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Insurgentes americanos

Escrito por Claudia Beatriz Heynemann | Publicado: Quinta, 04 de Janeiro de 2024, 18h47 | Última atualização em Segunda, 08 de Janeiro de 2024, 19h05

Carta do tenente do exército português Maximiano de Brito Mouzinho para d. Miguel Pereira Forjaz, ministro e secretário de Estado dos Negócios da Guerra, sobre a movimentação de uma esquadra pronta para sair do porto de Cádiz, com alguns comissários a bordo, encarregados de negociar a paz com os “insurgentes americanos”. 

Conjunto documental: Cartas dando notícias da Espanha sobre motim em Sevilha; o Congresso das cortes; os festejos pela assinatura da Constituição pelo rei da Espanha; as prisões de pessoas suspeitas de serem revolucionárias; a chegada de encarregado do governo e o novo intendente; a movimentação das tropas espanholas; e a negociação de paz com insurgentes americanos. 
Notação: BR RJANRIO U1.0.0.534
Datas-limite: 1820
Título do fundo: Gabinete de d. João VI
Código do fundo: U1
Data: 19 de julho de 1820
Local: Madri, Espanha
Folha (s): 5
 

Leia na íntegra esse documento
 
Ilustríssimo e excelentíssimo senhor,

Tenho notícias d’Andaluzia de 15 do corrente, referindo-se que no porto de Cádiz está pronta para sair, para terra firme, uma esquadra composta de duas fragatas [1] de guerra, uma corveta[2], três bergantins[3] e quatro fragatas mercantes, as quais embarcações levam somente as guarnições que lhes correspondem, e alguns comissários encarregados de negociar a paz com os insurgentes americanos [4]. Na mesma Andaluzia, e na Extremadura não há novidades, os povos estão tranquilizados ocupando-se em festejar o juramento da Constituição [5], que El Rey [6] prestou no dia 9 do presente. Espera-se hoje em Badajoz o tenente general Santocildes encarregado do governo da Extremadura, e um novo intendente para a mesma província.
Deus guarde à Vossa Excelência. Vila Viçosa, 19 de julho de 1820. Ilustríssimo e Excelentíssimo Senhor d. Miguel Pereira Forjaz [7]. Maximiano d

[1] Ver NAUS E FRAGATAS DE GUERRA: nau designa uma extensa variedade de navios de médio e grande porte utilizada pelos portugueses desde o século XIV para fins bélicos e comerciais. Eram embarcações com acastelamentos na popa e na proa, apresentando um mastro de pano redondo. À época das grandes navegações, as naus se tornaram mais bojudas (a boca poderia apresentar cerca de um terço do comprimento da quilha), para enfrentar o mar revolto, sobretudo, no entorno do Cabo das Tormentas, onde as caravelas encontrariam dificuldades. Em geral, bem armadas com artilharia pesada, passaram e ter até três mastros com velas quadrangulares. Devido a forma de seu casco, bem mais largo do que comprido, em relação a outras embarcações da época, as naus ficaram conhecidas como “navios redondos”. Tais modificações a tornaram uma embarcação bastante imponente, usada para intimidar adversários e guardar territórios, mas também de difícil manejo. Eram intensamente utilizadas para proteger o pouco povoado litoral brasileiro de piratas e missões europeias rivais. A nau de guerra objetivava a segurança das embarcações comerciais e os combates marítimos, podendo ser classificada como de primeira, segunda e terceira classes, dependendo do número de peças de artilharia. Já as fragatas eram navios de guerra que, apesar de terem o mesmo comprimento, eram mais estreitas, o que lhe conferiam maior agilidade e velocidade frente às naus. Eram usadas em missões de escolta ou reconhecimento territorial e movidas por propulsão à vela. Em meados do século XIX, se desenvolveram as fragatas mistas e a vapor.

[2] CORVETA: tipo de embarcação de guerra que se seguiu à fragata, usada para exploração, escolta e guerra de velocidade. A corveta foi um dos primeiros navios de guerra a adotar a hélice, mesmo conservando as velas e os cascos de madeira.

[3] BERGANTIM: os bergantins eram navios de remos de traça, muito rápidos e de fácil manobra. Eram equipados com dez a dezenove bancos corridos de bordo a bordo. Envergavam tanto vela redonda quanto latina com um ou dois mastros. Nos primeiros tempos da presença portuguesa no Oriente realizavam as missões de contato, reconhecimento e transporte. Prestavam-se ainda a servir as fortalezas mais importantes, particularmente nas zonas onde a presença naval não era permanente. O bergantim era também uma embarcação de ostentação, favorito de monarcas e grandes senhores.

