Ir direto para menu de acessibilidade.
Início do conteúdo da página

Sala de aula

Escrito por cotin | Publicado: Segunda, 26 de Fevereiro de 2018, 14h33 | Última atualização em Segunda, 26 de Fevereiro de 2018, 15h15

Cadeia de Aljube

Ofício dirigido por Paulo Fernandes Viana ao desembargador do crime do bairro de S. José, Luiz Pedreira do Couto Ferraz. O documento relata a prisão de um grupo de ciganos e do desertor do regimento de artilharia Joaquim Francisco, os quais foram levados para a cadeia do Aljube. Através da acusação de roubo e da suspeita de assassinatos, essa correspondência deixa transparecer a visão que a sociedade colonial forjou dos ciganos, enquanto grupo transgressor.
 

Conjunto documental: Registro das ordens e ofícios expedidos pela Polícia ao juiz do crime dos bairros de São José, Santa Rita, da Sé, Candelária e outros.
Notação: códice 330, vol. 2
Datas - limite: 1819-1823
Título do fundo ou coleção: Policia da Corte
Código do fundo: ØE
Argumento de pesquisa: população, ciganos
Data do documento: 22 de Março de 1819
Local: Rio de Janeiro
Folha(s): -


 “Na cadeia do Aljube[1] estão os ciganos[2] e mais presos de que trata a relação inclusa Nº1 do carcereiro da mesma cadeia, por suspeitosos de furtos de escravos e apreensão de alguns incluídos na mesma relação de que trata a Parte Nº2 nosso original do tenente coronel Francisco de Paula Manso Saião que em portaria desta Intendência[3]  e do quartel general do Exército[4]  e uma patrulha de milicianos foi em seguimento destes ciganos, que lhe haviam roubado três escravos e constava levavam aquelas outras de diversos moradores desta parte para os venderem. Vossa mercê deve ouvir judicialmente ao dito tenente coronel, e com a sua declaração a parte que já (?) deu formalizar corpo de delito indireto com testemunhas e procederá a devassa[5] na forma da lei.  Todos os presos devem logo ser perguntados e acariciados e digo acareados uns com os outros conforme as declarações que fizerem nas primeiras e segundas perguntas.  Os escravos presos e roubados a seus senhores sejam judicialmente digo sejam anuídos judicialmente a esse auto (?) de informação para melhor instrução do processo.  Os senhores destes escravos roubados eram entregues deles depois de fazer o competente reconhecimento, cujos autos serão apensos (?) a devassa para aumentar as provas que deve haver do roubo, achada e entrega, que se faz a seus respectivos senhores.  O desertor do regimento de artilharia Joaquim Francisco companheiro dos ciganos deve já ser entregue a seu respectivo chefe com recomendações de o ter em prisão segura, em quanto se faz o processo e se lhe remete a respectiva culpa para seu conselho de guerra[6] .  Dinheiro, traste de prata, como roupas armas e mais moveis apreendidos do que trata a parte Nº 2 vossa mercê mandará vir para esta cidade do poder (?) onde eles existem, por se supor algumas cousas roubadas e se entregarão a seus donos, procedendo-se também o reconhecimento na forma que se há de praticar com os escravos roubados.  Esta devassa não está na regra daquelas, que se devem concluir no termo 30 dias porque a maior parte das testemunhas deve vir de fora desses distritos aonde os ladrões iam praticar os roubos e pelos queixosos foram reconhecidos estes presos, pelo engano e ataques violento, que faziam nessas estradas remotas onde a força dele era superior a cada um morador.  Deve vossa mercê averiguar aonde existe um mulato que foi escravo do Sargento-mor José Carvalho e os capitães do mato[7] Dutras e outros desta parcialidade que serão declarados pelos ciganos para serem igualmente presos e processados. Costa mais que estes ciganos e seus companheiros os tem feito mortes por estes distritos nos limites desta comarca e pela as províncias de Minas Gerais, e São Paulo, vossa mercê averiguará se são certas estas notícias, e sendo verdadeira oficiará as justiças respectivas, mesmo de ordem desta Intendência para remeterem as culpas; e serem os réus presos também e por elas sentenciadas. Todos estão presos se conservarão a cadeia a minha ordem e a proporção das pronuncias que eles tiverem, vossa mercê, mandará abrir a pinto a sua ordem para seguirem os termos competentes, e aqueles que não ficarem pronunciados me dará parte com seus nomes para eu dar lhes o destino que convier, por serem suspeitosos e presos em quadrilhas de ladrões.  Além dos presos de que trata a relação Nº1 há mais Fernando José De Souza Tabeineiro, e consta da parte em cópia Nº3, que passará pelo procedimento acima determinado. Deus Guarde Vossa Mercê Rio 22 de Março de 1819= Paulo Fernandes Viana[8]= Senhor desembargador Luiz Pedreir

