Companhia Geral da Agricultura das Vinhas do Alto Douro
Cópia de documento de João Antônio Salter de Mendonça para a Ilustríssima Junta da Administração da Companhia Geral da Agricultura das Vinhas do Alto Douro informando sobre a distribuição dos vinhos, consoante sua qualidade e quantidade, para embarque, abastecimento das tavernas e exportação para o Brasil, Báltico e outras partes.
Conjunto documental: Secretaria de Estado do Ministério do Reino
Notação: caixa 710 pct 02
Datas limite: 1817-1820
Título do fundo: Negócios de Portugal
Código do fundo: 59
Argumento de pesquisa: Portugal, produtos vinhos
Data do documento: 2 de fevereiro de 1818
Local: Rio de Janeiro
Cópia
Para o Provedor, Vice Provedor e Deputados da Ilma. Junta da Administração da Companhia Geral da Agricultura das Vinhas do Alto Douro[1]
Sendo presente a Sua Magestade a conta da Ilma Junta da Companhia Geral da Agricultura das Vinhas do Alto Douro, em data de 27 de janeiro último, sobre a quantidade e qualidade dos vinhos[2] legais de embarque do Alto Douro[3] do ano próximo passado de 1817 e do juízo que fizeram os qualificadores e provadores: e tomando o mesmo senhor em consideração o que a Ilma. Junta[4] propõe na dita conta, como medidas saudáveis e úteis à lavoura e ao comércio é servido conformando-se com a mesma proposta que somente se aprovem para embarque as vinte e sete mil setecentas e quarenta e três pipas[5] e meia apontadas para a primeira qualidade, e que este vinho assim aprovado seja vendido a sessenta mil réis, que as sete mil setecentas e quarenta e uma e meia pipas apontadas para a segunda qualidade sejam compradas pela Ilma. Junta não para embarque, mas para consumo das tavernas[6] do exclusivo[7] da Companhia e também para entrar em lotação de vinhos para o Brasil e Báltico[8] e outras partes para onde é permitida a exportação de vinho do ramo[9], e que este vinho seja pago a quarenta mil réis, e a Ilma. Junta o poderá vender nas tavernas a sessenta réis, o quartilho[10] e finalmente poderá pagar a lavoura cada pipa de vinho de terceira qualidade a trinta mil réis, em lugar de vinte mil réis. O que tudo participo a Ilma. Junta para sua inteligência e execução.
Deus guarde a V.S. Palácio do Governo em 2 de fevereiro de 1818 – João Antonio Salter de Mendonça[11]
Joaquim Guilherme da Costa Posser
[1] JUNTA DA ADMINISTRAÇÃO DA COMPANHIA GERAL DA AGRICULTURA DAS VINHAS DO ALTO DOURO: na condição de órgão de governo, a Junta da Administração decidia e geria todos os assuntos concernentes à Companhia. Propunha ao rei as medidas legislativas consideradas necessárias, diretamente ou através do procurador que mantinha em Lisboa, junto à Corte, executava as suas decisões, fiscalizava a produção e o comércio dos vinhos do Alto Douro, das aguardentes e vinagres, superintendia na arrecadação dos impostos régios comissionados à Companhia, exercia funções de inspeção sobre os estabelecimentos do ensino técnico do Porto e sobre obras da cidade e negociava como qualquer outra administração de uma empresa comercial. De acordo com o aviso de 9 de agosto de 1756 e os estatutos gerais da Companhia, constituía-se de um órgão colegiado, inicialmente com mandato de três anos, formado por um provedor, doze deputados, seis conselheiros e um secretário. O provedor e deputados seriam vassalos do rei, naturais ou naturalizados, excluindo, portanto, os estrangeiros, que podiam ser acionistas, mas não administradores, moradores no Porto ou no Alto Douro, com um mínimo de 10 000 cruzados em ações da Companhia. Os conselheiros eram recrutados entre os “homens inteligentes” do comércio. Esta composição foi alterada pela carta régia de 16 de dezembro de 1760, que reduziu o número de membros da Junta a um provedor, um vice-provedor e sete deputados, além do secretário. Essa composição se manteve até 1834. A Junta da Companhia reunia-se na sua Casa de Despacho, as terças e sextas-feiras. As reuniões podiam ainda ser extraordinárias, através de convocatória do provedor aos deputados. As faltas às reuniões, por parte dos deputados, tinham de ser justificadas. O impedimento de qualquer deputado por mais oito dias levava à sua substituição por um dos deputados do ano precedente. A Junta de Administração foi extinta juntamente com o fim da Companhia Geral da Agricultura das Vinhas do Alto Douro definido pelo decreto de 30 de maio de 1834.
[2] VINHO: bebida alcoólica resultante da fermentação do sumo das uvas (mosto), que contém grande concentração natural de açúcares, em contato com leveduras existentes na casca do fruto. O primeiro registro sobre a existência de um vinhedo cultivado data do ano 7.000 a.C. e se situava na região da Europa oriental e costa do mar Negro. Mais tarde, o plantio da vinha chegou ao Egito, à Grécia e a outras partes da Europa. A utilização do vinho nos sacramentos cristãos garantiu a sobrevivência da viticultura no período medieval: foi em torno das catedrais e dos mosteiros que os monges a aperfeiçoaram, a partir do emprego de castas de uvas especiais e da melhoria das técnicas, o que resultou num produto de melhor qualidade, permitindo sua comercialização no final desse período. Portugal possuía longa tradição vinícola; no século XVIII, já exportava quantidade significativa de vinho do porto e madeira para o mercado inglês. Nesse mesmo período, a produção vinícola das províncias do norte começava a se destacar, suplantando a produção do vinho fortificado, assemelhado ao do porto, produzido na ilha da Madeira. Para sua comercialização, os vinhos eram classificados segundo tipo e qualidade. Vinho de feitoria (oriundo de região demarcada), vinho de quintas (produzido e comercializado por vinicultores individuais), vinho de embarque (de qualidade adequada para exportação), vinho generoso (licoroso, com elevados teores de açúcar e fortificado com uma graduação alcoólica entre 14 a 18º servido, normalmente, como aperitivo) são algumas dessas classificações. No início da colonização, havia no Brasil uma produção significativa em São Paulo que foi proibida para não prejudicar o comércio de importação da portuguesa. O vinho era a bebida consumida pela elite colonial que o apreciava também devido às suas qualidades terapêuticas. Foi bastante considerável o volume de comércio de importação do vinho português para o Brasil. A Coroa portuguesa garantiu o mercado colonial para seu produto concedendo à Companhia de Comércio (1649) o monopólio da sua importação (estanco). Chegou mesmo a ser usado como moeda no início do tráfico de escravos, mas acabou substituído pelas aguardentes já no século XVII, produto mais barato, de maior durabilidade e aceitação na África.
[3] ALTO DOURO: constitui a região vitícola demarcada e regulamentada mais antiga. Suas origens remontam a 1756, quando Sebastião José de Carvalho e Melo, ministro de José I, instituiu a Companhia Geral da Agricultura das Vinhas do Alto Douro, com sede no Porto, empresa que teve, entre as suas primeiras funções, a demarcação do Alto Douro e a regulamentação do “vinho de embarque”, “vinho do Douro” ou “vinho do Porto”. Por meio do aviso de 28 de julho de 1757, marquês de Pombal mandou demarcar “as duas costas do rio Douro e os respectivos terrenos que produzem diferentes qualidades de vinhos”. Para essa demarcação foram implantados 201 marcos de granito. No ano de 1761, foram colocados mais 134 marcos pombalinos, perfazendo um total de 335. Em 2001, uma pequena parte da região do Alto Douro, ao longo do rio Douro, foi classificada pela UNESCO como Patrimônio Mundial. Vários fatores justificam a identidade do alto Douro: paisagem cultural única em toda a sua extensão; cadeias montanhosas que defendem a região dos ventos úmidos do Atlântico; solos xistosos que propiciam condições excepcionais para a produção de vinhos de qualidade; intervenção humana na natureza, possibilitando o cultivo da vinha nas encostas íngremes, selecionando os melhores solos, modelando assim uma paisagem vinícola inconfundível e única no mundo; paisagem histórica.
[4] ILUSTRÍSSIMA JUNTA: Por meio do alvará de 15 de agosto de 1805, a Junta da Administração da Companhia Geral da Agricultura das Vinhas do Alto Douro passou a usufruir o título de Ilustríssima e a receber tratamento de Senhoria. (Ver também JUNTA DA ADMINISTRAÇÃO DA COMPANHIA GERAL DA AGRICULTURA DAS VINHAS DO ALTO DOURO)
[5] PIPA: Unidade de medida de capacidade para líquidos de origem europeia. A medida de uma pipa, regulada pelo tacho da Câmara do Porto e das do Alto Douro, somava 21 almudes e seis canadas, de acordo com alvará de 20de dezembro de 1773, ou 21,5 almudes.
[6] TAVERNAS E CASAS DE PASTO: o comércio de alimentos no período colonial envolveu várias modalidades, como vendas, armazéns, comércio das ruas, das quitandeiras, além de casas de pasto e tabernas. Esses espaços funcionaram também como um espaço de sociabilidade e para hospedagem, como se pode ver em diferentes narrativas dos que passaram pelo interior das capitanias, encontrando pouso em estalagens ou vendas e experimentando os mais diversos cardápios, alguns muito precários, outros reservados aos mais abastados. Mas, no início do século XIX, é na capital que as casas de pasto se multiplicam e, depois também, restaurantes de hotéis, que passam a servir refeições nas áreas nobres da cidade ou no centro. Assim, como descreve Maria Beatriz Nizza da Silva em Vida Privada e cotidiano no Brasil na época de d. Maria I e d. João VI, abriam-se mesas redondas onde se pagava semanalmente uma subscrição pelo jantar, única forma de admissão dos comensais. O jantar, que ocorria às 14 horas habitualmente poderia incluir vinho e em alguns casos também se poderia escolher não partilhar a mesa, ocupando um quarto fechado. Além dos portugueses, outros estrangeiros se ocuparam do negócio no Rio de Janeiro, como ingleses e franceses, em hotéis como o Royaume du Brésil. Comia-se nesses estabelecimentos sopas, cozidos, doces, e algumas receitas mais sofisticadas anotadas por Jean Baptiste Debret em sua Viagem pitoresca: “lembrarei pois que em 1817 a cidade do Rio de Janeiro já oferecia aos gastrônomos recursos bem satisfatórios, provenientes da afluência prevista dos estrangeiros por ocasião da elevação ao trono de d. João VI”. Era, segundo o artista francês, o paladar de comerciantes e viajantes ingleses e alemães que exigia os prazeres da mesa, atendidos pelos italianos que imperavam no comércio relacionado à alimentação, em restaurantes e casas de comestíveis que vendiam azeites finos, frios bem conservados, massas delicadas, frutas secas de primeira qualidade. Foram também os únicos padeiros da cidade então em atividade, na rua do Rosário, seguidos por outros concorrentes no abastecimento de pão.
