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Sala de aula

Escrito por Januária Oliveira | Publicado: Quinta, 07 de Mai de 2020, 21h36 | Última atualização em Sexta, 08 de Mai de 2020, 17h06

Recolhimento de mulheres

Carta do conde de Aguiar, governador e capitão-general da Bahia, ao governador e capitão-general da capitania de São Paulo, Antonio José da França e Horta, informando que o príncipe regente, d. João, permite que se instale um recolhimento e casa de educação de mulheres na vila de Sorocaba a pedido de d. Manuela de Santa Clara e de Rita de Santa Inês.

 

Conjunto documental: São Paulo. Ministério do Reino e Império. Registro de correspondência

Notação: IJJ9 5

Datas-limite: 1808-1830

Título do fundo: Série Interior

Código do fundo: AA

Argumento de pesquisa: população, feminina

Data do documento: 22 de junho de 1810

Folha(s): 14 e 15

Local: Palácio do Rio de Janeiro

Veja o documento na íntegra

 

Para o mesmo (Antonio José da França e Horta[1])

N°54. Sendo requerido D. Manuela de Santa Clara, e Rita de Santa Ignez da Villa de Sorocaba dessa capitania[2], a fundação e estabelecimento de um recolhimento[3], e a casa de educação de mulheres. Foi o Príncipe Regente[4] nosso senhor servido mandar consultar a Mesa do Desembargo do Paço[5] sobre este objeto, e não tendo ainda sabido a consulta, e tornando a requerer, que em quanto se lhe não defira inteiramente este negócio, lhes fosse licito começar este estabelecimento unicamente com seis educandas, enquanto se não estabelecia patrimônio suficiente para maior número. É o mesmo senhor servido permitir-lhes faculdade, e ordena, que Vossa senhoria não ponha a isso embaraço algum. Deus guarde a vossa senhoria. Palácio do Rio de Janeiro, em 22 de junho de 1810.

Conde de Aguiar[6]

 

[1] HORTA, ANTÔNIO JOSÉ DA FRANÇA E (1753-1823): Nascido na cidade de Faro, em Portugal, foi um militar e administrador colonial, tenente-general, fidalgo da Casa Real e comendador da Ordem de Cristo. Governador e capitão general da capitania de São Paulo, de dezembro de 1802 a outubro de 1808, se propôs a acelerar o desenvolvimento econômico da capitania através da melhoria dos “caminhos”, ou seja, as vias de comunicação das quais dependiam o sucesso da atividade comercial, e da concentração das exportações paulistas pelo porto de Santos, buscando a integração da província à política monopolista da metrópole. Outra importante medida de França e Horta foi a criação do primeiro curso oficial de cirurgia no Brasil, no Hospital Militar da cidade de São Paulo, ministrado pelo físico-mor Mariano José do Amaral, São Paulo sofria com a falta de médicos e boticas no período. Promoveu também, aulas de desenho e matemática para formação de oficiais engenheiros na capitania. Foi conselheiro da Fazenda a partir de 17 de janeiro de 1812. Integrou o Corpo Militar como Marechal de Campo graduado e retornou a Portugal, em 1821, com d. João VI. Em sua homenagem, uma cidade do estado de São Paulo foi batizada de Franca.

[2] SÃO PAULO, CAPITANIA DE: Na época da descoberta do ouro no interior da região sudeste do Brasil, a administração das terras desta região encontrava-se pulverizada entre as capitanias de São Vicente, Rio de Janeiro, e territórios em seu entorno. Em 1693, criou-se a capitania de Rio de Janeiro, São Paulo e Minas do Ouro. A medida não foi eficaz para organizar as atividades decorrentes da exploração do ouro, assim, a capitania de São Paulo seria criada, em 1709, como consequência da Guerra dos Emboabas – conflito que envolveu "paulistas", os primeiros descobridores das minas de ouro no sertão brasileiro, e reinóis e seus aliados, pelo controle da região. Os territórios das capitanias de São Vicente e de Santo Amaro foram anexados, por meio de compra, aos territórios da Coroa e, a então formada capitania de São Paulo, passou a integrar, juntamente com a região das minas, a capitania de São Paulo e Minas de Ouro. Esta capitania abrangia um território bastante extenso, incorporado a partir da fundação de missões religiosas e das explorações de sertanistas e bandeirantes do planalto na região de São Vicente, onde se localizava a vila de São Paulo de Piratininga – fundada ainda no século XVI nos arredores do colégio dos jesuítas. A relação entre bandeirantes e jesuítas resultou em um conflito que marcou a história da capitania de São Paulo. A Companhia de Jesus, tanto na América espanhola quanto na portuguesa, investia na arregimentação de índios como forma de garantir a ocupação e presença da Igreja nas colônias. Suas missões integravam milhares de índios que viviam da sua própria produção agrícola, produziam artesanato, aprendiam música e, claro, se tornavam cristãos. Uma vez que o objetivo das entradas era a captura de nativos para o trabalho nas minas e lavouras (até o momento em que a mão de obra africana substituísse a local, que acabou sendo legalmente abolida entre 1755 e 1758), o conflito com a ordem religiosa Companhia de Jesus se tornou inevitável. As tensões só tiveram fim com a expulsão dos jesuítas em 1759. A capitania deu origem a um grupo social bastante típico, que criou raízes no planalto, acostumou-se a sobreviver por conta própria, devido às distâncias em relação ao litoral e ao descaso da administração metropolitana, e desenvolveu uma percepção aguda da necessidade de se explorar o vasto território desconhecido como única forma de encontrar novas riquezas. Estes exploradores abriam entradas e organizavam bandeiras, expedições de exploração territorial, busca de ouro e captura de escravos indígenas. Taubaté, São Paulo, São Vicente (a vila), Itu e Sorocaba se tornaram centros irradiadores deste movimento. Com a promessa de títulos e riquezas, os colonos investiam intensamente na busca de riquezas minerais, sonho alimentado pelas descobertas, ainda que limitadas, do mineral em ribeirões na região do vale do Ribeira e Santana do Parnaíba. O solo inadequado ao cultivo de produtos de exportação e o isolamento comercial condenaram a região a ocupar uma posição secundária nos interesses dos colonizadores. Até o século XVIII, São Paulo representou no cenário luso-brasileiro uma espécie de ponto estratégico de passagem e de organização das bandeiras, responsáveis pela descoberta do ouro, na região mais à noroeste, para além da serra da Mantiqueira, que ficaria conhecida como minas gerais, região que seria, a parir de então, o centro das atenções da metrópole e polo dinamizador da economia colonial. Em 1720, a capitania de São Paulo e Minas do Ouro seria desmembrada dando origem a duas capitanias: de São Paulo e de Minas Gerais. A capitania de São Paulo, após um processo de desmembramento que criou ainda as capitanias de Santa Catarina, São Pedro do Rio Grande, Goiás e Mato Grosso, foi extinta e incorporada à capitania do Rio de Janeiro em 1748. Voltaria a ganhar autonomia apenas em 1765, no contexto de medidas da metrópole que visava fortalecer a região centro sul da colônia, objetivando manter a irradiação da colonização para além dos limites estabelecidos pelo tratado de Tordesilhas (movimento para o qual a tradição sertanista dos paulistas se mostrava indispensável).

