, 1991, p. 489). O reinado de d. Maria I a despeito de ser conhecido como “a viradeira”, pelo recrudescimento do poder religioso e repressivo compreende a fundação da Academia Real de Ciências de Lisboa, o empreendimento das viagens filosóficas no reino e seus domínios, e assiste a fermentação de projetos sediciosos no Brasil, além da formação de um projeto luso-brasileiro que seria conduzido por personagens como o conde de Linhares, d. Rodrigo de Souza Coutinho. O impacto das ideias iluministas no mundo luso-brasileiro reverberava ainda os acontecimentos políticos na Europa, sobretudo na França que alarmava as monarquias do continente com as notícias da Revolução e suas etapas. Ante a ameaça de invasão francesa, decorrente das guerras napoleônicas e face à sua posição de fragilidade no continente, em que se reconhece sua subordinação à Grã-Bretanha, a família real transfere-se com a Corte para o Brasil, estabelecendo a sede do império ultramarino português na cidade do Rio de Janeiro a partir de 1808. A década de 1820 tem início com o questionamento da monarquia absolutista em Portugal, num movimento de caráter liberal que ficou conhecido como Revolução do Porto. A exemplo do que ocorrera a outras monarquias europeias, as Cortes portuguesas reunidas propõem a limitação do poder real, mediante uma constituição. Diante da ameaça ao trono, d. João VI retorna a Portugal, jurando a Constituição em fevereiro de 1821, deixando seu filho Pedro como príncipe regente do Brasil. Em 7 de setembro de 1822, d. Pedro proclamou a independência do Brasil, perdendo Portugal, sua mais importante colônia.

    [9]RIO DE JANEIRO: a cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro foi fundada tendo como marco de referência uma invasão francesa. Em 1555, a expedição do militar Nicolau Durand de Villegaignon conquista o local onde seria a cidade e cria a França Antártica. Os franceses, aliados aos índios tamoios confederados com outras tribos, foram expulsos em 1567 por Mem de Sá, cujas tropas foram comandadas por seu sobrinho Estácio de Sá, com o apoio dos índios termiminós, liderados por Arariboia. Foi Estácio que estabeleceu “oficialmente” a cidade e iniciou, de fato, a colonização portuguesa na região. O primeiro núcleo de ocupação foi o morro do Castelo, onde foram erguidos o Forte de São Sebastião, a Casa da Câmara e do governador, a cadeia, a primeira matriz e o colégio jesuíta. Ainda no século XVI, o povoamento se intensifica e, no governo de Salvador Correia de Sá, verifica-se um aumento da população no núcleo urbano, das lavouras de cana e dos engenhos de açúcar no entorno. No século seguinte, o açúcar se expande pelas baixadas que cercam a cidade, que cresce aos pés dos morros, ainda limitada por brejos e charcos. O comércio começa a crescer, sobretudo o de escravos africanos, nos trapiches instalados nos portos. O ouro que se descobre nas Minas Gerais do século XVIII representa um grande impulso ao crescimento da cidade. Seu porto ganha em volume de negócios e torna-se uma das principais entradas para o tráfico atlântico de escravos e o grande elo entre Portugal e o sertão, transportando gêneros e pessoas para as minas e ouro para a metrópole. É também neste século, que a cidade vive duas invasões de franceses, entre elas a do célebre Duguay Trouin, que arrasa a cidade e os moradores. Desde sua fundação, esta cidade e a capitania como um todo desempenharam papel central na defesa de toda a região sul da América portuguesa, fato demonstrado pela designação do governador do Rio de Janeiro Salvador de Sá como capitão-general das capitanias do Sul (mais vulneráveis por sua proximidade com as colônias espanholas), e pela transferência da sede do vice-reinado, em Salvador até 1763, para o Rio de Janeiro quando a parte sul da colônia tornou-se centro de produção aurífera e, portanto, dos interesses metropolitanos. Ao longo do setecentos, começam os trabalhos de melhoria urbana, principalmente no aumento da captação de água nos rios e construção de fontes e chafarizes para abastecimento da população. Um dos governos mais significativos deste século foi o de Gomes Freire de Andrada, que edificou conventos, chafarizes, e reformou o aqueduto da Carioca, entre outras obras importantes. Com a transferência da capital, a cidade cresce, se fortifica, abre ruas e tenta mudar de costumes. Um dos responsáveis por essas mudanças foi o marquês do Lavradio, cujo governo deu grande impulso às melhorias urbanas, voltando suas atenções para posturas de aumento da higiene e da salubridade, aterrando pântanos, calçando ruas, construindo matadouros, iluminando praças e logradouros, construindo o aqueduto com vistas a resolver o problema do abastecimento de água na cidade. Lavradio, cuja administração se dá no bojo do reformismo ilustrado português (assim como de seu sucessor Luís de Vasconcelos e Souza), ainda criou a Academia Científica do Rio de Janeiro. Foi também ele quem erigiu o mercado do Valongo e transferiu para lá o comércio de escravos africanos que se dava nas ruas da cidade. Importantíssimo negócio foi o tráfico de escravos trazidos em navios negreiros e vendidos aos fazendeiros e comerciantes, tornando-se um dos principais portos negreiros e de comércio do país. O comércio marítimo entre o Rio de Janeiro, Lisboa e os portos africanos de Guiné, Angola e Moçambique constituía a principal fonte de lucro da capitania. A cidade deu um novo salto de evolução urbana com a instalação, em 1808, da sede do Império português. A partir de então, o Rio de Janeiro passa por um processo de modernização, pautado por critérios urbanísticos europeus que incluíam novas posturas urbanas, alterações nos padrões de sociabilidade, seguindo o que se concebia como um esforço de civilização. Assume definitivamente o papel de cabeça do Império, posição que sustentou para além do retorno da Corte, como capital do Império do Brasil, já independente.

    [10]CASTRO, D. FERNANDO JOSÉ DE PORTUGAL E (1752-1817): 1o conde de Aguiar e 2o marquês de Aguiar, era filho de José Miguel João de Portugal e Castro, 3º marquês de Valença, e de Luísa de Lorena. Formado em Direito pela Universidade de Coimbra, ocupou vários postos na administração portuguesa no decorrer de sua carreira. Governador da Bahia, entre os anos de 1788 a 1801, passou a vice-rei do Estado do Brasil, cargo que exerceu até 1806. Logo em seguida, regressou a Portugal e tornou-se presidente do Conselho Ultramarino, até a transferência da corte para o Rio de Janeiro. A experiência adquirida na administração colonial valeu-lhe a nomeação, em 1808, para a Secretaria de Estado dos Negócios do Brasil, pasta em que permaneceu até falecer. Durante esse período, ainda acumulou as funções de presidente do Real Erário e de secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros e da Guerra. Foi agraciado com o título de conde e marquês de Aguiar e se casou com sua sobrinha Maria Francisca de Portugal e Castro, dama de d. Maria I. Dentre suas atividades intelectuais, destaca-se a tradução para o português do livro Ensaio sobre a crítica, de Alexander Pope, publicado pela Imprensa Régia, em 1810.

     
    Sugestões de uso em sala de aula:
    Utilização(ões) possível(is):
    -  No eixo temático sobre a “História das representações e das relações de poder”.
    - No sub-tema “ Nações, povos, lutas, guerras e revoluções”

    Ao tratar dos seguintes conteúdos:
    - A invasão francesa em Portugal
    - A transferência da Corte portuguesa para o Brasil

    Resistência

    Edital de João José Mascarenhas de Azevedo e Silva, desembargador e corregedor da comarca de Beja, aos habitantes de Alentejo, enaltecendo a atitude de resistência do povo de Beja à ocupação francesa. Mostra a postura da administração pública portuguesa contrária às invasões e à própria figura de Napoleão Bonaparte, chamado de aventureiro.

     

    Conjunto documental: Secretaria de Estado do Ministério do Reino
    Notação: caixa 651, pct. 01
    Datas-limite: 1803-1814
    Título do fundo ou coleção: Negócios de Portugal
    Código do fundo: 59
    Argumento de pesquisa: Cidades Portugal
    Data do documento: 5 de julho de 1808
    Local: Mértola
    Folha (s): Pacotilha: 1,10; f. 26
     

    “Edital

    Habitantes de Alentejo[1] e mais povos invadidos pelo terror do Tirano[2], a valiosa Beja[3] abriu exemplo, o seu povo digno de eterna memória quis ser o primeiro da Vossa Província desarmado e com poucas munições de guerra[4], que sustentasse à custa do próprio sangue (...) afronta do Soberano[5], da Religião e da Pátria; o Soberano foi reclamado, fez-se conferência e tratou-se de organizar corpo que pudesse defender a cidade; o inimigo que este a vista em número de trezentos homens fingiu que se retirava, mas voltou com reforço das tropas, que se achavam em Mertola[6] e com desprezo da sua palavra inesperadamente atacou; as suas forças eram de mais de novecentos homens, e trinta de cavalo; o povo conservou a energia enquanto duraram as balas; só nas horas do combate é que devemos medir a sua coragem com o valor desses senhores de muitas batalhas; dos nossos morreram dois sem mais ferimento algum e deles já se contam mais de seiscentos homens mortos: seguiu-se a lastimosa cena de incêndio e outros crimes que ofendem o valor e tão somente nascem da covardia e da maldade: estes são os gloriosos triunfos desse exército que chamam Francês animoso entre os povos sem armas e no combate vil e fraco; vós os sabeis da Espanha[7], e o vereis em Portugal[8]: este acontecimento seria capaz de enfurecer as mais terras da Província, e do Reino inteiro, ainda no meio de grandes Exércitos, quanto mais à vista de um pequeno rancho em desses vos Protetores à Francesa, e nas mais província bandos pequenos e poucos de gente lastimosa, e incendiária a que eles chamam no Alentejo – Legião do meio-dia. Declarou-vos Portugueses onde está o vosso antigo e honroso título de Religião e Fidelidade (...) o vosso legítimo soberano não é o mesmo, as nossas armas não são as mesmas, e não são elas as cinco chagas! Unidos, pois, à valorosa Beja, e ao firme e honrado Campo d´Ourique[9]; Reclamais o Nosso Príncipe Regente, despir a Casa de Bragança[10] ofendida pelos inimigos da Pátria; engrossou o nosso Exército, e à vista dele (...) seguir o nosso sistema; formar juntas que imitem os nossos amigos e protetores os honrados espanhóis eles, nós, e a sempre constante amiga e nossa protetora a generosa Inglaterra[11] faremos conhecer a esse aventureiro Bonaparte[12], que o Povo da Espanha e Portugal, mesmo abatido pelos seus abomináveis e vis enganos (...) exemplo ao mundo inteiro e às tristes Nações que foram igualmente iludidas e enganadas (...) Portugueses vamos às armas, quem as não tem, apareça e as receberá das duas Nações amigas; a Religião o manda, e o Príncipe o Ordena. Viva a Religião, o Príncipe, a Independência e a Pátria. Dado em Mertola a 5 de julho de 1808. João José Mascarenhas d´Azevedo e Silva

     

    [1]ALENTEJO: província situada no centro-sul de Portugal, cuja capital é Évora. Após a expulsão dos mouros da Península Ibérica, a região foi ocupada por nobres e dignatários de ordens religiosas, mas também por prisioneiros, que em troca da liberdade se fixaram em áreas fronteiriças. Durante a Idade Média, formaram-se grandes latifúndios que, ao final do século XV, se destacariam na produção do trigo português. No século XVIII, colonos provenientes de ilhas adjacentes, como Açores, se instalariam na região com o incentivo do governo, distribuindo-lhes terras da Coroa e instrumentos agrícolas. A província é conhecida como celeiro lusitano.

