Condenação dos réus José Mascarenhas e Francisco Távora
Condenação dos réus José Mascarenhas e Francisco Assis de Távora, parte integrante do processo de acusação dos Távoras e do duque de Aveiro, pela tentativa de assassinato do rei d. José I. Os réus foram condenados à pena de morte, além do confisco de todos os seus bens pela Coroa, por serem cabeças da conjuração que atentou contra vida do Rei.
Conjunto documental: Processo dos marqueses de Távora
Notação: códice 746, vol. 01
Datas-limite: 1758-1759
Título do fundo ou coleção: Negócios de Portugal
Código do fundo: 59
Microfilme: 005.0.73
Argumento de pesquisa: Processo dos Távoras
Data do documento: 12 de janeiro de 1759
Local: Belém, Lisboa, Portugal
Folhas: 81v- 83v
Leia esse documento na íntegra
“O que tudo visto, e o mais dos autos com a resolução que o dito senhor foi servido tomar em consulta desta Junta, ampliando a jurisdição, e alçada dela para que possa estender as penas merecidas por estes infames e sacrílegos réus em forma que possam ter a possível proporção com as suas execradas e escandalosíssimas culpas: Condenam ao réu José Mascarenhas[1], que já se acha desnaturalizado, exautorado das honras e privilégios portugueses, de vassalo[2]; e criado; degradado da Ordem de Santiago, de que foi comendador; e relaxado a esta Junta[3] e justiça secular, que nela se administra; (...) como um dos três cabeças, ou chefes principais desta infame conjuração[4], e do abominável insulto, que dela se seguiu, seja levado à praça do cais do lugar de Belém, e que nela em um cadafalso[5] alto, que será levantado de sorte, que o seu castigo seja visto de todo povo, a quem tanto tem ofendido o escândalo do seu horrorozíssimo delito, depois de ser rompido vivo, quebrando-lhe as oito canas das pernas, e dos braços, seja exposto em uma roda para satisfação dos presentes, e futuros vassalos deste Reino: E a que depois de feita esta execução seja queimado vivo o mesmo réu com o dito cadafalso, em que for justiçado até que tudo pelo fogo seja reduzido a cinza, e pó, que serão lançadas no mar, para que dele, e de sua memória não haja mais notícia. E posto que como réu dos abomináveis crimes de rebelião, sedição, alta traição, e parricídio se acha já condenado pelo tribunal das Ordens[6] em confiscação, e perdimento de todos os seus bens para o Fisco, e Câmara Real[7], como se tem praticado nos casos, em que se cometeu crime de lesa-majestade de primeira cabeça[8]: Contudo atendendo-se a ser este caso tão estranhamente horroroso, e incogitado pelas leis, que nem elas deram para ele providência, nem nele se pode achar castigo, que tenha proporção com sua desmedida torpeza, (...): E considerando-se que a mais conforme o direito é a de escurecer, e desterrar por todos os modos a lembrança, o nome, e a recordação de tão enormes delinqüentes: Condenam outrossim ao mesmo réu não só nas penas de direito comum para serem derrubadas, e picadas todas as suas armas, e escudos em quaisquer lugares, em que se acharem postos; e as casas materiais, e edifícios de sua habitação demolidos, arrasados de sorte, que deles não fique sinal, reduzidos a campos, e salgados (...).
Nas mesmas penas se condena ao réu Francisco de Assis de Távora[9], também cabeça da mesma conjuração, persuadido pela ré sua mulher[10], e igualmente desnaturalizado, exautorado, e relaxado pelo Tribunal das Ordens e esta Junta, e justiça secular que nela se administra. E ponderando-se com a seriedade, e circunspecção, que eram indispensáveis neste caso, que não só o dito réu, e a ré sua mulher se fizeram cabeças pessoais desta nefasta conspiração, traição e parricídio; mas que também fizeram estes enormíssimos delitos comuns a sua família, e factando-se com fátua, e petulante vaidade de que a união dela lhe bastaria para se meterem naquelas horrorrozíssimas atrocidades; Mandam que nenhuma pessoa de qualquer estado, ou condição, que seja, possa da publicação desta em diante usar do apelido de Távora[11] sob pena de perdimento de todos os seus bens para o Fisco, e Câmera Real, e de desnaturalização destes reinos e senhorios de Portugal, e perdimento de todos os privilégios, que lhe pertencerem como naturais deles.”
[1]LENCASTRE, JOSÉ MASCARENHAS DA SILVA E (1708-1759): fidalgo da Casa Real portuguesa, José Mascarenhas acumulou os títulos de 5º marquês de Gouveia, 8º conde de Santa Cruz e 8º duque de Aveiro – mais antiga e opulenta casa ducal lusa. Segundo filho de Martinho de Mascarenhas e Inácia Rosa de Távora, estava fadado a vida eclesiástica: formou-se em cânones pela Universidade de Coimbra, o que deveria tê-lo mantido afastado da vida política e da corte portuguesa. No entanto, seu irmão mais velho, d. João Mascarenhas, ao fugir de Portugal por crime de adultério, foi obrigado a renunciar à casa e os títulos em favor de José Mascarenhas. Casou-se, em 1739, com d. Leonor de Távora, irmã do 3º marquês de Távora, de uma das mais poderosas famílias da aristocracia portuguesa, acumulando assim, mais poder. Ganhou o título de duque de Aveiro num pleito que o tribunal resolveu a seu favor em 1752 e reconhecido pelo Rei em 1755. Desempenhou elevados cargos da administração como o de mordomo-mor da Casa Real, de deputado da Junta dos Três Estados e de presidente do Desembargo do Paço. Apontado como grande polarizador da rivalidade entre a nobreza portuguesa e Sebastião José de Carvalho e Melo e o Rei, tornou-se um dos principais alvos do ministro de d. José que tentaria, a todo custo, anular sua influência política e eliminar uma das mais poderosas famílias nobiliárquicas lusa. O atentado ao Rei em 1758 e as circunstancias nebulosas do acontecimento, bem como o célere desenrolar do processo de acusação, permitiu que Carvalho agisse de maneira enérgica contra o duque: acusado de regicídio, foi condenado e barbaramente executado em 13 de janeiro de 1759. Além da pena de morte, Mascarenhas foi desnaturalizado e o título duque de Aveiro extinto por ordem régia e sentença judicial. As propriedades da família foram todas confiscadas pela Casa Real e posteriormente concedidas ou vendidas a outrem; seus escudos e armas derrubados e o chão dos seus palácios e quinta mandadas salgar simbolicamente, para que nunca mais nada ali crescesse. A memória do duque de Aveiro nunca foi reabilitada.
[2]VASSALO: súdito do rei, independentemente de sua localização no Império. Até o século XV, o título “vassalo” era empregado para designar homens fiéis ao rei, aqueles que o serviam na guerra, sendo, portanto, cavaleiros ou nobres de títulos superiores. Em troca do apoio e serviços realizados, recebiam tenças (pensões), dadas, inicialmente, a todos os vassalos e seus filhos varões. Na medida em que se pulverizaram as distribuições destes títulos, principalmente por razões de guerra (a conquista de Ceuta foi a mais significativa nesse processo), e que eles começaram a ser mais almejados, principalmente pelos plebeus e burgueses em busca de mercês e de aproximação com a realeza, o rei diminui a concessão dos títulos, e, mais importante, das tenças. A esta altura, as dificuldades financeiras da monarquia também empurraram para a suspensão da distribuição dos títulos e benefícios. O rei passa, então, a conceder mercês e vantagens individuais, e o termo vassalo se esvazia do antigo significado de título, passando a indicar homens do rei, súditos e habitantes do reino, de qualquer parte do Império.