[4] INSURGENTES AMERICANOS: A crise de legitimidade política causada pela invasão francesa na península ibérica e a imposta abdicação de Fernando VII ao trono espanhol em 1808, proclamando José Bonaparte seu sucessor, pôs em questão a estrutura de poder na América espanhola. Como ser uma colônia sem uma metrópole e mesmo como continuar uma monarquia sem um monarca legitimamente reconhecido? Esse vácuo de poder deu origem as Juntas de Governo, formadas a partir dos cabildos (assembleias) americanos. Apesar de jurarem fidelidade ao Rei espanhol destituído, foi a primeira forma de governo autônomo na América.  As Juntas eram formadas pelos criollos – elite econômica americana, descendente de espanhóis, porém excluída dos altos cargos do governo colonial, destinado aos chapetones (espanhóis que viviam na colônia) – que, conscientes de sua autonomia política e econômica, no momento, além de fortemente inspirados pelas Luzes, a independência das Treze Colônias e a Revolução Francesa, vão se organizar para se mantar no controle, ameaçados com o reestabelecimento do absolutismo espanhol. Em 1813, Fernando VII volta ao trono e revoga os poderes das Juntas, numa tentativa de recolonização dos territórios americanos. Porém, a elite criolla não quis mais aceitar o domínio hispânico, impulsionando lutas em diversas ex-colônias para expulsar os espanhóis e conquistarem sua independência. Sob as lideranças de figuras como Simón Bolívar, José de San Martín, Miguel Hidalgo, Manuel Belgrano e Bernardo O’Higgins, os chamados libertadores da América, conseguiram reunir grandes exércitos populares na luta contra as forças espanholas. Insurgentes americanos, traidores de lesa-majestade, infiéis, são pechas pelas quais seriam caracterizados aqueles que lutaram contra a autoridade metropolitana.

[5] Ver CONSTITUIÇÃO DE CADIZ: Constituição espanhola elaborada pelas Cortes Generales y Extraordinarias em março de 1812. As Cortes reuniram-se me Sevilha, ainda durante a ocupação francesa em território peninsular, com poderes constituintes. O caráter liberal da constituição popularmente conhecida como La Pepa, por ter sido aprovada no dia da festa de S. José, influenciou a revolução liberal do Porto de 1820 e a elaboração da constituição também liberal para Portugal. Quando Fernando VII foi restaurado no trono, em março de 1814, em consequência da derrota francesa na Guerra Peninsular, foi obrigado a jurar a nova Constituição. No entanto, em maio do mesmo ano, o monarca, com o apoio de forças conservadoras, rejeitou a constituição e mandou prender os líderes liberais, alegando que as Cortes teriam agido durante sua ausência e sem autorização, reestabelecendo o absolutismo na Espanha.

[6] FERNANDO VII (1784-1833): Rei da Espanha era filho de Carlos IV e de Maria Luisa de Parma. Ascendeu ao poder após a revolta de Aranjuez, que marcou a derrota do primeiro-ministro Manuel Godoy e culminou, em 1808, com a abdicação de Carlos IV em seu favor. Pouco depois, foi destronado por Napoleão, sendo sucedido no trono por José Bonaparte, irmão do imperador francês. Preso e enviado para a França, foi libertado após a revolta nacionalista que expulsou os franceses em 1814. Reconduzido ao poder, revogou a constituição liberal (1812) e instaurou um regime absolutista, perseguindo mesmo os que haviam lutado por sua volta ao trono. Foi sob seu reinado que a Espanha enfrentou a onda revolucionária que resultou na perda da maioria de suas possessões na América.

[7] FORJAZ, MIGUEL PEREIRA (1769-1827): Político e militar português, Miguel Pereira Forjaz Coutinho Barreto de Sá e Resende ganhou destaque durante as guerras peninsulares. Foi membro da Regência portuguesa (1808-1820), incumbida da governar o Reino de Portugal após a transferência da Corte para o Rio de Janeiro, e secretário para os assuntos da Guerra e dos Negócios Estrangeiros. Após a invasão de Portugal pelo exército de Napoleão em fins de 1807, Forjaz envolveu-se na organização da resistência popular contra os franceses e foi responsável pela recomposição do exército português, que fora dissolvido pelo imperador francês. A criação dos Batalhões de Caçadores foi uma de suas iniciativas, bem como a aliança anglo-lusa contra as forças de Napoleão. As tropas portuguesas reorganizadas foram treinadas pelos britânicos, sob a direção do tenente general William Beresford, e oficiais ingleses foram incluídos nas diversas unidades do exército. Em 1808, foi promovido a marechal de campo e, em 1812, a tenente general. Deixou o seu lugar na Regência portuguesa após a Revolução Liberal de 1820, afastando-se dos negócios públicos. Por decreto de 13 de maio de 1820, recebeu o título de conde da Feira.

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