 

[1] CADEIA DO ALJUBE: localizada no Rio de Janeiro, na antiga rua do Aljube (hoje rua Acre), entre as ruas do Ourives e Camerino, no bairro da Saúde. A palavra “aljube” deriva do árabe, e significa cárcere, masmorra, cisterna, e as descrições apontam para uma prisão úmida, suja e escura. Fora instituída pelo bispo d. Antônio de Guadalupe em 1735, para os eclesiásticos que tivessem cometido delitos, separando-os dos criminosos comuns. Com o tempo e em especial a partir de 1808, em consequência da falta de edifícios após a chegada da Corte, o aljube se fundiu com a cadeia comum e serviu de prisão para contrabandistas, estelionatários, presos comuns em geral, denominando-se a partir de 1823 “cadeia da Relação”. Em 1856, foi desativada face às péssimas condições de higiene e salubridade, tornando-se uma casa de cômodos. Foi definitivamente demolida em 1906.

[2] CIGANOS: ciganos ou romas designam as populações que migraram do norte da Índia entre os séculos VIII e X para a Europa ocidental. Em 1971 os integrantes desses diferentes grupos se autodefiniram como Roma, uma escolha que partiu da língua derivada do sânscrito, o romani e ainda pela rejeição ao termo ciganos, tido como pejorativo, embora o termo continua definindo todos os romani (Lydie Fournier. L'autonomie, nouvelle utopie? Qui sont les Roms? Mensuel, n° 220, novembre 2010.). A história dos Roma na Europa e especialmente em Portugal e seus domínios na época moderna é marcada pela perseguição ao grupo e pelas diversas medidas para tomadas contra os ciganos (ou egipcianos, gicianos e outras derivações), entre elas o degredo, o que trouxe esse grupo para a África e para a América portuguesa. O grupo foi estigmatizado, objeto de preconceito e de curiosidade, tendo conservado uma cultura e um modo de vida que destoava das sociedades para onde se dirigiram. Desse modo a tradição itinerante, a língua, a leitura do destino, a feitiçaria ou mesmo pequenos furtos e o esmolar sem permissão predominavam entre as razões listadas para a política de degredo adotada pela Coroa portuguesa, como escreve Elisa Maria Lopes da Costa (Contributos ciganos para o povoamento do Brasil - séculos XVI-XIX. Arquipélago. História. 2ª série, IX, 2005). A autora destaca que o degredo de ciganos cumpria algumas demandas, expulsando os indesejáveis da metrópole e povoando a colônia, quando se estimulava o casamento entre ciganos e indígenas. Em 1592 uma lei condenava os ciganos à pena de morte se não cumprissem as medidas integradoras, lei renovada em 1694. No início do século XVIII mais uma lei enviava mulheres ao Brasil e homens às galés se insistissem em viver de acordo com sua cultura e hábitos. No ambiente ilustrado da segunda metade do século XVIII, um registro de provisão de d. José, de 3 de julho de 1761 comunicava ao chanceler da Relação da Bahia o estabelecimento de uma lei ordenando aos ciganos viverem “civilmente” no Estado do Brasil. As autoridades coloniais não cessaram de acusar os ciganos ao longo do Setecentos por uma série de infrações, muitas envolvendo africanos escravizados e mesmo em Portugal esses grupos permaneceram na agenda policial. No início do século XIX, principalmente a partir de 1808, aumentam as ocorrências contra os ciganos por roubo, tráfico ou revenda de escravos, atividades descritas por viajantes e registradas pela Intendência de Polícia da Corte no Rio de Janeiro. No século XX a população cigana na Europa foi atingida pela perseguição e eliminação promovidas pelo regime nazista. Avalia-se que foram assassinados 25% dos Roma europeus.