[3]SUPREMA JUNTA DA INCONFIDÊNCIA: tribunal especial criado para apurar delitos de lesa-majestade. Nomeada em 4 de janeiro de 1759, para julgar os acusados pelo atentado contra o rei d. José I de Portugal ocorrido em 3 setembro de 1958, teve amplos poderes para conduzir o processo e o julgamento dos réus. O tribunal funcionou na Quinta do Meio e no próprio Palácio da Ajuda, foi presidida pelos secretários de Estado Sebastião José de Carvalho e Mello, d. Luís da Cunha Manuel e Tomé Joaquim da Costa Corte Real, sem poder de voto. Presidindo ao tribunal, um homem de inteira confiança de Sebastião José, pelo juiz doutor Pedro Gonçalves Cordeiro Pereira, relator e juiz da inconfidência. Estava constituído, ainda, pelos doutores João Pacheco Pereira, João Marquês Bacalhau, Manuel Ferreira de Lima, Inácio Ferreira Souto, João Inácio das Antas, Antônio Álvares da Cunha, José da Costa Ribeiro e José Antonio de Oliveira, como secretário. O processo ocorreu muito rápido, em 12 de janeiro, menos de dez dias depois de formada, a Junta daria a sentença dos acusados: seus crimes foram definidos como de lesa-majestade, traição e rebelião contra o rei e o Estado. Os acusados foram julgados em processos verbais e sumários, sem atenção às formalidades ou nulidades estabelecidas sobre as devassas ordinárias. Também foi permitido o uso da tortura, que não era praxe em tribunais não inquisitoriais. Dada a gravidade do crime, foi-lhe permitido, ainda, impor penas não previstas na lei ordinária, ampliadas e agravadas com autorização do rei e a pedido da própria Junta: “porque nem as leis pátrias até agora escritas, deram, ou podiam dar toda necessária providência para se castigar uma ferocidade tão inaudita, tão inopinada, e tão insólita entre os portugueses (...)”. Segundo Guilherme de Oliveira Santos (1959), “o tribunal foi dominado por Carvalho e o processo oportuna arma de que o ministro se serviu para protestar contra os seus inimigos.” O futuro marques de Pombal soube manipular a situação para deflagrar um processo de perseguição aos seus maiores opositores, culpando e incriminando setores do clero – notadamente os jesuítas – e da nobreza pelos crimes de traição e lesa-majestade. A violência aplicada na execução pública dos réus na manhã de 13 de janeiro e o apagamento de suas memórias serviriam de lição para que a nobreza não mais se rebelasse contra a autoridade régia.
[4] CONJURAÇÃO: o termo conjuração tem origem em Conjura, um tipo de resistência essencialmente aristocrática, herdeira direta das “Conjurationes” das ligas medievais como indica o historiador Luís Henrique da Silva Dias (Apud Valim, P. Da Sedição dos Mulatos à Conjuração Baiana de 1798: a construção de uma memória histórica. Dissertação de mestrado. USP, 2007). Outros especialistas no período medieval ligam as conjurationes às federações nas quais comerciantes e trabalhadores se reuniam para exigir mais direitos civis e políticos do aqueles concedidos. Na América portuguesa o termo, à época do movimento mineiro em 1789 [ver Conjuração Mineira], foi bastante utilizado nos autos do processo contra os rebeldes, e ressalta o caráter de movimento político antigoverno (no caso, a monarquia portuguesa). Considerado crime de lesa-majestade, na perspectiva dos juízes carregava uma conotação jurídica e institucional de uma conspiração organizada por indivíduos que compunham o poder administrativo e militar na capitania de Minas Gerais. A utilização do termo inconfidência parece ter sido utilizada pelo advogado dos revoltosos em uma tentativa de diminuir a relevância dos seus atos, retirando-lhes a conotação de movimento político organizado. Contudo, e no caso do movimento de Tiradentes, o termo conjuração foi aos poucos – em especial depois da condenação dos réus – sendo substituído por inconfidência, em um processo que também buscava construir uma imagem de militar indisciplinado e insano atribuída a Tiradentes. A conotação política e ideológica implícita no termo conjuração foi, assim, esvaziada e substituída por uma caracterização pejorativa que remete a traição e desorganização. Tal escolha ressalta a intenção de tornar “traidores” aqueles que participaram do movimento: “infidelidade, deslealdade, esp. para com o Estado ou um governante,” é a definição de inconfidência no mesmo dicionário. Imputando-lhes uma falha de caráter inerente, transformando-os em infiéis indignos, a coroa portuguesa faz do movimento político uma traição pessoal, uma falha moral
[5]CADAFALSO: tablado, andaime, estrado erguido do chão a uma altura suficiente para que se observe a ação pública realizada. Empregado, sobretudo, nas execuções de réus condenados à pena capital, o cadafalso foi bastante utilizado durante o rigorismo da justiça penal absolutista dos tribunais régios que aplicavam as ordenações. Durante a execução, a sentença era lida em público para que todos tomassem ciência dos malefícios praticados pelos sentenciados e a pena então aplicada, normalmente, através de meios eliminatórios os mais terríveis e cruéis. A atrocidade, todo aparato montado e a publicidade dos castigos sentenciados foram utilizados como forma de intimidação social, buscando evitar assim, novas infrações. A atmosfera política da época, profundamente influenciadas pelo absolutismo e glorificação da figura do rei, imprimia um cunho gravíssimo ao crime de lesa-majestade, vale dizer, crime político, daí a aplicação da pena capital sobre o cadafalso, diante dos olhos de toda população, com o propósito de produzir efeitos repressivos e dissuasórios.
[6]MESA DA CONSCIÊNCIA E ORDENS: inicialmente denominada Mesa da Consciência, quando de sua criação em 1534, passou a ser designada de Mesa da Consciência e Ordens a partir de 1551, quando acrescentou a sua administração, as matérias referentes às três ordens militares e também cristãs: Cristo, Santiago da Espada e São Bento de Avis. Organismo judicial criado em 1532, tinha como propósito auxiliar o monarca – supremo dispensador da justiça – em resoluções que não competissem aos tribunais de justiça e de fazenda. O Regimento de 1608 estabeleceu que o Tribunal da Mesa seria composto de um presidente, cinco deputados (teólogos e juristas), um escrivão da câmara e três escrivães específicos para cada uma das ordens. Entre as várias atribuições da Mesa estavam encarregar-se dos pedidos dirigidos diretamente ao rei, que tocassem a “obrigação de sua consciência” e foi um dos mecanismos utilizados para a centralização do poder monárquico. Outras de suas atribuições eram: a tutela espiritual e temporal das ordens militares; a administração da Casa dos Órfãos de Lisboa; a tutela de diversas provedorias, entre elas a gestão de capelas e hospitais e a dos defuntos e ausentes; a superintendência da administração da Universidade de Coimbra, o governo espiritual das conquistas, entre outras. A Mesa de Consciência e Ordens foi criada juntamente com o Tribunal da Mesa do Desembargo do Paço no Brasil em alvará de 1808. Este trouxe algumas modificações em relação às funções a serem exercidas pelo tribunal na nova sede do Império, passava a tratar dos assuntos relativos ao padroado, em função da jurisdição espiritual da Ordem de Cristo em todos os territórios ultramarinos, direito concedido por Roma no século XV. Incluía, dentre outras competências, a análise dos pedidos de criação de novas freguesias, a construção de capelas, assuntos ligados às irmandades, a gerência de conflitos entre eclesiásticos, bem como os embates entre os clérigos e a população. Foi extinta no reinado de d. Pedro I, em 1828.
[7]CASA REAL: expressão utilizada para se referir tanto ao local físico onde viviam o rei e sua família, quanto à própria instituição monárquica em si. Compreende além da família real, as famílias fidalgas e a nobreza de Portugal. Instituição absolutista, foi responsável pela jurisdição e manutenção da hierarquia da numerosa criadagem subordinada diretamente ao rei, nos moldes da sociedade de corte do Antigo Regime. Sua organização encontrava-se dividida em áreas como o serviço nas câmaras e casas, cozinha, atividades relacionadas à caça, guarda, serviço religioso, entre outros. Os ofícios ligados à real câmara – neste caso, câmara é alusivo ao espaço de intimidade do monarca, a casa em que se dorme – compreendiam funções que envolviam um contato mais direto com o rei. O titular do ofício atuava no núcleo da corte, conferindo grande influência política àquele que a Coroa concedia autoridade para executar um determinado tipo de tarefa. Via de regra, as atividades estavam divididas entre ofícios maiores – que tinham vastas competências, era o caso do mordomo-mor e camareiro-mor – e os menores – que englobava trabalhos ligados a profissões “mecânicas”, como pintor, barbeiro, boticário, cirurgião e físico. Os cargos do serviço real eram muito disputados pelos fidalgos – ser criado da Casa Real não significava ser inferior, muito pelo contrário, além de ser um canal direto com o Rei, proporcionava honra, status e a possibilidade de obtenção de uma mercê. A Casa Real era organizada em seis setores administrativos, as “repartições”: a Mantearia Real, que tratava de assuntos relativos à mesa do Rei, sua família e dos fidalgos de sua casa, como toalhas, talheres, guardanapos, etc; a Cavalariça Real, que responde pelos equinos, muares, pelas seges e carruagens reais; Ucharia e Cozinhas Reais, que cuidavam da despensa – alimentação e bebidas – de toda a família real e de todas as famílias nobres e fidalgas do reino; a Real Coutada, responsável pelos terrenos reais, florestas e bosques; Guarda-Roupa Real, ocupado das vestimentas do rei e parentes; e a Mordomia mor, cuja principal atribuição era a organização e fiscalização dos outros setores. Houve grande dificuldade na reorganização da Casa Real no Brasil, principalmente pelos recursos escassos do Real Erário – e enormes gastos –, pelas intrigas e conflitos entre portugueses do reino e os colonos, pela precária utensilagem e falta de pessoal preparado para o serviço real, e pela própria dificuldade de adaptar costumes absolutistas antigos ao Brasil colonial. Ficaram conhecidas da população do Rio de Janeiro as frequentes contendas entre Joaquim José de Azevedo, tesoureiro da Casa Real, e d. Fernando José de Portugal e Castro, mordomo mor da Casa Real, presidente do Real Erário e secretário de Estado de d. João VI, em torno de recursos para manter o luxo da família real, que era considerada uma das mais simples da Europa. O excesso de gastos gerava problemas de fornecimento e abastecimento em toda a cidade, e frequentemente resultava em carestia de gêneros, principalmente para os mais pobres, que sentiam mais o peso de gerar divisas para sustentar a onerosa Casa Real de Portugal.