[3] RECOLHIMENTO: Casas de reclusão voltadas para educação de mulheres, surgidas na época moderna. Em sua maioria, eram instituições laicas, não ligadas diretamente à Igreja, embora pudessem, mais tarde, transformarem-se em conventos. Ainda que a educação religiosa integrasse os ensinamentos, o voto religioso não era obrigatório, tendo em vista que nesses ambientes recolhiam-se viúvas, solteiras, órfãs, além de mulheres escravas que faziam os serviços mais pesados. As casas de recolhimento exerciam uma dupla função na sociedade colonial. Se por um lado legitimavam a dominação masculina, ao receberem mulheres que não se enquadravam nos padrões estabelecidos, por outro, funcionavam como locais de resistência feminina. Algumas mulheres, por exemplo, optavam pela vida nos recolhimentos para escaparem de casamentos arranjados. Desta forma, tais espaços convertiam-se em alternativas de exercício da liberdade diante das poucas opções que a sociedade patriarcal legava às mulheres. É interessante ressaltar que os recolhimentos eram sustentados por meio de doações. Esperava-se que formassem boas esposas, mães, ou em última instância, excelentes educadoras para as moças mais jovens da casa. Constituíram um dos poucos espaços na colônia onde as mulheres aprendiam a ler e escrever, uma vez que não havia escolas para mulheres. No período colonial, muitos recolhimentos foram fundados por padres. O primeiro criado por uma mulher e vinculado à Ordem Terceira Franciscana foi estabelecido na cidade de Olinda, em 1576. Eram espaços regidos por uma disciplina que tinha por base o estabelecimento de censuras, obrigações e a regulamentação dos ciclos de repetição.  

[4] JOÃO VI, D. (1767-1826): Segundo filho de d. Maria I e d. Pedro III, se tornou herdeiro da Coroa com a morte do seu irmão primogênito, d. José, em 1788. Em 1785 casou com a infanta Dona Carlota Joaquina, filha do herdeiro do trono espanhol, Carlos IV, que na época tinha apenas dez anos de idade. Tiveram nove filhos, entre eles d. Pedro, futuro imperador do Brasil. Assumiu a regência do Reino em 1792, no impedimento da mãe que foi considerada incapaz. Um dos últimos representantes do absolutismo, d. João VI viveu num período tumultuado, foi sob o governo do então príncipe regente que Portugal enfrentou sérios problemas com a França de Napoleão Bonaparte, sendo invadido pelos exércitos franceses em 1807. Como decorrência da invasão francesa, a família real e a corte lisboeta partiram para o Brasil em novembro daquele ano, aportando em Salvador em janeiro de 1808. Dentre as medidas tomadas por d. João em relação ao Brasil estão: a abertura dos portos às nações amigas; liberação para criação de manufaturas; criação do Banco do Brasil; fundação da Real Biblioteca; criação de escolas e academias, e uma série de outros estabelecimentos dedicados ao ensino e à pesquisa, representando um importante fomento para o cenário cultural e social brasileiro. Em 1816, com a morte de d. Maria I, tornou-se d. João VI, rei de Portugal, Brasil e Algarves. Em 1821, retornou com a Corte para Portugal, deixando seu filho d. Pedro como regente. Deu-se sob o seu governo, o reconhecimento da independência do Brasil no ano de 1825, tornando-se imperador titular do Brasil, embora tenha sido o seu filho d. Pedro o imperador do Brasil de facto.

[5] MESA DO DESEMBARGO DO PAÇO E DA CONSCIÊNCIA E ORDENS (RIO DE JANEIRO): Criada no Rio de Janeiro, após a transferência da Corte portuguesa ao Brasil, pelo alvará de 22 de abril de 1808, era um órgão superior da administração judiciária. O recém-criado tribunal encarregava-se dos negócios que, em Portugal, pertenciam a quatro secretarias: os tribunais da Mesa do Desembargo do Paço, da Mesa da Consciência e Ordens, do Conselho do Ultramar e da Chancelaria-Mor da Corte e do Reino. O alvará de criação do Desembargo do Paço e da Mesa da Consciência e Ordens, definia ambos como um mesmo tribunal, no entanto, na prática, mantiveram funcionamento e normas distintas. Referente ao Conselho Ultramarino, sua jurisdição englobava apenas os temas que não fossem militares, uma vez que estes já eram contemplados pelo Supremo Conselho Militar, uma de suas atribuições foi a confirmação das sesmarias da Corte e província do Rio de Janeiro, que até então eram dadas pelos vice-reis, pelos governadores e pelos capitães-generais de diversas capitanias.

[6] CASTRO, D. FERNANDO JOSÉ DE PORTUGAL E (1752-1817): 1o conde de Aguiar e 2o marquês de Aguiar, era filho de José Miguel João de Portugal e Castro, 3º marquês de Valença, e de Luísa de Lorena. Formado em Direito pela Universidade de Coimbra, ocupou vários postos na administração portuguesa no decorrer de sua carreira. Governador da Bahia, entre os anos de 1788 a 1801, passou a vice-rei do Estado do Brasil, cargo que exerceu até 1806. Logo em seguida, regressou a Portugal e tornou-se presidente do Conselho Ultramarino, até a transferência da corte para o Rio de Janeiro. A experiência adquirida na administração colonial valeu-lhe a nomeação, em 1808, para a Secretaria de Estado dos Negócios do Brasil, pasta em que permaneceu até falecer. Durante esse período, ainda acumulou as funções de presidente do Real Erário e de secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros e da Guerra. Foi agraciado com o título de conde e marquês de Aguiar e se casou com sua sobrinha Maria Francisca de Portugal e Castro, dama de d. Maria I. Dentre suas atividades intelectuais, destaca-se a tradução para o português do livro Ensaio sobre a crítica, de Alexander Pope, publicado pela Imprensa Régia, em 1810.

 

 

Embuçadas em baetas

Registro de correspondência do conde de Aguiar, governador e capitão-general da Bahia, ao governador e capitão-general da capitania de São Paulo, Antônio José da França e Horta, notificando a proibição das mulheres na cidade andarem “embuçadas em baetas”, fazendo referência ao costume ibérico, de herança árabe, do uso de manta cobrindo a cabeça e parte do rosto, cabendo punição para aquelas que não obedecessem.