[7] EXCLUSIVO: prática de política mercantilista de concessões régias que auferia à Coroa rendimentos advindos de contratos sobre direitos de exploração de determinados produtos. O "exclusivo" assumiu várias formas: arrendamento, exploração direta pelo Estado, criação de companhias privilegiadas de comércio, beneficiando determinados grupos comerciais metropolitanos etc. (Ver também ESTANCO).
[8] BÁLTICO: região localizada a nordeste da Europa, recebe tal nome por ser banhada pelo mar Báltico, que ocupa o litoral da Suécia, Finlândia, Rússia, Estônia, Letônia, Lituânia, Polônia, nordeste da Alemanha e o leste da Dinamarca e suas numerosas ilhas. Nessa região, três destes países são caracterizados como “países bálticos”: Estônia, Lituânia e Letônia. A região do Báltico teve importância na aliança das cidades mercantis alemãs ou de influência alemã que manteve um monopólio comercial sobre quase todo norte da Europa. Os navios portugueses traziam cereais do Báltico e levavam de Lisboa o açúcar, do Brasil e, do Porto o famoso vinho
[9] VINHO DE RAMO: os vinhos são diferenciados em categorias distintas de acordo com sua qualidade e proveniência. O vinho de ramo, também chamado de vinho de mesa ou vinho comum, era de qualidade modesta, destinado ao consumo doméstico. Normalmente, eram vinhos não fortificados, consumidos nas tavernas do Porto e do Douro.
[10] QUARTILHO: unidade de medida de volume de líquidos que corresponde a 0,25 de uma canada ou cerca de 0,35 litros.
[11] MENDONÇA, JOÃO ANTÔNIO SALTER DE (1746-1825): nascido em Pernambuco, formou-se em Direito pela Universidade de Coimbra. Retorna ao Brasil, onde foi nomeado desembargador da Relação do Rio de Janeiro, por decreto de 17 de dezembro de 1772. Ainda nesta cidade, exerceu os cargos de ouvidor-geral do Cível, procurador da Coroa e da Fazenda Real, deputado da Fazenda, porteiro e guarda-mor da Alfândega. Em 1779, foi transferido para a Relação do Porto, ocupando os cargos de procurador fiscal e conservador da Companhia Geral da Agricultura das Vinhas do Alto Douro. Em 1789, é nomeado para desembargador da Casa da Suplicação de Lisboa. Em 18 de fevereiro de 1799, assume o cargo de procurador da Coroa, que exerce concomitante com o de desembargador do Desembargo do Paço, a partir de 1802. Ao longo da vida, ocupa diversos outros cargos e funções públicas, entre eles, o de chanceler da Casa da Suplicação (1812), guarda-mor do Real Arquivo da Torre do Tombo (1813), presidente da Comissão do Exame dos Forais e Melhoramentos da Agricultura (1812) e presidente da Comissão da Nova Reforma de Pesos e Medidas (1812). Com a transferência da família Real para o Brasil, faz parte da regência nomeada por d. João VI, desempenhando as funções de secretário de Estado dos Negócios do Reino e da Fazenda, permanecendo nessas funções de 1807 até 1820. Também neste ano, recebe o título de 1° visconde de Azurara.
Invasão francesa na cidade do porto
Aviso a João Antonio Salter de Mendonça, da parte dos administradores da Companhia Geral de Agricultura das Vinhas do Alto Douro que permaneceram na cidade do Porto durante o assalto do exército francês comandado pelo marechal duque Dalmácia. Os cofres da Companhia e os armazéns onde se encontravam os vinhos foram saqueados.
Conjunto documental: Secretaria de Estado do Ministério do Reino
Notação: caixa 694 pct.01
Datas limite: 1808-1815
Título do fundo: Negócios de Portugal
Código do fundo: 59
Argumento de pesquisa: Portugal, produtos vinhos
Leia esse documento na íntegra
Nº 21 – Ilmo Sr. Manuel José Sarmento – Tendo entrado no dia 9 de março último por assalto nesta cidade o exército francês comandado pelo marechal duque de Dalmácia, seguiu-se um saque geral, em que foram compreendidos os cofres da nossa Companhia com a perda de mais de cinquenta contos de réis, que levaram os soldados. O cofre onde se recolhem os dinheiros que se recebem pelos diretos dos vinhos foi também roubado pelos mesmos soldados em vinte contos de réis; os quais o dito general determinou fossem pagos pelo que restou nos cofres da Companhia, com o fútil pretexto de que como Recebedor era a Ilma. Junta[1] obrigada a entregar tudo o que constava nos livros ter-se recebido.
Com motivo do mencionado assalto se ausentaram da cidade o Sr. Provedor Gaspar Cardoso de Carvalho e Fonseca e os Srs. Deputados João Monteiro de Carvalho, Bernardo de Mello Vieira da Silva e Menezes e José de Sousa e Mello, ficando nós continuando na administração da Companhia por assim o permitir o mesmo marechal.
Por ordem deste se continuou a entregar semanariamente (sic) na caixa do pagador do exército o rendimento de todos os direitos que esta Ilma. Junta está encarregada de receber: e por igual ordem se deu dos armazéns da Companhia o vinho[2] para as rações da tropa francesa, que foram 976 pipas[3], além de 148 que a mesma tropa tinha roubado dos armazéns que arrombaram nos primeiros dias da sua entrada nesta cidade.
No dia 11 do corrente mandou o mesmo marechal passar todo o dinheiro que se achava nos cofres da Companhia para a caixa do pagador do seu exército, que foram 50:082$463, tendo mandado praticar o mesmo em todos os cofres públicos desta cidade: e no dia 12 nos enviou o irrisório decreto da cópia inclusa poucas horas antes de se retirar com o resto das suas tropas acossado pelo exército combinado debaixo do comando do marechal general Artur Wellesley[4] que na tarde do mesmo dia, apesar de se ter queimado a ponte, entrou nesta cidade restaurando-a felizmente, sem o menor prejuízo ou incômodo de seus habitantes, da opressão em que a tinham posto aqueles nossos cruéis e insaciáveis inimigos, os quais há de Deus permitir não escapem ao nosso exército, que os segue, donde [...] tem chegado algumas partidas de prisioneiros.
Todo o referido se servirá V.S. de o comunicar ao Ilmo. Sr. João Antonio Salter de Mendonça[5] para que ele se digne de o fazer presente aos Imos. e Exmos. Governadores do reino.
Deus guarde a V.S. muitos anos. Porto em Junta de 13 de maio de 1809. Domingos Martins Gonçalves, José Antonio Taveira de Magalhães, Martim Afonso Barreto de França.
Está conforme
Manuel José Sarmento
[1] JUNTA DA ADMINISTRAÇÃO DA COMPANHIA GERAL DA AGRICULTURA DAS VINHAS DO ALTO DOURO: na condição de órgão de governo, a Junta da Administração decidia e geria todos os assuntos concernentes à Companhia. Propunha ao rei as medidas legislativas consideradas necessárias, diretamente ou através do procurador que mantinha em Lisboa, junto à Corte, executava as suas decisões, fiscalizava a produção e o comércio dos vinhos do Alto Douro, das aguardentes e vinagres, superintendia na arrecadação dos impostos régios comissionados à Companhia, exercia funções de inspeção sobre os estabelecimentos do ensino técnico do Porto e sobre obras da cidade e negociava como qualquer outra administração de uma empresa comercial. De acordo com o aviso de 9 de agosto de 1756 e os estatutos gerais da Companhia, constituía-se de um órgão colegiado, inicialmente com mandato de três anos, formado por um provedor, doze deputados, seis conselheiros e um secretário. O provedor e deputados seriam vassalos do rei, naturais ou naturalizados, excluindo, portanto, os estrangeiros, que podiam ser acionistas, mas não administradores, moradores no Porto ou no Alto Douro, com um mínimo de 10 000 cruzados em ações da Companhia. Os conselheiros eram recrutados entre os “homens inteligentes” do comércio. Esta composição foi alterada pela carta régia de 16 de dezembro de 1760, que reduziu o número de membros da Junta a um provedor, um vice-provedor e sete deputados, além do secretário. Essa composição se manteve até 1834. A Junta da Companhia reunia-se na sua Casa de Despacho, as terças e sextas-feiras. As reuniões podiam ainda ser extraordinárias, através de convocatória do provedor aos deputados. As faltas às reuniões, por parte dos deputados, tinham de ser justificadas. O impedimento de qualquer deputado por mais oito dias levava à sua substituição por um dos deputados do ano precedente. A Junta de Administração foi extinta juntamente com o fim da Companhia Geral da Agricultura das Vinhas do Alto Douro definido pelo decreto de 30 de maio de 1834.
[2] VINHO: bebida alcoólica resultante da fermentação do sumo das uvas (mosto), que contém grande concentração natural de açúcares, em contato com leveduras existentes na casca do fruto. O primeiro registro sobre a existência de um vinhedo cultivado data do ano 7.000 a.C. e se situava na região da Europa oriental e costa do mar Negro. Mais tarde, o plantio da vinha chegou ao Egito, à Grécia e a outras partes da Europa. A utilização do vinho nos sacramentos cristãos garantiu a sobrevivência da viticultura no período medieval: foi em torno das catedrais e dos mosteiros que os monges a aperfeiçoaram, a partir do emprego de castas de uvas especiais e da melhoria das técnicas, o que resultou num produto de melhor qualidade, permitindo sua comercialização no final desse período. Portugal possuía longa tradição vinícola; no século XVIII, já exportava quantidade significativa de vinho do porto e madeira para o mercado inglês. Nesse mesmo período, a produção vinícola das províncias do norte começava a se destacar, suplantando a produção do vinho fortificado, assemelhado ao do porto, produzido na ilha da Madeira. Para sua comercialização, os vinhos eram classificados segundo tipo e qualidade. Vinho de feitoria (oriundo de região demarcada), vinho de quintas (produzido e comercializado por vinicultores individuais), vinho de embarque (de qualidade adequada para exportação), vinho generoso (licoroso, com elevados teores de açúcar e fortificado com uma graduação alcoólica entre 14 a 18º servido, normalmente, como aperitivo) são algumas dessas classificações. No início da colonização, havia no Brasil uma produção significativa em São Paulo que foi proibida para não prejudicar o comércio de importação da portuguesa. O vinho era a bebida consumida pela elite colonial que o apreciava também devido às suas qualidades terapêuticas. Foi bastante considerável o volume de comércio de importação do vinho português para o Brasil. A Coroa portuguesa garantiu o mercado colonial para seu produto concedendo à Companhia de Comércio (1649) o monopólio da sua importação (estanco). Chegou mesmo a ser usado como moeda no início do tráfico de escravos, mas acabou substituído pelas aguardentes já no século XVII, produto mais barato, de maior durabilidade e aceitação na África.