[3] INTENDENTE DE POLÍCIA: a Intendência de Polícia foi uma instituição criada pelo príncipe regente d. João, através do alvará de 10 de maio de 1808, nos moldes da Intendência Geral da Polícia de Lisboa. A competência jurisdicional da colônia foi delegada a este órgão, concentrando suas atividades no Rio de Janeiro, sendo responsável pela manutenção da ordem, o cumprimento das leis, pela punição das infrações, além de administrar as obras públicas e organizar um aparato policial eficiente e capaz de prevenir as ações consideradas perniciosas e subversivas. Na prática, entretanto, a Polícia da Corte esteve também ligada a outras funções cotidianas da municipalidade, atuando na limpeza, pavimentação e conservação de ruas e caminhos; na dragagem de pântanos; na poda de árvores; aterros; na construção de chafarizes, entre outros. Teve uma atuação muito ampla, abrangendo desde a segurança pública até as questões sanitárias, incluindo a resolução de problemas pessoais, relacionados a conflitos conjugais e familiares como mediadora de brigas de família e de vizinhos, entre outras atribuições. O aumento drástico da população na cidade do Rio de Janeiro, e consequentemente, da população africana circulando nas ruas da cidade a partir de 1808, esteve no centro das preocupações das autoridades portuguesas, e nela reside uma das principais motivações para a estruturação da Intendência de Polícia que, ao contrário do que vinha ocorrendo no Velho Mundo, deu continuidade aos castigos corporais junto a uma parcela específica da população. Foi a estrutura básica da atividade policial no Brasil na primeira metade do século XIX, e apresentava um caráter também político, uma vez que vigiava de perto as classes populares e seu comportamento, com ou sem conotação ostensiva de criminalidade. Um dos traços mais marcantes da manutenção desta ordem política, sobreposta ao combate ao crime, se expressa em sua atuação junto à população negra – especialmente a cativa – responsabilizando-se inclusive pela aplicação de castigos físicos por solicitação dos senhores, mediante pagamento. O primeiro Intendente de Polícia da Corte foi Paulo Fernandes Vianna, que ocupou o cargo de 1808 até 1821, período em que organizou a instituição. Subordinava-se diretamente a d. João VI, e a ele prestava contas através dos ministros. Durante o período em que esteve no cargo, percebe-se que muitas funções exercidas pela Intendência ultrapassavam sua alçada, em especial àquelas relacionadas à ordem na cidade e às despesas públicas, por vezes ocasionando conflitos com o Senado da Câmara. Desde a sua criação, a Intendência manteve uma correspondência regular com as capitanias, criando ainda o registro de estrangeiros.