 

Conjunto documental: São Paulo. Ministério do Reino e Império. Registro de correspondência

Notação: IJJ9 5

Datas-limite: 1808-1830

Título do fundo: Série Interior

Código do fundo: AA

Argumento de pesquisa: população, feminina

Data do documento: 30 de agosto de 1810

Folha(s): 16v

Local: Palácio do Rio de Janeiro

Veja o documento na íntegra

 

Para o mesmo (Antônio José da França e Horta[1])

N°58. O Príncipe Regente[2] nosso senhor fica na inteligência de haver Vossa Senhoria proibido solenemente o andarem as mulheres nessa cidade embuçadas em baetas[3], consignando-lhes as penas, que se acham impostas pela lei[4]. E ordena o mesmo senhor, que o produto das condições impostas aos transgressores por semelhante delito, Vossa Senhoria as aplique no Hospital dos Lázaros[5] dessa capitania[6]. Deus guarde a Vossa Senhoria.

Palácio do Rio de Janeiro, em 30 de agosto de 1810.

Conde de Aguiar[7]

 

[1] HORTA, ANTÔNIO JOSÉ DA FRANÇA E (1753-1823): Nascido na cidade de Faro, em Portugal, foi um militar e administrador colonial, tenente-general, fidalgo da Casa Real e comendador da Ordem de Cristo. Governador e capitão general da capitania de São Paulo, de dezembro de 1802 a outubro de 1808, se propôs a acelerar o desenvolvimento econômico da capitania através da melhoria dos “caminhos”, ou seja, as vias de comunicação das quais dependiam o sucesso da atividade comercial, e da concentração das exportações paulistas pelo porto de Santos, buscando a integração da província à política monopolista da metrópole. Outra importante medida de França e Horta foi a criação do primeiro curso oficial de cirurgia no Brasil, no Hospital Militar da cidade de São Paulo, ministrado pelo físico-mor Mariano José do Amaral, São Paulo sofria com a falta de médicos e boticas no período. Promoveu também, aulas de desenho e matemática para formação de oficiais engenheiros na capitania. Foi conselheiro da Fazenda a partir de 17 de janeiro de 1812. Integrou o Corpo Militar como Marechal de Campo graduado e retornou a Portugal, em 1821, com d. João VI. Em sua homenagem, uma cidade do estado de São Paulo foi batizada de Franca.

 

[2] JOÃO VI, D. (1767-1826): Segundo filho de d. Maria I e d. Pedro III, tornou-se herdeiro da Coroa com a morte do seu irmão primogênito, d. José em 1788. Em 1785, casou com a infanta dona Carlota Joaquina, filha do herdeiro do trono espanhol, Carlos IV, que na época tinha apenas dez anos de idade. Tiveram nove filhos, entre eles d. Pedro, futuro imperador do Brasil. Assumiu a regência do Reino em 1792, no impedimento da mãe que foi considerada incapaz. Um dos últimos representantes do absolutismo, d. João VI viveu num período tumultuado. Foi, sob o governo do então príncipe regente, que Portugal enfrentou sérios problemas com a França de Napoleão Bonaparte, sendo invadido pelos exércitos franceses em 1807. Como decorrência da invasão francesa, a família real e a corte lisboeta partiram para o Brasil em novembro daquele ano, aportando em Salvador em janeiro de 1808. Dentre as medidas tomadas por d. João em relação ao Brasil estão: a abertura dos portos às nações amigas; liberação para criação de manufaturas; criação do Banco do Brasil; fundação da Real Biblioteca; criação de escolas e academias, e uma série de outros estabelecimentos dedicados ao ensino e à pesquisa, representando um importante fomento para o cenário cultural e social brasileiro. Em 1816, com a morte de d. Maria I, tornou-se d. João VI, rei de Portugal, Brasil e Algarves. Em 1821, retornou com a Corte para Portugal, deixando seu filho d. Pedro como regente. Deu-se sob o seu governo, o reconhecimento da independência do Brasil no ano de 1825, tornando-se imperador titular do Brasil, embora tenha sido o seu filho d. Pedro o imperador do Brasil de facto.

 

[3] BAETA: Tecido felpudo de lã de qualidade inferior, usado na fabricação de roupas masculinas e femininas. Era de uso recorrente as mulheres do período colonial no Brasil, principalmente nos séculos XVI e XVII, cobrirem a cabeça e parte do rosto com a mantilha, rebuço ou embuço, feitos com baeta. Este costume perdurou até o século XIX em São Paulo, sendo a baeta o tecido mais utilizado nessa capitania pela classe mais abastada, posteriormente fazendo parte do vestuário das camadas mais pobres, incluindo os escravos. O uso das mantilhas de baeta foi proibido por diversas leis desde meados do século XVIII, pois se transformara em caso de polícia, já que a vestimenta era usada pelos assassinos e ladrões para encobrirem seus crimes. Apesar disso, as mulheres continuaram trajando-as, principalmente para encobrir as marcas da varíola e a pobreza, sendo objeto de proibição de outros alvarás e decretos. Caiu em desuso a partir da ordem régia de d. João, de 30 de agosto de 1810, pela qual determinou a interdição do uso do traje.

 

[4] CARTA RÉGIA DE 11 DE AGOSTO DE 1649: A primeira lei proibitiva em relação ao costume de se cobrir o rosto com baetas, no Brasil colonial, é a Carta Régia de 11 agosto de 1649. Segundo esta, as mulheres que fossem encontradas embuçadas em baetas, nas ruas ou até mesmo nas igrejas poderiam ser punidas, devendo retirar o traje quando abordadas. A peculiaridade dessa carta é que a mesma distingue as punições conforme a classe a que a mulher pertencesse. No caso de uma mulher nobre ser pega com o rosto coberto, essa teria como pena o pagamento de 50 cruzados, às demais caberiam o pagamento do valor de 20 cruzados, além de oito dias de prisão. Já as escravas que fossem pegas cometendo tal infração, teriam como pena o castigo corporal na prisão. No caso de mulheres reincidentes, a pena seria dobrada. Dois meses depois, o Alvará de 6 de outubro de 1649, determina que as mulheres poderiam ser “desembuçadas” por qualquer oficial independente do lugar onde estiverem. Em agosto de 1810, novamente, a lei de 30 de agosto proíbe as mulheres de deslocarem-se embuçadas em baetas ou em qualquer envoltório cobrisse a cabeça e a parte do rosto, isto e, lenço, capuz ou chapéu.