[3] PIPA: unidade de medida de capacidade para líquidos de origem europeia. A medida de uma pipa, regulada pelo tacho da Câmara do Porto e das do Alto Douro, somava 21 almudes e seis canadas, de acordo com alvará de 20de dezembro de 1773, ou 21,5 almudes.
[4] WELLESLEY, ARTHUR (1769-1852): 1º duque de Wellington, de ascendência protestante, nasceu em Dublin, Irlanda. Iniciou sua carreira militar em 1787, servindo como ajudante de campo e foi membro do Parlamento na Câmara dos Comuns da Irlanda. Considerado um dos mais importantes comandantes ingleses, participou de cerca de 60 batalhas. Sua vitória contra Napoleão na batalha de Waterloo, em 1815, colocou-o no quadro dos heróis ingleses. Após o final de sua ativa carreira militar, Wellington retornou à política, tornando-se por duas vezes primeiro ministro britânico pelo partido Conservador: de 1828 a 1830 e em 1834. Supervisionou a aprovação da Lei de Socorro Católica de 1829, mas se opôs à Lei de Reforma de 1832 que introduziu uma ampla gama de mudanças no sistema eleitoral na Inglaterra e País de Gales. Wellington continuou como uma das principais figuras da Câmara dos Lordes até sua aposentadoria e permaneceu comandante-em-chefe do exército britânico até sua morte.
[5] MENDONÇA, JOÃO ANTÔNIO SALTER DE (1746-1825): nascido em Pernambuco, formou-se em Direito pela Universidade de Coimbra. Retorna ao Brasil, onde foi nomeado desembargador da Relação do Rio de Janeiro, por decreto de 17 de dezembro de 1772. Ainda nesta cidade, exerceu os cargos de ouvidor-geral do Cível, procurador da Coroa e da Fazenda Real, deputado da Fazenda, porteiro e guarda-mor da Alfândega. Em 1779, foi transferido para a Relação do Porto, ocupando os cargos de procurador fiscal e conservador da Companhia Geral da Agricultura das Vinhas do Alto Douro. Em 1789, é nomeado para desembargador da Casa da Suplicação de Lisboa. Em 18 de Fevereiro de 1799, assume o cargo de procurador da Coroa, que exerce concomitante com o de desembargador do Desembargo do Paço, a partir de 1802. Ao longo da vida, ocupa diversos outros cargos e funções públicas, entre eles, o de chanceler da Casa da Suplicação (1812), guarda-mor do Real Arquivo da Torre do Tombo (1813), presidente da Comissão do Exame dos Forais e Melhoramentos da Agricultura (1812) e presidente da Comissão da Nova Reforma de Pesos e Medidas (1812). Com a transferência da família Real para o Brasil, faz parte da regência nomeada por d. João VI, desempenhando as funções de secretário de Estado dos Negócios do Reino e da Fazenda, permanecendo nessas funções de 1807 até 1820. Também neste ano, recebe o título de 1° visconde de Azurara.
Justo pagamento pelo vinho
Ofício do conde de Linhares ao conde de Aguiar encaminhando nota de Lord Strangford, enviado extraordinário e ministro plenipotenciário da coroa britânica, acompanhada do requerimento e documentos pertinentes de negociantes ingleses a respeito do justo pagamento a ser feito na alfândega pelo vinho que importam de Portugal.
Conjunto documental: Registro de avisos e ofícios da corte. Livro da corte
Notação: IJJ¹ 172
Datas limite: 1810-1811
Título do fundo: Série Interior
Código do fundo:
Argumento de pesquisa: Portugal, produtos vinhos
Data do documento: 13 de julho de 1811
Local: Palácio do Rio de Janeiro
Registro de uma precatória escrita a Sr. Luís César de Menezes para conceder licença ao senhor principal de Lima mestre do navio Nossa senhora da Consolação e São Francisco Xavier para fazer viagem para a ilha da Madeira[1] fora do corpo da frota.
Ao senhor Luís César de Menezes do conselho de sua Majestade que Deus guarde governador e capitão general[2] do Estado do Brasil, digo, do Estado da Bahia de Todos os Santos[3] e suas conquistas.
O doutor Luís da França Pimentel cavalheiro professo da Ordem de Cristo[4] do Desembargo de Sua Majestade que Deus guarde. Seu Desembargador da Relação do Porto[5] provedor e contador da Real Fazenda[6] nesta ilha da Madeira e porto Santo e etc. Faço saber a V.Sa. que Sua Majestade[7] foi servido conceder-me a faculdade para que em cada um ano como provedor de sua fazenda pudesse conceder licença a dois navios dos moradores e naturais desta ilha para virem de torna viagem dos Estados do Brasil carregados de açúcar[8] e mais gêneros lícitos fora do corpo da frota a este porto e que para isso havia mandado passar as ordens necessárias para os ditos Estados, e que levando esta minha carta precatória V.Sa. lhe daria licença, e porque ora parte deste porto da cidade do Funchal[9] o navio por invocação Nossa Senhora da Consolação e São Francisco Xavier de que é mestre José de Lima e dono o capitão Pedro de Faria morador desta cidade e natural dela, e me requereu da parte de Sua Majestade que visto levar carga de vinhos[10] seus e mais moradores lhe concedeu uma das ditas licenças que estava vaga para que o dito seu navio possa vir de torna viagem do Rio de Janeiro[11] a essa Bahia de Todos os Santos a carregar de açúcar para esta ilha no ano presente ou ao tempo que lhe for possível. E porque desta licença resulta grande lucro à Fazenda Real, assim nos direitos dos açúcares e conservas que deles se fabricam, bem dos moradores desta praça lhe concedo esta licença para que o dito seu navio possa sair livremente de torna viagem fora do corpo da frota dessa Bahia de Todos os Santos com sua carga de açúcar para esta ilha no ano presente de mil setecentos e sete ou ao tempo que lhe for possível: Pela qual minha carta requeiro a V.Sa. da parte de Sua Majestade e da minha peço muito por mercê que sendo-lhe esta apresentada por mim assinada e selada com o selo desta provedoria que ante mim serve a cumpra V.Sa. e faça inteiramente cumprir e guardar como nela se convém em seu cumprimento confirme V. Sa. esta minha licença para que haja efeito e a Fazenda do dito Tesouro[12] muitos interesses de V.Sa. assim o fazer e guardar fará o que Sua Majestade ordena o que eu também farei quando da parte de V.Sa. me for mandado e deprecado. Dada nesta cidade do Funchal sob meu sinal e selo desta provedoria a dois de maio de mil setecentos e sete anos. Antônio [Rodrigues] Roiz da Silva escrivão da Fazenda e Contos a fiz // Luiz da Franca Pimentel// [ ] treslado de relatoria eu Balthasar de Vasconcellos Cavalcanti escrivão da Alfândega aqui fiz tresladar pura e fielmente do próprio a que me reporto e dele mo entreguei ao mestre a que assinou na Bahia aos vinte e seis dias do mês de janeiro de mil setecentos e oito.
[1] MADEIRA, ILHA DA: embora conhecida desde pelo menos o século XIV, recebeu a primeira visita pelos portugueses João Gonçalves Zarco, Tristão Vaz Teixeira e Bartolomeu Perestrelo em 1419, encarregados de investigar as potencialidades da região, e começou a ser devidamente povoada a partir do ano de 1425, por iniciativa de d. João I, que autorizou e concedeu apoio régio para o feito. Desde cedo, o êxito do povoamento da Madeira adquiriu um importante valor estratégico e constituiu um forte estímulo para a arrancada marítima e a consequente exploração da costa africana. A produção açucareira, dominante na economia madeirense a partir dos anos 1460, criou fluxos comerciais regulares com o Reino, com as cidades do Mediterrâneo e com as do Mar do Norte. No entanto, o açúcar não era o único produto comercializável da ilha, que também produzia madeiras, sangue de drago (tipo de planta com ações cicatrizantes), urzela e cereais, muito apreciados no mercado internacional. Como resultado do sucesso obtido nas terras madeirenses, a sua experiência no cultivo e beneficiamento da cana-sacarina irradiou-se para outras regiões do mundo Atlântico (Açores, Canárias, Cabo Verde, São Tomé, Brasil e Antilhas). A partir do século XVII, outro produto igualmente chamou atenção no mercado mundial: o vinho madeira, produzido na região e conhecido pela sua alta qualidade.
[2] CAPITÃO-GENERAL: era responsável pelo governo de uma capitania geral, territórios administrados diretamente pela Coroa, em contraste com as donatárias, atribuídas a particulares, como Bahia, Pernambuco e Minas Gerais, por exemplo. Em tese, seria subordinado ao vice-rei, mas, como a autoridade deste se diluía com as distâncias e a presença dos governadores e capitães-generais que se comunicavam diretamente com a metrópole, na prática tal subordinação não funcionou na maioria das capitanias da América portuguesa.