[8]LESA-MAJESTADE: definido pelas Ordenações Filipinas, trata-se de um crime contra a pessoa do rei ou seu real estado – definição que explicita claramente a ausência de fronteiras entre a pessoa do monarca e o estado que governava. Tido como “contagioso” – comparado à lepra – o crime de lesa-majestade suscitava punições severas e muitas vezes hereditárias, dada sua tendência de “se espalhar” e de “passar de geração para geração”. Havia os crimes de primeira cabeça e os de segunda cabeça. Entre os primeiros, encontravam-se a traição, a insurreição, a autoria ou cumplicidade em atentados contra o rei, contra sua família ou contra qualquer pessoa que estivesse em sua companhia ou, mesmo, a destruição de imagens, armas ou símbolos representativos do reino ou da Casa Real. Segundo as ordenações, qualquer desses crimes seria punido com a pena de "morte natural cruelmente", ou seja, execução pública por meio de torturas. Todos os bens dos justiçados passariam para a Coroa e as duas gerações de descendentes ficariam "infamados para sempre”, pois se tratava de uma tendência hereditária. O segundo tipo, relativamente menor e com penas mais leves, dizia respeito ao auxílio àqueles já condenados por traição. Outra característica específica dos crimes de lesa-majestade era ocasionar a perda das garantias que limitavam a ação da Justiça: "não gozará o acusado de privilégio algum (...) para ser metido a tormento, bastarão menores indícios (...). E as pessoas, que em outros casos não poderiam ser testemunhas, nestes o poderão ser e valerão seus ditos".
[9]TÁVORA, FRANCISCO DE ASSIS DE (1703-1759): filho e herdeiro do 2º conde de Alvor, Bernardo António Filipe Neri de Távora e d. Joana de Lorena, foi um nobre, militar e administrador colonial português. Casou-se, em 1718, com sua prima, Leonor Tomásia de Távora, 3ª marquesa de Távora, tornando-se então o 3º marquês de Távora, importante casa da nobreza lusa. Foi nomeado vice-rei da Índia em 1750, ainda no reinado de d. João V. Em março desse mesmo ano, o marquês de Távora partiria para Goa representando a Coroa portuguesa naquele continente, acompanhado por d. Leonor, sua esposa e pelos seus filhos, Luís Bernardo (o marquês-novo) e José Maria. Seu governo foi marcado por importantes campanhas militares e comerciais, conquistando praças e fortalezas e vantagens comerciais na região. Acumulando poder e fama, retornou a Portugal em 1754, já no reinado de d. José I, quando se revelaram hostilidades entre a casa dos Távoras e a Coroa portuguesa, sobretudo devido à grande influência de Sebastião José de Carvalho e Melo, que via na antiga nobreza lusitana um empecilho para a consolidação do ministério pombalino. Em 1758, o marquês de Távora foi acusado de ser um dos cabeças na tentativa de regicídio ocorrida no ano anterior. Os autos produzidos pela Junta da Inconfidência, que julgou o crime, sugerem que o marquês teria participado da conjuração por “ódio à falta de decorro e pudor que o rei impunha à sua Casa”, por conta da relação amorosa entre o rei d. José I e d. Teresa de Távora, irmã e nora de Francisco de Assis, casada com seu filho Luís Bernardo, que era pública a todos no Reino. Condenado à morte pelo crime de lesa-majestade, foi desnaturalizado, barbaramente executado, seus bens confiscados pela Casa Real e o título de marquês de Távora extinto.
[10] TÁVORA, LEONOR TOMÁSIA DE (1700-1759): filha de d. Luís Bernardo de Távora e de d. Ana de Lorena, d. Leonor tornou-se marquesa de Távora em 1721, após o falecimento de seu avô paterno o 2º marquês de Távora. Estendeu o título ao seu marido, Francisco de Assis de Távora, seu primo, com quem se casou em 1718. Integrante de uma das principais e mais poderosas famílias nobiliárquicas de Portugal, tornou-se uma das figuras de oposição ao ministério de Sebastião José de Carvalho e Melo, além de intimamente ligada aos jesuítas e o padre Gabriel Malagrida, seu diretor espiritual. Foi a primeira fidalga a ser incriminada pelo atentado contra o rei d. José, a 3 de setembro de 1758, vindo a ser presa na sua residência, juntamente com seu marido e filhos, na noite de 13 de dezembro. Única mulher supliciada durante a execução pública dos réus condenados pela tentativa de regicídio, a marquesa de Távora foi decapitada em cadafalso e teve todos os seus bens confiscados pela Câmara Real.
[11]TÁVORAS: a casa dos Távoras é uma das mais antigas e importantes casas nobiliárquicas portuguesas. Notabilizavam-se pelos bens que administravam, pela grande influência local que possuíam e pela importância de suas redes matrimoniais, que os uniram com outras importantes casas como os condes de Atouguia, da Ribeira Grande e de Vila Nova, os marqueses de Alorna e os duques de Aveiro e de Cadaval. Seu vasto patrimônio teve origem em bens situados na província de Trás-os-Montes, no entanto, segundo o historiador Nuno Gonçalo Monteiro, a família retirava a maior parte de seus rendimentos, tal como as demais casas titulares, das comendas e bens da Coroa que administravam. Durante o reinado de d.José I, animosidades entre os Távoras e a Coroa portuguesa vão surgir: todo esse poder e influência passaram a ser vistos com desconfiança pelo rei e, sobretudo, pelo ministro Sebastião José de Carvalho e Melo, que pretendia fortalecer seu ministério, anulando ou diminuindo as forças concorrentes, como é o caso da Companhia de Jesus e a antiga nobreza lusa, refratária às mudanças propostas pelo então secretário. A estreita relação entre a família Távora e os jesuítas, especialmente o padre Gabriel Malagrida e suas pregações místicas, também era vista com desconfiança pela Coroa, representando uma ameaça ao ministério pombalino. A falta de reconhecimento do rei pelos serviços prestados pelo 3º marquês de Távora no governo da Índia e o relacionamento amoroso de conhecimento público entre d. José e d. Teresa de Távora e Lorena, esposa de Luís Bernardo de Távora, o marquês novo, aumentaram as hostilidades. Em setembro de 1758, d. José sofreu um atentado, Sebastião José apressou-se em culpabilizar a alta nobreza, através de um célere e questionável processo que condenou por crime de lesa-majestade toda família Távora, além de outros nobres lusos, que ficou conhecido como “Processo dos Távoras”. Em janeiro de 1759, Francisco de Assis Távora, Leonor Tomásia de Távora, Luís Bernardo Távora e José Maria de Távora cumpriram a pena de morte, em uma execução pública que ficou marcada pela violência dos suplícios infrigidos aos réus. As crianças e os demais homens e mulheres da família foram encarcerados em conventos e mosteiros; seus bens foram transferidos à Coroa; as casas arrasadas e salgados os chãos; as armas da família picadas e o uso do sobrenome Távora proibido. No reinado de d. Maria I, o processo foi revisto e o nome dos Távoras reabilitado.
Decreto de 9 de dezembro de 1758
Decreto de d. José I, assinado por Sebastião José de Carvalho e Melo, no qual descreve o atentado sofrido pelo rei de Portugal em 3 de setembro de 1758 e estabelece procedimentos para por fim a “execrada conjuração” e para capturar os culpados pelo crime. Promete benefícios e mercês àqueles que delatarem da dita conjuração.