 

[5]  HOSPITAL DOS LÁZAROS: Fundado em 1º de fevereiro de 1765 no Rio de Janeiro, funcionava no antigo casarão da fazenda de São Cristóvão, que pertencia a Companhia de Jesus. Com a expulsão definitiva dos jesuítas do Brasil, o prédio passou para a administração da Irmandade da Candelária que já atendia aos hansenianos da região. Após reformas, instalou-se no imóvel o Hospital dos Lázaros ou Hospital Frei Antônio, destinado a prestar assistência aos doentes de lepra. Sua localização, em um ponto central do Rio de Janeiro, levantou sérias questões quanto aos diversos cuidados necessários para garantir o isolamento dos enfermos, a fim de evitar a disseminação da doença pela população. Já em São Paulo, o primeiro lazareto foi fundado em 1802 para abrigar os hansenianos com o objetivo de isolá-los e os afastar do convívio na cidade, pois a enfermidade era contagiosa e sem cura. Até a construção do lazareto, os portadores da doença, em razão do estigma a ela associado, perambulavam pelas estradas sem destino ou viviam em acampamentos distantes da cidade. A área escolhida para construção do hospital localizava-se em direção a uma das saídas da cidade, na região leste, denominada de Olaria, próximo ao Convento da Luz. O terreno foi comprado pelo governador Antonio José da Franca e Horta e entregue aos cuidados da Irmandade da Santa Casa de Misericórdia. A obra começou logo no ano seguinte, a partir do apoio governamental e de doações de particulares. Esse hospital funcionou durante todo o século XIX de forma extremamente precária, atendendo a um número muito reduzido de pacientes, isto devido principalmente à ausência de fundos regulares que permitissem custear os gastos necessários com a manutenção dos doentes. A administração cabia apenas à Santa Casa de Misericórdia, não recebendo nenhum auxílio da Câmara Municipal, nem da província de São Paulo. Em 1904, o Hospital dos Lázaros foi fechado e os doentes transportados para um novo estabelecimento construído em um local mais distante da cidade: Guapira.

 

[6] São Paulo, CAPITANIA DE: Na época da descoberta do ouro no interior da região sudeste do Brasil, a administração das terras desta região encontrava-se pulverizada entre as capitanias de São Vicente, Rio de Janeiro, e territórios em seu entorno. Em 1693, criou-se a capitania de Rio de Janeiro, São Paulo e Minas do Ouro. A medida não foi eficaz para organizar as atividades decorrentes da exploração do ouro, assim, a capitania de São Paulo seria criada, em 1709, como consequência da Guerra dos Emboabas – conflito que envolveu "paulistas", os primeiros descobridores das minas de ouro no sertão brasileiro, e reinóis e seus aliados, pelo controle da região. Os territórios   das capitanias de São Vicente e de Santo Amaro foram anexados, por meio de compra, aos territórios da Coroa e, a então formada capitania de São Paulo, passou a integrar, juntamente com a região das minas, a capitania de São Paulo e Minas de Ouro. Esta capitania abrangia um território bastante extenso, incorporado a partir da fundação de missões religiosas e das explorações de sertanistas e bandeirantes do planalto na região de São Vicente, onde se localizava a vila de São Paulo de Piratininga – fundada ainda no século XVI nos arredores do colégio dos jesuítas. A relação entre bandeirantes e jesuítas resultou em um conflito que marcou a história da capitania de São Paulo. A Companhia de Jesus, tanto na América espanhola quanto na portuguesa, investia na arregimentação de índios como forma de garantir a ocupação e presença da Igreja nas colônias. Suas missões integravam milhares de índios que viviam da sua própria produção agrícola, produziam artesanato, aprendiam música e, claro, se tornavam cristãos. Uma vez que o objetivo das entradas era a captura de nativos para o trabalho nas minas e lavouras (até o momento em que a mão de obra africana substituísse a local, que acabou sendo legalmente abolida entre 1755 e 1758), o conflito com a ordem religiosa Companhia de Jesus se tornou inevitável. As tensões só tiveram fim com a expulsão dos jesuítas em 1759. A capitania deu origem a um grupo social bastante típico, que criou raízes no planalto, acostumou-se a sobreviver por conta própria, devido às distâncias em relação ao litoral e ao descaso da administração metropolitana, e desenvolveu uma percepção aguda da necessidade de se explorar o vasto território desconhecido como única forma de encontrar novas riquezas. Estes exploradores abriam entradas e organizavam bandeiras, expedições de exploração territorial, busca de ouro e captura de escravos indígenas. Taubaté, São Paulo, São Vicente (a vila), Itu e Sorocaba se tornaram centros irradiadores deste movimento. Com a promessa de títulos e riquezas, os colonos investiam intensamente na busca de riquezas minerais, sonho alimentado pelas descobertas, ainda que limitadas, do mineral em ribeirões na região do vale do Ribeira e Santana do Parnaíba. O solo inadequado ao cultivo de produtos de exportação e o isolamento comercial condenaram a região a ocupar uma posição secundária nos interesses dos colonizadores. Até o século XVIII, São Paulo representou no cenário luso-brasileiro uma espécie de ponto estratégico de passagem e de organização das bandeiras, responsáveis pela descoberta do ouro, na região mais à noroeste, para além da serra da Mantiqueira, que ficaria conhecida como minas gerais, região que seria, a parir de então, o centro das atenções da metrópole e polo dinamizador da economia colonial. Em 1720, a capitania de São Paulo e Minas do Ouro seria desmembrada dando origem a duas capitanias: de São Paulo e de Minas Gerais. A capitania de São Paulo, após um processo de desmembramento que criou ainda as capitanias de Santa Catarina, São Pedro do Rio Grande, Goiás e Mato Grosso, foi extinta e incorporada à capitania do Rio de Janeiro em 1748. Voltaria a ganhar autonomia apenas em 1765, no contexto de medidas da metrópole que visava fortalecer a região centro sul da colônia, objetivando manter a irradiação da colonização para além dos limites estabelecidos pelo tratado de Tordesilhas (movimento para o qual a tradição sertanista dos paulistas se mostrava indispensável).

 

[7] CASTRO, D. FERNANDO JOSÉ DE PORTUGAL E (1752-1817): 1o conde de Aguiar e 20 marquês de Aguiar, era filho de José Miguel João de Portugal e Castro, 3º marquês de Valença, e de Luísa de Lorena. Formado em Direito pela Universidade de Coimbra, ocupou vários postos na administração portuguesa no decorrer de sua carreira. Governador da Bahia, entre os anos de 1788 a 1801, passou a vice-rei do Estado do Brasil, cargo que exerceu até 1806. Logo em seguida, regressou a Portugal e tornou-se presidente do Conselho Ultramarino, até a transferência da corte para o Rio de Janeiro. A experiência adquirida na administração colonial valeu-lhe a nomeação, em 1808, para a Secretaria de Estado dos Negócios do Brasil, pasta em que permaneceu até falecer. Durante esse período, ainda acumulou as funções de presidente do Real Erário e de secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros e da Guerra. Foi agraciado com o título de conde e marquês de Aguiar e se casou com sua sobrinha Maria Francisca de Portugal e Castro, dama de d. Maria I. Dentre suas atividades intelectuais, destaca-se a tradução para o português do livro Ensaio sobre a crítica, de Alexander Pope, publicado pela Imprensa Régia, em 1810.