[3] BAHIA, CAPITANIA DA: estabelecida em 1534, teve como primeiro capitão donatário Francisco Pereira Coutinho, militar português pertencente à pequena nobreza que serviu nas possessões da Índia. Em 1548, fora revertida à Coroa e transformada em capitania real. Um ano mais tarde, com a fundação da cidade de Salvador, abrigou a primeira capital da colônia, posição que ocupou até 1763, quando a sede administrativa colonial foi transferida para a cidade do Rio de Janeiro. Nesse mesmo ano, d. José I extinguiu as capitanias de Ilhéus e de Porto Seguro e incorporou-as as suas áreas à Bahia. A ela também se subordinava, até 1820, a capitania de Sergipe d’El Rei. Sua geografia, no período colonial, estava dividida em três grandes zonas: o grande porto, que compreendia a cidade de Salvador; hinterlândia (área pouco ocupada, de desenvolvimento reduzido, subordinada economicamente a um centro urbano) agrícola, referente ao Recôncavo, e o sertão baiano, cada região com atividades econômicas específicas. A cidade de Salvador exerceu as funções de porto transatlântico para o tráfico de escravos e de cabotagem para o comércio de fumo, algodão, couro e açúcar (principal produto de exportação). No Recôncavo, destacava-se a agricultura comercial, concentrando um grande número de engenhos de açúcar. Também ali se praticava a cultura do fumo e, mais ao sul, uma agricultura de subsistência. No sertão, a principal atividade era a pecuária, tanto com produção de carne, de couro e de sebo, quanto para o fornecimento de gado que servia de força motriz nos engenhos e ao abastecimento de Salvador e do Recôncavo. Girando em torno da atividade açucareira, a vida sociopolítica baiana era reflexo da “grande lavoura”, na qual a hierarquia era dominada pelos senhores de engenho.
[4] ORDEM DE CRISTO: ordem fundada por d. Dinis em 1318, em substituição à Ordem dos Cavaleiros do Templo (Ordem militar dos Templários, extinta no ano de 1311 por ordem do papa Clemente V), sendo reconhecida por bula papal no ano seguinte. No hábito dos cavaleiros da ordem militar de Nosso Senhor Jesus Cristo há uma cruz vermelha, fendida no meio com outra branca. A Ordem de Cristo esteve presente nos descobrimentos e conquistas ultramarinas, financiando navegações e assegurando o domínio espiritual sobre as possessões. Simbolizando sua presença na aventura marítima, todas as armadas que se lançavam ao mar levavam os estandartes das armas reais assentes sobre a cruz da Ordem de Cristo. A Ordem Militar de Cristo era concedida por destacados serviços prestados ao reino e que mereciam especial distinção. Entre os seus cavaleiros incluem-se importantes navegadores do período da expansão marítima, como Gil Eanes, Vasco da Gama, Duarte Pacheco e Pedro Alvares Cabral.
[5] RELAÇÃO DA CASA DO PORTO: a denominação Relação da Casa do Porto refere-se à transferência da Casa do Cível, de Lisboa, para a cidade do Porto. A modificação foi oficializada por Filipe II, em 27 de julho de 1582, em razão das dificuldades de deslocamento encontradas pelos povos das províncias do Norte, ao terem que se dirigir a Lisboa para tratar dos seus casos. Deste modo, à nova Relação passaram a pertencer as comarcas e ouvidorias de Entre Douro e Minho, Trás-os-Montes e Beira, com exceção de Castelo Branco, Esgueira e Coimbra. Posteriormente, essa situação seria mantida pelas Ordenações Filipinas de 1603. Constituía um dos principais tribunais superiores e funcionava como uma das últimas instâncias de apelação, assim como a Casa de Suplicação, pois se subordinava diretamente ao rei.
[6] REAL ERÁRIO: instituição fiscal criada em Portugal, no reinado de d. José I, pelo alvará de 22 de dezembro de 1761, para substituir a Casa dos Contos. Foi o órgão responsável pela administração das finanças e cobrança dos tributos em Portugal e nos domínios ultramarinos. Sua fundação simbolizou o processo de centralização, ocorrido em Portugal sob a égide do marquês de Pombal, que presidiu a instituição como inspetor-geral desde a sua origem até 1777, com o início do reinado mariano. Desde o início, o Erário concentrou toda a arrecadação, anteriormente pulverizada em outras instâncias, padronizando os procedimentos relativos à atividade e serviu, em última instância, para diminuir os poderes do antigo Conselho Ultramarino. Este processo de centralização administrativa integrava a política modernizadora do ministro, cujo objetivo central era a recuperação da economia portuguesa e a reafirmação do Estado como entidade política autônoma, inclusive em relação à Igreja. No âmbito fiscal, a racionalização dos procedimentos incluiu também novos métodos de contabilidade, permitindo um controle mais rápido e eficaz das despesas e da receita. O órgão era dirigido por um presidente, que também atuava como inspetor-geral, e compunha-se de um tesoureiro mor, três tesoureiros-gerais, um escrivão e os contadores responsáveis por uma das quatro contadorias: a da Corte e da província da Estremadura; das demais províncias e Ilhas da Madeira; da África Ocidental, do Estado do Maranhão e o território sob jurisdição da Relação da Bahia e a última contadoria que compreendia a área do Rio de Janeiro, a África Oriental e Ásia. Por ordem de d. José I, em carta datada de 18 de março de 1767, o Erário Régio foi instalado no Rio de Janeiro com o envio de funcionários instruídos para implantar o novo método fiscal na administração e arrecadação da Real Fazenda. Ao longo da segunda metade do século XVIII, seriam instaladas também Juntas de Fazenda na colônia, subordinadas ao Erário e responsáveis pela arrecadação nas capitanias. A invasão napoleônica desarticulou a sede do Erário Régio em Lisboa. Portanto, com a transferência da Corte para o Brasil, o príncipe regente, pelo alvará de 28 de junho de 1808, deu regulamento próprio ao Erário Régio no Brasil, contemplando as peculiaridades de sua nova sede. Em 1820, as duas contadorias com funções ultramarinas foram fundidas numa só: a Contadoria Geral do Rio de Janeiro e da Bahia. A nova sede do Tesouro Real funcionou no Rio de Janeiro até o retorno de d. João VI para Portugal, em 1821.
[7] JOÃO V, D. (1689-1750): conhecido como “o Magnânimo”, d. João V foi proclamado rei em 1706 e teve que administrar as consequências produzidas na colônia americana pelo envolvimento de Portugal na Guerra de Sucessão Espanhola (1702-1712), a perda da Colônia do Sacramento e a invasão de corsários franceses ao Rio de Janeiro (1710-11). Se as atividades corsárias representavam um contratempo relativamente comum à época e nas quais se envolviam diversas nações europeias, a ocupação na região do Rio da Prata seria alvo de guerras e contendas diplomáticas entre os dois países ibéricos durante, pelo menos, um século, já que as colônias herdariam tais questões fronteiriças depois da sua independência. As guerras dos Emboabas (1707-09) na região mineradora e dos Mascates (1710-11) em Pernambuco completaram o quadro de agitação desse período. Entre as medidas políticas mais expressivas de seu governo, encontram-se: os tratados de Utrecht (1713 e 1715), selando a paz com a França e a Espanha respectivamente, e o tratado de Madri (1750), que objetivava a demarcação dos territórios lusos e castelhanos na América, intermediado pelo diplomata Alexandre de Gusmão. Este tratado daria à colônia portuguesa na América uma feição mais próxima do que atualmente é o Brasil. Foi durante seu governo que se deu o início da exploração do ouro, enriquecendo Portugal e dinamizando a economia colonial. O fluxo do precioso metal contribuiu para o fausto que marcou seu reinado, notadamente no que dizia respeito às obras religiosas, embora parte dessa riqueza servisse também para pagamentos de dívidas, em especial com a Inglaterra. Mesmo assim, as atividades relacionadas às artes receberam grande incentivo, incluindo-se aí a construção de elaborados edifícios (Biblioteca de Coimbra, Palácio de Mafra, Capela de São João Batista – erguida em Roma com financiamento luso e, posteriormente, remontada em Lisboa) e o desenvolvimento do peculiar estilo barroco, que marcou a ourivesaria, a arquitetura, pintura e esculturas do período tanto em Portugal quanto no Brasil. Seu reinado antecipa a penetração das ideias ilustradas no reino, com a fundação de academias com apoio régio, a reunião de ilustrados, a influência da Congregação do Oratório, em contrapartida à Companhia de Jesus.
[8] AÇÚCAR: produto extraído principalmente da cana-de-açúcar e da beterraba, também chamado sacarose, constituiu uma das fontes de financiamento da expansão portuguesa. Originária da Nova Guiné, a cana sacarina foi trazida pelos árabes que a introduziram no norte da África e na Europa mediterrânea. Por muito tempo foi uma especiaria rara e de propriedades medicinais, além de seu emprego como tempero nas conservas e doces. Em Portugal, a cultura da cana existiu desde o século XIV no Algarves e na região de Coimbra, passando para a ilha da Madeira na costa africana, em meados do século seguinte, até ser bem-sucedido nas ilhas de São Tomé e Príncipe na primeira metade do século XVI. Não há precisão quanto à data de introdução da cana-de-açúcar no Brasil, embora se assinale sua presença na capitania de Pernambuco nas primeiras décadas do Seiscentos. Já o início da maior sistematização de seu plantio teria se dado a partir da segunda metade do século XVI. A fabricação do açúcar exigia alguns requisitos: por um lado, a instalação de um engenho demandava capitais consideráveis, por outro, requeria trabalhadores especializados. Exceto por esses trabalhadores, livres e assalariados, a mão de obra dos engenhos era predominantemente escrava. De início, recorreu-se aos indígenas, mas, após 1570, os africanos tornaram-se cada vez mais comuns. O comércio da escravatura converteu-se em um lucrativo negócio nessa época. O cultivo da cana-de-açúcar progrediu ao longo do litoral brasileiro na direção norte, se desenvolvendo mais no Nordeste, especialmente nas capitanias da Bahia e de Pernambuco, sendo esta última a maior produtora de açúcar do Brasil, com 66 engenhos no fim do Quinhentos. Nesse período, a maior parte do açúcar brasileiro destinava-se ao mercado internacional, chegando a portos do norte da Europa, especialmente Londres, Hamburgo, Antuérpia e Amsterdã, onde eram refinados e comercializados. A cultura da cana-de-açúcar foi também muito importante, para o mercado interno. Muitos engenhos aproveitavam o açúcar para a produção da aguardente que, consumida localmente, dava grandes lucros aos seus senhores chegando a ter sua comercialização proibida pela Coroa. A fabricação de açúcar foi, seguramente, o primeiro empreendimento econômico a funcionar de modo organizado nas terras brasileiras. Outras atividades surgiram, mas a empresa açucareira se manteve na liderança por mais de um século.