[4] MILITARES: a presença militar na colônia mostrou-se, desde o início, crucial para a administração dos domínios ultramarinos de Portugal, já que estes territórios careciam de estrutura governativa e ordem político-jurídica bem estabelecidas. Sua trajetória data da criação do governo-geral ainda no século XVI, visando efetivar diferentes planos de defesa e de expansão territorial. As forças militares buscavam enquadrar a população em uma ordem que permitiria o “bom funcionamento” da sociedade colonial. A estrutura militar lusitana, que se transferiu para o Brasil, se dividia em três tipos específicos de força: 1a linha – corpos regulares, conhecidos também por tropa paga ou de linha; 2a linha – as milícias ou corpo de auxiliares e a 3a linha – as ordenanças ou corpos irregulares. Os corpos regulares, criados em 1640 em Portugal, constituíam-se no exército “profissional” português, sendo a única força paga pela Fazenda Real, e seus comandantes eram fidalgos nomeados pelo rei. Essa força organizava-se em terços e companhias, cujo comando também pertencia a fidalgos nomeados pelo rei. Teoricamente, dedicar-se-iam exclusivamente às atividades militares, estando em constante treinamento. Todavia, na colônia, foram comumente empregadas em ações policiais de manutenção da ordem pública, ajudando na prisão de foragidos e na captura de escravos fugidos. As tropas de linha enviadas de Portugal, muitas vezes, careciam de efetivos, momento este em que a coroa lançava mão do recrutamento compulsório, terror da população branca colonial. As milícias, criadas em 1641, eram tropas não-remuneradas, compostas por civis e de alistamento obrigatório entre a população da colônia. Organizaram-se primeiramente por terços (antiga unidade portuguesa que vigorou até a segunda metade do século XVIII) e, depois, em regimentos. Funcionavam como forças de apoio às tropas pagas, e em geral, eram treinadas e disciplinadas para substituí-las caso necessário. Na segunda metade do século XVIII, as milícias no Rio de Janeiro estavam organizadas por regimentos alistados por três freguesias: da Candelária, de São José e de Santa Rita. Em Pernambuco, foi criado o “terço dos Henriques” para lutar nas guerras holandesas de 1648 e 1649. Neste “terço” predominou o alistamento de homens pretos forros e escravos recrutados por empréstimo, mas havia também mestiços, mulatos e mamelucos. O negro forro Henrique Dias (início século XVII-1662) comandou essas tropas auxiliares, daí chamarem-se "dos henriques". Nas demais capitanias se formaram "terços" com as mesmas características também denominados "henriques". Sob a denominação de tropas urbanas, as milícias na Bahia eram compostas pelos regimentos dos úteis (comerciantes e caixeiros) e de infantaria (artífices, vendeiros, taberneiros) todos formados por homens brancos. O medo dos proprietários de terras e escravos de que a experiência de Palmares se alastrasse por toda a colônia levou à criação de uma força de repressão nas capitanias, organizada na forma de milícia especializada na caça de escravos fugidos e na destruição de quilombos, em que se destacou a figura do capitão do mato ou "capitão de assalto" ou "capitão de entrada e assalto" entre outras variações que o posto recebeu de região para região. Já os corpos de ordenanças foram criados em 1549 por d. João III, e seu sistema de recrutamento abrangia toda a população masculina entre 18 e 60 anos que ainda não tivesse sido recrutada pelas duas primeiras forças, excetuando-se os privilegiados e os padres. Somente em caso de as autoridades considerarem haver uma grave perturbação da ordem pública, abandonavam suas atividades costumeiras. Recebiam treinamento de forma esporádica. Buscava-se, escapar ao alistamento de todas as maneiras, devido às péssimas condições da vida do soldado. A população civil temia o recrutamento militar obrigatório que era realizado pelos agentes recrutadores. Os possíveis recrutas, isto é, os homens brancos e não militares considerados aptos a engrossarem os efetivos das tropas de linha eram detidos a qualquer hora e local (dentro de suas casas e nas salas de aula) e conduzidos à cadeia para uma triagem. Diante de tais arbitrariedades, só restava aos homens a fuga para longe do local em que habitavam uma vez que o recrutamento acarretava o afastamento de suas atividades por tempo indeterminado. Os postos militares mais elevados eram, em geral, preenchidos por homens que já haviam provado ao rei sua qualidade, ou seja, serviços relevantes prestados, o que costumava ser mais importante do que experiência ou saber de guerra. Em 1648, ao sul do Recife, ocorre uma batalha que pode ser considerada marco na organização de forças locais: sob o comando de André Vidal Negreiros, Felipe Camarão e Henrique Dias, tropas formadas por brancos locais, indígenas e negros (organizados em destacamentos diferentes) lutaram contra tropas holandesas, formadas igualmente por brancos, negros e índios e lideradas por Domingos Fernandes Calabar e Johan van Dorth. A data da batalha de Guararapes, 19 de abril de 1648, é comemorada como o aniversário do Exército Brasileiro. Com a instalação da corte no Rio de Janeiro, a estrutura militar sofreu nova organização, modernizando-se e ampliando seus estabelecimentos. Foram criadas Academias Militares, indústrias de armas, fábricas de pólvoras, arsenais de guerras e hospitais militares.

[5] DEVASSA: a devassa era um processo ou rito processual judicial estabelecido nas Ordenações do Reino, de natureza criminal, com características inquisitoriais, que concedia pouco ou nenhum direito de defesa ao acusado. Esse rito processual vigorou no Brasil até a promulgação do Código Criminal do Império, em 1830. Nas Ordenações Filipinas, assim como previsto nas Manuelinas, as devassas se dividiam em gerais e especiais: as gerais versavam sobre delitos incertos e eram realizadas anualmente, sendo de competência do juiz de fora, ordinários e corregedores; as devassas especiais supunham a existência de um delito já cometido, cuja a autoria era incerta. A primeira tinha por objetivo o delito de autor incerto e eram tiradas uma vez por ano; a segunda se ocupava somente da autoria incerta. (Lucas Moraes Martins. Uma Genealogia das Devassas na História do Brasil.) Havia também as devassas eclesiásticas, instrumento extrajudicial e temporário acionado por ocasião da presença do visitador do Tribunal Eclesiástico a uma localidade, em geral longe dos centros, com o objetivo de observar o controle dessa população no tocante ao cumprimento da doutrina católica e à conduta atentatória à família e aos bons costumes. Um Auto de Devassa é uma peça produzida no decorrer do processo judicial que reúne as petições, termos de audiências, certidões, entre outros itens.