Alvará do rei d. João V

Alvará do rei d. João V proibindo a ida de mulheres do Brasil ao Reino de Portugal, sem licença concedida por ele. Afirma que as mulheres eram coagidas por seus pais a seguirem vida religiosa no Reino, mesmo esta não sendo a sua real vocação, o que provocava a redução da povoação do Estado do Brasil, que carecia de mulheres para matrimônio. Estabelece que somente o próprio rei poderia autorizar a ida de mulheres à Portugal. Aquele que as transportasse clandestinamente teria de pagar uma multa no valor de dois mil réis por cada uma que trouxesse, e seria mantido preso por dois meses.

 

Conjunto documental: Cartas Régias, provisões, alvarás e avisos

Notação: códice 952, vol. 27

Datas-limite: 1733-1734

Título do fundo: Secretaria de Estado do Brasil

Código do fundo: 86

Local: Lisboa

Folha(s): 10-10 v

Veja o documento na íntegra

 

Eu, o rei de Portugal[1], faço saber aos que este meu alvará[2] virem, que sendo-me presentes os motivos porque no Brasil não há mais crescimento de gente em grave prejuízo do aumento, e povoação[3] daquele estado, sendo a principal causa desta falta o grande excesso, que há em virem para este Reino muitas mulheres com o pretexto de serem Religiosas[4], violentadas por seus pais, ou mães, constrangendo-lhes as vontades, que deviam ser livres para elegerem estado, de que resulta faltarem estas mulheres para os matrimônios, que convém aumentar no Brasil, e elas viverem sempre desgostosas com a vida, que não queriam tomar; e por este respeito ser muito do serviço de Deus, e meu, e muito útil ao dito Estado do Brasil[5], proibir a desordem que há em virem dele mulheres para este Reino, sem primeiro se averiguar se as que vem para religiosas tem vontade de tomarem o estado, e se as mais tem justas causas para sua vinda:

Hei por bem ordenar, que de todo o Estado do Brasil não venham mulheres para este Reino, sem licença minha; e quando tenham causas para virem, se me façam presentes para eu lhes deferir como tiver por conveniente, e para evitar a desigualdade, que pode haver em deferir a estes requerimentos, sou servido que, nos que se me fizerem para virem as ditas mulheres do Brasil a serem religiosas no Reino[6], informem com seu parecer o Vice-Rei[7], e governadores do distrito, mandando logo com os requerimentos as informações sem esperarem ordens do meu Conselho Ultramarino[8], declarando a qualidade das pessoas, e as razões, que há para se conceder, ou negar esta graça; e ao Arcebispo, e Bispos do tal distrito, recomendo, que no mesmo tempo me informem com seu parecer, sem que seja necessário esperar por Provisão do dito Conselho, mandando fazer perguntas às que dizem querem ser Religiosas; e tomem todas as informações necessárias para averiguar se elas tem vocação para serem Religiosas, ou se são violentadas, ou induzidas de outrem; e vindas estas informações, e dando-se vista delas ao Procurador de minha Coroa, com a sua resposta me fará consulta para resolver o que foi servido. E sendo o requerimento para virem a este reino mulheres do Brasil para outro fim, que não seja tomar estado, se me fará consulta com informação do Governador somente, e de outra sorte senão darão licenças para virem mulheres do Brasil a este Reino, e o Capitão, ou Mestre do Navio, que as trouxer sem licença alcançada por esta forma, incorrerá na pena de pagar, por cada mulher que trouxer, dois mil reis cruzados, pagos da cadeia, aonde ficará preso por tempo de dois meses; e esta pena será para as despesas do meu Conselho Ultramarino; e havendo denunciante haverá metade da dita pena pecuniária. Pelo que mando ao Presidente, Conselheiros do meu dito Conselho Ultramarino executem este Alvará, e façam cumprir, e guardar inteiramente como nele se contém sem dúvida alguma, e ao Vice-Rei, e Capitães General de mar, e terra do Estado do Brasil, Capitães Generais[9], Governadores[10], e Capitães Mores[11] das minhas conquistas ultramarinas[12], ordeno também, que cada um nos lugares da sua jurisdição mandem publicar este meu Alvará, e registrar nas partes necessárias, para vir a notícia de todos a resolução, que fui servido tomar nesta matéria, o qual cumprirão na forma que nele se declara, e valerá como Carta[13], e não passará pela chancelaria[14], sem embargo da Ordenação do livro títulos 39 e 40 em contrário.

 Lisboa[15] Ocidental, dez de março de mil setecentos e trinta e dois. REI.

 

 

[1]JOÃO V, D. (1689-1750): Conhecido como “o Magnânimo”, d. João V foi proclamado rei em 1706 e teve que administrar as conseqüências produzidas na colônia americana pelo envolvimento de Portugal na Guerra de Sucessão Espanhola (1702-1712), marcadamente a perda da Colônia do Sacramento e a invasão de corsários franceses ao Rio de Janeiro (1710-11). Se as atividades corsárias representavam um contratempo relativamente comum à época e nas quais se envolviam diversas nações europeias, a ocupação na região do Rio da Prata seria alvo de guerras e contendas diplomáticas entre os dois países ibéricos durante, pelo menos, um século, e além, já que as colônias herdariam tais questões fronteiriças depois da sua independência. As guerras dos emboabas (1707-09) na região mineradora e dos mascates (1710-11) em Pernambuco completaram o quadro de agitação deste período. Entre as medidas políticas mais expressivas de seu governo, encontram-se: os tratados de Utrecht (1713 e 1715), selando a paz com a França e a Espanha respectivamente, e o tratado de Madri (1750), que objetivava a demarcação dos territórios lusos e castelhanos na América, intermediado pelo diplomata Alexandre de Gusmão. Este tratado daria a colônia portuguesa na América uma feição mais próxima do que atualmente é o Brasil. Foi durante seu governo que se deu o início da exploração do ouro no Brasil, enriquecendo Portugal e dinamizando a economia colonial. O fluxo do precioso metal contribuiu para o fausto que marcou seu reinado, notadamente no que dizia respeito às obras religiosas, embora parte dessa riqueza servisse também para pagamentos de dívidas, em especial frente a Inglaterra. Mesmo assim, as atividades relacionadas às artes receberam grande incentivo, incluindo-se aí, a construção de elaborados edifícios (Biblioteca de Coimbra, Palácio de Mafra, Capela de São João Batista – erguida em Roma com financiamento luso e posteriormente remontada em Lisboa) e o desenvolvimento do peculiar estilo barroco, que marcou a ourivesaria, a arquitetura, pintura e esculturas do período tanto em Portugal quanto no Brasil. Seu reinado antecipa a penetração das ideias ilustradas no reino, com a fundação de academias com apoio régio, a reunião de ilustrados, a influência da Congregação do Oratório, em contrapartida à Companhia de Jesus.