[9] FUNCHAL: a cidade do Funchal, localizada numa ampla baía à beira do oceano Atlântico, é a capital do arquipélago da ilha da Madeira. Os primeiros povoadores instalaram-se no Funchal em 1425. A povoação recebeu o primeiro foral entre 1452 e 1454, sendo elevada a vila e a sede de conselho. Poucos anos depois, em 1508, foi elevada à condição de cidade. O núcleo de ocupação primitivo localizava-se na zona leste da baía do Funchal, o qual recebeu inicialmente o nome de Santa Maria ou de Santa Maria do Calhau. Devido à sua posição geográfica, à existência de um bom porto marítimo e à produtividade dos seus solos, desde cedo se constituiu num importante núcleo de desenvolvimento da ilha. No século XVII assinala-se a instalação de comerciantes britânicos de vinho que modificaram os modos de vida, a morfologia arquitetônica e o desenvolvimento econômico da cidade.
[10] VINHO: bebida alcoólica resultante da fermentação do sumo das uvas (mosto), que contém grande concentração natural de açúcares, em contato com leveduras existentes na casca do fruto. O primeiro registro sobre a existência de um vinhedo cultivado data do ano 7.000 a.C. e se situava na região da Europa oriental e costa do mar Negro. Mais tarde, o plantio da vinha chegou ao Egito, à Grécia e a outras partes da Europa. A utilização do vinho nos sacramentos cristãos garantiu a sobrevivência da viticultura no período medieval: foi em torno das catedrais e dos mosteiros que os monges a aperfeiçoaram, a partir do emprego de castas de uvas especiais e da melhoria das técnicas, o que resultou num produto de melhor qualidade, permitindo sua comercialização no final desse período. Portugal possuía longa tradição vinícola; no século XVIII, já exportava quantidade significativa de vinho do porto e madeira para o mercado inglês. Nesse mesmo período, a produção vinícola das províncias do norte começava a se destacar, suplantando a produção do vinho fortificado, assemelhado ao do porto, produzido na ilha da Madeira. Para sua comercialização, os vinhos eram classificados segundo tipo e qualidade. Vinho de feitoria (oriundo de região demarcada), vinho de quintas (produzido e comercializado por vinicultores individuais), vinho de embarque (de qualidade adequada para exportação), vinho generoso (licoroso, com elevados teores de açúcar e fortificado com uma graduação alcoólica entre 14 a 18º servido, normalmente, como aperitivo) são algumas dessas classificações. No início da colonização, havia no Brasil uma produção significativa em São Paulo que foi proibida para não prejudicar o comércio de importação da portuguesa. O vinho era a bebida consumida pela elite colonial que o apreciava também devido às suas qualidades terapêuticas. Foi bastante considerável o volume de comércio de importação do vinho português para o Brasil. A Coroa portuguesa garantiu o mercado colonial para seu produto concedendo à Companhia de Comércio (1649) o monopólio da sua importação (estanco). Chegou mesmo a ser usado como moeda no início do tráfico de escravos, mas acabou substituído pelas aguardentes já no século XVII, produto mais barato, de maior durabilidade e aceitação na África
[11]RIO DE JANEIRO: a cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro foi fundada tendo como marco de referência uma invasão francesa. Em 1555, a expedição do militar Nicolau Durand de Villegaignon conquista o local onde seria a cidade e cria a França Antártica. Os franceses, aliados aos índios tamoios confederados com outras tribos, foram expulsos em 1567 por Mem de Sá, cujas tropas foram comandadas por seu sobrinho Estácio de Sá, com o apoio dos índios termiminós, liderados por Arariboia. Foi Estácio que estabeleceu “oficialmente” a cidade e iniciou, de fato, a colonização portuguesa na região. O primeiro núcleo de ocupação foi o morro do Castelo, onde foram erguidos o Forte de São Sebastião, a Casa da Câmara e do governador, a cadeia, a primeira matriz e o colégio jesuíta. Ainda no século XVI, o povoamento se intensifica e, no governo de Salvador Correia de Sá, verifica-se um aumento da população no núcleo urbano, das lavouras de cana e dos engenhos de açúcar no entorno. No século seguinte, o açúcar se expande pelas baixadas que cercam a cidade, que cresce aos pés dos morros, ainda limitada por brejos e charcos. O comércio começa a crescer, sobretudo o de escravos africanos, nos trapiches instalados nos portos. O ouro que se descobre nas Minas Gerais do século XVIII representa um grande impulso ao crescimento da cidade. Seu porto ganha em volume de negócios e torna-se uma das principais entradas para o tráfico atlântico de escravos e o grande elo entre Portugal e o sertão, transportando gêneros e pessoas para as minas e ouro para a metrópole. É também neste século, que a cidade vive duas invasões de franceses, entre elas a do célebre Duguay Trouin, que arrasa a cidade e os moradores. Desde sua fundação, esta cidade e a capitania como um todo desempenharam papel central na defesa de toda a região sul da América portuguesa, fato demonstrado pela designação do governador do Rio de Janeiro Salvador de Sá como capitão-general das capitanias do Sul (mais vulneráveis por sua proximidade com as colônias espanholas), e pela transferência da sede do vice-reinado, em Salvador até 1763, para o Rio de Janeiro quando a parte sul da colônia tornou-se centro de produção aurífera e, portanto, dos interesses metropolitanos. Ao longo do setecentos, começam os trabalhos de melhoria urbana, principalmente no aumento da captação de água nos rios e construção de fontes e chafarizes para abastecimento da população. Um dos governos mais significativos deste século foi o de Gomes Freire de Andrada, que edificou conventos, chafarizes, e reformou o aqueduto da Carioca, entre outras obras importantes. Com a transferência da capital, a cidade cresce, se fortifica, abre ruas e tenta mudar de costumes. Um dos responsáveis por essas mudanças foi o marquês do Lavradio, cujo governo deu grande impulso às melhorias urbanas, voltando suas atenções para posturas de aumento da higiene e da salubridade, aterrando pântanos, calçando ruas, construindo matadouros, iluminando praças e logradouros, construindo o aqueduto com vistas a resolver o problema do abastecimento de água na cidade. Lavradio, cuja administração se dá no bojo do reformismo ilustrado português (assim como de seu sucessor Luís de Vasconcelos e Souza), ainda criou a Academia Científica do Rio de Janeiro. Foi também ele quem erigiu o mercado do Valongo e transferiu para lá o comércio de escravos africanos que se dava nas ruas da cidade. Importantíssimo negócio foi o tráfico de escravos trazidos em navios negreiros e vendidos aos fazendeiros e comerciantes, tornando-se um dos principais portos negreiros e de comércio do país. O comércio marítimo entre o Rio de Janeiro, Lisboa e os portos africanos de Guiné, Angola e Moçambique constituía a principal fonte de lucro da capitania. A cidade deu um novo salto de evolução urbana com a instalação, em 1808, da sede do Império português. A partir de então, o Rio de Janeiro passa por um processo de modernização, pautado por critérios urbanísticos europeus que incluíam novas posturas urbanas, alterações nos padrões de sociabilidade, seguindo o que se concebia como um esforço de civilização. Assume definitivamente o papel de cabeça do Império, posição que sustentou para além do retorno da Corte, como capital do Império do Brasil, já independente.
[12] TESOURO: A princípio entendido como “cofre púbico”, isto é, o local onde se guarda o dinheiro da nação, o tesouro extrapola essa percepção, sendo compreendido como um conjunto de repartições administrativas encarregadas de gerir as finanças nacionais. Ficavam subordinadas ao Tesouro Público Nacional, por exemplo, as tesourarias provinciais, presididas pelos presidentes de províncias e responsáveis pela administração, arrecadação, distribuição, contabilidade e fiscalização das rendas públicas, e por todas as repartições fiscais locais.
Licença para fazer viagem à Ilha da Madeira
Registro de carta precatória de Luís da França Pimentel desembargador, provedor e contador da Real Fazenda da Ilha da Madeira e de Porto Santo, na qual informa a Fernando Martins Mascarenhas Lencastre, governador e capitão general do Rio de Janeiro, a concessão por Sua Majestade d. João V de licença para, a cada ano, dois navios da ilha de Funchal com cargas de vinhos, aguardentes e outros mantimentos irem ao Rio de Janeiro e de lá retornarem fora do corpo da frota, com ou sem carga, para a Bahia ou Pernambuco e destes locais saírem com açúcar para levar à ilha.
Conjunto documental: Registro e provisões de alvarás (régios e do governador e capitão general do Brasil e do vice-rei; portarias e ordens do governo geral do Brasil; mandados do vice-rei; nomeações, termos; petições, etc)
Notação: códice 141, vol. 01
Datas limite: 1707-1717
Título do fundo: Alfândega da Bahia
Argumento de pesquisa: Portugal, produtos vinhos
Data do documento: 2 de maio de 1707
Local: cidade do Funchal
Folhas: 19-20
Leia esse documento na íntegra
Registro de uma precatória escrita a Sr. Luís César de Menezes para conceder licença ao senhor principal de Lima mestre do navio Nossa senhora da Consolação e São Francisco Xavier para fazer viagem para a ilha da Madeira[1] fora do corpo da frota.
Ao senhor Luís César de Menezes do conselho de sua Majestade que Deus guarde governador e capitão general[2] do Estado do Brasil, digo, do Estado da Bahia de Todos os Santos[3] e suas conquistas.