Conjunto documental: Processo dos marqueses de Távora
Notação: códice 746, vol. 01
Datas-limite: 1758-1759
Título do fundo ou coleção: Negócios de Portugal
Código do fundo: 59
Microfilme: 005.0.73
Argumento de pesquisa: Processo dos Távoras
Data do documento: 9 de dezembro de 1758
Local: Belém, Lisboa, Portugal
Folhas: 18- 19v
Leia esse documento na íntegra
“Por quanto sendo exemplaríssima a religião, com que os vassalos[1] da minha Coroa, cultivando sempre como invioláveis, e como sacrossantos, o respeito, o amor, e a fidelidade, a seus reis, e naturais senhores, fizeram com que os portugueses em todos os séculos se distinguissem, e assinalassem entre as mais nações européias no escrupuloso, e delicado desempenho dessas impreteríveis obrigações. (...) Houve ainda assim infelizmente entre os naturais desses reinos alguns particulares, que barbaramente esquecidos daqueles antigos, e nunca excedidos exemplos, e daqueles honrosos, e indispensáveis vínculos de gratidão, e de fidelidade; (...); se atreveram a maquinar entre si com diabólicos intentos uma conjuração[2] tão sacrilégica, e tão abominável, que depois de haver procurado sugerir, e espalhar clandestina, e maliciosamente (...) que a minha Real[3] vida não podia ser de grande duração, ousando até limitar o prazo dela, ao mês de setembro próximo precedente; (...) pelas onze horas da noite, ao tempo em que eu saia da porta da Quinta chamada a do Meyo, para passar pelo pequeno campo que a separa deste palácio da minha residência, a recolher-me nele; havendo-se postado três dos ditos conjurados montados a cavalo perto da referida porta, encobertos com as casas a que ele se segue, descarregaram com infame, e execrada aleivosia sobre o espaldar da carruagem, que me transportava, três bacamartes[4], ou roqueiras[5] tão fortemente carregadas de munição, que, ainda errando um deles fogo, foram bastantes os dois, que o tomaram, para não só fazerem do dito espalmar duas brechas, esféricas de disforme grandeza; mas também além delas o geral estrago com que despedaçando todo o dito espaldar, não deixaram ao juízo humano modo algum de compreender a vista dele como a minha Real Pessoa se pudesse salvar em tão pequeno espaço como da referida carruagem no meio de tantas, e tão grandes ruínas, só com o dano das graves feridas que ali recebeu, se a minha Real Vida não tivesse sido positivamente preservada por um visível milagre da mão Onipotente entre os estragos daquele horrorosíssimo insulto. E porque achando-se por ele bárbara, e sacrilicamente ofendidos todos os princípios mais sagrados dos direitos, divino, natural, civil, e pátrio, com um tão geral horror da religião, e da humanidade, se fez tanto mais indispensável a reparação do mesmo insulto, quanto maior, e mais pungente é o escândalo que dele tem resultado a fidelidade portuguesa, cujos louváveis sentimentos de honra, e amor, e de gratidão a minha Real Pessoa, não poderiam nunca tranqüilizar-se sem a moral certeza de que aquela execrada conjuração se acha arrancada pelas suas venosas raízes; e de que entre os meus fiéis vassalos não anda algum dos horríveis monstros que conspiraram para tão abomináveis crimes. Estabeleço que todas as pessoas, que descobrirem (de sorte que verifiquem o que declararem) qualquer, ou quaisquer dos réus da mesma infame conjuração; sendo os declarantes plebeus serão logo por mim criados nobres; sendo nobres lhes mandarei passar alvarás dos foros de moço fidalgo, e de fidalgo cavalheiro com as competentes moradias; sendo fidalgos os sobreditos foros, lhes farei mercê[6] dos títulos de viscondes, ou de condes conforme a graduação em que se acharem; e sendo titulares os acrescentarei aos outros títulos que imediatamente se seguirem aos que já tiverem. (...) O que hei outrossim por bem que tenha lugar ainda quando as declarações forem feitas por alguns dos cúmplices da mesma conjuração; os quais hei desde logo por perdoados; com tanto que não sejam dos principais cabeças dela. Aos ministros, que apreenderem os réus deste delito farei as mercês de honras, e de acrescentamentos que forem proporcionadas à importância do serviço que o dito respeito me fizerem, além das mais acima referidas no caso de serem declarantes. Para que ninguém possa ocultar por ignorância tão perniciosos réus pela falsa apreensão de que os denunciantes são pessoas abjetas: advirto a todos os meus vassalos que este reparo, (...) não só não tem lugar nestes crimes de conjuração contra o Príncipe Supremo, e de alta traição; mas que neles muito pelo contrário o silêncio, e a taciturnidade dos que, sabendo de semelhantes crimes, os não delatam em tempo oportuno, tem anexas as mesmas penas, e a mesma infâmia, a que são condenados os réus destes perniciosíssimos delitos (...). E porque um tão horrível caso faz indispensavelmente necessária toda a maior facilidade, que couber no possível, para a prisão dos réus. Sou servido fazer cumulativas todas as jurisdições dos magistrados destes reinos, sem exceção de alguma das terras da minha Coroa, e das de donatários, por mais privilegiadas que sejam; (...) sou servido outrossim que possam ser apreendidos até pelas pessoas particulares que deles tiverem notícias, e os forem por elas seguindo; fazendo as capturas em qualquer lugar em que os encontrarem; com tanto que, depois de haverem sido presos, os levem logo via reta à presença do ministro de Vara branca, que lhes ficar mais vizinho, para os transportar a esta Corte com toda segurança. O doutor Pedro Gonçalves Cordeiro Pereira[7] do meu Conselho, Desembargador do Paço[8], deputado da Mesa de Consciência e Ordens[9], e chanceles da Casa de Suplicação[10], que nela serve de Regedor, e a quem tenho nomeado juiz da inconfidência, o execute afim de que lhe pertence, fazendo afixar este decreto por edital em todos os lugares públicos da cidade de Lisboa[11], e seu termo; e remetendo-o debaixo de seu nome a todas as outras cidades, e vilas destes reinos; porque os exemplares a que forem por ele assinados, mando que tenham o mesmo crédito, deste próprio original, sem embargo de quaisquer leis, disposições, ou costumes contrários, ainda sendo daquelas, ou daqueles que necessitam de especial derrogação. Belém, a nove de dezembro de 1758.
Com a rubrica de Sua Majestade,
Sebastião José de Carvalho e Melo[12]”.
[1]VASSALO: súdito do rei, independentemente de sua localização no Império. Até o século XV, o título “vassalo” era empregado para designar homens fiéis ao rei, aqueles que o serviam na guerra, sendo, portanto, cavaleiros ou nobres de títulos superiores. Em troca do apoio e serviços realizados, recebiam tenças (pensões), dadas, inicialmente, a todos os vassalos e seus filhos varões. Na medida em que se pulverizaram as distribuições destes títulos, principalmente por razões de guerra (a conquista de Ceuta foi a mais significativa nesse processo), e que eles começaram a ser mais almejados, principalmente pelos plebeus e burgueses em busca de mercês e de aproximação com a realeza, o rei diminui a concessão dos títulos, e, mais importante, das tenças. A esta altura, as dificuldades financeiras da monarquia também empurraram para a suspensão da distribuição dos títulos e benefícios. O rei passa, então, a conceder mercês e vantagens individuais, e o termo vassalo se esvazia do antigo significado de título, passando a indicar homens do rei, súditos e habitantes do reino, de qualquer parte do Império.