 

[2] ALVARÁS: Proclamações do rei, articuladas geralmente em incisos, tendo, originariamente, natureza de lei de cunho geral, mas que passaram a ter caráter temporário, modificando as disposições constantes em decretos, regulamentações, normas administrativas, processuais e tributárias, dentre outras.

 

[3] POVOAÇÃO: No início da colonização portuguesa nas Américas, o povoamento não foi visto como um problema, uma vez que, o projeto colonizador voltava-se para exploração dos recursos naturais. No entanto, não tardaria que a política de povoamento adotada por Portugal fosse alterada. A preocupação constante com a defesa do território contra invasões estrangeiras e a crescente mestiçagem entre os colonizadores e as naturais da terra, impuseram a questão da vinda de mulheres brancas, numa tentativa de ocupar a colônia. Órfãs, prostitutas, não importava tanto a origem e classe social, a emigração feminina passa a ser estimulada. A opção pela vida religiosa, fosse na metrópole ou na própria colônia, representava uma ameaça às novas necessidades da coroa lusa. Já em 1603, o rei de Portugal manifesta-se em carta régia contra a fundação de um convento feminino no Brasil, alegando ser um obstáculo ao necessário povoamento da colônia. Além de portugueses, homens e mulheres, que vieram para o Brasil colônia, é significativo destacar a migração açoriana – no século XVII em direção ao Pará e Maranhão e no século XVIII para o sul do Brasil, principalmente Santa Catarina e Rio Grande de São Pedro –, a vinda de franceses e holandeses – relacionada, sobretudo, as ocupações de ambos os países em território brasileiro – e a entrada de suíços, alemães e chineses durante o reinado de d. João VI. É importante destacar, também, o papel da migração forçada de africanos como escravos para a América portuguesa, durante os séculos de colonização, estima-se que mais de 5 milhões de africanos desembarcaram nos portos brasileiros.

 

[4] RELIGIOSAS: No seio da família patriarcal, às mulheres brancas não restavam muitas opções, o casamento com homem do mesmo extrato social que garantisse o bom nome e manutenção e incremento de suas posses seria um dos destinos desejáveis. Para aqueles de origem nobre, ou em ascensão, que não conseguissem garantir casamentos vantajosos para suas filhas, era interessante que estas seguissem a vida religiosa, garantindo a concentração do patrimônio familiar. O ingresso em um convento exigia comprovação de pureza de sangue e pagamento de um dote, estando interditado às mestiças, cristãs novas e às mulheres brancas pobres. As índias, mestiças e negras serviam nos conventos como escravas. A entrada em um convento era entendida, assim, como manifestação de prestígio e distinção social. Não era infundada a hipótese de que mulheres brancas fossem mandadas à revelia para conventos na colônia ou mesmo na metrópole. A internação compulsória em instituições religiosas também era frequente no caso de mulheres com comportamento desviante. Assim, familiares poderiam internar contra a vontade mulheres que tivessem cometido adultério ou que de alguma forma desafiassem à ordem patriarcal vigente. É claro que a vida religiosa poderia ser uma alternativa encontrada pelas próprias mulheres para evitar um casamento indesejado, fugir de um marido violento, ou mesmo manifestação de um desejo pessoal. As instituições religiosas voltadas para mulheres eram espaços de controle da vida e da sexualidade feminina, mas também de resistência.

 

[5] ESTADO DO BRASIL: Uma das antigas divisões administrativas e territoriais da América portuguesa: Estado do Brasil e Estado do Maranhão, posteriormente, Estado do Grão-Pará e Maranhão. Criados em 1621, ainda sob o reinado de Filipe III da Espanha (durante a União Ibérica), vigoraram até meados do século XVIII, quando a governação pombalina promoveu a centralização administrativa da colônia. O Estado do Brasil compreendia capitanias de particulares e capitanias reais (incorporadas à Coroa por abandono, compra ou confisco), e um conjunto de órgãos da administração colonial, semiburocrático que passa a se tornar mais profissional depois da segunda metade do século XVIII, com competências fazendária, civil, militar, eclesiástica, judiciária e política. O Estado do Maranhão existiu com esta denominação entre 1621 e 1652, e 1654 e 1772, e foi criado para suprir as dificuldades de comunicação com a sede do Estado do Brasil, a cidade de Salvador, aproveitando sua proximidade geográfica com Lisboa, e diminuir as ameaças de ataque estrangeiro à foz do rio Amazonas. Em 1772 o Estado foi desmembrado em duas capitanias gerais e duas subalternas: Pará e Rio Negro, e Maranhão e Piauí. É importante ressaltar ainda que, embora Portugal visse seus estados na América como um conjunto, esta visão não era compartilhada pelos colonos que moravam aqui, que não viam o Brasil como um todo e não percebiam unidade na colônia. Apesar de "Brasil" ser, nos dias de hoje, corriqueiramente usado para denominar as colônias portuguesas na América, durante o período colonial, o termo referia-se somente às capitanias que faziam parte do Estado do Brasil, onde ficava o governo-geral das colônias, primeiro na cidade da Bahia e depois no Rio de Janeiro. As capitanias que compunham o Estado do Brasil, depois da separação do Maranhão e suas subalternas, eram do sul para o norte: capitania de Santana, de São Vicente, de Santo Amaro, de São Tomé, do Espírito Santo, de Porto Seguro, de Ilhéus, da Baía de Todos os Santos, de Pernambuco, de Itamaracá, do Rio Grande e do Ceará. No início do século XIX, o Brasil, já sem as divisões de Estado internas, era formado pelas seguintes capitanias: São José do Rio Negro, Pará, Maranhão, Piauí, Ceará, Rio Grande (do Norte), Paraíba, Pernambuco, Alagoas, Sergipe, Bahia, Goiás, Mato Grosso, Minas Gerais, Espírito Santo, Rio de Janeiro, São Paulo, Santa Catarina e São Pedro do Rio Grande. Em 1821, quase todas as capitanias se tornaram províncias e algumas capitanias foram agregadas em só território, deixaram de existir ou foram renomeadas. A partir daí, tivemos as províncias do Grão-Pará, Maranhão, Piauí, Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba, Pernambuco, Alagoas, Bahia, Goiás, Minas Gerais, Espírito Santo, Rio de Janeiro, Mato Grosso, São Paulo, Santa Catarina, Rio Grande do Sul e Cisplatina.