O doutor Luís da França Pimentel cavalheiro professo da Ordem de Cristo[4] do Desembargo de Sua Majestade que Deus guarde. Seu Desembargador da Relação do Porto[5] provedor e contador da Real Fazenda[6] nesta ilha da Madeira e porto Santo e etc. Faço saber a V.Sa. que Sua Majestade[7] foi servido conceder-me a faculdade para que em cada um ano como provedor de sua fazenda pudesse conceder licença a dois navios dos moradores e naturais desta ilha para virem de torna viagem dos Estados do Brasil carregados de açúcar[8] e mais gêneros lícitos fora do corpo da frota a este porto e que para isso havia mandado passar as ordens necessárias para os ditos Estados, e que levando esta minha carta precatória V.Sa. lhe daria licença, e porque ora parte deste porto da cidade do Funchal[9] o navio por invocação Nossa Senhora da Consolação e São Francisco Xavier de que é mestre José de Lima e dono o capitão Pedro de Faria morador desta cidade e natural dela, e me requereu da parte de Sua Majestade que visto levar carga de vinhos[10] seus e mais moradores lhe concedeu uma das ditas licenças que estava vaga para que o dito seu navio possa vir de torna viagem do Rio de Janeiro[11] a essa Bahia de Todos os Santos a carregar de açúcar para esta ilha no ano presente ou ao tempo que lhe for possível. E porque desta licença resulta grande lucro à Fazenda Real, assim nos direitos dos açúcares e conservas que deles se fabricam, bem dos moradores desta praça lhe concedo esta licença para que o dito seu navio possa sair livremente de torna viagem fora do corpo da frota dessa Bahia de Todos os Santos com sua carga de açúcar para esta ilha no ano presente de mil setecentos e sete ou ao tempo que lhe for possível: Pela qual minha carta requeiro a V.Sa. da parte de Sua Majestade e da minha peço muito por mercê que sendo-lhe esta apresentada por mim assinada e selada com o selo desta provedoria que ante mim serve a cumpra V.Sa. e faça inteiramente cumprir e guardar como nela se convém em seu cumprimento confirme V. Sa. esta minha licença para que haja efeito e a Fazenda do dito Tesouro[12] muitos interesses de V.Sa. assim o fazer e guardar fará o que Sua Majestade ordena o que eu também farei quando da parte de V.Sa. me for mandado e deprecado. Dada nesta cidade do Funchal sob meu sinal e selo desta provedoria a dois de maio de mil setecentos e sete anos. Antônio [Rodrigues] Roiz da Silva escrivão da Fazenda e Contos a fiz // Luiz da Franca Pimentel// [ ] treslado de relatoria eu Balthasar de Vasconcellos Cavalcanti escrivão da Alfândega aqui fiz tresladar pura e fielmente do próprio a que me reporto e dele mo entreguei ao mestre a que assinou na Bahia aos vinte e seis dias do mês de janeiro de mil setecentos e oito.
[1] MADEIRA, ILHA DA: Descoberta pelos portugueses João Gonçalves Zarco e Tristão Vaz Teixeira, em 1419, logo decidiram povoá-la, pedindo a d. João I autorização e apoio régio para o feito. Desde cedo, o êxito do povoamento da Madeira adquiriu um importante valor estratégico e constituiu um forte estímulo para a arrancada marítima e a conseqüente exploração da costa africana. A produção açucareira, dominante na economia madeirense a partir dos anos 1460, criou fluxos comerciais regulares com o Reino, com as cidades do Mediterrâneo e com as do Mar do Norte. No entanto, o açúcar não era o único produto comercializável da ilha, que também produzia madeiras, sangue de drago (tipo de planta com ações cicatrizantes), urzela e cereais, muito apreciados no mercado internacional. Como resultado do sucesso obtido nas terras madeirenses, a sua experiência no cultivo e beneficiamento da cana-sacarina irradiou-se para outras regiões do mundo Atlântico (Açores, Canárias, Cabo Verde, São Tomé, Brasil e Antilhas). A partir do século XVII, outro produto igualmente chamou atenção no mercado mundial: o vinho madeira, produzido na região e conhecido pela sua alta qualidade.
[2] CAPITÃO-GENERAL: Cargo atribuído em 1508 ao Comandante-Geral das Ordenanças, no Brasil, o capitão-general era responsável pelo governo de uma capitania geral (territórios administrados diretamente pela Coroa, em contraste com as donatárias, atribuídas a particulares, como Bahia, Pernambuco e Minas Gerais, por exemplo). Em tese seria subordinado ao vice-rei, mas como a autoridade deste se diluía com as distâncias e os governadores e capitães-generais se comunicavam diretamente com a metrópole, na prática tal subordinação não funcionou na maioria das capitanias da América portuguesa.
[3] BAHIA, CAPITANIA DA: Estabelecida em 1534, teve como primeiro capitão donatário Francisco Pereira Coutinho, militar português pertencente à pequena nobreza que serviu nas possessões da Índia. Em 1548, fora revertida à Coroa e transformada em capitania real. Um ano mais tarde, com a fundação da cidade de Salvador, abrigou a primeira capital da colônia, posição que ocupou até 1763, quando a sede administrativa colonial foi transferida para a cidade do Rio de Janeiro. Nesse mesmo ano, d. José I extinguiu as capitanias de Ilhéus e de Porto Seguro e incorporou-as as suas áreas à Bahia. A ela também se subordinava, até 1820, a capitania de Sergipe d’El Rei. Sua geografia, no período colonial, estava dividida em três grandes zonas: o grande porto, que compreendia a cidade de Salvador; hinterlândia (área pouco ocupada, de desenvolvimento reduzido, subordinada economicamente a um centro urbano) agrícola, referente ao Recôncavo, e o sertão baiano, cada região com atividades econômicas específicas. A cidade de Salvador exerceu as funções de porto transatlântico para o tráfico de escravos e de cabotagem para o comércio de fumo, algodão, couro e açúcar (principal produto de exportação). No Recôncavo, destacava-se a agricultura comercial, concentrando um grande número de engenhos de açúcar. Também ali se praticava a cultura do fumo e, mais ao sul, uma agricultura de subsistência. No sertão, a principal atividade era a pecuária, tanto com produção de carne, de couro e de sebo, quanto para o fornecimento de gado que servia de força motriz nos engenhos e ao abastecimento de Salvador e do Recôncavo. Girando em torno da atividade açucareira, a vida sociopolítica baiana era reflexo da “grande lavoura”, na qual a hierarquia era dominada pelos senhores de engenho.
[4] ORDEM DE CRISTO: Ordem fundada por d. Dinis em 1318, em substituição à Ordem dos Cavaleiros do Templo (Ordem militar dos Templários, extinta no ano de 1311, por ordem do papa Clemente V), sendo reconhecida por bula papal no ano seguinte. No hábito dos cavaleiros da ordem militar de Nosso Senhor Jesus Cristo há uma cruz vermelha, fendida no meio com outra branca. A Ordem de Cristo esteve presente nos descobrimentos e conquistas ultramarinas, financiando navegações e assegurando o domínio espiritual sobre as possessões. Simbolizando sua presença na aventura marítima, todas as armadas que se lançavam ao mar levavam os estandartes das armas reais assentes sobre a cruz da Ordem de Cristo. A Ordem Militar de Cristo era concedida por destacados serviços prestados ao reino e que mereciam especial distinção. Entre os seus cavaleiros incluem-se importantes navegadores do período da expansão marítima, como Gil Eanes, Vasco da Gama, Duarte Pacheco e Pedro Álvares Cabral.
[5] RELAÇÃO DA CASA DO PORTO: A denominação Relação da Casa do Porto refere-se à transferência da Casa do Cível, de Lisboa, para a cidade do Porto. A modificação foi oficializada por Filipe II, em 27 de julho de 1582, em razão das dificuldades de deslocamento encontradas pelos povos das províncias do Norte, ao terem que se dirigir a Lisboa para tratar dos seus casos. Deste modo, à nova Relação passaram a pertencer as comarcas e ouvidorias de Entre Douro e Minho, Trás-os-Montes e Beira, com exceção de Castelo Branco, Esgueira e Coimbra. Posteriormente, essa situação seria mantida pelas Ordenações Filipinas de 1603. Constituía um dos principais tribunais superiores e funcionava como uma das últimas instâncias de apelação, assim como a Casa de Suplicação, pois se subordinava diretamente ao rei.
[6] REAL FAZENDA: Instância da Coroa para onde era carreada a arrecadação de rendimentos. A “boa administração” Real da Fazenda é entendida como o aumento e a correta arrecadação dos rendimentos. Vinculavam-se à Real Fazenda o Erário Régio e as Juntas da Fazenda (ou Juntas da Administração e Arrecadação da Real Fazenda), encarregados da administração fazendária e responsáveis pelos despachos e ordens referentes a despesas e pagamentos. Os funcionários da Real Fazenda eram recrutados entre os “homens abastados e prudentes”, especialmente os mais ricos comerciantes.
PROVEDOR: O provedor era imbuído de especiais funções quanto à vigilância e observância dos estatutos gerais e públicos de uma instituição, à obediência aos decretos, alvarás, avisos e resoluções. No Brasil o cargo foi criado em 1548, por ocasião da instalação do governo-geral, tendo por objetivo cuidar dos assuntos relativos à administração fazendária. Existiram várias categorias de provedores, todos subordinados ao provedor-mor (mais alta instância administrativa, responsável pela arrecadação, contabilidade, fiscalização e convocação dos oficiais da Fazenda) e que atuaram em instâncias diferenciadas, entre as quais se podem mencionar a Alfândega, a Justiça, a Casa da Moeda, as Minas, Defuntos e Ausentes, entre outras. Nomeados pelo rei ou pelo governador-geral, os provedores eram responsáveis por acompanhar e administrar as rendas e direitos régios arrecadados, fiscalizar e registrar a movimentação comercial, cobrar os direitos, punir as irregularidades cometidas pelos oficiais de Fazenda, entre outras funções. Prestavam contas ao provedor-mor, inicialmente, e depois ao Conselho da Fazenda.
[7] JOÃO V, D. (1689-1750): Conhecido como “o Magnânimo”, d. João V foi proclamado rei em 1706 e teve que administrar as consequências produzidas na colônia americana pelo envolvimento de Portugal na Guerra de Sucessão Espanhola (1702-1712), marcadamente a perda da Colônia do Sacramento e a invasão de corsários franceses ao Rio de Janeiro (1710-11). Se as atividades corsárias representavam um contratempo relativamente comum à época e nas quais se envolviam diversas nações europeias, a ocupação na região do Rio da Prata seria alvo de guerras e contendas diplomáticas entre os dois países ibéricos durante, pelo menos, um século, e além, já que as colônias herdariam tais questões fronteiriças depois da sua independência. As guerras dos emboabas (1707-09) na região mineradora e dos mascates (1710-11) em Pernambuco completaram o quadro de agitação deste período. Entre as medidas políticas mais expressivas de seu governo, encontram-se: os tratados de Utrecht (1713 e 1715), selando a paz com a França e a Espanha respectivamente, e o tratado de Madri (1750), que objetivava a demarcação dos territórios lusos e castelhanos na América, intermediado pelo diplomata Alexandre de Gusmão. Este tratado daria a colônia portuguesa na América uma feição mais próxima do que atualmente é o Brasil. Foi durante seu governo que se deu o início da exploração do ouro no Brasil, enriquecendo Portugal e dinamizando a economia colonial. O fluxo do precioso metal contribuiu para o fausto que marcou seu reinado, notadamente no que dizia respeito às obras religiosas, embora parte dessa riqueza servisse também para pagamentos de dívidas, em especial frente a Inglaterra. Mesmo assim, as atividades relacionadas às artes receberam grande incentivo, incluindo-se aí, a construção de elaborados edifícios (Biblioteca de Coimbra, Palácio de Mafra, Capela de São João Batista – erguida em Roma com financiamento luso e posteriormente remontada em Lisboa) e o desenvolvimento do peculiar estilo barroco, que marcou a ourivesaria, a arquitetura, pintura e esculturas do período tanto em Portugal quanto no Brasil. Seu reinado antecipa a penetração das ideias ilustradas no reino, com a fundação de academias com apoio régio, a reunião de ilustrados, a influência da Congregação do Oratório, em contrapartida à Companhia de Jesus.