[2]CONJURAÇÃO: o termo conjuração tem origem em Conjura, um tipo de resistência essencialmente aristocrática, herdeira direta das “Conjurationes” das ligas medievais como indica o historiador Luís Henrique da Silva Dias (Apud Valim, P. Da Sedição dos Mulatos à Conjuração Baiana de 1798: a construção de uma memória histórica. Dissertação de mestrado. USP, 2007). Outros especialistas no período medieval ligam as conjurationes às federações nas quais comerciantes e trabalhadores se reuniam para exigir mais direitos civis e políticos do que aqueles concedidos. Na América portuguesa o termo, à época do movimento mineiro em 1789 [ver Conjuração Mineira], foi bastante utilizado nos autos do processo contra os rebeldes, e ressalta o caráter de movimento político antigoverno (no caso, a monarquia portuguesa). Considerado crime de lesa-majestade, na perspectiva dos juízes carregava uma conotação jurídica e institucional de uma conspiração organizada por indivíduos que compunham o poder administrativo e militar na capitania de Minas Gerais. A utilização do termo inconfidência parece ter sido utilizada pelo advogado dos revoltosos em uma tentativa de diminuir a relevância dos seus atos, retirando-lhes a conotação de movimento político organizado. Contudo, e no caso do movimento de Tiradentes, o termo conjuração foi aos poucos – em especial depois da condenação dos réus – sendo substituído por inconfidência, em um processo que também buscava construir uma imagem de militar indisciplinado e insano atribuída a Tiradentes. A conotação política e ideológica implícita no termo conjuração foi, assim, esvaziada e substituída por uma caracterização pejorativa que remete a traição e desorganização. Tal escolha ressalta a intenção de tornar “traidores” aqueles que participaram do movimento: “infidelidade, deslealdade, esp. para com o Estado ou um governante, ” é a definição de inconfidência no mesmo dicionário. Imputando-lhes uma falha de caráter inerente, transformando-os em infiéis indignos, a coroa portuguesa faz do movimento político uma traição pessoal, uma falha moral
[3]JOSÉ I, D. (1714-1777): sucessor de d. João V, foi aclamado rei em setembro de 1750, tendo sido o único rei de Portugal a receber este título. Considerado um déspota esclarecido – monarcas que, embora fortalecessem o poder do Estado por eles corporificado, sofriam intensa influência dos ideais progressistas e racionalistas do iluminismo, em especial no campo das políticas econômicas e administrativas – ficou conhecido como o Reformador devido às reformas políticas, educacionais e econômicas propostas e/ou executadas naquele reinado. O governo de d. José I destacou-se, sobretudo, pela atuação do seu secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros e da Guerra, marquês de Pombal, que liderou uma série de reestruturações em Portugal e seus domínios. Suas reformas buscavam racionalizar a administração e otimizar a arrecadação e a exploração das riquezas e comércio coloniais. Sob seu reinado deu-se a reconstrução da parte baixa de Lisboa, atingida por um terremoto em 1755, a expulsão dos jesuítas do Reino e domínios ultramarinos em 1759, a guerra guaranítica (1754-56) contra os jesuítas e os índios guaranis dos Sete Povos das Missões, a assinatura do Tratado de Madri (1750), entre Portugal e Espanha que substituiu o Tratado de Tordesilhas, entre outros. Em termos administrativos, destacam-se a transferência da capital da colônia de Salvador para o Rio de Janeiro, a criação do Erário Régio e a divisão do antigo Estado do Grão-Pará e Maranhão em dois: Maranhão e Piauí, e Grão-Pará e Rio Negro.
[4]BACAMARTE: arma de fogo de cano curto e largo. De grande calibre, foi muito utilizado durante os séculos XVIII e XIX. Devido ao seu peso, que poderia chagar a até 15 quilos, seu disparo era feito amparado por uma espécie de ‘muro’ em fortalezas ou navios, por isso também é conhecido como bacamarte de amurada.
[5]ROQUEIRA: antiga peça de artilharia que arremessava projéteis de pedra, também conhecida como canhão-pedreiro.
[6]MERCÊ: o mesmo que graça, benefício, tença e donativos. Na sociedade do Antigo Regime, a concessão de mercês era um direito exclusivo do soberano, decorrente do seu ofício de reinar. Cabia ao monarca premiar o serviço de seus súditos, de forma a incentivar os feitos em benefício da Coroa. Desse modo, receber uma mercê significava ser agraciado com algum favor (concessão de terras, ofícios na administração real, recompensas monetárias), condecoração ou título pelo rei, os quais eram concedidos sob os mais variados pretextos. Em 1808, após a chegada da Corte portuguesa ao Brasil, foi criada a Secretaria do Registro Geral das Mercês, subordinada à Secretaria de Estado dos Negócios do Brasil, quando da recriação, no Rio de Janeiro, dos órgãos da administração do Império português. Tinha por competência o registro dos títulos de nobreza e de fidalguia concedidos como graça, benefício e recompensa pelo monarca. As formas mais frequentes de mercês eram os títulos de nobreza e fidalguia, com as terras e tenças correspondentes, os hábitos das Ordens Honoríficas, cargos e posições hereditários. A concessão de mercês era também uma forma do monarca balancear os privilégios entre seus súditos, mantendo os bons serviços prestados por quem já havia conquistado alguma graça e incentivando o bom trabalho dos que almejavam obtê-las. Com a transferência da Corte da Europa para a América, poder-se-ia crer que os súditos da terra passariam a obter mais mercês, mas a hierarquia que havia entre a metrópole e a colônia, reproduzida na concessão de benefícios acabaria por se manter na colônia, mesmo depois da elevação a Reino Unido. Poucos títulos de nobreza foram concedidos, uma vez que na América não havia a nobreza de sangue, de linhagem, mas somente a concedida por grandes favores prestados ao reino, políticos ou militares. Entre as ordens honoríficas observa-se que houve a concessão de mais títulos, mas a maioria de baixa patente ou menor importância, os mais altos graus ainda eram reservados para a nobreza metropolitana. Mesmo concedendo hábitos, títulos de cavaleiros, posições e cargos, as mercês reservadas aos principais da colônia eram inferiores àquelas reservadas aos grandes da metrópole.
[7]PEREIRA, PEDRO GONÇALVES CORDEIRO (1684-17?): nascido na Bahia, Gonçalves Cordeiro foi bacharel em Direito, desembargador da Casa de Relação da comarca da Bahia e ouvidor e provedor mor da mesma comarca. Mudou-se para Portugal onde ocupou o cargo de desembargador da Relação do Porto em 1728. Na administração portuguesa, tornou-se homem de confiança de Sebastião Carvalho de Melo, chegando a membro do Desembargo do Paço, deputado da Mesa da Consciência e Ordens, chanceler regedor da Casa da Suplicação e conselheiro do rei. Participou reorganização do espaço urbano da cidade de Lisboa após o terremoto de 1755, quando ainda era desembargador da Casa da Suplicação – primeira instituição a conseguir entrar em funcionamento após o desastre. Em 1758, foi promovido a chanceler desse mesmo tribunal, assumindo importante papel na reedificação da cidade. Em decreto de 13 de dezembro de 1758, Pedro Cordeiro foi nomeado, por d. José I, juiz da Junta da Inconfidência, órgão responsável pelo julgamento dos réus acusados de tentativa de assassinato do rei em setembro do mesmo ano.
[8] MESA DO DESEMBARGO DO PAÇO (LISBOA): também chamada de Tribunal do Desembargo do Paço, foi o mais alto órgão da administração central portuguesa até o século XIX, que regia o Reino, e não o Ultramar. Este tribunal, estabelecido no reinado de d. João II (1481-1495) mas somente efetivado no período de d. Manuel I (1495-1521), era o tribunal supremo da monarquia, responsável por questões relativas à justiça e à administração civil do reino no âmbito da Graça. Tornou-se autônomo em relação à Casa de Suplicação em 1521, recebendo novo regimento. Até o reinado de d. Sebastião I, suspenso em 1578, quem presidia o Tribunal era o próprio rei, o que passou a não ser mais obrigatório com uma mudança instituída durante os reinados Filipinos (1580-1640). Constituído por um corpo de magistrados, já então denominados desembargadores do Paço, recrutados principalmente entre os eclesiásticos, teólogos e juristas experientes, este órgão da administração central da coroa, possuía uma grande variedade de incumbências, tendo suas funções revistas e ampliadas por sucessivas alterações de regimento, dentre as quais compreendiam: a concessão de cartas de perdão e cartas de privilégio; concessão de perdões reais, suspensão de degredos; a dispensa de idade e de nobreza para servir nos cargos de governo; comutação de pena aos criminosos; restituição de fama e outras mercês semelhantes; a legitimação e emancipação de filhos; a concessão de licença para impressão de livros; deliberando, ainda, sobre o recrutamento e provimento de juízes e arbitrando conflitos entre os demais tribunais da Coroa; entre outras questões. A vinda da corte para o Brasil em 1808 acarretou a criação da Mesa do Desembargo do Paço e da Consciência e Ordens no Rio de Janeiro, por meio do alvará de 22 de abril daquele ano, que incorporou parte dos encargos da Mesa da Consciência e Ordens de Lisboa. No entanto, a Mesa do Desembargo do Paço do Reino continuou a existir, sendo extinta apenas em 1833, no âmbito da guerra civil entre liberais e absolutistas, suas atribuições passando para as Secretarias de Estado do Reino e dos Negócios Eclesiásticos e da Justiça.