 

[6] PORTUGAL: País situado na Península Ibérica, localizada na Europa meridional, cuja capital é Lisboa. A designação Portugal originou-se de uma unidade administrativa do reino de Leão, o condado Portucalense, cujo nome foi herança da povoação romana que ali existiu, chamada Portucale (atual cidade do Porto). Compreendido entre o Minho e o Tejo, o Condado Portucalense, sob o governo de d. Afonso Henriques, deu início às lutas contra os mouros (vindos da África no século VIII), dais quais resultou a fundação do reino de Portugal no século XIII. Portugal tornou-se o primeiro reino a constituir-se como Estado Nacional após a Revolução de Avis em 1385. A centralização política foi um dos fatores que levaram o reino a lançar-se na vanguarda das aventuras marítimas no século seguinte. Percussor da expansão marítima e comercial europeia, constituiu vasto Império com possessões na África, nas Américas e nas Índias ao longo dos séculos XV e XVI. Ante a ameaça de invasão francesa, decorrente das guerras napoleônicas, a família real transfere-se com a Corte para o Brasil, estabelecendo a sede do império ultramarino português na cidade do Rio de Janeiro a partir de 1808. A década de 1820 tem início com o questionamento da monarquia absolutista em Portugal, num movimento de caráter liberal que ficou conhecido como Revolução do Porto. A exemplo do que ocorrera a outras monarquias europeias, as Cortes portuguesas reunidas propõem a limitação do poder real, através de uma Constituição. Diante da ameaça ao trono, d. João VI retorna a Portugal, jurando a Constituição em fevereiro de 1821, deixando seu filho Pedro como príncipe regente do Brasil. Em 7 de setembro de 1822, d. Pedro proclamou a independência do Brasil, perdendo Portugal, sua mais importante colônia.

[7] VICE-REI: Até 1720, o posto administrativo mais alto da colônia era o de governador-geral, denominação naquele ano substituída pelo de vice-rei. Tal denominação explicitava a ideia de um império português, constituído por territórios externos a Portugal e a ele submissos. Contudo, em termos concretos, a mudança de nome não trouxe nenhuma alteração significativa, e a administração continuou a mesma. O Brasil não constituiu um vice-reinado, no senso estrito da palavra, e a utilização do título explicita mais uma decisão política do que administrativa. A utilização da nova denominação para o posto mais alto da colônia expressava, na verdade, a nova preponderância dos territórios brasileiros, em decorrência da expansão aurífera e relativa decadência do vice-reinado da Índia, do que transformações concretas no plano administrativo. Pela lei, aliás, o vice-reinado não se tornou uma instituição nem aqui e nem na Índia. A chegada da família real portuguesa em 1808 transformou o Brasil em Reino Unido e acabou com o cargo de vice-rei.

 

[8] CONSELHO ULTRAMARINO: Criado em 1642, à semelhança do Conselho da Índia que atuara durante a União Ibérica, tinha como objetivo padronizar a administração colonial. Sua alçada incluía os Estados do Brasil, Índia, Guiné, São Tomé, e outras partes da África, provendo os cargos relacionados à administração colonial. Responsabilizava-se pelas finanças das possessões portuguesas, a defesa militar das mesmas, a aplicação de justiça. Desde a cobrança de impostos, até o tráfico de escravos, passando pela emissão de documentos e as ações de defesa territorial, pouco acontecia nas colônias que não tivesse que passar pelo conselho, que tinha prerrogativas de fiscalização e também executivas. O processo decisório no âmbito do conselho e a efetivação das suas decisões transcorriam de forma lenta, devido à necessidade de informes e contra-informes em variadas instâncias, somadas às distâncias abissais entre as várias localidades do império colonial português. Já no período do marquês de Pombal, o conselho entrou em declínio, e suas atribuições foram pouco a pouco assumidas por outras secretarias de Estado, que administravam de forma mais ágil por dispensarem as várias instâncias de comunicação e decisão.

 

[9] CAPITÃO-GENERAL: Era responsável pelo governo de uma capitania geral, territórios administrados diretamente pela Coroa, em contraste com as donatárias, atribuídas a particulares, como Bahia, Pernambuco e Minas Gerais, por exemplo. Em tese, seria subordinado ao vice-rei, mas, como a autoridade deste se diluía com as distâncias e a presença dos governadores e capitães-generais que se comunicavam diretamente com a metrópole, na prática tal subordinação não funcionou na maioria das capitanias da América portuguesa.

 

[10] GOVERNO-GERAL: Criado em 1548 em substituição ao sistema de capitanias hereditárias, tinha como finalidade a centralização administrativa e a organização da colônia, bem como auxiliar e proteger todas as capitanias. A cidade de Salvador foi escolhida como sede do Governo-geral, por localizar-se em um ponto médio do litoral, o que facilitaria a comunicação com as demais regiões da colônia. Junto ao governador-geral, indicado pelo rei de Portugal, outros cargos foram criados: ouvidor-mor (assuntos judiciais), provedor-mor (questões financeiras), alcaide-mor (funções de organização, administração e defesa militar) e capitão-mor (questões jurídicas e de defesa). Em 1572, o rei de Portugal dividiu o Governo-geral em dois centros: um ao norte, com sede na Bahia e um ao sul, com sede no Rio de Janeiro, na tentativa de aumentar os lucros com o monopólio do açúcar. Essa divisão, entretanto, não surtiu os resultados esperados, tornando-se Salvador, novamente, o único centro administrativo do Brasil em 1578. A partir de 1720, os governadores receberam o título de vice-rei, persistindo o cargo até a vinda da família real para o Brasil em 1808.

 

[11] CAPITÃES-MORES: Cargo criado em 1530, provido pelo próprio Rei, cuja patente era concedida aos primeiros governadores de capitanias. No início da colonização, algumas capitanias eram governadas por capitães-mores, que exerciam funções de julgar crimes, impor penas, executar sentenças (inclusive pena de morte), demarcar e tomar posse de terras, conceder sesmarias a pessoas merecedoras e nomear substitutos para seu cargo ou oficiais de justiça. Com o passar do tempo, as funções do capitão-mor, que por vezes era a autoridade colonial máxima em uma localidade, vão deixando de fazer parte da esfera do governo e passando para a defesa das cidades. Tornam-se responsáveis por arregimentar e organizar esquadras, nomear capitães de companhia, aplicar penas, julgar crimes, nomear outros oficiais, comunicar suas decisões ao Rei, entre outras atividades.

