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Degredo em Porto Seguro

Escrito por Januária Oliveira | Publicado: Terça, 08 de Fevereiro de 2022, 20h26 | Última atualização em Terça, 08 de Fevereiro de 2022, 20h41

Carta do vice-rei do Brasil, marquês do Lavradio, ao desembargador ouvidor geral da Capitania de Porto Seguro, José Xavier Machado Monteiro, comunicando o transporte de Ignacia Francisca, parda forra, e Anna Carvalho, preta forra, para a vila de Porto Seguro. A primeira é acusada de andar vestida de homem e a segunda "por ter dado indícios de ser feiticeira".

Conjunto documental: Registro da Correspondência do Vice-Reinado com Diversas Autoridades
Notação: códice 70, vol. 08
Datas-limite: 1774-1777
Código do fundo: 86
Título do fundo: Secretaria do Estado do Brasil
Argumento de pesquisa: Feitiçaria
Data do documento: 16 de setembro de 1776
Local: Rio de Janeiro

 

Carta ao Desembargador Ouvidor[1] Geral da comarca de Porto Seguro[2]

Nesta ocasião remeto para essa Vila a Ignacia Francisca, parda[3] forra[4] por andar vestida em traje de homem[5] e Ana Carvalho preta forra por ter dado indício de feitiçaria[6], as quais faço transportar em uma embarcação que for [de] viagem para o porto da Capitania[7] a entregar ao Capitão-mor[8], para este as remeter para essa Vila, donde espera de Vossa Mercê as faça confessar, não permitindo licença para tornarem a esta terra, nem ainda para se passarem para alguma outra parte. Deus Guarde V.M. Rio a 16 de setembro de 1776. Marquês do Lavradio[9]. Senhor Desembargador José Xavier Machado Monteiro[10].

 

[1] OUVIDOR: O cargo de ouvidor foi instituído no Brasil em 1534, como a principal instância de aplicação da justiça, atuando nas causas cíveis e criminais, bem como na eleição dos juízes e oficiais de justiça (meirinhos). Até 1548, a função de justiça, entendida em termos amplos, de fazer cumprir as leis, de proteger os direitos e julgar, era exclusiva dos donatários e dos ouvidores por eles nomeados. Neste ano foi instituído o governo-geral e criado o cargo de ouvidor-geral, limitando-se o poder dos donatários, sobretudo em casos de condenação à morte, entre outros crimes, e autorizando a entrada da Coroa na administração particular, observando o cumprimento da legislação e inibindo abusos. Cada capitania possuía um ouvidor, que julgava recursos das decisões dos juízes ordinários, entre outras ações. O ouvidor-geral, por sua vez, julgava apelações dos ouvidores e representava a autoridade máxima da justiça na colônia. Sua nomeação era da responsabilidade do rei, com a exigência de que o nomeado fosse letrado. Dentre as suas muitas atribuições, cabia-lhe informar ao rei do funcionamento das câmaras e, caso fosse necessário, tomar qualquer providência de acordo com o parecer do governador-geral. Ao longo do período colonial, o cargo de ouvidor sofreu uma série de especializações em função das necessidades administrativas coloniais. Dentre os cargos instituídos a partir de então, podemos citar o de ouvidor-geral das causas cíveis e crimes em 1609 (quando da criação da Relação do Brasil, depois desmembrada em Relação da Bahia e do Rio de Janeiro); o de ouvidor-geral do Maranhão em 1619, quando há a criação do Estado do Maranhão; e o de ouvidor-geral do sul em 1608, quando foi criada a Repartição do Sul.