    [2] TIRANO: o conceito de tirania nasceu na Grécia, designando, sobretudo, o poder exercido sem legitimidade. Para o filósofo Platão (427 A.E.C. - 347 A.E.C.), seria o governo de um só, o tirano, que reina ou governa não segundo a vontade dos cidadãos, mas apoiado apenas em seu próprio arbítrio. Já Aristóteles (384 A.E.C.-322 A.E.C.), definiu a tirania como uma forma impura e corrompida da monarquia, onde o tirano governa para os que estão no poder e não para o povo (Melillo Moreira de Melo. Tipologia clássica dos sistemas políticos. Revista de Ciência Política. FGV, 1979). No período moderno, o tirano é entendido como uma figura despótica, que usurpa o poder e o exerce de forma absoluta. Segundo Rafael Bluteau, em seu Diccionario da língua portuguesa, tirano seria o “príncipe que é único e despótico; o que usurpou o governo (...). O que governa mal, contra as leis, privando arbitrariamente os seus vassalos dos bens, da liberdade civil, das vidas e honras” (Lisboa: Na Officina de Simão Thaddeo Ferreira, 1789).

    [3]BEJA: cidade portuguesa e capital do distrito de Beja, na região do Alentejo, tornou-se uma das principais cidades da Península Ibérica sob o domínio romano, desfrutando do antigo direito itálico. Dominada pelos árabes entre os séculos VIII e XII, Beja foi um centro cultural mouro. Reconquistada pelos portugueses por volta de 1162, sofreu forte destruição durante as invasões francesas em 1807 e 1811.

    [4]PÓLVORA: conhecida como a arma do diabo no período colonial, foi a principal munição de combate a partir do século XIV, dando novas dimensões à guerra, ao permitir a criação das armas de fogo. Embora tenha sido inventada pelos chineses, chegou ao Ocidente com os árabes. Resultado da mistura inflamável e explosiva de salitre, enxofre e carvão, com que se carregam os cartuchos das armas de fogo, a pólvora teve grande importância estratégica para Portugal, tendo sido largamente usada na conquista e defesa de territórios no ultramar, sobretudo na América e nas guerras do país. No século XVIII, após um aperfeiçoamento na produção e mistura desses componentes, produziram-se várias espécies de pólvora, com diferentes poderes de destruição. Durante o período colonial, toda a produção e o comércio eram monopólio da Coroa, sendo o Estado da Índia o principal fornecedor de salitre e outras matérias-primas, até o declínio do comércio indo-europeu. Em virtude das dificuldades encontradas, a Coroa incentivou a busca de minas de salitre na África e no Brasil, tendo sido descobertas no interior da Bahia e das Minas Gerais. O consumo de pólvora nos domínios ultramarinos, sobretudo no Brasil, era muito grande, tanto pelo governo, que a utilizava largamente na defesa do território, quanto pelos particulares, para a defesa da propriedade. Isto justifica o interesse da Coroa em manter o monopólio de um produto tão lucrativo e útil. As novas minas descobertas no Brasil deveriam ser exploradas somente pela Coroa, o que não aconteceu. Alguns particulares, atraídos pelos lucros da extração e comércio do salitre e da pólvora, iniciaram manufaturas e, mesmo tendo sido duramente reprimidos e perseguidos pela Coroa, numerosas foram as fábricas clandestinas que existiam no interior de Minas Gerais. O salitre de Minas Gerais era de boa qualidade e em quantidade suficiente para fornecer a produção em Vila Rica e no Rio de Janeiro, além de ser exportado. Este setor produtivo acabou por entrar na pauta dos estudos das universidades e academias científicas portuguesas, gerando pesquisas e a redação de memórias sobre a mineralogia que procuravam novas técnicas de extração e exploração econômica. A Fábrica de Pólvora da Lagoa Rodrigo de Freitas foi criada em 1808 pelo príncipe d. João, visando produzir o suficiente para suprir o mercado interno do Brasil. O feito só foi possível com a revogação, assinada por d. João em 1o de abril de 1808, do alvará de 5 de janeiro de 1785, no qual d. Maria I proibira o estabelecimento de manufaturas no Brasil. A direção técnica e científica foi dada a Carlos Antônio Napion, que havia tido o mesmo cargo em Portugal e tinha grande experiência no setor. O decreto de 1808 que criou a Real Fábrica de Pólvora da Lagoa Rodrigo de Freitas deu origem também ao Jardim Botânico do Rio de Janeiro, que só foi mencionado explicitamente na legislação em 1811. A localização da fábrica próxima à lagoa deveu-se à abundância de água e ao desnível do terreno, vantajoso para movimentação das máquinas de produção de pólvora, bem como à distância em relação ao centro da cidade. A reorganização das forças militares na América portuguesa, irrompida com a transferência da corte portuguesa para o Brasil, trouxe a necessidade de dotar a sede do governo luso-brasileiro de infraestrutura bélica, incluindo a construção da fábrica de pólvora.

    [5]JOÃO VI, D. (1767-1826): segundo filho de d. Maria I e d. Pedro III, se tornou herdeiro da Coroa com a morte do seu irmão primogênito, d. José, em 1788. Em 1785, casou-se com a infanta Dona Carlota Joaquina, filha do herdeiro do trono espanhol, Carlos IV que, na época, tinha apenas dez anos de idade. Tiveram nove filhos, entre eles d. Pedro, futuro imperador do Brasil. Assumiu a regência do Reino em 1792, no impedimento da mãe que foi considerada incapaz. Um dos últimos representantes do absolutismo, d. João VI viveu num período tumultuado. Foi sob o governo do então príncipe regente que Portugal enfrentou sérios problemas com a França de Napoleão Bonaparte, sendo invadido pelos exércitos franceses em 1807. Como decorrência dessa invasão, a família real e a Corte lisboeta partiram para o Brasil em novembro daquele ano, aportando em Salvador em janeiro de 1808. Dentre as medidas tomadas por d. João em relação ao Brasil estão a abertura dos portos às nações amigas; liberação para criação de manufaturas; criação do Banco do Brasil; fundação da Real Biblioteca; criação de escolas e academias e uma série de outros estabelecimentos dedicados ao ensino e à pesquisa, representando um importante fomento para o cenário cultural e social brasileiro. Em 1816, com a morte de d. Maria I, tornou-se d. João VI, rei de Portugal, Brasil e Algarves. Em 1821, retornou com a Corte para Portugal, deixando seu filho d. Pedro como regente.

    [6]MÉRTOLA: situada às margens do rio Guadiana, é um dos 14 municípios do distrito de Beja, região do Algarve. Ocupada desde o Neolítico, a arqueologia da região demonstra a presença de romanos, que chamavam a cidade de Mirtilis Julia. Ao declínio do Império Romano seguiu-se a invasão dos visigodos que permaneceram na Península Ibérica pelo menos entre os séculos V e VIII. Em 711 os povos islâmicos do norte da África tomaram conta de parte da Península, incluindo a cidade, que passou a se chamar Martulá, quando se tornou um importante porto fluvial, sendo o porto mais ocidental do Mediterrâneo, o que garantiu o florescimento e crescimento da cidade e região. A cidade chegou mesmo a ser a capital de um pequeno emirado islâmico, a Taifa de Mértola. Foi reconquistada aos árabes pela Coroa portuguesa em 1238, por ação de d. Sancho II (1209-1248), que a doou à Ordem de Santiago no ano seguinte.

    [7]ESPANHA: a formação do Estado moderno espanhol se deu com o casamento de Isabel, do reino de Castela, com Fernando II, então herdeiro do trono de Aragão, permitindo a união de três reinos – Castela, Leão e Aragão – em 1479. Desta maneira, a região, fortalecida com a queda do reino mouro de Granada em 1492 e a incorporação de novos territórios, pôde lançar-se nas viagens marítimas, disputando com seu vizinho, Portugal, o protagonismo nas conquistas ultramarinas. A relação entre os dois reinos ibéricos vem de longa data, pioneiros das grandes navegações, em 1493 assinariam o Tratado de Tordesilhas, que dividia os territórios recém-descobertos e a descobrir entre lusos e hispânicos. Mas, as disputas territoriais foram uma constante entre os dois países, sobretudo o traçado das fronteiras no continente americano. Com o estabelecimento da União Ibérica em 1580, quando Felipe II, rei espanhol, assumiria a coroa portuguesa após a morte de d. Sebastião, que não havia deixado herdeiros, os limites fronteiriços foram ignorados, possibilitando a interiorização da colonização do Brasil. Com a restauração do trono português em 1640, acirraram-se as disputas territoriais entre os dois reinos, inúmeros tratados foram assinados na tentativa de solucionar os conflitos, como o Tratado de Madri de 1750, que pretendia dissipar completamente quaisquer dúvidas que, porventura, ainda persistissem na definição dos limites entre as possessões ibéricas na América. No entanto, a não aderência ao pacto de família levaria a novos conflitos na América. A ascensão de Napoleão Bonaparte ao trono francês em 1799 e a aliança com Espanha, através da assinatura do Tratado de Santo Ildefonso, ratificariam as animosidades entre os países ibéricos. Malograda em conseguir uma aliança com Portugal para fechar os portos europeus aos produtos ingleses, em 1801 foi deflagrada a Guerra das Laranjas: a Espanha invadiria territórios portugueses na Europa e na América; o conflito terminou com a assinatura do Tratado de Badajoz. Apesar da aliança, em 1807, o exército francês invadiria a Espanha, com a justificativa de aumentar a fileiras do exército franco-espanhol para a ocupação de Portugal (que não havia aderido ao Bloqueio Continental). Após ser destronado por Napoleão, o rei Fernando VII foi sucedido por José Bonaparte. A instabilidade política provocada pela ocupação francesa favoreceu os movimentos de independência das colônias espanholas na América, pois sem um monarca, a possibilidade de desligar-se completamente da Espanha ganhava cada vez mais terreno. Quando o trono espanhol foi restituído, em 1814, as lutas de secessão não puderam mais ser contidas. Era o fim do império espanhol.