[9]MESA DA CONSCIÊNCIA E ORDENS: inicialmente denominada Mesa da Consciência, quando de sua criação em 1534, passou a ser designada de Mesa da Consciência e Ordens a partir de 1551, quando acrescentou a sua administração, as matérias referentes às três ordens militares e também cristãs: Cristo, Santiago da Espada e São Bento de Avis. Organismo judicial criado em 1532, tinha como propósito auxiliar o monarca – supremo dispensador da justiça – em resoluções que não competissem aos tribunais de justiça e de fazenda. O Regimento de 1608 estabeleceu que o Tribunal da Mesa seria composto de um presidente, cinco deputados (teólogos e juristas), um escrivão da câmara e três escrivães específicos para cada uma das ordens. Entre as várias atribuições da Mesa estavam encarregar-se dos pedidos dirigidos diretamente ao rei, que tocassem a “obrigação de sua consciência” e foi um dos mecanismos utilizados para a centralização do poder monárquico. Outras de suas atribuições eram: a tutela espiritual e temporal das ordens militares; a administração da Casa dos Órfãos de Lisboa; a tutela de diversas provedorias, entre elas a gestão de capelas e hospitais e a dos defuntos e ausentes; a superintendência da administração da Universidade de Coimbra, o governo espiritual das conquistas, entre outras. A Mesa de Consciência e Ordens foi criada juntamente com o Tribunal da Mesa do Desembargo do Paço no Brasil em alvará de 1808. Este trouxe algumas modificações em relação às funções a serem exercidas pelo tribunal na nova sede do Império, passava a tratar dos assuntos relativos ao padroado, em função da jurisdição espiritual da Ordem de Cristo em todos os territórios ultramarinos, direito concedido por Roma no século XV. Incluía, dentre outras competências, a análise dos pedidos de criação de novas freguesias, a construção de capelas, assuntos ligados às irmandades, a gerência de conflitos entre eclesiásticos, bem como os embates entre os clérigos e a população. Foi extinta no reinado de d. Pedro I, em 1828.
[10]CASA DA SUPLICAÇÃO: era o órgão judicial responsável pelo julgamento das apelações de causas criminais envolvendo sentenças de morte. A Casa da Suplicação de Lisboa era o tribunal de segunda instância ganhou estatuto das mãos de Filipe I em fins do século XVI, embora a sua constituição tivesse ocorrido ao longo das décadas anteriores. Era a corte suprema diante da qual respondiam os tribunais de relação. Compunha-se de diversos órgãos, com funções distintas. Os cargos mais altos da Casa eram o de regedor e o de chanceler. Atuava nas comarcas da metade sul do país e nos territórios de além-mar, com exceção da América portuguesa e da Índia. No Brasil, este órgão foi instalado na Corte pelo alvará de 10 de maio de 1808, com atribuições semelhantes à Casa da Suplicação de Lisboa e em substituição ao Tribunal da Relação, existente na cidade desde 1752. Considerada como Supremo Tribunal de Justiça, nela eram resolvidos todos os juízos e apelações em última instância, como as sentenças de morte. Suas atribuições eram similares às da Casa da Suplicação de Lisboa. Nesse sentido, compunha-se de vários órgãos com funções distintas de caráter jurídico-administrativo, destacando-se o Juízo dos Agravos e Apelações; a Ouvidoria do Crime; o Juízo dos Feitos da Coroa e da Fazenda; o Juízo do Crime da Corte; o Juízo do Cível da Corte e o Juízo da Chancelaria. O distrito de atuação compreendia as áreas do centro-sul da América, além da superposição dos agravos provenientes do Pará, Maranhão, Ilha dos Açores e Madeira e Relação da Bahia. Era composta por um regedor, um chanceler da Casa, oito desembargadores dos Agravos, um corregedor do Crime da Corte e da Casa, um juiz dos Feitos da Coroa e da Fazenda, um procurador, um corregedor do Cível da Corte, um juiz da Chancelaria, um ouvidor do Crime, um promotor de Justiça e seis extravagantes.
[11]LISBOA: capital de Portugal, sua origem como núcleo populacional é bastante controversa. Sobre sua fundação, na época da dominação romana na Península Ibérica, sobrevive a narrativa mitológica feita por Ulisses, na Odisseia de Homero, que teria fundado, em frente ao estuário do Tejo, a cidade de Olissipo – como os fenícios designavam a cidade e o seu maravilhoso rio de auríferas areias. Durante séculos, Lisboa foi romana, muçulmana, cristã. Após a guerra de Reconquista e a formação do Estado português, inicia-se, no século XV, a expansão marítima lusitana e, a partir de então, Portugal cria núcleos urbanos em seu império, enquanto a maioria das cidades portuguesas era ainda muito acanhada. O maior núcleo era Lisboa, de onde partiram importantes expedições à época dos Descobrimentos, como a de Vasco da Gama em 1497. A partir desse período, Lisboa conheceu um grande crescimento econômico, transformando-se no centro dos negócios lusos. Como assinala Renata Araújo em texto publicado no site O Arquivo Nacional e a história luso-brasileira (http://historialuso.arquivonacional.gov.br/index.php?option=com_content&view=article&id=3178&Itemid=330), existem dois momentos fundadores na história da cidade: o período manuelino e a reconstrução pombalina da cidade após o terremoto de 1755. No primeiro, a expansão iniciada nos quinhentos leva a uma nova fase do desenvolvimento urbano, beneficiando as cidades portuárias que participam do comércio, enquanto são elas mesmas influenciadas pelo contato com o Novo Mundo, pelas imagens, construções, materiais, que vinham de vários pontos do Império. A própria transformação de Portugal em potência naval e comercial provoca, em 1506, a mudança dos paços reais da Alcáçova de Lisboa por um palácio com traços renascentistas, de onde se podia ver o Tejo. O historiador português José Hermano Saraiva explica que o lugar escolhido como “lar da nova monarquia” havia sido o dos armazéns da Casa da Mina, reservados então ao algodão, malagueta e marfim que vinham da costa da Guiné. Em 1º de novembro de 1755, a cidade foi destruída por um grande terremoto, com a perda de dez mil edifícios, incêndios e morte de muitos habitantes entre as camadas mais populares. Caberia ao marquês de Pombal encetar a obra que reconstruiu parte da cidade, a partir do plano dos arquitetos portugueses Eugenio dos Santos e Manuel da Maia. O traçado obedecia aos preceitos racionalistas, com sua planta geométrica, retilínea e a uniformidade das construções. O Terreiro do Paço ganharia a denominação de Praça do Comércio, signo da nova capital do reino. A tarde de 27 de novembro de 1807 sinaliza um outro momento de inflexão na história da cidade, quando, sob a ameaça da invasão das tropas napoleônicas, se dá o embarque da família real rumo à sua colônia na América, partindo no dia 29 sob a proteção da esquadra britânica e deixando, segundo relatos, a população aturdida e desesperada, bagagens amontoadas à beira do Tejo, casas fechadas, como destacam os historiadores Lúcia Bastos e Guilherme Neves (Alegrias e infortúnios dos súditos luso-europeus e americanos: a transferência da corte portuguesa para o Brasil em 1807. Acervo, Rio de Janeiro, v.21, nº1, p.29-46, jan/jun 2008. http://revista.arquivonacional.gov.br/index.php/revistaacervo/article/view/86/86). No dia 30 daquele mês, o general Junot tomaria Lisboa, só libertada no ano seguinte mediante intervenção inglesa.
[12]MELO, SEBASTIÃO JOSÉ DE CARVALHO E (1699-1782): estadista português, nascido em Lisboa, destacou-se como principal ministro no reinado de d. José I (1750-1777). Filho do fidalgo da Casa Real Manuel de Carvalho e Ataíde e de d. Teresa Luísa de Mendonça e Melo, Sebastião José de Carvalho e Melo frequentou a Universidade de Coimbra; foi sócio da Academia Real da História Portuguesa (1733); ministro plenipotenciário de Portugal em Londres e Viena entre os anos de 1738 e 1749, sendo nomeado secretário de Estado dos Negócios do Reino de Portugal com a ascensão de d. José I ao poder. Ficou no governo durante 27 anos, período em que realizou uma série de reformas que alteraram sobremaneira a natureza do Estado português. As reformas pombalinas, como ficaram conhecidas, em consonância com a Ilustração ibérica, marcaram um período da história luso-brasileira, caracterizadas pelo despotismo esclarecido de Pombal – uma conciliação entre a política absolutista e os ideais do Iluminismo. Preocupado em modernizar o Estado português e tirar o Império do atraso econômico em relação a outras potências europeias, o primeiro-ministro buscou reestabelecer o controle das finanças, controlando todo comércio ultramarino, além de fortalecer o poder estatal, consolidando a supremacia da Coroa perante a nobreza e a Igreja. Entre as principais medidas empreendidas por Pombal durante seu governo, podemos destacar: a criação de companhias de comércio, como a Companhia Geral do Grão-Pará e Maranhão (1755-1778) e a de Pernambuco e Paraíba (1759-1780); a expulsão dos jesuítas do reino e domínios portugueses (1759); a reorganização do exército; a transferência da capital do Estado do Brasil de Salvador para o Rio de Janeiro (1763) e a reforma do ensino, em especial a da Universidade de Coimbra (1772). Pombal sobressaiu-se, ainda, por ter sido o responsável pela reconstrução de Lisboa, destruída por um terremoto em 1755. Foi agraciado com o título de conde de Oeiras, em 1759, e de marquês de Pombal em 1769. Com a morte de d. José I e a consequente coroação de d. Maria I, Pombal foi afastado de suas funções e condenado ao desterro. Em decorrência de sua idade avançada, Carvalho e Melo recolheu-se à sua Quinta de Oeiras, onde permaneceu até sua morte.