[2] PORTO SEGURO: A capitania de Porto Seguro foi fundada no início do século XVI, na região onde teriam primeiro aportado as caravelas de Pedro Álvares Cabral em abril de 1500. A capitania hereditária foi doada à Pero de Campos Tourinho, que mandou fundar a Vila de Nossa Senhora da Pena, atual Porto Seguro. Desde o início da colonização até meados do século XVIII, a extração do pau-brasil, abundante na Mata Atlântica que cobria o território da capitania, estabeleceu-se como principal atividade econômica e despertou o interesse da Coroa, de comerciantes e jesuítas. Os envolvidos na atividade utilizavam a mão-de-obra indígena, usualmente administrada pela Companhia de Jesus. Apesar ser um trabalho remunerado através do escambo de mercadoria, os custos eram menores do que a aquisição de um escravo africano (Dias dos Santos, Uiá Freire. Experiências e ação política indígena na capitania de Porto Seguro. Perspectivas e Diálogos: Revista de História Social e Práticas de Ensino. Salvador, 2018). No entanto, devido ao exclusivo metropolitano, os lucros com a exploração madeireira ficavam concentrado nas mãos de comerciantes portugueses, que pouco ficavam na capitania. A resistência indígena representou grande obstáculo ao projeto colonizador luso. A região era ocupada, em seu litoral e entorno, por índios tupiniquins e macro-jê que mantinham uma rivalidade entre si. Para a conquista do território foi, portanto, necessário a negociação com as populações indígenas e formação de alianças que atendessem não só portugueses, mas como também os próprios índios, indispensáveis no processo de colonização, não apenas pelo seu conhecimento do território, mas, sobretudo, para garantir o povoamento e suprimento de mão-de-obra. Em 1758, a capitania de Porto Seguro foi transformada em propriedade da Coroa portuguesa, sendo anexada à da Bahia e subordinada à sua jurisdição político-administrativa, através da criação de uma comarca com mesmo nome. Tal medida fez parte das reformas político-administrativas e econômicas pela qual passou a antiga capitania durante o governo do marquês de Pombal. Além disso, as diretrizes metropolitanas buscaram estimular uma maior ocupação territorial e exploração dos recursos naturais, bem como a ampliação da atividade agrícola, transformando Porto Seguro num pólo produtor de gêneros alimentícios para abastecer os principais centros urbanos da colônia. Para o sucesso de tal projeto, foi indispensável o aproveitamento da população indígena, agora sem a ingerência dos jesuítas, expulsos em 1759. Junto aos grupos indígenas, degredados enviados a comarca também atuaram como agentes da colonização, é o que afirma Tharles Souza Silva (História não contadas: degredo interno e reinserção social na comarca de Porto Seguro. Em: História da capitania de Porto Seguro: novos estudos sobre a Bahia colonial. Jundiaí: Paco Editorial, 2016). Ainda segundo o autor, o degredo interno foi muito utilizado durante o período pombalino, ao mesmo tempo em que possibilitava livrar-se de um indivíduo indesejado na sociedade local, também os incluía no projeto de colonização de regiões “periféricas”.

[3] PARDO: um dos termos empregados para designar a cor dos escravos brasileiros. Grosso modo, era utilizado para descrever as pessoas cuja pigmentação da pele encontrava posição entre o branco e o negro, assim como os mulatos. Não raro o termo pardo aparecia em registros acompanhado de adjetivos como “pardo claro”, “pardo alvo”, “pardo trigueiro”, “pardo escuro”, “pardo disfarçado”, entre outros, quase sempre apontando para o distanciamento entre as categorias “preto” e “branco”. Considerados possuidores de “sangue impuro”, por serem fruto da mistura das etnias branca e negra, os pardos foram discriminados e perseguidos como os judeus, os mouros e os cristãos-novos. Ao longo do período colonial, sofreram várias tentativas de controle, dentre elas, a proibição de exercerem cargos nas câmaras municipais, de serem membros da Ordem de Cristo, ou mesmo de usarem roupas luxuosas. Tais restrições, entretanto, eram frequentemente ignoradas para aqueles que possuíam muitas riquezas ou eram considerados bem-sucedidos na sociedade. Ver também MULATO.