    [8]PORTUGAL: país situado na Península Ibérica, localizada na Europa meridional, cuja capital é Lisboa. Sua designação originou-se de uma unidade administrativa do reino de Leão, o condado Portucalense, cujo nome foi herança da povoação romana que ali existiu, chamada Portucale (atual cidade do Porto). Compreendido entre o Minho e o Tejo, o Condado Portucalense, sob o governo de d. Afonso Henriques, deu início às lutas contra os mouros (vindos da África no século VIII), das quais resultou a fundação do reino de Portugal no século XIII. Tornou-se o primeiro reino a constituir-se como Estado Nacional após a Revolução de Avis em 1385. A centralização política foi um dos fatores que levaram o reino a ser o precursor da expansão marítima e comercial europeia, constituindo vasto império com possessões na África, nas Américas e nas Índias ao longo dos séculos XV e XVI. Os séculos seguintes à expansão foram interpretados na perspectiva da Ilustração e por parte da historiografia contemporânea como uma lacuna na trajetória portuguesa, um desvio em relação ao impulso das navegações e dos Descobrimentos e que sobretudo distanciou os portugueses da Revolução Científica. Era o “reino cadaveroso”, dominado pelos jesuítas, pela censura às ideias científicas, pelo ensino da Escolástica. Para outros autores tratou-se de uma outra via alternativa, a via ibérica, sem a conotação do “atraso”. O século XVII é o da união das coroas de Portugal e Espanha, período que iniciado ainda em 1580 se estendeu até 1640 com a restauração e a subida ao trono de d. João IV. Do ponto de vista da entrada de novas ideias no reino deve-se ver que independente da perspectiva adotada há um processo, uma transição, que conta a partir da segunda metade do XVII com a influência dos chamados “estrangeirados” sob d. João V, alterando em parte o cenário intelectual e mesmo institucional luso. Um momento chave para a história portuguesa é inaugurado com a subida ao trono de d. José I e o início do programa de reformas encetado por seu ministro Sebastião José de Carvalho e Melo, o marquês de Pombal. Com consequências reconhecidas a longo prazo, no reino e em seus domínios, como se verá na América portuguesa, é importante admitir os limites dessa política, como adverte Francisco Falcon para quem “por mais importantes que tenham sido, e isso ir-se-ia tornar mais claro a médio e longo prazo, as reformas de todos os tipos que formam um conjunto dessa prática ilustrada não queriam de fato demolir ou subverter o edifício social” (A época pombalina, 1991, p. 489). O reinado de d. Maria I a despeito de ser conhecido como “a viradeira”, pelo recrudescimento do poder religioso e repressivo compreende a fundação da Academia Real de Ciências de Lisboa, o empreendimento das viagens filosóficas no reino e seus domínios, e assiste a fermentação de projetos sediciosos no Brasil, além da formação de um projeto luso-brasileiro que seria conduzido por personagens como o conde de Linhares, d. Rodrigo de Souza Coutinho. O impacto das ideias iluministas no mundo luso-brasileiro reverberava ainda os acontecimentos políticos na Europa, sobretudo na França que alarmava as monarquias do continente com as notícias da Revolução e suas etapas. Ante a ameaça de invasão francesa, decorrente das guerras napoleônicas e face à sua posição de fragilidade no continente, em que se reconhece sua subordinação à Grã-Bretanha, a família real transfere-se com a Corte para o Brasil, estabelecendo a sede do império ultramarino português na cidade do Rio de Janeiro a partir de 1808. A década de 1820 tem início com o questionamento da monarquia absolutista em Portugal, num movimento de caráter liberal que ficou conhecido como Revolução do Porto. A exemplo do que ocorrera a outras monarquias europeias, as Cortes portuguesas reunidas propõem a limitação do poder real, mediante uma constituição. Diante da ameaça ao trono, d. João VI retorna a Portugal, jurando a Constituição em fevereiro de 1821, deixando seu filho Pedro como príncipe regente do Brasil. Em 7 de setembro de 1822, d. Pedro proclamou a independência do Brasil, perdendo Portugal, sua mais importante colônia.

    [9]CAMPO D'OURIQUE: durante as invasões francesas em Portugal, o reino viveu um período conturbado, marcado por uma divisão entre as tendências francófilas e anglófilas. Expressando o embate entre essas tendências, a infantaria (comandada por Gomes Freire de Andrade) e a Legião de Tropas Ligeiras (sob o comando do marquês de Alorna) amotinaram-se, entrando em choque com a Guarda Real da Polícia, comandada por um oficial francês emigrado, o conde de Novion, em 1803. Esse episódio entrou para a história como os motins do campo de Ourique, por ter ocorrido na freguesia de mesmo nome que pertence ao concelho de Lisboa.

    [10]CASA DE BRAGANÇA: linhagem de duques iniciada pelo 8º conde de Barcelos, d. Afonso I (1380-1461), filho bastardo de d. João I e de dona Inês Perez Esteves. A Casa de Bragança foi a quarta dinastia de reis portugueses e subiu ao trono logo depois da Restauração, com d. João IV, em 1640, permanecendo no poder até a derrubada da monarquia em 1910. A família Bragança deu fim ao domínio de 60 anos dos Reis de Espanha (Casa de Habsburgo) sobre Portugal com a Guerra de Aclamação. No Brasil, a dinastia dominou todo o período do Império, governado por d. Pedro I (1822-1831) e d. Pedro II (1841-1889). Mas, o primeiro rei de Bragança a governar a partir do país foi d. João VI, monarca do Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves (1808-1821), que aportou no Rio de Janeiro em 1808, em consequência da invasão de Napoleão a Portugal.

    [11]INGLATERRA: o Estado moderno inglês teve sua origem marcada pela disputa dinástica entre dois ramos descendentes do rei Eduardo III: os Lancaster e os York. Este episódio, que entrou para a história como a Guerra das Duas Rosas (1453-1485), culminou com a ascensão ao poder dos Tudor, inaugurando uma nova dinastia. Durante o reinado dos Tudor, destacaram-se as figuras de Henrique VIII (1491-1547), fundador da Igreja Anglicana (1535), e Elisabeth I (1533-1603), que conquistou a supremacia bélica marítima (derrotando a esquadra espanhola em 1588) e fortaleceu as fronteiras internas inglesas. Com a guerra civil em 1642, travada entre o parlamento liderado por Oliver Cromwell, e as forças do rei Carlos I, a Inglaterra pôs fim ao absolutismo monárquico e alcançou sua hegemonia econômica, passando a exercer influência em diversos pontos do mundo: América do Norte, Índia, Austrália e África. As relações diplomáticas entre Portugal e Inglaterra datam ainda do século XIV, com o estabelecimento do Tratado Anglo-português, um tratado de “perpétua amizade, sindicato [e] aliança” entre as duas nações. No entanto, com a União Ibérica (1580-1640), os interesses portugueses foram absorvidos pela agressiva política hispânica na Europa, inclusive com relação à antiga aliada lusa, resultando numa ruptura momentânea entre os dois reinos. As relações anglo-portuguesas seriam reestabelecidas após a Guerra de Restauração – Portugal contaria com o apoio militar britânico na guerra contra a Espanha – com a assinatura do tratado de paz e comércio em 1641 e outros daí decorrentes, pelos quais os ingleses obtiveram, além da completa liberdade de comerciar em Portugal e nas colônias, uma série de privilégios em terras lusitanas. O Tratado de Methuen, em 1703, deu livre entrada aos manufaturados ingleses em Portugal e redução das tarifas impostas à importação de vinhos portugueses, agravando a dependência econômica lusa à Inglaterra. Diante desse quadro, o déficit da balança comercial portuguesa pôde ser equilibrado com o envio do ouro extraído do Brasil, contribuindo para a ascensão econômica britânica. A Revolução Industrial, deflagrada no século XVIII, foi responsável pela manutenção e alargamento desses laços com as diversas nações, uma vez que parte da produção se destinava ao mercado externo. Numa disputa pela supremacia no continente europeu, a rivalidade entre Inglaterra e França ficaria evidente em beligerâncias travadas ao longo do oitocentos, como a Guerra de Sucessão da Espanha, a Guerra dos Sete Anos – onde estabeleceram-se alianças que perdurariam durante mais de dois séculos entre Inglaterra e Portugal, de um lado, e entre França e Espanha, do outro lado – e a Guerra da Independência dos Estados Unidos da América. A Inglaterra rompe o século XIX como a grande potência industrial da Europa, e sua grande rival, a França napoleônica buscou formas para barrar o crescimento econômico britânico no continente, decretando o Bloqueio Continental (1806), pelo qual nenhum país europeu poderia comercializar com a Grã-Bretanha sob o risco de invasão pelo poderoso exército francês. Antigo aliado inglês, Portugal não aderiu ao bloqueio, temendo perder suas possessões no ultramar. O não-alinhamento português resultou na invasão francesa a Portugal e na consequente transferência da corte portuguesa para o Brasil sob proteção da armada inglesa em 1807. Além de participar da transferência, os ingleses também se comprometeram a dispor de suas tropas para combater os exércitos franceses em solo lusitano. Tal apoio foi obtido em troca do compromisso estabelecido pelo príncipe regente de Portugal, d. João VI, no qual garantia abrir os portos do Brasil para nações estrangeiras, além da assinatura dos Tratados de 1810, que asseguravam à Inglaterra vantagens comerciais frente aos demais países, e mesmo à Portugal. Estava assim garantida a hegemonia britânica sobre a economia brasileira. Com a autonomia política em 1822, a subordinação brasileira à Inglaterra deixou de ser apenas comercial e passou a ser também financeira, devido sobretudo, aos empréstimos feitos por d. Pedro I para comprar o reconhecimento da independência do Brasil de Portugal e para financiar a Guerra da Cisplatina. A Inglaterra, além do poder econômico, passaria a ter influência política durante todo o império.  A dimensão da ingerência inglesa pode ser percebida na pressão pelo fim do tráfico de escravos realizada pela Grã-Bretanha ao longo do século XIX. Em 1826, foi assinado um tratado que declarava ilegal o comércio interatlântico de escravos após 1830, apesar de a economia brasileira ainda estar assentada na plantation de mão de obra escrava. E contrariando da mesma forma os interesses das elites escravocratas brasileiras, em 1831, foi promulgada a lei que pôs fim ao tráfico de escravos para o Brasil, que na prática não impediu que uma enorme quantidade de africanos escravizados entrasse no Brasil até 1850, quando a proibição do tráfico tornou-se efetiva com a Lei Eusébio de Queirós.

    [12]BONAPARTE, NAPOLEÃO (1769-1821): nascido em Ajáccio, na Ilha da Córsega, começou a se destacar no período da Revolução Francesa conhecido como Diretório (1795-1799), quando a alta burguesia financeira, com o apoio do exército, ascendeu ao poder. Foi também uma época de grande agitação militar. A França enfrentou a Áustria na campanha da Itália e, depois, na campanha do Egito, o que muito contribuiu para a celebridade de Napoleão Bonaparte, um jovem e talentoso oficial do exército que foi promovido a major-general. No entanto, existia uma grande desaprovação por parte da população francesa ao governo do Diretório e, em 1799, o golpe de Estado do 18 Brumário derrubou o governo, abrindo caminho para a formação do Consulado, quando o general Bonaparte ascenderia ao poder com o título de cônsul. O novo governo, na verdade, conservou o ideário liberal burguês, mas agora centralizado na figura popular de Napoleão. Em 1804, sagrou-se imperador dos franceses com o título de Napoleão I. Como resultado das guerras napoleônicas e das conquistas territoriais, o mapa político europeu adquiriu uma nova configuração. Derrubando as tradições monárquicas em cada território conquistado, Napoleão propagaria os princípios liberais que norteavam o governo francês, levando a uma grave crise do Antigo Regime no continente europeu. Contudo, a hegemonia da força industrial britânica ainda era um grande obstáculo econômico e, em 1806, instituiu o Bloqueio Continental, decreto que proibia todas as nações europeias de estabelecerem comércio com a Inglaterra, sob ameaça de invasão do exército francês. Nos dois anos seguintes, cumprindo tais determinações, Napoleão empreendeu ocupações na Espanha e em Portugal. Em 1814, a dinastia dos Bourbons foi reconduzida ao poder. Derrotado, com a assinatura do Tratado de Fontainebleau (1814), Napoleão foi desterrado na Ilha de Elba, mas conseguiu fugir e voltar à França para organizar o que ficou conhecido como o “Governo dos Cem Dias” (1815). Nesse mesmo ano, os exércitos napoleônicos foram aniquilados pelos ingleses na batalha de Waterloo e Napoleão foi exilado na Ilha de Santa Helena, onde faleceu. Ainda em 1815, as nações europeias reunidas no Congresso de Viena negociaram a volta às antigas fronteiras dos Estados.