[6] CONSELHO DA GUERRA: tribunal composto por oficiais, que julgava as infrações cometidas por militares ou pessoas que tivessem honras militares. Criado em 1640, em Portugal, o Conselho da Guerra possuía atribuições de gestão logística e jurisdicional: a conservação de fortalezas e arsenais, provimento de postos, negócios relativos à expedição de tropas e julgamento de causas. Com a reforma das Secretarias de Estado, em 1736, o Conselho da Guerra perdeu suas competências administrativas, conservando, porém, suas atribuições de tribunal militar. Em 1808, foi instalado no Brasil por ocasião da vinda da corte.

[7] CAPITÃES-DO-MATO: eram, geralmente, homens pobres que trabalhavam para os senhores de engenho, bem como para os homens livres e os escravos libertos que possuíam cativos, encontrando-se pardos e forros entre eles. Os capitães-do-mato exerceram função na manutenção do sistema colonial, atuando como agentes da repressão. Seus serviços eram empregados na perseguição de fugitivos, principalmente na captura de escravos. Sua atuação variou conforme as capitanias; em Minas Gerais, por exemplo, onde havia grande população escrava, foi instituído o Regimento dos Capitães-do-mato de 1716, que deu lugar a outro em 1722. A remuneração desses oficiais e de seu bando oscilava de acordo com o modo de aprisionamento dos escravos, como local, tempo empregado, origem dos mesmos etc.

[8] VIANA, PAULO FERNANDES (1757-1821): nascido no Rio de Janeiro, Paulo Fernandes Viana era filho de Lourenço Fernandes Viana, comerciante de grosso trato, e de Maria do Loreto Nascente. Casou-se com Luiza Rosa Carneiro da Costa, da eminente família Carneiro Leão, proprietária de terras e escravos que teve grande importância na política do país já independente. Formou-se em Leis em Coimbra em 1778, onde exerceu primeiro a magistratura, e no final do Setecentos foi intendente do ouro em Sabará. Desembargador da Relação do Rio de Janeiro (1800) e depois do Porto (1804), e ouvidor-geral do crime da Corte foi nomeado intendente geral da Polícia da Corte pelo alvará de 10 de maio de 1808. De acordo com o alvará, o intendente da Polícia da Corte do Brasil possuía jurisdição ampla e ilimitada, estando a ele submetidos os ministros criminais e cíveis. Exercendo este cargo durante doze anos, atuou como uma espécie de ministro da ordem e segurança pública. Durante as guerras napoleônicas, dispensou atenção especial à censura de livros e impressos, com o intuito de impedir a circulação dos textos de conteúdo revolucionário. Tinha sob seu controle todos os órgãos policiais do Brasil, inclusive ouvidores gerais, alcaides maiores e menores, corregedores, inquiridores, meirinhos e capitães de estradas e assaltos. Foi durante a sua gestão que ocorreu a organização da Guarda Real da Polícia da Corte em 1809, destinada à vigilância policial da cidade do Rio de Janeiro. Passado o período de maior preocupação com a influência dos estrangeiros e suas ideias, Fernandes Viana passou a se ocupar intensamente com policiamento das ruas do Rio de Janeiro, intensificando as rondas nos bairros, em conjunto com os juízes do crime, buscando controlar a ação de assaltantes. Além disso, obrigava moradores que apresentavam comportamento desordeiro ou conflituoso a assinarem termos de bem viver – mecanismo legal, produzido pelo Estado brasileiro como forma de controle social, esses termos poderiam ser por embriaguez, prostituição, irregularidade de conduta, vadiagem, entre outros. Perseguiu intensamente os desordeiros de uma forma geral, e os negros e os pardos em particular, pelas práticas de jogos de casquinha a capoeiragem, pelos ajuntamentos em tavernas e pelas brigas nas quais estavam envolvidos. Fernandes Viana foi destituído do cargo em fevereiro de 1821, por ocasião do movimento constitucional no Rio de Janeiro que via no intendente um representante do despotismo e do servilismo colonial contra o qual lutavam. Quando a Corte partiu de volta para Portugal, Viana ficou no país e morreu em maio desse mesmo ano. Foi comendador da Ordem de Cristo e da Ordem da Conceição de Vila Viçosa, seu filho, de mesmo nome, foi agraciado com o título de barão de São Simão.