[4] FORROS: eram considerados forros os ex-escravizados que haviam obtido a alforria, por meio de uma carta, por testamento ou no momento do batismo. Até a segunda metade do século XVII encontra-se a expressão “índio forro” com o sentido de libertar gentio como eram chamados os indígenas da suposta barbárie em que viviam, pela ótica cristã. Para Eduardo França Paiva, as alforrias são um componente da escravidão e já no mundo antigo eram praticadas com frequência. Alforria, como lembra esse autor, é um termo de origem árabe e equivale a libertar. Mas no mundo romano as libertações de escravos já ocorriam com frequência, chamadas de manumissões. Entre os ibéricos, com a escravidão introduzida no Novo Mundo, os forros ou resgatados foram sua imediata contrapartida. A ideia de resgate era bem conhecida dos portugueses que haviam tido que resgatar cristãos cativos no Norte da África. A partir do século XVII o aumento de africanos escravizados na América portuguesa provocou também a quantidade e variedade de tipos de alforrias, compradas, obtidas por negociação entre senhor e escravo, prometidas. A área das minas foi um catalizador para entrada de um imenso contingente de escravos no Brasil e fez surgir outra configuração social, com vilas e arraiais nos quais a maioria era de escravos, forros e nascidos livres. Ao final do setecentos torna-se comum que libertos passassem a possuir escravos, que da mesma forma lograram ser alforriados dentro da mesma lógica dos seus proprietários forros. Mas, como conclui França, a ascensão desses forros não apagava o seu passado naquela sociedade escravista. A combinação do nome com a categoria imposta e a condição jurídica acompanhava os “pretos forros” ou “mulato forro” até que acabasse por se dissipar (Cf. FRANÇA, E. O. Alforria. In: GOMES, F., SCHWARCZ, Lilia M. Dicionário da escravidão e liberdade, 2018).

[5] TRAJE DE HOMEM: Em sociedades patriarcais, de grande dominação masculina, como o Brasil colonial, os trajes usadas por homens e mulheres deveriam ser o mais diferenciadas o quanto possível, a roupa serviria como uma insígnia de sexo (LAVER, James, A roupa e a moda. São Paulo: Companhia das Letras, 1989). Era enorme o fosso que separava a imagem e os papéis do homem e da mulher na sociedade colonial, sobretudo entre as classes mais abastadas. À mulher destinava-se o mundo privado, da casa, ao homem, o mundo do trabalho. E essa diferenciação sexual trouxe visíveis conseqüências no campo da indumentária e dos investimentos na aparência física. Os trajes masculinos, a partir do século XVIII e sobretudo após a Revolução Francesa, evoluíram para a simplificação e praticidade necessárias ao trabalho, influenciados pelo ascetismo burguês e em substituição ao desperdício e opulência aristocráticos. “O traje masculino (...) traduziu a consagração da ideologia igualitária como ética conquistadora da poupança, do mérito, do trabalho das classes burguesas (...) um traje que exprime as novas legitimidades sociais: a igualdade, a economia e o esforço” (LIPOVETSKY, Gilles. O império do efêmero. São Paulo: Cia das Letras, 1989). Para os homens, linhas retas e cores sombrias; camisa, colete, calção e casacos. Já a silhueta da mulher será modelada pelas roupas de modo a evidenciar as formas femininas relacionadas à procriação: cintura fina, quadril largo e seios estufados, acentuando seu papel de esposa e mãe e a fragilidade feminina. Para elas, o formato de ânfora ou pirâmide, o colorido e a exibição de um sem-número de símbolos de luxo, sedução e frivolidade. O exagero feminino teria como função demostrar a ociosidade do portador através do desconforto, pois o trabalho produtivo era visto como indecoroso para as damas; a sua improdutividade era marca de status social do marido. Com o advento dos ideais democráticos e o fim da ordem hierárquica, característica do Antigo Regime, a moda adquiriu funções sociais de grande importância, segmentando os diversos grupos sociais.  A indumentária foi um dos principais meios para acentuar, através da relação entre a roupa e o corpo, a desigualdade ostensiva na aparência dos sexos.