     

    Sugestões de uso em sala de aula:
    Utilização(ões) possível(is):
    - No eixo temático sobre a “História das representações e das relações de poder”
    -  No sub-tema “Nações, povos, lutas, guerras e revoluções”

    Ao tratar dos seguintes conteúdos:
    -  As “guerras napoleônicas”
    - A invasão francesa em Portugal

    Panfletos incendiários

    Carta dos três governadores do reino a d. João VI explicando os motivos pelos quais os periódicos “Correio Braziliense” e “O Portuguêz” estavam proibidos de serem editados e vendidos em Portugal e seus domínios. Os periódicos eram acusados de incitar o povo a fazer tumultos e revoluções, perturbar a harmonia do reino, disseminar idéias sobre anarquia e contar mentiras sobre a Revolução Francesa. 

     

    Conjunto documental: Secretaria de Estado do Ministério do Reino
    Notação: Caixa, 684, pct. 01
    Datas-limite: 1801-1819
    Título do fundo ou coleção: Negócios de Portugal
    Código do fundo: 59
    Argumento de pesquisa: Cidades Portugal
    Data do documento: 23 de dezembro de 1817
    Local: Lisboa
    Folha(s): Pac. 1,100; f. 153 a 166
     

    “Senhor,

    Quando em 17 de Junho do presente ano expedimos a Portaria, N.º 1 excitando a observância do Aviso de 2 de Março de 1812 N.º 2, pelo qual em obediência ás Ordens de Vossa Majestade[1] havíamos vedado a entrada, e publicação do Correio Braziliense[2] e, de todos os escritos de seu Autor[3] nestes Reinos, e seus Domínios, e proibindo igualmente a entrada e publicação de outro Periódico intitulado “O Portuguez[4] cujas doutrinas revolucionárias podiam ser funestíssimas à tranqüilidade dos Povos, e tinham já ao nosso parecer concorrido muito para alucinar esses homens desacordados, que se atreveram a conspirar contra seu legítimo Soberano, e a projetar nova forma de governo: Julgamos também indispensável submeter à Revisão Investigador; mandando que se não permitisse a sua distribuição, sem ser primeiramente examinado na Secretaria de Estado. A experiência mostrou a necessidade desta medida: porque logo no N.º 74 de Agosto do corrente ano encontramos de páginas 282 até 297, uma carta, cujo contexto é dirigido a excitar o descontentamento da Nação contra o Paternal Governo de Vossa Majestade, censurando ousadamente os seus procedimentos; na admissão dos Ingleses para comandar os nossos Exércitos, e entrarem na Regência; na conclusão do Tratado de Comércio de 1810[5] com a Corte de Londres[6]; no pouco favor dado aos navios, e mercadorias portuguesas nos Portos do Brasil[7]; na nova Legislação Militar de 21 de Fevereiro de 1816; e em outros artigos; e acusando de venalidade, e ignorância os Magistrados[8], e Tribunais do Reino. Não nos pareceu portanto conveniente deixar circular um escrito tão incendiário: mas lembrando-nos ao mesmo tempo, que Vossa Majestade se havia dignado de proteger este Jornal, que se reputava escrito com príncipes leais, não duvidamos  prestes-nos às instâncias do Doutor Bernardo José de Abrantes[9], correspondente do Redator de Londres, o qual propôs, que se arrancasse o mencionado artigo dos exemplares vindos de Inglaterra[10], e se lhes substituísse outro aqui escrito, e impresso com o mesmo número de páginas, para se poder distribuir aquele Caderno aos Subscritores, depois de assim emendado. Mas quando entendíamos, que esta providencia serviria de lição ao Redator, para não reincidir em semelhantes desvarios, vimos com espanto no N.º 77 de Novembro que ele no artigo “Hespanha” páginas 85, transcrevendo uma Gazeta Inglesa, afirma que não pode haver crédito público sem uma Representação Nacional; que a Espanha[11] foi feliz com a Constituição formada pelas Cortes[12], cuja nova convocação Sua Majestade Católica[13] tem demorado pela influência dos Magistrados, e do Alto Clero; que as conspirações de Portier, Lacy, e outros não tinham outro objeto mais que o Restabelecimento das mesmas Cortes, e que depois de discorrer largamente debaixo desses princípios conclui assim: “Mas os Vales tornarão a cobrar Crédito, quando não tivermos fundos suficientes para os amortecer. Isto com tudo só está no poder da Nação, e não nos Monges, e Clérigos; e esta época há de chegar com o tempo, ou por vontade, ou por violência”. Não é menos repreensível o que o redator escreve no artigo “França” páginas 101 Ele combate a opinião de que a Revolução Francesa[14] foi obra dos Filósofos e dos Pedreiros Livres[15]: e para sustentar a sua preposição descreve com os mais escandalosos e desmedidas expressões os vícios, e a ambição de alguns Papas, dizendo de Leão Décimo[16] entre outras indignidades, que mandava vender por toda a Cristandade a mercadoria Romana das Indulgências[17] pelenarias.; e com igual desacordo acusa o despotismo dos Reis de França[18] principalmente desde o Reinado de Francisco Primeiro[19], tem em que afirma, que o poder absoluto tinha já aniquilado em França o grande Palladium das suas liberdades, os Estados Gerais. Estas passagens, e outras preposições de semelhante natureza, que se acham espalhadas por este Folheto, que vai junto N.º 3, nos obrigaram a proibir a sua circulação, e a reter todos os exemplares, que vieram a Secretaria de Estado, esperando que Vossa Majestade será servido aprovar esta resolução, que tem por objeto evitar, quando é possível, que neste Reino entrem tão venenosos escritos, que em vez de servirem para instruir e melhorar a Nação, só podem ter o funesto resultado de fomentar o desprezo das Leis, e dos Magistrados, a falta de respeito para a Religião, e seus Ministro, o ódio ao Trono, e consequentemente a sedição, e anarquia, e os horrores de uma revolução semelhante á que inunda de sangue a França, e toda a Europa, e vai desgraçadamente produzindo na América os mesmos efeitos. (...) À Muito Alta, e Muito Poderosa Pessoa de Vossa Majestade, guarde Deus muitos anos, como desejamos e havemos mister. Lisboa no Palácio do Governo em 23 de Dezembro de 1817. Marques de Borba[20] // Ricardo Raimundo Nogueira[21] // Alexandre José Castello”

     

    [1] JOÃO VI, D. (1767-1826): segundo filho de d. Maria I e d. Pedro III, se tornou herdeiro da Coroa com a morte do seu irmão primogênito, d. José, em 1788. Em 1785, casou-se com a infanta Dona Carlota Joaquina, filha do herdeiro do trono espanhol, Carlos IV que, na época, tinha apenas dez anos de idade. Tiveram nove filhos, entre eles d. Pedro, futuro imperador do Brasil. Assumiu a regência do Reino em 1792, no impedimento da mãe que foi considerada incapaz. Um dos últimos representantes do absolutismo, d. João VI viveu num período tumultuado. Foi sob o governo do então príncipe regente que Portugal enfrentou sérios problemas com a França de Napoleão Bonaparte, sendo invadido pelos exércitos franceses em 1807. Como decorrência dessa invasão, a família real e a Corte lisboeta partiram para o Brasil em novembro daquele ano, aportando em Salvador em janeiro de 1808. Dentre as medidas tomadas por d. João em relação ao Brasil estão a abertura dos portos às nações amigas; liberação para criação de manufaturas; criação do Banco do Brasil; fundação da Real Biblioteca; criação de escolas e academias e uma série de outros estabelecimentos dedicados ao ensino e à pesquisa, representando um importante fomento para o cenário cultural e social brasileiro. Em 1816, com a morte de d. Maria I, tornou-se d. João VI, rei de Portugal, Brasil e Algarves. Em 1821, retornou com a Corte para Portugal, deixando seu filho d. Pedro como regente.

    [2] CORREIO BRAZILIENSE: criado por Hipólito da Costa, seu redator, o periódico foi publicado entre os anos de 1808 e 1822. Apesar do nome, o jornal era editado na Inglaterra, mas circulou ilegalmente em Portugal e no Brasil, reputado como o primeiro jornal do país. Influenciado pelo reformismo ilustrado, Hipólito defendia o chamado Império luso-brasileiro – projeto capitaneado pelo fidalgo português d. Rodrigo de Sousa Coutinho –, a manutenção de sua unidade e forma de governo monárquico, no entanto, seria necessário reformas liberais em sua ultrapassada estrutura absolutista. Por suas críticas às práticas políticas do Estado imperial e o fomento ao debate político, foi considerado um jornal de oposição. Argumentava a favor da independência do Brasil, mas não de sua ruptura com Portugal, o que mostrar-se-ia, anos mais tarde, inevitável. O correio também encerrava uma proposta civilizatória para o país, por meio da divulgação dos progressos científicos da época, mostrando-se outrossim contrário à tirania e ao absolutismo. No jornal, Hipólito defendia a liberdade de imprensa, segundo o modelo liberal inglês, o fim da Inquisição, da escravatura e da censura. O periódico marcou o início da corrente jornalística conhecida como os jornais de Londres, da qual fizeram parte O Investigador Portuguez em Inglaterra ou Jornal Literário, Político, Etc. (1811-1819); Argus (1809); O Zurrague Político das Cortes Novas (1821); O Portuguez ou Mercúrio Político, Commercial e Literário (1814-1826) e o Campeão Portuguez ou o Amigo do Rei e do Povo (1819-1821), cuja circulação foi de caráter similar ao do Correio Braziliense.

    [3] MENDONÇA, HIPÓLITO JOSÉ DA COSTA PEREIRA FURTADO (1774-1823): natural da Colônia do Sacramento, Hipólito da Costa, como ficou mais conhecido, era membro de uma família ilustre, formou-se pela Universidade de Coimbra em leis, filosofia e matemática (1798). Foi diplomata do governo português e, durante viagem aos Estados Unidos ingressou na maçonaria. Em 1805, foi detido e acusado pela Inquisição de disseminar ideias maçônicas, refugiando-se em Londres. Recebeu apoio financeiro do governo brasileiro para se manter no exílio, de onde escreveu e publicou seu jornal, O Correio Braziliense ou Armazém Literário (1808-1822). Periódico de caráter político teve grande influência no processo de independência do Brasil. No entanto, durante os primeiros anos, tinha apenas a intenção de informar aos leitores do Brasil sobre os acontecimentos na Europa. O jornal circulava livre de censuras em Portugal assim, o jornalista passaria a defender ideias liberais, sobretudo a emancipação colonial, dando ampla cobertura a Revolução Pernambucana e os acontecimentos posteriores que culminaram na proclamação da independência.

     [4] O PORTUGUÊS: O Português ou Mercúrio Político, Comercial e Literário (1814-1826) fez parte dos chamados jornais de Londres – periódicos portugueses que, proibidos de circular no Reino e seus domínios por fazerem críticas ao Antigo Regime, foram editados em Londres para escapar da censura. Foi considerado pelas autoridades portuguesas como o “mais sedicioso de todos”, ao combater veementemente a política de d. João VI. Seu redator era João Bernardo da Rocha Loureiro (1778-1853), formado em Coimbra e protegido de Hipólito José da Costa Pereira Furtado de Mendonça.