Decreto de d. Maria I concedendo a revista do processo
Decreto de d. Maria I, no qual esta declara que na sentença proferida em 12 de janeiro de 1759, acerca do crime de lesa-majestade e alta traição contra d. José, “houvera não só nulidades substanciais, mas também injustiça notória, por se expenderem na mesma sentença fatos, fundamentos e provas que não existiam no processo”. Deste modo, concede “revista de graça especialíssima” da dita sentença.
Conjunto documental: Processo dos marqueses de Távora
Notação: códice 746, vol. 03
Datas limite: 1777-1790
Título do fundo ou coleção: Negócios de Portugal
Código do fundo: 59
Microfilme: 005.0.73
Argumento de pesquisa: Processo dos Távoras
Data do documento: 9 de outubro de 1780
Local: Lisboa, Portugal
Folhas: 202 -202v
Leia esse documento na íntegra
Eu a Rainha[1]. Faço saber: Que representando-me o marquês de Alorna[2], como procurador da memória e fama póstuma de seus sogros e cunhados; e pelo interesse, que nela tem sua mulher, e filhos, que na sentença proferida na Junta da Inconfidência em 12 de janeiro de 1759[3], sobre o horroroso crime de lesa-majestade[4], e alta traição cometido na infausta noite de 03 de setembro de 1758, contra a sagrada e amabilíssima pessoa de El Rei Meu Senhor, e Pai[5], que descansa em glória, houvera não só nulidades substanciais, mas também injustiça notória, por se expenderem na mesma sentença fatos, fundamentos, e provas, que não existiam no processo: suplicando-me que fosse servida conceder revista de graça especialíssima da dita sentença: Fui servida, depois de maduros exames, e averiguações mandar propor este negócio em uma Junta de Ministros do meu Conselho, e Desembargo[6], zelosos do serviço de Deus e Meu: E sendo examinado o processo, uniformemente assentaram que as circunstâncias deste extraordinário caso faziam justa a concepção da dita revista; dispensando em quaisquer leis, que pudessem obstar, e no Alvará de Lei de 17 de janeiro do dito ano de 1759, em quanto confirmou a dita sentença. E tendo atenção ao que me foi proposto pelos ministros da sobredita Junta; e a ser serviço de Deus e Meu, que a verdade se faça patente, para que não se duvide, ou da Justiça com que se houvesse proferido, ou da inocência de todos aqueles que fossem condenados não justamente. Sou servida conceder revista de graça especialíssima da dita sentença; não obstante o lapso do tempo, e todas, e quaes leis, que façam em contrário (...).
Pelo que mando ao visconde de Vila Nova da Cerveira[7] do meu Conselho e meu ministro, e secretário de Estado dos Negócios do Reino[8], que faça executar este alvará como nele se contém, o qual não passará pela Chancelaria[9] posto que o efeito dele haja de durar mais de um ano; não obstante a ordenação, que o contrário determina. Dado no Palácio de Lisboa em 09 de outubro de 1780.
Rainha.
[1] MARIA I, D. (1734-1816): Maria da Glória Francisca Isabel Josefa Antônia Gertrudes Rita Joana, rainha de Portugal, sucedeu a seu pai, d. José I, no trono português em 1777. O reinado mariano, época chamada de Viradeira, foi marcado pela destituição e exílio do marquês de Pombal, muito embora se tenha dado continuidade à política regalista e laicizante da governação anterior. Externamente, foi assinalado pelos conflitos com os espanhóis nas terras americanas, resultando na perda da ilha de Santa Catarina e da colônia do Sacramento, e pela assinatura dos Tratados de Santo Ildefonso (1777) e do Pardo (1778), encerrando esta querela na América, ao ceder a região dos Sete Povos das Missões para a Espanha em troca da devolução de Santa Catarina e do Rio Grande. Este período caracterizou-se por uma maior abertura de Portugal à Ilustração, quando foi criada a Academia Real das Ciências de Lisboa, e por um incentivo ao pragmatismo inspirado nas ideias fisiocráticas — o uso das ciências para adiantamento da agricultura e da indústria de Portugal. Essa nova postura representou, ainda, um refluxo nas atividades manufatureiras no Brasil, para desenvolvimento das mesmas em Portugal, e um maior controle no comércio colonial, pelo incentivo da produção agrícola na colônia. Deste modo, o reinado de d. Maria I, ao tentar promover uma modernização do Estado, impeliu o início da crise do Antigo Sistema Colonial, e não por acaso, foi durante este período que a Conjuração Mineira (1789) ocorreu, e foi sufocada, evidenciando a necessidade de uma mudança de atitude frente a colônia. Diante do agravamento dos problemas mentais da rainha e de sua consequente impossibilidade de reger o Império português, d. João tornou-se príncipe regente de Portugal e seus domínios em 1792, obtendo o título de d. João VI com a morte da sua mãe no Brasil em 1816, quando termina oficialmente o reinado mariano.
[2]PORTUGAL, D. JOÃO DE ALMEIDA (1726-1802): 4º conde de Assumar e 2º marquês de Alorna, d. João de Almeida Portugal foi um nobre português, nomeado embaixador da Coroa lusa na corte francesa de Luís XV. Casou-se, em 1747, com D. Leonor de Lorena e Távora, filha do 3.º marquês de Távora, d. Francisco de Assis e Távora. Foi preso e encerrado nas masmorras da torre de Belém – que funcionavam como prisão política aos condenados de elevada categoria social –, devido sua relação de parentesco com a casa Távora, acusada pelo crime de lesa-majestade contra d. José I em 1758. Sua esposa foi confinada no convento de Chelas com as suas duas filhas menores. Entre a torre de Belém e o forte Junqueira, foram 18 anos de prisão. Após a morte de d. José, no reinado mariano, os inimigos políticos do antigo governo foram perdoados. Após ser posto em liberdade, d. João de Almeida manteve-se afastado da corte de Lisboa até provar sua inocência no atentado contra a vida do rei, o que foi concedido pela rainha em decreto de 7 de março de 1777. Dedicou-se a obter revisão do processo que condenou os Távora e o duque de Aveiro, autorizada por decreto de d. Maria I em 1780.
[3]SENTENÇA PROFERIDA NA JUNTA DA INCONFIDÊNCIA EM 12 DE JANEIRO DE 1759: após um processo sumário, a Junta da Inconfidência – tribunal especial nomeado em 9 de dezembro do ano anterior para julgar o atentado contra a vida de d. José I – proferiu sentença em 12 de janeiro de 1759, condenando os réus à sanções severíssimas. D. José Mascarenhas, duque de Aveiro, e d. Francisco de Assis Távora, marquês de Távora pai, acusados de serem os principais cabeças do crime de lesa-majestade, foram condenados à morte cruel: depois de rompidos vivos em uma roda “para satisfação dos presentes”, em seguida foram queimados vivos, “até que tudo pelo fogo seja reduzido à cinza, e pó, que serão lançados ao mar, para que dele e de sua memória não haja mais notícia”. Já a marquesa de Távora, d. Leonor Tomásia, também culpada por crime de alta traição foi sentenciada a morte “sendo-lhe separada a cabeça do corpo”. Luís Bernardo, marquês de Távora moço, seu irmão José Maria e seu cunhado, d. Jerônimo de Ataíde, conde de Antouguia, além dos plebeus, Brás Romero, João Miguel e Manuel Alves, também condenados à morte por estrangulamento. E, por fim, Antonio Álvares e José Policarpo de Azevedo, autores dos disparos contra o rei d. José, foram queimados vivos. Todos os réus foram sentenciados em uma execução pública no então chamado Largo do Cais Grande, em Belém. Foram condenados, ainda, a desnaturazilação de Portugal, exautoração das honras e privilégios da nobreza a que tinham direito e ao confisco de todos os bens. Os nomes Távora e Aveiro tiveram seus usos proibidos, suas armas e escudos picados, suas casas demolidas, os terrenos arrasados e salgados, “de sorte que delas não ficasse sinal”. Uma vez que estava em causa o crime de lesa-majestade e que as acusações foram dadas como provadas, apesar das inconsistências, do uso da tortura e a pífia defesa a que tiveram os réus, a sentença foi particularmente severa e cruel.