[6] FEITIÇARIA: Feiticeiros eram indivíduos pertencentes às camadas mais baixas da sociedade colonial, sobretudo africanos, indígenas e seus descendentes, homens e mulheres, que se utilizavam de práticas e artifícios mágico-misteriosos para curar as “chagas do corpo e da alma”. Inseridas no cotidiano popular da colônia, suas práticas de cura envolviam o uso de ervas e plantas medicinais associadas à recursos sobrenaturais, buscando satisfazer necessidades iminentes do dia a dia. Adivinhações, benzeduras, magia para resolver problemas amorosos, de saúde e financeiros eram algumas das habilidades de um feiticeiro, que buscavam, ora curar o corpo e desfazer feitiços, ora eram os próprios agentes maléficos, lançando bruxedos em eventuais inimigos. Tais costumes populares faziam parte de uma cosmovisão própria do mundo colonial que se construiu de forma sincrética, onde se misturavam na colônia elementos católicos, negros, indígenas e do judaísmo; recorria-se simultaneamente aos orixás, aos santos católicos, às divindades ameríndias e ao diabo (Laura de Melo e Souza. O diabo e a Terra de Santa Cruz: feitiçaria e religiosidade popular no Brasil colonial. São Paulo: Companhia das Letras, 2009). Esse corpo de crenças sincréticas que estruturava a religiosidade popular tornou possível uma maior tolerância das práticas mágicas na América portuguesa. Apesar de arrolar-se como crime práticas e saberes mágicos que fossem contrários aos preceitos e dogmas da Igreja Católica e que se colocasse como uma ameaça ao Estado, magos e feiticeiros utilizaram-se desse papel da melhor forma possível, usando seus conhecimentos herbolários e o recurso ao sobrenatural para buscar afirmação social e ganhos materiais. Detentores de saberes sobrenaturais e de cura, muitas vezes acumulavam funções de sábio, padre e médico, num território ainda escasso de profissionais habilitados. Ganhando fama através de suas práticas, eram requisitados, inclusive, por parte da elite colonial, galgando maior respeitabilidade social, mesmo que para isso enfrentasse o risco de serem denunciados (André Nogueira. Relações sociais e práticas mágicas na Capitania do Ouro. Estudos afro-asiáticos, jan-dez de 2005).