[8] AÇÚCAR: Produto extraído principalmente da cana-de-açúcar e da beterraba, também chamado sacarose, constituiu uma das fontes de financiamento da expansão portuguesa. Originária da Nova Guiné, a cana sacarina foi trazida pelos árabes que a introduziram no norte da África e na Europa mediterrânea. Por muito tempo foi uma especiaria rara e de propriedades medicinais, além de seu emprego como tempero nas conservas e doces. Em Portugal, a cultura da cana existiu desde o século XIV no Algarves e na região de Coimbra, passando para a ilha da Madeira na costa africana, em meados do século seguinte, até ser bem-sucedido nas ilhas de São Tomé e Príncipe na primeira metade do século XVI. Não há precisão quanto à data de introdução da cana-de-açúcar no Brasil, embora se assinale sua presença na capitania de Pernambuco nas primeiras décadas do Seiscentos. Já o início da maior sistematização de seu plantio teria se dado a partir da segunda metade do século XVI. A fabricação do açúcar exigia alguns requisitos: por um lado, a instalação de um engenho demandava capitais consideráveis, por outro, requeria trabalhadores especializados. Exceto por esses trabalhadores, livres e assalariados, a mão de obra dos engenhos era predominantemente escrava. De início, recorreu-se aos indígenas, mas, após 1570, os africanos tornaram-se cada vez mais comuns. O comércio da escravatura converteu-se em um lucrativo negócio nessa época. O cultivo da cana-de-açúcar progrediu ao longo do litoral brasileiro na direção norte, se desenvolvendo mais no Nordeste, especialmente nas capitanias da Bahia e de Pernambuco, sendo esta última a maior produtora de açúcar do Brasil, com 66 engenhos no fim do Quinhentos. Nesse período, a maior parte do açúcar brasileiro destinava-se ao mercado internacional, chegando a portos do norte da Europa, especialmente Londres, Hamburgo, Antuérpia e Amsterdã, onde eram refinados e comercializados. A cultura da cana-de-açúcar foi também muito importante, para o mercado interno. Muitos engenhos aproveitavam o açúcar para a produção da aguardente que, consumida localmente, dava grandes lucros aos seus senhores chegando a ter sua comercialização proibida pela Coroa. A fabricação de açúcar foi, seguramente, o primeiro empreendimento econômico a funcionar de modo organizado nas terras brasileiras. Outras atividades surgiram, mas a empresa açucareira se manteve na liderança por mais de um século.
[9] FUNCHAL: A cidade do Funchal, localizada numa ampla baía à beira do oceano Atlântico, é a capital do arquipélago da ilha da Madeira. Os primeiros povoadores instalaram-se no Funchal em 1425. A povoação recebeu o primeiro foral entre 1452 e 1454, sendo elevada a vila e a sede de concelho. Poucos anos depois, em 1508, foi elevada à condição de cidade. O núcleo de ocupação primitivo localizava-se na zona leste da baía do Funchal, o qual recebeu inicialmente o nome de Santa Maria ou de Santa Maria do Calhau. Devido à sua posição geográfica, à existência de um bom porto marítimo e à produtividade dos seus solos, desde cedo constituiu-se num importante núcleo de desenvolvimento da ilha. No século XVII assinala-se a instalação de comerciantes britânicos de vinho que modificaram os modos de vida, a morfologia arquitetônica e o desenvolvimento económico da cidade.
[10] VINHO: Bebida alcoólica resultante da fermentação do sumo das uvas (mosto), que contém grande concentração natural de açúcares, em contato com leveduras existentes na casca do fruto. O primeiro registro sobre a existência de um vinhedo cultivado data do ano 7.000 a.C. e se situava na região da Europa oriental e costa do mar Negro. Mais tarde, o plantio da vinha chegou ao Egito, à Grécia e a outras partes da Europa. A utilização do vinho nos sacramentos cristãos garantiu a sobrevivência da viticultura no período medieval: foi em torno das catedrais e dos mosteiros que os monges aperfeiçoaram a viticultura europeia a partir do emprego de castas de uvas especiais e da melhoria das técnicas. Isto resultou num produto de melhor qualidade, permitindo sua comercialização no final desse período. Portugal possuía longa tradição vinícola. No século XVIII, já exportava quantidade significativa de vinho do porto e madeira para o mercado inglês. Nesse mesmo período, a produção vinícola das províncias do norte começava a se destacar, suplantando a produção do vinho fortificado, assemelhado ao do porto, produzido na ilha da Madeira. Para sua comercialização, os vinhos eram classificados segundo tipo e qualidade. Vinho de feitoria (oriundo de região demarcada), vinho de quintas (produzido e comercializado por vitinicultores individuais), vinho de embarque de qualidade adequada para exportação), vinho generoso (vinho licoroso, com elevados teores de açúcar e fortificado com um graduação alcoólica entre 14 a 18º servido, normalmente, como aperitivo)são algumas dessas classificações. No início da colonização, havia no Brasil uma produção significativa de vinho em São Paulo que foi proibida para não prejudicar o comércio de importação do vinho português. O vinho era a bebida consumida pela elite colonial que o apreciava também devido às suas qualidades terapêuticas. Foi bastante considerável o volume de comércio de importação do vinho português para o Brasil. A Coroa portuguesa garantiu o mercado colonial para seu produto concedendo à Companhia de Comércio (1649) o monopólio da sua importação (estanco). O vinho chegou mesmo a ser usado como moeda no início do tráfico de escravos, mas acabou substituído pela cachaça já no século XVII, produto mais barato, de maior durabilidade e aceitação na África.
[11] RIO DE JANEIRO: A cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro foi fundada tendo como marco de referência uma invasão francesa. Em 1555, Villegaignon conquista o local onde seria a cidade e cria a França Antártica. Os franceses foram expulsos em 1567 por Mem de Sá, que estabelece ‘oficialmente’ a cidade e inicia, de fato, a colonização portuguesa na região. O primeiro núcleo de ocupação foi o morro do Castelo, onde foram erguidos o Forte de São Sebastião, a Casa da Câmara e do governador, a cadeia, a primeira matriz e o colégio jesuíta. Ainda no século XVI, o povoamento se intensifica e, no governo de Salvador Correia de Sá, verifica-se um aumento da população no núcleo urbano, das lavouras de cana e dos engenhos de açúcar no entorno. No século seguinte, o açúcar se expande pelas baixadas que cercam a cidade, que cresce aos pés dos morros, ainda limitada por brejos e charcos. O comércio começa a crescer, sobretudo o de escravos africanos, nos trapiches instalados nos portos. O ouro que se descobre nas Minas Gerais do século XVIII representa um grande impulso ao crescimento da cidade. Seu porto ganha em volume de negócios e torna-se um das principais entradas para o tráfico atlântico de escravos e o grande elo entre Portugal e o sertão, transportando gêneros e pessoas para as minas e ouro para a metrópole. É também neste século, que a cidade vive duas invasões de franceses, entre elas a do célebre Du Guay Trouin, que arrasa a cidade e os moradores. Desde sua fundação, esta cidade e a capitania como um todo desempenharam papel central na defesa de toda a região sul da América portuguesa, fato demonstrado pela designação do governador do Rio de Janeiro Salvador de Sá como capitão-general das capitanias do Sul (mais vulneráveis por sua proximidade com as colônias espanholas), e pela transferência da sede do vice-reinado, em Salvador até 1763, para o Rio de Janeiro quando a parte sul da colônia tornou-se centro de produção aurífera e, portanto, dos interesses metropolitanos. Ao longo do Setecentos, começam os trabalhos de melhoria urbana, principalmente no aumento da captação de água nos rios e construção de fontes e chafarizes para abastecimento da população. Um dos governos mais significativos deste século foi o de Gomes Freire de Andrada, que edificou conventos, chafarizes, e reformou o aqueduto da Carioca, entre outras obras importantes. Com a transferência da capital, a cidade cresce, se fortifica, abre ruas e tenta mudar de costumes. Um dos responsáveis por essas mudanças foi o marquês do Lavradio, cujo governo deu grande impulso às melhorias urbanas, voltando suas atenções para posturas de aumento da higiene e da salubridade, aterrando pântanos, calçando ruas, construindo matadouros, iluminando praças e logradouros. Foi também ele quem criou o mercado do Valongo e transferiu para lá o comércio de escravos africanos que se dava nas ruas da cidade. Importantíssimo negócio foi o tráfico de escravos trazidos em navios negreiros e vendidos aos fazendeiros e comerciantes, tornando-se um dos principais portos negreiros e de comércio do país. O comércio marítimo entre o Rio de Janeiro, Lisboa e os portos africanos de Guiné, Angola e Moçambique constituía a principal fonte de lucro da capitania. A cidade deu um novo salto de evolução urbana com a instalação, em 1808, da sede do Império português. A partir de então, a cidade se moderniza e empreende um grande esforço de civilização. Assume definitivamente o papel de cabeça do Império, posição que sustentou para além do retorno da Corte, como capital do Império do Brasil, já independente.
[12] TESOURO: A princípio entendido como “cofre púbico”, isto é, o local onde se guarda o dinheiro da nação, o tesouro extrapola essa percepção, sendo compreendido como um conjunto de repartições administrativas encarregadas de gerir as finanças nacionais. Ficavam subordinadas ao Tesouro Público Nacional, por exemplo, as tesourarias provinciais, presididas pelos presidentes de províncias e responsáveis pela administração, arrecadação, distribuição, contabilidade e fiscalização das rendas públicas, e por todas as repartições fiscais locais.