    [5] TRATADOS DE 1810: o controle do comércio e navegação entre o reino e suas colônias sempre foi uma preocupação do Estado português. Esse comércio era regido pelas convenções do pacto colonial, que reservava o monopólio dos produtos coloniais para a metrópole, embora o contrabando entre as colônias e outros reinos evidencie as falhas e brechas no sistema.  Considerado um verdadeiro contrato político, pressupunha uma série de instrumentos político-institucionais para a sua manutenção. Na prática, a coroa não conseguia reservar esses mercados apenas para si e, desde o século XVII, eram feitas concessões cada vez maiores a aliados históricos, como os ingleses. Durante a chamada Viradeira – período que se iniciou em 1777 com a nomeação de novos Secretários de Estado, em substituição do marquês de Pombal, por d. Maria I – empreendeu-se uma tentativa de controlar o contrabando e estreitar os laços comerciais intercoloniais, reservando à colônia seu papel de produtora de gêneros agrícolas e de consumidora de manufaturados, visando a controlar a erosão do sistema colonial, que já apresentava sinais de crise. Essa estrutura seria invertida com a chegada da corte joanina em 1808 e a consequente abertura dos portos às nações amigas de Portugal. Eliminava-se o exclusivismo mercantil e essa medida, na prática, favorecia mais à Inglaterra, que exigiu a manutenção e ampliação de certos privilégios econômicos. A situação de dependência comercial com a Inglaterra seria agravada com a assinatura dos Tratados de 1810. Em 19 de fevereiro desse ano, dois importantes tratados foram firmados entre Portugal e Inglaterra: o Tratado de Comércio e Navegação e o Tratado de Aliança e Amizade, que regulamentavam as relações comerciais entre as duas nações, como consequência da nova situação política e econômica resultante abertura dos portos brasileiros. A justificativa dos tratados expressava principalmente o desejo das nações em estreitar os laços de amizade e ampliar os benefícios de seus vassalos por meio de um novo sistema de livre comércio entre os envolvidos, incluindo seus domínios, e no caso português, a nova sede do Império português, o Brasil. Foram acertados, entre outros pontos, assuntos relativos ao comércio entre os países envolvidos, como no artigo VIII, que abolia monopólios que pudessem restringir o comércio entre Portugal e Inglaterra (e seus respectivos domínios), embora fossem mantidos os estancos a certos produtos, como os tecidos de lã ingleses, os vinhos portugueses e o pau-brasil. O artigo principal (XV), que regulava as novas tarifas alfandegárias, estabelecia que todos os gêneros ingleses – à exceção dos estancados – deveriam ser admitidos sem limitações nos domínios portugueses, pagando direitos de 15%. O acordo firmado revela o precário equilíbrio de forças e as dependentes relações de Portugal em relação à Inglaterra, resultando em uma concessão que favorecia diretamente os produtos ingleses em detrimento dos próprios gêneros portugueses, que pagariam 16% de impostos, desigualdade corrigida quase um ano depois, e dos estrangeiros de outras nações amigas, taxados em 24%. Este tratado resultou, praticamente, em um domínio inglês no mercado do Brasil, uma vez que se tornava bastante difícil para as outras nações competir com os preços, a variedade e a qualidade dos produtos oriundos da Inglaterra e suas colônias. Provocou profundo mal-estar e insatisfação entre os produtores e negociantes portugueses, uma vez que se sentiam lesados no comércio colonial, anteriormente, controlado com exclusividade. Também desagradou aos ingleses, desejosos de mais benefícios e privilégios em troca de terem ajudado na transmigração da Corte e na manutenção da integridade do Império português. Os acordos referiam-se, ainda, as concessões previstas no Tratado de 1654 como a liberdade de culto aos súditos ingleses e o direito de julgamento por juízes ingleses segundo leis inglesas, caso algum súdito britânico cometesse delito nos domínios da Coroa portuguesa. O artigo X do Tratado tratava, ainda, sobre a gradual extinção do tráfico de escravos africanos e sua limitação às possessões portuguesas. Tal resolução suscitou inúmeras acusações de arbitrariedade, pois, segundo comerciantes portugueses, se foi elevado o número de embarcações apreendidas sob alegação de tráfico ilegal, também foi grande o número de traficantes que alegavam comerciar apenas nas possessões portuguesas, onde o governo britânico não deveria atuar. Em termos práticos, a medida mostrou-se ineficaz, a abolição do comércio de escravos só seria efetivada quatro décadas mais tarde.

    [6] LONDRES: fundada pelos povos romanos no século I às margens do rio Tâmisa. Tornou- se a capital da dinastia anglo-saxônica no século X. Após a invasão dos normandos vindos do norte da França, liderados por Guilherme, conhecido como o conquistador, em 1066, Londres se estabelece como sede do poder britânico. A importância da cidade como um centro financeiro e comercial cresceu à medida que o Império britânico se expandiu. No século XVI, o comércio marítimo sofreu forte expansão, sobretudo com a criação da Companhia Inglesa das Índias Orientais (1599), estabelecendo um intenso comércio com o Novo Mundo. Londres tornou-se o principal porto do mar do Norte, recebendo migrantes da própria Inglaterra e do exterior. Em 1800, já era considerada a maior cidade de mundo. Estabeleceu com Lisboa e o Porto um intenso e diversificado comércio, o que levou a uma aproximação comercial entre Portugal e Inglaterra, gerando reflexos na política e diplomacia luso-brasileiras.

    [7] ABERTURA DOS PORTOS DO BRASIL: consequência imediata da vinda da família real e da Corte lusitana para o Brasil, a abertura dos portos brasileiros às “nações amigas” representou a conclusão de um processo que se iniciara com a invasão de Portugal pelos exércitos franceses [Ver também PÉRFIDA USURPAÇÃO DOS FRANCESES]. tal medida colocava um fim a trezentos anos de sistema colonial e justificava-se pelas circunstâncias do momento, já que o comércio metropolitano estava ameaçado em função da presença das tropas francesas em território luso. Tratava-se, portanto, de garantir a continuidade da atividade comercial através da legalização do intenso contrabando dos produtos coloniais outrora existente, o que também significava a arrecadação dos tributos devidos. Um dos países que mais se beneficiaram com a abertura, mas não o único, foi a Grã-Bretanha que não apenas manteve uma rota alternativa de escoamento para seus produtos, como também ampliou sua aliança política e militar com os portugueses. No Brasil, os armazéns já estavam abarrotados de produtos à época da chegada da Corte portuguesa, devido às restrições impostas pelos franceses ao comércio europeu. Assim, os colonos que exportavam produtos para a metrópole exigiram que o governo os auxiliasse a exportar sua produção. Contudo, a medida também afetava diretamente os setores da economia que dantes se beneficiavam do exclusivo metropolitano, principalmente setores dominados pelos portugueses. Preços fixos, garantia de venda e transporte, entre outros estancos, sofreriam agora todo tipo de concorrência. Os protestos que eclodiram no Rio de Janeiro e em Lisboa forçaram o príncipe regente a fazer algumas concessões, entre elas: a restrição do livre comércio apenas aos portos de Belém, São Luis, Recife, Salvador e Rio de Janeiro; exclusividade aos navios portugueses para o comércio de cabotagem e redução para 16% nos impostos cobrados aos produtos comercializados por embarcações portuguesas.

    [8] MINISTROS: membros de um governo nacional com importantes funções executivas, administram grandes repartições governamentais. Até o século XVI o termo era usado de forma genérica para designar os variados funcionários submetidos ao monarca, desde magistrados, administradores, diplomatas até coletores de impostos. A partir desse momento começa a haver uma especialização no termo, passando a designar os funcionários que também se chamavam secretários de Estado, que passaram a ocupar os poderes executivos estatais e aconselhar diretamente os reis. No século XVIII os secretários de Estado costumavam dividir-se em: dos Negócios Interiores, dos Negócios Estrangeiros, da Guerra, da Marinha e Ultramar, dos Negócios Eclesiásticos e da Justiça.

    [9] ABRANTES, BERNARDO JOSÉ DE (1771-1833): foi um médico, diplomata e jornalista português. Formou-se em medicina pela Universidade de Coimbra, tornando-se médico da Real Câmara e físico-mor do Reino. Em 1809, foi preso pela Inquisição acusado de jacobinismo e de participar da maçonaria. Tempos depois, tornou-se embaixador em Londres, onde fundou, junto com Vicente Pedro Nolasco Pereira da Cunha, o periódico político O Investigador Português em Inglaterra ou Jornal Literário, Político, Etc. (1811-1819), e autor de diferentes folhetos políticos. Esse jornal fez parte dos chamados jornais de Londres, periódicos com notícias do Brasil, mas impressos na Inglaterra.

    [10] INGLATERRA: o Estado moderno inglês teve sua origem marcada pela disputa dinástica entre dois ramos descendentes do rei Eduardo III: os Lancaster e os York. Este episódio, que entrou para a história como a Guerra das Duas Rosas (1453-1485), culminou com a ascensão ao poder dos Tudor, inaugurando uma nova dinastia. Durante o reinado dos Tudor, destacaram-se as figuras de Henrique VIII (1491-1547), fundador da Igreja Anglicana (1535), e Elisabeth I (1533-1603), que conquistou a supremacia bélica marítima (derrotando a esquadra espanhola em 1588) e fortaleceu as fronteiras internas inglesas. Com a guerra civil em 1642, travada entre o parlamento liderado por Oliver Cromwell, e as forças do rei Carlos I, a Inglaterra pôs fim ao absolutismo monárquico e alcançou sua hegemonia econômica, passando a exercer influência em diversos pontos do mundo: América do Norte, Índia, Austrália e África. As relações diplomáticas entre Portugal e Inglaterra datam ainda do século XIV, com o estabelecimento do Tratado Anglo-português, um tratado de “perpétua amizade, sindicato [e] aliança” entre as duas nações. No entanto, com a União Ibérica (1580-1640), os interesses portugueses foram absorvidos pela agressiva política hispânica na Europa, inclusive com relação à antiga aliada lusa, resultando numa ruptura momentânea entre os dois reinos. As relações anglo-portuguesas seriam reestabelecidas após a Guerra de Restauração – Portugal contaria com o apoio militar britânico na guerra contra a Espanha – com a assinatura do tratado de paz e comércio em 1641 e outros daí decorrentes, pelos quais os ingleses obtiveram, além da completa liberdade de comerciar em Portugal e nas colônias, uma série de privilégios em terras lusitanas. O Tratado de Methuen, em 1703, deu livre entrada aos manufaturados ingleses em Portugal e redução das tarifas impostas à importação de vinhos portugueses, agravando a dependência econômica lusa à Inglaterra. Diante desse quadro, o déficit da balança comercial portuguesa pôde ser equilibrado com o envio do ouro extraído do Brasil, contribuindo para a ascensão econômica britânica. A Revolução Industrial, deflagrada no século XVIII, foi responsável pela manutenção e alargamento desses laços com as diversas nações, uma vez que parte da produção se destinava ao mercado externo. Numa disputa pela supremacia no continente europeu, a rivalidade entre Inglaterra e França ficaria evidente em beligerâncias travadas ao longo do oitocentos, como a Guerra de Sucessão da Espanha, a Guerra dos Sete Anos – onde estabeleceram-se alianças que perdurariam durante mais de dois séculos entre Inglaterra e Portugal, de um lado, e entre França e Espanha, do outro lado – e a Guerra da Independência dos Estados Unidos da América. A Inglaterra rompe o século XIX como a grande potência industrial da Europa, e sua grande rival, a França napoleônica buscou formas para barrar o crescimento econômico britânico no continente, decretando o Bloqueio Continental (1806), pelo qual nenhum país europeu poderia comercializar com a Grã-Bretanha sob o risco de invasão pelo poderoso exército francês. Antigo aliado inglês, Portugal não aderiu ao bloqueio, temendo perder suas possessões no ultramar. O não-alinhamento português resultou na invasão francesa a Portugal e na consequente transferência da corte portuguesa para o Brasil sob proteção da armada inglesa em 1807. Além de participar da transferência, os ingleses também se comprometeram a dispor de suas tropas para combater os exércitos franceses em solo lusitano. Tal apoio foi obtido em troca do compromisso estabelecido pelo príncipe regente de Portugal, d. João VI, no qual garantia abrir os portos do Brasil para nações estrangeiras, além da assinatura dos Tratados de 1810, que asseguravam à Inglaterra vantagens comerciais frente aos demais países, e mesmo à Portugal. Estava assim garantida a hegemonia britânica sobre a economia brasileira. Com a autonomia política em 1822, a subordinação brasileira à Inglaterra deixou de ser apenas comercial e passou a ser também financeira, devido sobretudo, aos empréstimos feitos por d. Pedro I para comprar o reconhecimento da independência do Brasil de Portugal e para financiar a Guerra da Cisplatina. A Inglaterra, além do poder econômico, passaria a ter influência política durante todo o império.  A dimensão da ingerência inglesa pode ser percebida na pressão pelo fim do tráfico de escravos realizada pela Grã-Bretanha ao longo do século XIX. Em 1826, foi assinado um tratado que declarava ilegal o comércio interatlântico de escravos após 1830, apesar de a economia brasileira ainda estar assentada na plantation de mão de obra escrava. E contrariando da mesma forma os interesses das elites escravocratas brasileiras, em 1831, foi promulgada a lei que pôs fim ao tráfico de escravos para o Brasil, que na prática não impediu que uma enorme quantidade de africanos escravizados entrasse no Brasil até 1850, quando a proibição do tráfico tornou-se efetiva com a Lei Eusébio de Queirós.