 

[12] CONQUISTAS ULTRAMARINAS: Expressão referente às possessões de além-mar, as terras conquistadas e colonizadas pelos europeus no período da expansão marítima e comercial europeia, ocorrida a partir do século XV. No caso português, as possessões coloniais espalhavam-se pelos continentes africano, americano e asiático, tendo como principais cidades Luanda e Benguela na África, Macau e Malaca na Ásia, e Rio de Janeiro e Salvador na América. O império ultramarino viria se caracterizar como uma rede, organizada a partir da distribuição de cargos civis, eclesiásticos e militares, de privilégios comerciais, entre outras estratégias, vinculando essas instâncias e indivíduos entre as diversas colônias e ao reino. Assim, como analisou a historiadora Maria de Fátima S. Gouvea, foi transferida "uma série de mecanismos jurídicos e administrativos da metrópole para as mais distantes regiões do globo. Padroado, poderes concelhios, governadores, ouvidores e capitanias hereditárias foram alguns dos principais institutos acionados pela Coroa portuguesa no processo de organização de seu governo sobre o complexo ultramarino em expansão". Em 1642, foi criado o Conselho Ultramarino, sucessor do Conselho das Índias das Conquistas Ultramarinas que incluía a América portuguesa, o Estado da Índia, Guiné, ilhas de São Tomé e Cabo Verde, e outros territórios africanos. O conselho viria a ser absorvido com a criação, pelo alvará de 28 de julho de 1736, da Secretaria de Estado dos Negócios da Marinha e Domínios Ultramarinos. Com o reconhecimento da independência do Brasil em 1825, chegaria ao fim o Império luso-brasileiro. Ao longo do século XIX e até a Revolução dos Cravos, em 1974, Portugal manteve colônias na África.

 

[13] CARTA RÉGIA: Trata-se de um documento produzido pelo monarca dirigido às autoridades metropolitanas ou coloniais contendo ordens de caráter permanente, com poder de lei. As cartas régias diferem-se dos outros documentos jurídicos pela sua estrutura. Em geral principiam com o nome do destinatário seguido da frase “Eu El Rei vos envio muito saudar”. Quando endereçadas a pessoas de maior graduação, encontramos a designação “amigo” após o nome. Quando dirigidas a indivíduos de alta graduação, costumam apresentar, após o nome do destinatário, o termo amigo seguido do período “Eu El Rei vos envio muito saudar, como aquele que prezo”. A assinatura segue o modelo dos Alvarás: Rei, Rainha ou Príncipe.

 

[14] CHANCELARIA DA RELAÇÃO: A regulamentação em 1609, da Relação da Bahia ou Relação do Estado do Brasil, como por vezes foi chamado esse tribunal superior, criou entre os magistrados, o cargo de chanceler, que presidia o tribunal. Era o mais antigo dos juízes e cabia-lhe substituir o governador-geral na direção da Relação, quando este se ausentava da cidade de Salvador. Possuía, dentre outras incumbências, analisar todas as cartas e sentenças dadas pelos desembargadores da Relação. Era também juiz dos cavaleiros, quando os casos envolviam as ordens militares e era ele mesmo um cavaleiro, como assinala Stuart B. Schwartz. Com a instalação da Relação do Rio do Janeiro, em 1751, o cargo de chanceler passou a existir igualmente nessa Corte.

 

[15] LISBOA: capital de Portugal, sua origem como núcleo populacional, é bastante controversa. Sobre sua fundação, na época da dominação romana na Península Ibérica, sobrevive a narrativa mitológica feita por Ulisses, na Odisseia de Homero, que teria fundado, em frente ao estuário do Tejo, a cidade de Olissipo – como os fenícios designavam a cidade e o seu maravilhoso rio de auríferas areias. Durante séculos, Lisboa foi romana, muçulmana, cristã. Após a guerra de Reconquista e a formação do Estado português, inicia-se no século XV a expansão marítima lusitana e, a partir de então, Portugal criou núcleos urbanos em seu império, enquanto a maioria das cidades portuguesas era ainda muito acanhada. O maior deles era Lisboa, de onde partiram importantes expedições à época dos Descobrimentos, como a de Vasco da Gama em 1497. A partir desse período, Lisboa conheceu um grande crescimento econômico, transformando-se no centro dos negócios lusos. Como assinala Renata Araújo, em texto publicado no site o Arquivo Nacional e a história luso-brasileira  (http://www.historiacolonial.arquivonacional.gov.br/index.php?option=com_content&view=article&id=3178&Itemid=330), existem dois momentos fundadores na história da cidade: o período manuelino e a reconstrução pombalina da cidade após o terremoto de 1755. No primeiro, a expansão iniciada nos quinhentos leva a uma nova fase do desenvolvimento urbano, beneficiando as cidades portuárias que participam do comércio, enquanto são elas mesmas influenciadas pelo contato com o Novo Mundo, pelas imagens, construções, materiais, que vinham de vários pontos do Império. A própria transformação de Portugal em potência naval e comercial traz em 1506 a mudança dos paços reais da Alcáçova de Lisboa por um palácio com traços renascentistas, de onde se podia ver o Tejo. O historiador português José Hermano Saraiva, explica que o lugar escolhido como “lar da nova monarquia” havia sido o dos armazéns da Casa da Mina, reservados então ao algodão, malagueta e marfim que vinham da costa da Guiné. Em 1º de novembro de 1755, a cidade foi destruída por um grande terremoto, com a perda de dez mil edifícios, incêndios e morte de muitos habitantes entre as camadas mais populares. Caberia ao marquês de Pombal encetar a obra que reconstruiu parte da cidade, a partir do plano dos arquitetos portugueses Eugenio dos Santos e Manuel da Maia. O traçado obedecia aos preceitos racionalistas, com sua planta geométrica, retilínea e a uniformidade das construções. O Terreiro do Paço ganharia a denominação de Praça do Comércio, signo da nova capital do reino. Na tarde de 27 de novembro de 1807, sob a ameaça da invasão das tropas napoleônicas, dá-se o embarque da família real, partindo no dia 29 sob a proteção da esquadra britânica e deixando, segundo relatos, a população aturdida e desesperada, bagagens amontoadas à beira do Tejo, casas fechadas, como destacam os historiadores Lúcia Bastos e Guilherme Neves, em artigo publicado na revista Acervo (2008). No dia 30 daquele mês, o general Junot tomaria Lisboa, só libertada no ano seguinte mediante intervenção inglesa.

 

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