[7] CAPITANIA: Também conhecidas como capitanias-mores, compuseram o sistema administrativo que organizou o povoamento de domínios portugueses no ultramar. A partir do século XIII, seguindo um sistema já empregado sobre as terras reconquistadas, típico do senhorio português de fins da Idade Média Portugal utilizou-as amplamente para desenvolver seus territórios, fazendo concessões de jurisdição sobre extensas áreas aos capitães donatários. Essas doações eram formalizadas na Carta de Doação e reguladas pelo Foral, documento que estabelecia os direitos e deveres dos donatários. No Brasil, o sistema de capitanias foi implantado, em 1534, por d. João III, com a doação de 14 capitanias como solução para a falta de recursos da Coroa portuguesa para a ocupação efetiva de suas terras na América. Esse sistema não alcançou o sucesso esperado em função de diversos fatores, tais como: os constantes ataques indígenas, a enorme extensão das terras e a falta de recursos financeiros. Inicialmente, as capitanias eram hereditárias e constituíam a base de administração colonial proposta pela coroa portuguesa. O donatário tinha uma série de direitos, entre eles a criação de vilas e cidades e de superintender a eleição dos camaristas, além de doar terras e dar licença às melhorias de grande porte em instalações como nos engenhos. Também recebia uma parte dos impostos cobrados entre aqueles que seriam destinados à Coroa (Johnson, H. Capitania donatária. In: Silva, Mª B. Nizza da. (Org.). Dicionário da colonização portuguesa no Brasil,1994). Embora tenha sido aplicado com relativo sucesso em outros domínios portugueses, no Brasil, o sistema não funcionou bem e com o tempo a maioria delas voltou para a posse da Coroa, passando a denominar-se “capitanias reais.”. Em 1621, o território português na América dividia-se em Estado do Brasil e Estado do Maranhão, que reunia três capitanias reais (Maranhão, Ceará e Grão-Pará), além de seis hereditárias. A transferência da sede do Estado do Maranhão de São Luís para Belém e a mudança de nome para Estado do Grão-Pará e Maranhão, ocorridas em 1737, atestam a valorização da região do Pará, fornecedora de drogas e especiarias nativas e exóticas. Entre 1752 e 1754, as seis capitanias hereditárias foram retomadas de seus donatários e incorporadas ao Estado, enquanto, em 1755, a parte oeste foi desmembrada em uma capitania subordinada: São José do Rio Negro. Em sua administração, o marquês de Pombal extinguiu definitivamente as capitanias hereditárias em 1759. Esta decisão fez parte de uma reforma administrativa, levada a cabo por Pombal, que visava erguer uma estrutura administrativa e política que atendesse aos desafios colocados pelo Tratado de Madri, de 1750, segundo o qual “cada um dos lados mantém o que ocupou.” Também era uma tentativa de resposta aos problemas de comunicação inerentes a um território tão extenso que, de forma cada vez mais premente, precisava ser ocupado e explorado em suas regiões mais limítrofes e interiores. O Estado do Grão-Pará e Maranhão foi dissolvido em 1774. Suas capitanias foram depois transformadas em capitanias gerais (Pará e Maranhão) e subordinadas (São José do Rio Negro e Piauí), e integradas ao Estado do Brasil. Entre 1808 e 1821, os termos “capitania” e “província” apareciam na legislação e na documentação corrente para designar unidades territoriais e administrativas do império luso-brasileiro.

[8] CAPITÃO-MOR: Cargo criado em 1530, provido pelo próprio Rei, cuja patente era concedida aos primeiros governadores de capitanias. No início da colonização, algumas capitanias eram governadas por capitães-mores, que exerciam funções de julgar crimes, impor penas, executar sentenças (inclusive pena de morte), demarcar e tomar posse de terras, conceder sesmarias a pessoas merecedoras e nomear substitutos para seu cargo ou oficiais de justiça. Com o passar do tempo, as funções do capitão-mor, que por vezes era a autoridade colonial máxima em uma localidade, vão deixando de fazer parte da esfera do governo e passando para a defesa das cidades. Tornam-se responsáveis por arregimentar e organizar esquadras, nomear capitães de companhia, aplicar penas, julgar crimes, nomear outros oficiais, comunicar suas decisões ao Rei, entre outras atividades.