    [11] ESPANHA: a formação do Estado moderno espanhol se deu com o casamento de Isabel, do reino de Castela, com Fernando II, então herdeiro do trono de Aragão, permitindo a união de três reinos – Castela, Leão e Aragão – em 1479. Desta maneira, a região, fortalecida com a queda do reino mouro de Granada em 1492 e a incorporação de novos territórios, pôde lançar-se nas viagens marítimas, disputando com seu vizinho, Portugal, o protagonismo nas conquistas ultramarinas. A relação entre os dois reinos ibéricos vem de longa data, pioneiros das grandes navegações, em 1493 assinariam o Tratado de Tordesilhas, que dividia os territórios recém-descobertos e a descobrir entre lusos e hispânicos. Mas, as disputas territoriais foram uma constante entre os dois países, sobretudo o traçado das fronteiras no continente americano. Com o estabelecimento da União Ibérica em 1580, quando Felipe II, rei espanhol, assumiria a coroa portuguesa após a morte de d. Sebastião, que não havia deixado herdeiros, os limites fronteiriços foram ignorados, possibilitando a interiorização da colonização do Brasil. Com a restauração do trono português em 1640, acirraram-se as disputas territoriais entre os dois reinos, inúmeros tratados foram assinados na tentativa de solucionar os conflitos, como o Tratado de Madri de 1750, que pretendia dissipar completamente quaisquer dúvidas que, porventura, ainda persistissem na definição dos limites entre as possessões ibéricas na América. No entanto, a não aderência ao pacto de família levaria a novos conflitos na América. A ascensão de Napoleão Bonaparte ao trono francês em 1799 e a aliança com Espanha, através da assinatura do Tratado de Santo Ildefonso, ratificariam as animosidades entre os países ibéricos. Malograda em conseguir uma aliança com Portugal para fechar os portos europeus aos produtos ingleses, em 1801 foi deflagrada a Guerra das Laranjas: a Espanha invadiria territórios portugueses na Europa e na América; o conflito terminou com a assinatura do Tratado de Badajoz. Apesar da aliança, em 1807, o exército francês invadiria a Espanha, com a justificativa de aumentar a fileiras do exército franco-espanhol para a ocupação de Portugal (que não havia aderido ao Bloqueio Continental). Após ser destronado por Napoleão, o rei Fernando VII foi sucedido por José Bonaparte. A instabilidade política provocada pela ocupação francesa favoreceu os movimentos de independência das colônias espanholas na América, pois sem um monarca, a possibilidade de desligar-se completamente da Espanha ganhava cada vez mais terreno. Quando o trono espanhol foi restituído, em 1814, as lutas de secessão não puderam mais ser contidas. Era o fim do império espanhol.

    [12] CONSTITUIÇÃO DE CÁDIZ: constituição espanhola elaborada pelas Cortes Generales y Extraordinarias em março de 1812. As Cortes reuniram-se me Sevilha, ainda durante a ocupação francesa em território peninsular, com poderes constituintes. O caráter liberal da constituição popularmente conhecida como La Pepa, por ter sido aprovada no dia da festa de S. José, influenciou a revolução liberal do Porto de 1820 e a elaboração da constituição também liberal para Portugal. Quando Fernando VII foi restaurado no trono, em março de 1814, em consequência da derrota francesa na Guerra Peninsular, foi obrigado a jurar a nova Constituição. No entanto, em maio do mesmo ano, o monarca, com o apoio de forças conservadoras, rejeitou a constituição e mandou prender os líderes liberais, alegando que as Cortes teriam agido durante sua ausência e sem autorização, reestabelecendo o absolutismo na Espanha.

    [13] FERNANDO VII (1784-1833): Rei da Espanha era filho de Carlos IV e de Maria Luisa de Parma. Ascendeu ao poder após a revolta de Aranjuez, que marcou a derrota do primeiro-ministro Manuel Godoy e culminou, em 1808, com a abdicação de Carlos IV em seu favor. Pouco depois, foi destronado por Napoleão, sendo sucedido no trono por José Bonaparte, irmão do imperador francês. Preso e enviado para a França, foi libertado após a revolta nacionalista que expulsou os franceses em 1814. Reconduzido ao poder, revogou a constituição liberal (1812) e instaurou um regime absolutista, perseguindo mesmo os que haviam lutado por sua volta ao trono. Foi sob seu reinado que a Espanha enfrentou a onda revolucionária que resultou na perda da maioria de suas possessões na América.

    [14] REVOLUÇÃO FRANCESA: movimento que culminou com a turbulenta sublevação de julho de 1789, ao lado da revolução industrial inglesa, é considerado por uma grande parte da historiografia moderna um dos marcos fundadores da história contemporânea. Essa dupla revolução, de um lado econômica e do outro político-social, como observa Eric Hobsbawn, foi responsável pela derrubada do Antigo Regime e sua política mercantilista e a emergência do mundo capitalista, consolidando a ascensão sócio-econômica da burguesia no mundo ocidental. Outras linhas de pensamento, entretanto, destacam continuidades e vínculos com a tradição da antiga ordem, flexibilizando o caráter de ruptura que teria instaurado. Ainda assim, deve-se reconhecer que as instituições construídas nos anos revolucionários, os conceitos que se encontravam em suas raízes e também aqueles que foram criados durante o processo, as ideias em conflito, a dinâmica entre sociedade e política explicitada de forma objetiva foram elementos cuja influência marcaria o destino de todos os estados-nação e do sistema das relações internacionais a partir de então. Em fins do século XVIII, embora a França não fosse uma potência à altura da Grã-Bretanha, ela era a "mais poderosa (...) das velhas e aristocráticas monarquias absolutas da Europa", de forma que "o conflito entre a estrutura oficial e os interesses estabelecidos do velho regime e as novas forças sociais ascendentes era mais agudo na França do que em outras partes." (HOBSBAWM, E. A era das revoluções (1789-1848). 16ª ed., Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2002, p. 86). Desse modo, a Revolução esfacelou a estrutura estamental sobre a qual se baseava o Ancien Regime, que mantinha o poder decisório concentrado em setores que contavam cada vez menos para a economia da nação, alijando do poder os grupos-chave na dinâmica produtiva. Agindo contra a centralização do poder nas mãos da aristocracia e da Igreja, a insurreição teve por estopim a recusa do Terceiro Estado em aceitar as imposições do rei Luís XVI em relação às reformas que este desejava impor para sanar a grave crise econômica pela qual a França passava. Diante da tentativa de formação de uma assembleia constituinte por parte do Terceiro Estado, que representava o "povo" (homens livres, sem títulos nobiliárquicos, não-integrantes do clero), o rei radicaliza sua posição, declara a ilegalidade da assembleia e acaba por desencadear a maior revolta social da França moderna. Às questões financeiras e políticas mais prementes, juntavam-se velhos ódios de classe e disputas religiosas, e a necessidade de transformar a estrutura do Estado francês de forma a que permitisse maior dinamismo econômico. A agricultura de estrutura eminentemente feudal ainda respondia por cerca de 80% da sua economia, tornando-a frágil diante de variações climáticas e pragas, além de vulnerabilizar uma população já pobre e com poucas opções de trabalho. Outro elemento fundamental, e que teria, de forma inédita, contribuído para deflagrar a Revolução foi a difusão intensa das ideias iluministas, tributárias da Revolução Científica do século XVII, da ciência newtoniana, fundadas no predomínio da razão, contrárias portanto à lógica que sustentava o Absolutismo. Rousseau, Voltaire, Diderot eram exemplos de filósofos que desafiavam as noções tradicionais de poder, governo e religião, expressando o anacronismo crescente de concepções embasadas exclusivamente nos preceitos da Igreja e colocando o homem e a sociedade que ele construía no centro das discussões. Durante suas várias fases, transcorridas ao longo de cerca de uma década, a Revolução passou por momentos de radicalização e republicanismo (Jacobinismo), de despotismo intenso e acabou chegando em um tipo de ditadura militar sob domínio de um líder carismático, Napoleão Bonaparte. Embora, de acordo com Tocqueville, a revolução tenha tido “duas fases bem distintas: a primeira, durante a qual os franceses parecem abolir tudo o que pertenceu ao passado; e a segunda, onde nele vão retomar uma parte do que nele deixaram. Há um grande número de leis e hábitos políticos do antigo regime que desapareceram assim, repentinamente, em 1789, e que aparecem novamente alguns anos mais tarde [...]” (TOCQUEVILLE, Alexis de. Prefácio. O Antigo Regime e a Revolução. 4ª ed., Brasília: editora UnB, 1997, p. 44) o impacto de todo este processo, as ruínas que deixou atrás de si e as ideias que conseguiu ao menos legitimar e propagandear formariam as bases de um fazer político moderno: a fraternidade, a igualdade e a liberdade tornaram-se a palavra de ordem de povos oprimidos do mundo inteiro, embora também se tornassem o lema de elites do capitalismo contemporâneo que passaram a legitimar a extrema desigualdade econômica com maior democracia política. Ao longo do século XIX, movimentos pela independência varreram as Américas, e uma das suas influências encontra-se justamente na Revolução Francesa, transformada em farol a iluminar o mundo e libertá-lo do obscurantismo. O mesmo pode ser dito de movimentos democráticos europeus, que tinham na França revolucionária seu ideal de "povo no poder".

    [15] PEDREIROS LIVRES: membros da maçonaria, sociedade secreta, cujos símbolos representativos são os instrumentos do pedreiro (o triângulo) e do arquiteto (o compasso). O termo maçom provém do inglês mason e do francês maçon, que significa pedreiro, construtor. As associações formadas por cortadores de pedras, que tinham como ofício a construção de castelos e muralhas durante a Idade Média, deram origem à maçonaria moderna. Adotando princípios de fraternidade e filantropia entre seus membros, a sociedade maçônica consagrava o exercício da liberdade, da democracia e da igualdade, em conformidade com os ideais de filósofos iluministas Rousseau e Voltaire e dos enciclopedistas Diderot e D’Alembert, cujas ideias formaram a base das reivindicações dos revolucionários franceses. Buscavam o desenvolvimento intelectual, constituindo-se assim em uma sociedade iniciática, filosófica e educativa. As lojas maçônicas surgiram no Brasil, ainda colônia, no século XVIII, e contribuíram para a formação do seu movimento de emancipação política, a partir da discussão e da difusão dos ideais liberais e democráticos, além da oposição ao regime absolutista. De uma forma geral, estas sociedades secretas buscavam integrar a colônia à política geral da Europa, transformando-a num instrumento de luta contra o absolutismo europeu, nesse caso, a monarquia portuguesa. Em Pernambuco, existiam muitas, como Patriotismo, Restauração e Pernambuco do Oriente, que serviam como locais de encontro para discussão das ideias legadas pela revolução francesa e partilhadas por intelectuais, padres e militares.