Vinhos e bebidas espirituosas
Parecer de João Antonio Salter de Mendonça para o marquês de Borba a respeito da representação do desembargador superintendente dos Contrabandos e Descaminhos dos Reais Direitos, dirigida à Real Junta do Comércio. Trata-se do destino dos vinhos e bebidas espirituosas existentes nos armazéns das tomadias face à legislação vigente.
Conjunto documental: Secretaria de Estado do Ministério do Reino
Notação: Caixa 699, pct. 02
Datas limite: 1500-1817
Título do fundo: Negócios de Portugal
Código do Fundo: 59
Argumento de pesquisa: Portugal, produtos vinhos
Leia esse documento na íntegra
Ilmo. e Exmo. Sr.
Passo às mãos de V.Exa. a inclusa nota que em data de 12 do corrente me dirigiu lorde Strangford[1], enviado extraordinário e ministro plenipotenciário[2] de S.M. britânica com o requerimento dos negociantes ingleses desta cidade e os mais papeis juntos, a fim de que V.Exa. haja de levar à Augusta Presença de Sua Alteza Real o Príncipe Regente[3] Nosso Senhor o que achar verdadeiro sobre este negócio, para em consequência se poder responder convenientemente, parecendo justo que se estabeleça um método exato para que cada negociantes pague em razão do vinho[4] que importa. V.Exa., com sua resposta, terá a bondade de mandar restituir-me todos estes papeis.
Deus guarde a V.Exa. Palácio do Rio de Janeiro, em 13 de julho de 1811.
Conde de Linhares[5]
Senhor Conde de Aguiar[6]
[1] SMITH, PERCY CLINTON SYDNEY (1780-1855): Lord Strangford, diplomata, sexto visconde de Strangford, em 1801, foi o enviado britânico que negociou diretamente com o príncipe d. João a proposta de transferência da corte portuguesa para o Brasil. Cumprindo os interesses britânicos, trabalhava secretamente pela independência das colônias espanholas. Negociou, junto ao conde de Linhares, os tratados de 1810, também conhecidos como tratado/convênio Linhares-Strangford. Por sua constante intromissão em assuntos de administração da colônia, perdeu prestígio junto ao príncipe regente, sendo nomeado, em março de 1817, para servir em Estocolmo como representante da coroa britânica. O cônsul geral Sir Henry Chamberlain substituiu-o no posto interinamente junto a d. João VI. Dado à literatura, chegou a publicar, em 1803, um livro com traduções para o inglês de poemas de Luís de Camões. Deve-se também à ação de Lord Srangford a doação por d. João VI de um terreno na Gamboa onde foi construído o cemitério dos ingleses onde eram sepultados cidadãos britânicos.
[2] MINISTRO PLENIPOTENCIÁRIO: chefe de missão diplomática de categoria imediatamente inferior à de embaixador extraordinário e plenipotenciário, tem acreditação para desenvolver diferentes negociações e acordos. Uma missão diplomática chefiada por um ministro plenipotenciário designa-se "legação". Até a Segunda Guerra Mundial, os ministros plenipotenciários e as legações constituíam respetivamente, a grande maioria dos chefes de missão e das missões diplomáticas existentes no mundo. Portugal, por exemplo, tinha apenas embaixadores em Londres, Madrid e Rio de Janeiro. Os representantes diplomáticos nos demais estados eram ministros plenipotenciários, chefiando legações.
[3] JOÃO VI, D. (1767-1826): segundo filho de d. Maria I e d. Pedro III, se tornou herdeiro da Coroa com a morte do seu irmão primogênito, d. José, em 1788. Em 1785, casou-se com a infanta Dona Carlota Joaquina, filha do herdeiro do trono espanhol, Carlos IV que, na época, tinha apenas dez anos de idade. Tiveram nove filhos, entre eles d. Pedro, futuro imperador do Brasil. Assumiu a regência do Reino em 1792, no impedimento da mãe que foi considerada incapaz. Um dos últimos representantes do absolutismo, d. João VI viveu num período tumultuado. Foi sob o governo do então príncipe regente que Portugal enfrentou sérios problemas com a França de Napoleão Bonaparte, sendo invadido pelos exércitos franceses em 1807. Como decorrência dessa invasão, a família real e a Corte lisboeta partiram para o Brasil em novembro daquele ano, aportando em Salvador em janeiro de 1808. Dentre as medidas tomadas por d. João em relação ao Brasil estão a abertura dos portos às nações amigas; liberação para criação de manufaturas; criação do Banco do Brasil; fundação da Real Biblioteca; criação de escolas e academias e uma série de outros estabelecimentos dedicados ao ensino e à pesquisa, representando um importante fomento para o cenário cultural e social brasileiro. Em 1816, com a morte de d. Maria I, tornou-se d. João VI, rei de Portugal, Brasil e Algarves. Em 1821, retornou com a Corte para Portugal, deixando seu filho d. Pedro como regente.
[4] VINHO: bebida alcoólica resultante da fermentação do sumo das uvas (mosto), que contém grande concentração natural de açúcares, em contato com leveduras existentes na casca do fruto. O primeiro registro sobre a existência de um vinhedo cultivado data do ano 7.000 a.C. e se situava na região da Europa oriental e costa do mar Negro. Mais tarde, o plantio da vinha chegou ao Egito, à Grécia e a outras partes da Europa. A utilização do vinho nos sacramentos cristãos garantiu a sobrevivência da viticultura no período medieval: foi em torno das catedrais e dos mosteiros que os monges a aperfeiçoaram, a partir do emprego de castas de uvas especiais e da melhoria das técnicas, o que resultou num produto de melhor qualidade, permitindo sua comercialização no final desse período. Portugal possuía longa tradição vinícola; no século XVIII, já exportava quantidade significativa de vinho do porto e madeira para o mercado inglês. Nesse mesmo período, a produção vinícola das províncias do norte começava a se destacar, suplantando a produção do vinho fortificado, assemelhado ao do porto, produzido na ilha da Madeira. Para sua comercialização, os vinhos eram classificados segundo tipo e qualidade. Vinho de feitoria (oriundo de região demarcada), vinho de quintas (produzido e comercializado por vinicultores individuais), vinho de embarque (de qualidade adequada para exportação), vinho generoso (licoroso, com elevados teores de açúcar e fortificado com uma graduação alcoólica entre 14 a 18º servido, normalmente, como aperitivo) são algumas dessas classificações. No início da colonização, havia no Brasil uma produção significativa em São Paulo que foi proibida para não prejudicar o comércio de importação da portuguesa. O vinho era a bebida consumida pela elite colonial que o apreciava também devido às suas qualidades terapêuticas. Foi bastante considerável o volume de comércio de importação do vinho português para o Brasil. A Coroa portuguesa garantiu o mercado colonial para seu produto concedendo à Companhia de Comércio (1649) o monopólio da sua importação (estanco). Chegou mesmo a ser usado como moeda no início do tráfico de escravos, mas acabou substituído pelas aguardentes já no século XVII, produto mais barato, de maior durabilidade e aceitação na África.
[5] COUTINHO, RODRIGO DE SOUZA (1755-1812): afilhado do marquês de Pombal, este estadista português exerceu diversos cargos da administração do Império luso, como o de embaixador em Turim, ministro da Marinha e Domínios Ultramarinos (1796-1801) e presidente do Real Erário (1801-3). Veio para o Brasil em 1808, quando foi nomeado secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros e da Guerra, permanecendo no posto até 1812, quando faleceu no Rio de Janeiro. D. Rodrigo foi aluno do Colégio dos Nobres e da Universidade de Coimbra, tendo viajado pela Europa e mantido contato com iluministas como o filósofo e matemático francês Jean Le Rond d’Alembert, um dos organizadores da Encyclopédie. Considerado um homem das Luzes, destacou-se por suas medidas visando a modernização e o desenvolvimento do reino. D. Rodrigo aproximou-se da geração de 1790, vista como antecipadora do processo de Independência, e foi o principal idealizador do império luso-brasileiro, no qual a centralidade caberia ao Brasil. Sob o seu ministério, o Brasil adquiriu novos contornos com a anexação da Guiana Francesa (1809) e da Banda Oriental do Uruguai (1811). Preocupado com o desenvolvimento econômico e cultural, bem como com a defesa do território, Souza Coutinho foi um partidário da influência inglesa no Brasil, patrocinando a assinatura dos chamados “tratados desiguais” de que é exemplo o Tratado de Aliança e Comércio com a Inglaterra [ver Tratados de 1810]. Responsável pela criação da Real Academia Militar (1810), foi ainda inspetor-geral do Gabinete de História Natural e do Jardim Botânico da Ajuda; inspetor da Biblioteca Pública de Lisboa e da Junta Econômica, Administrativa e Literária da Impressão Régia; conselheiro de Estado; Grã-Cruz das Ordens de Avis e da Torre e Espada. Em 1808, o estadista recebeu o título nobiliárquico de conde de Linhares.
[6] CASTRO, D. FERNANDO JOSÉ DE PORTUGAL E (1752-1817): 1o conde de Aguiar e 2o marquês de Aguiar, era filho de José Miguel João de Portugal e Castro, 3º marquês de Valença, e de Luísa de Lorena. Formado em Direito pela Universidade de Coimbra, ocupou vários postos na administração portuguesa no decorrer de sua carreira. Governador da Bahia, entre os anos de 1788 a 1801, passou a vice-rei do Estado do Brasil, cargo que exerceu até 1806. Logo em seguida, regressou a Portugal e tornou-se presidente do Conselho Ultramarino, até a transferência da corte para o Rio de Janeiro. A experiência adquirida na administração colonial valeu-lhe a nomeação, em 1808, para a Secretaria de Estado dos Negócios do Brasil, pasta em que permaneceu até falecer. Durante esse período, ainda acumulou as funções de presidente do Real Erário e de secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros e da Guerra. Foi agraciado com o título de conde e marquês de Aguiar e se casou com sua sobrinha Maria Francisca de Portugal e Castro, dama de d. Maria I. Dentre suas atividades intelectuais, destaca-se a tradução para o português do livro Ensaio sobre a crítica, de Alexander Pope, publicado pela Imprensa Régia, em 1810.
Redes Sociais