[9] MASCARENHAS, D. LUÍS DE ALMEIDA PORTUGAL SOARES ALARCÃO D' EÇA E MELO SILVA E (1729-1790) - MARQUÊS DO LAVRADIO: 5º conde de Avintes e 2º marquês do Lavradio era filho do 1.º marquês do mesmo título d. Antônio de Almeida Soares e Portugal e de d. Francisca das Chagas Mascarenhas. Governador da Bahia entre 1768 e 1769, conseguiu neste curto período apaziguar os conflitos entre as autoridades locais e restabelecer a ordem na guarnição de Salvador. Sua forma de governar se pautava pela prudência na utilização dos recursos procurando manter suas contas sob estrito controle. Foi nomeado décimo primeiro vice-rei do Brasil em 1769, e seu governo durou 10 anos. Durante este período, a cidade colonial do Rio de Janeiro, que abrigava a sede do vice-reinado, passou por uma série de melhorias, como o aterro de pântanos e lagoas que prejudicavam a qualidade do ar, calçamento e abertura de ruas na parte central (inclusive a que leva seu nome), além de incentivos à produção local de alguns itens como o café e o vinho. Também foi responsável pela fundação da Academia Científica, em 1772, obedecendo à política pombalina de fomento às atividades científicas, que incluiu a remessa de coleções de História Natural e a criação de um horto botânico na cidade. No entanto, ao longo de seu governo, medidas impopulares, implementadas por ordem direta da metrópole, foram adotadas, como: o cumprimento das leis do Livro da Capa Verde do Distrito Diamantino – regulamentação da exploração de diamantes na colônia, editado por iniciativa do marquês de Pombal – e a extinção da Companhia de Jesus. Foi também durante sua administração que a situação de crescente instabilidade na região do Rio da Prata, com ocasionais conflitos armados entre forças espanholas e lusas, demandou providências para contornar a situação, como iniciativas de povoamento da região sul do Brasil e a construção de fortalezas na região, com o envio de guarnições. Em 1779, dois anos depois do falecimento do rei d. José I, o marquês do Lavradio deixou o governo do Brasil, sendo substituído por Luís de Vasconcelos e Sousa. De volta a Portugal, tornou-se conselheiro da Guerra, presidente do Desembargo do Paço, inspetor-geral das tropas do Alentejo e Algarve, veador da rainha e recebeu a Grã-cruz da Ordem de Cristo. A correspondência trocada por ele com outras autoridades e membros da nobreza em Portugal gerou as Cartas da Bahia (1768 a 1769), e as Cartas do Rio de Janeiro (1769-1770) publicadas pelo Arquivo Nacional. A instituição conserva ainda o fundo privado Marquês do Lavradio em seu acervo.

[10] MONTEIRO, JOSÉ XAVIER MACHADO (1713-?): O bacharel Xavier Monteiro foi nomeado ouvidor da capitania de Porto Seguro em três de maio de 1767 e ficou no governo até o ano de 1780. Responsável pela implementação da política indigenista do marquês de Pombal na região, elaborou, entre os anos de 1767 e 1768, o documento conhecido como Instruções para o governo dos índios da capitania de Porto Seguro, onde estabelece diretrizes para a implementação do Diretório dos Índios naquele território. O documento pensava a incorporação da população nativa à sociedade colonial, levando em consideração as especificidades econômicas, sociais e culturais da capitania. As instruções foram encaminhadas aos diretores das povoações indígenas, a fim de garantir a efetivação das reformas e a plena conversão dos gentios em vassalos da Coroa.  Com a expulsão dos jesuítas em 1759, o governo de Porto Seguro passou a utilizar a mão-de-obra indígena para a diversificação da lavoura e aumento da produtividade. Contribuiria, assim, para o abastecimento de Salvador e da zona açucareira do Recôncavo Baiano, além de servir como ponto de abastecimento para colonos à procura de riquezas nas Minas Gerais. Xavier Monteiro também foi responsável pela expansão do povoamento e dos núcleos urbanos, fundando novas vilas, aonde grupos indígenas da região e degredados vindos de outras partes da colônia, sobretudo Rio de Janeiro e Salvador, iriam atuar como agentes colonizadores (SILVA, Tharles Souza. Histórias não contadas: degredo interno e reinserção social na comarca de Porto Seguro. Em: História da Capitania de Porto Seguro: Novos Estudos Sobre a Bahia Colonial. Jundiaí: Paco Editorial, 2016). A política urbanística desenvolvida por Monteiro visava, sobretudo, tornar a ação colonizadora mais eficaz, garantindo um maior controle sobre as diferentes formas de exploração das terras na capitania. Para garantir a posse do território colonial, era fundamental ocupar, urbanizar e povoar tanto os sertões como os núcleos urbanos mais antigos do litoral. Monteiro fez, assim, da vila de Porto Seguro um modelo urbano para as demais vilas da região. Seguindo a lógica urbanística portuguesa, o ouvidor abriu ruas e praças, construiu e reedificou importantes edifícios, e uniformizou fachadas, traços que podem ser observados atualmente no centro histórico de Porto Seguro.

 

 

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