    [16] MEDICI, GIOVANNI DE (1425-1521): papa entre os anos de 1513 e 1521 com o título de Leão X. Segundo filho de Lourenço de Medici e Clarice Orsini, Giovanni di Lorenzo di Medici entrou para a carreira eclesiástica aos 14 anos quanto o Papa Inocêncio VIII foi instado a nomeá-lo cardeal-diácono de Santa Maria de Domnica, mas só pôde ingressar no Colégio dos Cardeais três anos depois. Foi eleito papa em 1513, tendo sido o primeiro eleito na Capela Sistina e o último que não era sacerdote. Foi ordenado somente depois de sua eleição, e então foi consagrado bispo de Roma. Sua gestão foi marcada pela construção da Basílica de São Pedro em Roma e pela concessão de indulgências em troca de bens temporais por intermédio do frade dominicano Johann Tetzel, que era Grande Inquisidor da Polônia e Grande Comissário para Indulgências na Alemanha. A troca de indulgências e os altos gastos empreendidos em seu pontificado levaram ao início do movimento protestante, por meio da publicação das 95 teses de Martinho Lutero contra atos da Igreja Católica, que foi excomungado por Leão X em 1521. Reformou o Colégio dos Cardeais com vistas a combater a corrupção e teve papel importante na expansão da caridade, com a criação de asilos, hospitais e concessão de auxílio aos necessitados. Condenou o tráfico de escravos, bem como seus antecessores Pio II e Eugênio IV, e reformou a universidade de Roma, transformando a cidade no maior centro de arte, arquitetura e cultura da Europa.

    [17] ROMANA DAS INDULGÊNCIAS: de acordo com a religião católica, todo ser humano após a morte deveria pagar seus pecados em uma espécie de limbo, o purgatório. Para que esta passagem pudesse ser encurtada, o indivíduo poderia colaborar com as chamadas indulgências. Estas eram doações para as obras pias da Igreja Católica, em troca da diminuição das penas no purgatório.

    [18] FRANÇA: localizada na Europa Ocidental, a França entrou tardiamente na disputa por territórios coloniais à época das grandes navegações, sobretudo devido a Guerra dos Cem Anos contra a Inglaterra, praticamente travada em território francês o que exauriu financeiramente e militarmente o país. Com sua conhecida contestação do Tratado de Tordesilhas (1494), que dividia o ultramar entre lusos e hispânicos, a França investiu na atividade corsária. No litoral brasileiro, a presença de embarcações francesas realizando escambo do pau-brasil com a população nativa era uma constante. Na segunda metade do século XVI, o rei francês Henrique II, apoiou a tentativa do Villegagnon em fundar a França Antártica na Baia de Guanabara e outras tentativas de colonização no território luso-americano. No quadro político moderno, a França passaria pelo processo de centralização do poder político, tornando-se exemplo máximo do absolutismo de direito divino, personificado na figura de Luís XIV, o rei-sol. Em fins do século XVIII, foi palco da principal revolução política do período, a Revolução Francesa: assinalou o fim do Antigo Regime no país e fez da França centro irradiador  do ideário das Luzes, ameaçando as estruturas de antigo regime europeu, influenciando movimentos de influência no continente americano e endossando importantes movimentos sociais ao redor do mundo. Seu alcance universal foi também atemporal, perpetuando-se, como modelo e em seus princípios, na história contemporânea.

    [19]FRANCISCO I (1494-1547): reinou sobre a França entre os anos de 1515 e 1547. Filho do conde Carlos de Orléans e de d. Luísa de Sabóia, herdou a Coroa do seu primo, Luís XII (1462-1515), casando-se com Claudia, filha deste com Ana da Bretanha. Seu casamento selou a aliança entre a Bretanha e a França. O início do seu reinado foi marcado pelas “guerras na Itália”, que resultaram na anexação do ducado de Milão, cedido pelo imperador Carlos V. Seu eterno rival, Carlos V, opunha-se a Francisco I não só em função de suas ideias políticas antagônicas – ainda imbuídas de algumas práticas medievais e às quais se contrapunha o nacionalismo francês de espírito renascentista, mas também pelas possessões territoriais dos Habsburgo. No plano interno, Francisco I destacou-se, entre outras coisas, por assegurar a prosperidade econômica da França; adotar o francês como língua oficial nos julgamentos, atos notariais e registros civis; fundar o Collège de France (estabelecimento independente cujos professores eram nomeados pelo chefe de Estado); e a imprensa nacional. Foi considerado um príncipe com valores renascentistas e um protetor das humanidades. O rei francês deve ser lembrado ainda por sua célebre frase “mostrem-me o testamento de Adão...”, que questionava a supremacia de Espanha e Portugal, beneficiados pelo Tratado de Tordesilhas em 1494.

    [20] MENESES, D. FERNANDO MARIA DE SOUSA COUTINHO CASTELO BRANCO E (1776-1834): 14º conde de Redondo e 2º marquês de Borba. Filho do 13º conde de Redondo e 1º marquês de Borba, Tomé Xavier de Sousa Coutinho de Castelo Branco e Menezes, e de d. Margarida Teles da Silva, descendente dos 2os marqueses de Penalva. Considerado um mecenas da música e das artes, foi tenente-coronel da cavalaria, ocupando cargos importantes na administração do Reino: governador do reino; presidente do Real Erário (1810) e vedor da Casa Real. Recebeu ainda o título de 12.º senhor de Gouveia; a Grã-Cruz da Ordem de S. Tiago e da de N. Sr.ª da Conceição, além da nomeação de comendador de Santa Maria de Gundar (ou Gondar), na Ordem de Cristo.

    [21] NOGUEIRA, RICARDO RAIMUNDO (1746-1827): professor, jurista e político português influente no início do século XIX, lecionou na Faculdade de Leis da Universidade de Coimbra de 1772 a 1802, além de assumir a direção da “Livraria do Estudo”, atualmente Biblioteca Geral da mesma universidade entre os anos de 1798 e 1802.   No governo luso, foi conselheiro de Estado, membro do Governo do Reino (1810) e membro da Regência do Reino (1810-1820), colocando-se a favor de Napoleão quando das invasões francesas a Portugal. Durante súplica à Junta dos Três Estados – órgão da administração central portuguesa –, em 22 de maio de 1808, pedia uma constituição semelhante ao do Imperador Bonaparte, deixando claras suas posturas políticas. Responsável pela redação do projeto oficial da constituição após a restauração do governo absoluto em Portugal, conservou-se avesso à separação dos poderes. Tal empreendimento foi, no entanto, reprovado.

     

    Sugestões de uso em sala de aula:
    Utilização(ões) possível(is):
    -   No eixo temático sobre a “História das representações e das relações de poder”
    -  No sub-tema “Nações, povos, lutas, guerras e revoluções”

    Ao tratar dos seguintes conteúdos:
    - A Revolução Francesa: causas e conseqüências
    -  O iluminismo e o movimento filosófico
    -  A crise do Antigo Regime Europeu e as revoluções burguesas
    -  A transferência da Corte portuguesa para o Brasil
    -  O período joanino – cultura e sociedade

    Sentença contra conspiradores

    Carta dos governadores do Reino para d. João VI comunicando a execução pública sossegada e tranqüila dos conspiradores, acompanhada pelo povo. Ressalta o amor e fidelidade do povo para com a pessoa do rei. É um documento que mostra a reação lusitana aos que se colocaram a favor dos franceses durante as invasões.

     

    Conjunto documental: Secretaria de Estado do Ministério do Reino
    Notação: Caixa 684, pct. 01
    Datas-limite: 1801-1819
    Título do fundo ou coleção: Negócios de Portugal
    Código do fundo: 59
    Argumento de pesquisa:  Cidades Portugal
    Data do documento:  25 de outubro de 1817
    Local: Lisboa
    Folha(s): Pacotilha nº 1,46; doc. 496
     

    “Senhor,

    Levamos á Augusta Presença de Vossa Majestade[1] debaixo do N.º 1 os Exemplares da Sentença proferida contra os conspiradores, que foi executada no dia 18 do corrente mês com o maior sossego, e tranqüilidade na forma das contas n.º 2, e 3 do Chanceler[2] da Casa de Suplicação[3], que serve de Regedor das Justiças[4], e do Intendente Geral da Polícia[5]. O Povo, que assistiu em grande número a este triste espetáculo mostrou constantemente o horror, que merecia a enormidade dos delitos de tais réus; e temos a satisfação de poder assegurar a Vossa Majestade, que estes mesmos sentimentos são gerais a todos os seus fiéis Vassalos[6] destes Reinos; assim como o grande desprazer, de que entre eles nascessem indivíduos tão perversos, que pretendessem manchar o amor, e felicidade, que consagram a Soberana Pessoa de Vossa Majestade, e de que tem sempre dado as mais evidentes provas; deste mesmo amor, e fidelidade nascem os incessantes votos, que todos fazemos ao Céu, para que nos restitua o nosso Augusto Rei, e Senhor, e a Sua Real Família, cuja presença tão necessária é para a felicidade destes Reinos (...) A Muito Alta, e Muito Poderosa Pessoa de Vossa Majestade, guarde Deus muitos anos, como desejamos  e havemos mister. Lisboa[7] no Palácio do Governo em 25 de Outubro de 1817. Marquês de Borba[8] // Ricardo Raimundo Nogueira[9] // Alexande José Castello”

     

    [1]JOÃO VI, D. (1767-1826): segundo filho de d. Maria I e d. Pedro III, se tornou herdeiro da Coroa com a morte do seu irmão primogênito, d. José, em 1788. Em 1785, casou-se com a infanta Dona Carlota Joaquina, filha do herdeiro do trono espanhol, Carlos IV que, na época, tinha apenas dez anos de idade. Tiveram nove filhos, entre eles d. Pedro, futuro imperador do Brasil. Assumiu a regência do Reino em 1792, no impedimento da mãe que foi considerada incapaz. Um dos últimos representantes do absolutismo, d. João VI viveu num período tumultuado. Foi sob o governo do então príncipe regente que Portugal enfrentou sérios problemas com a França de Napoleão Bonaparte, sendo invadido pelos exércitos franceses em 1807. Como decorrência dessa invasão, a família real e a Corte lisboeta partiram para o Brasil em novembro daquele ano, aportando em Salvador em janeiro de 1808. Dentre as medidas tomadas por d. João em relação ao Brasil estão a abertura dos portos às nações amigas; liberação para criação de manufaturas; criação do Banco do Brasil; fundação da Real Biblioteca; criação de escolas e academias e uma série de outros estabelecimentos dedicados ao ensino e à pesquisa, representando um importante fomento para o cenário cultural e social brasileiro. Em 1816, com a morte de d. Maria I, tornou-se d. João VI, rei de Portugal, Brasil e Algarves. Em 1821, retornou com a Corte para Portugal, deixando seu filho d. Pedro como regente.

    [2]CHANCELER: guarda-selos. Funcionário do governo encarregado de chancelar documentos ou diplomas tornando-os autênticos. Era o magistrado responsável pela guarda do selo real.