[4]LESA-MAJESTADE: definido pelas Ordenações Filipinas, trata-se de um crime contra a pessoa do rei ou seu real estado – definição que explicita claramente a ausência de fronteiras entre a pessoa do monarca e o estado que governava. Tido como “contagioso” – comparado à lepra – o crime de lesa-majestade suscitava punições severas e muitas vezes hereditárias, dada sua tendência de “se espalhar” e de “passar de geração para geração”. Havia os crimes de primeira cabeça e os de segunda cabeça. Entre os primeiros, encontravam-se a traição, a insurreição, a autoria ou cumplicidade em atentados contra o rei, contra sua família ou contra qualquer pessoa que estivesse em sua companhia ou, mesmo, a destruição de imagens, armas ou símbolos representativos do reino ou da Casa Real. Segundo as ordenações, qualquer desses crimes seria punido com a pena de "morte natural cruelmente", ou seja, execução pública por meio de torturas. Todos os bens dos justiçados passariam para a Coroa e as duas gerações de descendentes ficariam "infamados para sempre”, pois se tratava de uma tendência hereditária. O segundo tipo, relativamente menor e com penas mais leves, dizia respeito ao auxílio àqueles já condenados por traição. Outra característica específica dos crimes de lesa-majestade era ocasionar a perda das garantias que limitavam a ação da Justiça: "não gozará o acusado de privilégio algum (...) para ser metido a tormento, bastarão menores indícios (...). E as pessoas, que em outros casos não poderiam ser testemunhas, nestes o poderão ser e valerão seus ditos".
[5]JOSÉ I, D. (1714-1777): sucessor de d. João V, foi aclamado rei em setembro de 1750, tendo sido o único rei de Portugal a receber este título. Considerado um déspota esclarecido – monarcas que, embora fortalecessem o poder do Estado por eles corporificado, sofriam intensa influência dos ideais progressistas e racionalistas do iluminismo, em especial no campo das políticas econômicas e administrativas – ficou conhecido como o Reformador devido às reformas políticas, educacionais e econômicas propostas e/ou executadas naquele reinado. O governo de d. José I destacou-se, sobretudo, pela atuação do seu secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros e da Guerra, marquês de Pombal, que liderou uma série de reestruturações em Portugal e seus domínios. Suas reformas buscavam racionalizar a administração e otimizar a arrecadação e a exploração das riquezas e comércio coloniais. Sob seu reinado deu-se a reconstrução da parte baixa de Lisboa, atingida por um terremoto em 1755, a expulsão dos jesuítas do Reino e domínios ultramarinos em 1759, a guerra guaranítica (1754-56) contra os jesuítas e os índios guaranis dos Sete Povos das Missões, a assinatura do Tratado de Madri (1750), entre Portugal e Espanha que substituiu o Tratado de Tordesilhas, entre outros. Em termos administrativos, destacam-se a transferência da capital da colônia de Salvador para o Rio de Janeiro, a criação do Erário Régio e a divisão do antigo Estado do Grão-Pará e Maranhão em dois: Maranhão e Piauí, e Grão-Pará e Rio Negro.
[6]JUNTA DE MINISTROS DO MEU CONSELHO, E DESEMBARGO: junta especial convocada por d. Maria I para rever o “Processo dos Távora” – em que membros da alta nobreza portuguesa foram condenados a morte pelo crime de lesa-majestade contra o rei d. José I em 1758. Após a queda do marquês de Pombal, principal orientador e presidente da Junta da Inconfidência que julgou o atentado, d. Maria I, a pedido do marquês de Alorna, autorizou que se procedesse a revisão do dito processo. Foram nomeados como magistrados para compor a junta de revisão: os desembargadores José Ricalde Pereira de Castro (relator), Bartolomeu José Giraldes, Manoel José da Gama e Oliveira, Jerônimo de Lemos Monteiro, Francisco Antonio Marques Giraldes, Francisco Feliciano Velho, José Joaquim Emaús, Ignácio Xavier de Sousa Pissarro, José Pinto de Moraes Bacelar, José Roberto Vidal da Gama, Doutores Antonio de Araújo, João Xavier Teles de Souza, Tomás Antonio de Carvalho, Constantino Alves do Vale, e Henrique José de Mendanha Benevides (escrivão). Os magistrados deveriam analisar exclusivamente os autos originais do processo, não admitindo para suas conclusões provas extrínsecas, como os depoimentos colhidos pelo marquês de Alorna em 1777. Em 23 de maio de 1781, era publicada uma nova sentença que absolvia a memória dos Távora e Atouguia, restituindo suas honras. Apenas o Duque de Aveiro, Manuel Álvares Ferreira, António Alvares Ferreira e José Policarpo de Azevedo seriam culpados na tentativa de regicídio. No entanto, tal decisão foi embargada por João Pereira Ramos de Azeredo Coutinho, procurador da Coroa. Os embargos ficaram pendentes, pois uma nova junta nomeada pela rainha para dar um parecer e resolver a questão, nunca apresentou juízo. Os autos de revisão e os papéis relativos ao embargo estão sob guarda do Arquivo Nacional, assim como os autos do processo de 1759.
[7]SILVA, TOMÁS XAVIER DE LIMA TELES DA (1727-1800): 14º visconde de Vila Nova da Cerveira e 1º marquês de Ponte de Lima, Tomás Xavier foi um nobre e político português. Filho de d. Maria Xavier de Lima e Hohenloe, 13.ª viscondessa de Vila Nova da Cerveira, e Tomás Teles da Silva, tornou-se ministro e secretário de Estado dos Negócios do Reino durante o reinado de d. Maria I. Seu pai, acusado de conspiração contra o rei d. José I, foi condenando em 1759 no “Processo dos Távora” e preso no castelo de São João da Foz, onde faleceu em 1762. Partidário de d. João de Almeida Portugal na revisão e reabilitação dos Távora, em 1778, obteve despacho que declarava seu pai inocente.
[8]SECRETARIAS DE ESTADO DO REINO: em 28 de julho de 1736, d. João V empreendeu um conjunto de reformas que tencionava tornar a administração pública portuguesa menos burocrática e mais ágil. Para isso, reorganizou as secretarias de Estado e atribuiu a elas instâncias mais precisas. Criaram-se, então, três secretarias: a dos Negócios Interiores do Reino; a da Marinha e Domínios Ultramarinos e a dos Negócios Estrangeiros e da Guerra. Este sistema vigorou por mais de 50 anos, sendo alterado somente em dezembro de 1788, com a instituição da Secretaria dos Negócios da Fazenda, cuja organização só se completou em janeiro de 1801. Apesar de serem todas igualmente importantes para a governação do Estado, destaca-se a relevância política e funcional da Secretaria dos Negócios Interiores do Reino, também chamada Secretaria de Estado dos Negócios do Reino que, além de exercer numerosas funções e atuar em diversas áreas, como nos negócios eclesiásticos e no expediente do Paço e Casa Real, mantinha uma relação mais direta com o rei, recebendo as suas consultas, tratando dos seus despachos e os remetendo aos tribunais. Desta forma, zelava pelo controle de todo o processo burocrático e de informação, adquirindo uma posição de centralidade diante das outras secretarias. A Secretaria de Estado da Marinha e dos Domínios Ultramarinos cuidava dos assuntos relativos à marinha de Portugal, no âmbito civil e militar (não bélico), e dos assuntos concernentes às colônias e territórios portugueses do além-mar. Englobava o Conselho Ultramarino, que compartilhava das mesmas competências. Já a Secretaria dos Negócios Estrangeiros e da Guerra ficaria responsável pela política externa – como as negociações de paz, acordos comerciais, alianças e casamentos –, pelo exército e serviços relacionados – fortificações, armazéns de munições, hospitais – e administraria, ainda, a respectiva Contadoria Geral. Em 1808, com a vinda da Corte para o Brasil, os órgãos da administração do Império português foram recriados e a Secretaria de Estado dos Negócios do Reino foi denominada Secretaria de Estado dos Negócios do Brasil. Esta denominação foi alterada com a elevação do Estado do Brasil à categoria de Reino, em 1816, quando a secretaria voltou ao nome original, Negócios do Reino.
[9]CHANCELER: guarda-selos. Funcionário do governo encarregado de chancelar documentos ou diplomas tornando-os autênticos. Era o magistrado responsável pela guarda do selo real.
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