    [3] CASA DA SUPLICAÇÃO: era o órgão judicial responsável pelo julgamento das apelações de causas criminais envolvendo sentenças de morte. A Casa da Suplicação de Lisboa era o tribunal de segunda instância ganhou estatuto das mãos de Filipe I em fins do século XVI, embora a sua constituição tivesse ocorrido ao longo das décadas anteriores. Era a corte suprema diante da qual respondiam os tribunais de relação. Compunha-se de diversos órgãos, com funções distintas. Os cargos mais altos da Casa eram o de regedor e o de chanceler. Atuava nas comarcas da metade sul do país e nos territórios de além-mar, com exceção da América portuguesa e da Índia. No Brasil, este órgão foi instalado na Corte pelo alvará de 10 de maio de 1808, com atribuições semelhantes à Casa da Suplicação de Lisboa e em substituição ao Tribunal da Relação, existente na cidade desde 1752. Considerada como Supremo Tribunal de Justiça, nela eram resolvidos todos os juízos e apelações em última instância, como as sentenças de morte. Suas atribuições eram similares às da Casa da Suplicação de Lisboa. Nesse sentido, compunha-se de vários órgãos com funções distintas de caráter jurídico-administrativo, destacando-se o Juízo dos Agravos e Apelações; a Ouvidoria do Crime; o Juízo dos Feitos da Coroa e da Fazenda; o Juízo do Crime da Corte; o Juízo do Cível da Corte e o Juízo da Chancelaria. O distrito de atuação compreendia as áreas do centro-sul da América, além da superposição dos agravos provenientes do Pará, Maranhão, Ilha dos Açores e Madeira e Relação da Bahia. Era composta por um regedor, um chanceler da Casa, oito desembargadores dos Agravos, um corregedor do Crime da Corte e da Casa, um juiz dos Feitos da Coroa e da Fazenda, um procurador, um corregedor do Cível da Corte, um juiz da Chancelaria, um ouvidor do Crime, um promotor de Justiça e seis extravagantes.

    [4]REGEDOR: autoridade administrativa civil nomeada pela Câmara Municipal para manter a ordem em determinada freguesia. Eram cargos providos pelo presidente da Câmara e tinham função de autoridade policial.

    [5]INTENDÊNCIA GERAL DA POLÍCIA DO REINO: órgão criado em 1760 pelo marquês de Pombal, tinha entre suas atribuições a segurança pública e a manutenção da ordem, inclusive fazendo uso de espiões e informantes. Seu intendente mais conhecido foi Diogo Inácio de Pina Manique, nomeado em 1780 por d. Maria I, e esteve à frente da instituição por 25 anos, até sua morte. Durante o período das invasões francesas o papel da Intendência foi se desvalorizando gradualmente, principalmente face ao crescimento de importância da Guarda Real da Polícia, que atuava como instrumento repressivo e militar, sob a orientação inglesa. Esse processo culminou com a extinção do órgão em 1833. A Intendência funcionou fortemente na repressão aos crimes, comuns ou políticos, e inovou ao propor uma estratégia de prevenção à criminalidade, promovendo a educação de meninos órfãos e pobres, com a criação da Casa Pia de Lisboa. Respondeu ainda pela censura de livros e ideias “perigosas” e revolucionárias, pela circulação, em oposição, de panfletos difundindo os “bons costumes” e também ordenando e controlando o espaço urbano. O órgão era responsável pela iluminação da cidade, pela inspeção dos portos, para impedir a entrada de epidemias e febres pelos navios, pelo combate ao contrabando, pelas reformas de melhoramento de ruas, calçadas e chafarizes e até mesmo pela arborização de ruas e praças.

    [6]VASSALO: súdito do rei, independentemente de sua localização no Império. Até o século XV, o título “vassalo” era empregado para designar homens fiéis ao rei, aqueles que o serviam na guerra, sendo, portanto, cavaleiros ou nobres de títulos superiores. Em troca do apoio e serviços realizados, recebiam tenças (pensões), dadas, inicialmente, a todos os vassalos e seus filhos varões. Na medida em que se pulverizaram as distribuições destes títulos, principalmente por razões de guerra (a conquista de Ceuta foi a mais significativa nesse processo), e que eles começaram a ser mais almejados, principalmente pelos plebeus e burgueses em busca de mercês e de aproximação com a realeza, o rei diminui a concessão dos títulos, e, mais importante, das tenças. A esta altura, as dificuldades financeiras da monarquia também empurraram para a suspensão da distribuição dos títulos e benefícios. O rei passa, então, a conceder mercês e vantagens individuais, e o termo vassalo se esvazia do antigo significado de título, passando a indicar homens do rei, súditos e habitantes do reino, de qualquer parte do Império.

    [7]LISBOA: capital de Portugal, sua origem como núcleo populacional é bastante controversa. Sobre sua fundação, na época da dominação romana na Península Ibérica, sobrevive a narrativa mitológica feita por Ulisses, na Odisseia de Homero, que teria fundado, em frente ao estuário do Tejo, a cidade de Olissipo – como os fenícios designavam a cidade e o seu maravilhoso rio de auríferas areias. Durante séculos, Lisboa foi romana, muçulmana, cristã. Após a guerra de Reconquista e a formação do Estado português, inicia-se, no século XV, a expansão marítima lusitana e, a partir de então, Portugal cria núcleos urbanos em seu império, enquanto a maioria das cidades portuguesas era ainda muito acanhada. O maior núcleo era Lisboa, de onde partiram importantes expedições à época dos Descobrimentos, como a de Vasco da Gama em 1497. A partir desse período, Lisboa conheceu um grande crescimento econômico, transformando-se no centro dos negócios lusos. Como assinala Renata Araújo em texto publicado no site O Arquivo Nacional e a história luso-brasileira (http://historialuso.arquivonacional.gov.br/index.php?option=com_content&view=article&id=3178&Itemid=330), existem dois momentos fundadores na história da cidade: o período manuelino e a reconstrução pombalina da cidade após o terremoto de 1755. No primeiro, a expansão iniciada nos quinhentos leva a uma nova fase do desenvolvimento urbano, beneficiando as cidades portuárias que participam do comércio, enquanto são elas mesmas influenciadas pelo contato com o Novo Mundo, pelas imagens, construções, materiais, que vinham de vários pontos do Império. A própria transformação de Portugal em potência naval e comercial provoca, em 1506, a mudança dos paços reais da Alcáçova de Lisboa por um palácio com traços renascentistas, de onde se podia ver o Tejo. O historiador português José Hermano Saraiva explica que o lugar escolhido como “lar da nova monarquia” havia sido o dos armazéns da Casa da Mina, reservados então ao algodão, malagueta e marfim que vinham da costa da Guiné. Em 1º de novembro de 1755, a cidade foi destruída por um grande terremoto, com a perda de dez mil edifícios, incêndios e morte de muitos habitantes entre as camadas mais populares. Caberia ao marquês de Pombal encetar a obra que reconstruiu parte da cidade, a partir do plano dos arquitetos portugueses Eugenio dos Santos e Manuel da Maia. O traçado obedecia aos preceitos racionalistas, com sua planta geométrica, retilínea e a uniformidade das construções. O Terreiro do Paço ganharia a denominação de Praça do Comércio, signo da nova capital do reino. A tarde de 27 de novembro de 1807 sinaliza um outro momento de inflexão na história da cidade, quando, sob a ameaça da invasão das tropas napoleônicas, se dá o embarque da família real rumo à sua colônia na América, partindo no dia 29 sob a proteção da esquadra britânica e deixando, segundo relatos, a população aturdida e desesperada, bagagens amontoadas à beira do Tejo, casas fechadas, como destacam os historiadores Lúcia Bastos e Guilherme Neves (Alegrias e infortúnios dos súditos luso-europeus e americanos: a transferência da corte portuguesa para o Brasil em 1807. Acervo, Rio de Janeiro, v.21, nº1, p.29-46, jan/jun 2008. http://revista.arquivonacional.gov.br/index.php/revistaacervo/article/view/86/86). No dia 30 daquele mês, o general Junot tomaria Lisboa, só libertada no ano seguinte mediante intervenção inglesa.

    [8]MENESES, D. FERNANDO MARIA DE SOUSA COUTINHO CASTELO BRANCO E (1776-1834): 14º conde de Redondo e 2º marquês de Borba. Filho do 13º conde de Redondo e 1º marquês de Borba, Tomé Xavier de Sousa Coutinho de Castelo Branco e Menezes, e de d. Margarida Teles da Silva, descendente dos 2os marqueses de Penalva. Considerado um mecenas da música e das artes, foi tenente-coronel da cavalaria, ocupando cargos importantes na administração do Reino: governador do reino; presidente do Real Erário (1810) e vedor da Casa Real. Recebeu ainda o título de 12.º senhor de Gouveia; a Grã-Cruz da Ordem de S. Tiago e da de N. Sr.ª da Conceição, além da nomeação de comendador de Santa Maria de Gundar (ou Gondar), na Ordem de Cristo.

    [9]NOGUEIRA, RICARDO RAIMUNDO (1746-1827): professor, jurista e político português influente no início do século XIX, lecionou na Faculdade de Leis da Universidade de Coimbra de 1772 a 1802, além de assumir a direção da “Livraria do Estudo”, atualmente Biblioteca Geral da mesma universidade entre os anos de 1798 e 1802.   No governo luso, foi conselheiro de Estado, membro do Governo do Reino (1810) e membro da Regência do Reino (1810-1820), colocando-se a favor de Napoleão quando das invasões francesas a Portugal. Durante súplica à Junta dos Três Estados – órgão da administração central portuguesa –, em 22 de maio de 1808, pedia uma constituição semelhante ao do Imperador Bonaparte, deixando claras suas posturas políticas. Responsável pela redação do projeto oficial da constituição após a restauração do governo absoluto em Portugal, conservou-se avesso à separação dos poderes. Tal empreendimento foi, no entanto, reprovado.

     

    Sugestões de uso em sala de aula:

    Utilização(ões) possível(is):
    - No eixo temático sobre a “História das representações e das relações de poder”
    - No sub-tema “ Nações, povos, lutas, guerras e revoluções”

    Ao tratar dos seguintes conteúdos:

    - A invasão francesa em Portugal
    -  A transferência da Corte portuguesa para o Brasil

  • ALARCÃO, Jorge. -A Cidade – Jornadas inter e pluridisciplinares,  Actas do Seminário, 2 vols. Lisboa : Universidade Aberta, 1993.

    Colóquio Internacional Universo Urbanístico Português 1415-1822, Actas. Lisboa : Comissão Nacional para as Comemorações dos Descobrimentos Portugueses, 2001.

    FRANÇA, José-Augusto - Lisboa Pombalina e o Iluminismo. Lisboa : Bertrand Editora, 1987, 3ª edição.

    MATTOSO, José - Introdução à História Urbana: A Cidade o Poder, In “Cidades e História”, Lisboa : Fundação Calouste Gulbenkian, 1992.

    RIBEIRO, Orlando - Cidade, in “Dicionário da História de Portugal”, vol. II. Porto : Livraria Figueirinhas, 1992,

    --- Além da Baixa: Indícios de Planeamento Urbano na Lisboa Setecentista, Lisboa : IPAR, 1998.

    SALGUEIRO, Teresa Barata - A Cidade em Portugal: Uma geografia Urbana. Lisboa : Afrontamento, 1992.
    SILVA, Raquel Henriques da – Lisboa Romântica. Lisboa urbanismo e arquitectura, 1779-1874. Dissertação de Doutoramento, UNL_FCSH, 1997.

    - Do passeio Público às Avenidas Novas: percursos, imagens e factos da Lisboa oitocentista, in “Revista de História Económica e Social”, 23, Lisboa, Sá da Costa, 1988.

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