Sugestões de uso em sala de aula:
- No tema transversal pluralidade cultural
- No eixo temático “História das relações sociais da cultura e do trabalho”
- No eixo temático “História das representações e das relações de poder”

Ao tratar dos seguintes temas:
- A sociedade colonial: hierarquias, resistências e culturas
Práticas e costumes no Brasil colonial
- Administração colonial: atividade policial e repressão
- O trabalho no Brasil colonial

Provisão de d.José I

Registro de uma provisão de d. José I, comunicando ao chanceler da Relação da Bahia que estabeleceu uma lei ordenando aos ciganos viverem “civilmente” no Estado do Brasil. Uma cópia impressa, assinada pelo secretário do Conselho Ultramarino, foi enviada aos governadores para ser publicada em todas as cidades e vilas. Este documento deixa transparecer um esforço oficial para enquadrar os ciganos enquanto grupo e dessa forma garantir a ordem pública.

 

Conjunto documental: Registro de provisões, alvarás, leis, portarias e cartas régias da Relação da Bahia
Notação: códice 542, vol. 02
Datas - limite: 1759-1791
Título do fundo ou coleção: Relação da Bahia
Código do fundo: 83
Argumento de pesquisa: população, ciganos
Data do documento: 3 de julho de 1761
Local: s.l.
Folha(s): 36 e 36v

 

 

“Registro de uma Provisão, e um Alvará de Lei impresso de Sua Majestade, pelos quais se determina a Ordem com que devem viver civilmente os ciganos no Estado do Brasil.

 

Dom José[1] por Graça de Deus Rei de Portugal sinal público. Faço saber a vós Chanceler[2]  da Relação da Bahia[3] , que sendo-me presente a desordem com que vivem no Estado do Brasil os ciganos[4]: Fui servido estabelecer uma Lei que foi publicada na Chancelaria-mor do Reino a 24 de Janeiro do presente ano, pela qual ordeno a forma porque devem ser constrangidos a viver civilmente e dela mando remeter transuntos impressos, e assinados pelo Secretário do Conselho Ultramarino[5]  a todas as Relações, Governadores, Ouvidores[6], e Câmaras do dito Estado para ser publicada em todas as Cidades, e Vilas dele, e Registrada nos Livros dos Registros das ditas Relações, Governos, Ouvidorias, e Câmaras, o que assim cumprires pelo que vos toca. El Rei Nosso Senhor o mandou (...) Lisboa 8 de fevereiro de 1761. O Secretário Joaquim Miguel Lopes de Lavre a fez escrever. Alexandre Metello de Souza e Menezes. Francisco Xavier de Assis Pacheco e Sampaio. Foi cumprida pelo Chanceler, e Governador em 3 de julho do mesmo ano de 1761.”

 

[1] JOSÉ I, D. (1714-1777): sucessor de d. João V, foi aclamado rei em setembro de 1750, tendo sido o único rei de Portugal a receber este título. Considerado um déspota esclarecido – monarcas que, embora fortalecessem o poder do Estado por eles corporificado, sofriam intensa influência dos ideais progressistas e racionalistas do iluminismo, em especial no campo das políticas econômicas e administrativas – ficou conhecido como o Reformador devido às reformas políticas, educacionais e econômicas propostas e/ou executadas naquele reinado. O governo de d. José I destacou-se, sobretudo, pela atuação do seu secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros e da Guerra, marquês de Pombal, que liderou uma série de reestruturações em Portugal e seus domínios. Suas reformas buscavam racionalizar a administração e otimizar a arrecadação e a exploração das riquezas e comércio coloniais. Sob seu reinado deu-se a reconstrução da parte baixa de Lisboa, atingida por um terremoto em 1755, a expulsão dos jesuítas do Reino e domínios ultramarinos em 1759, a guerra guaranítica (1754-56) contra os jesuítas e os índios guaranis dos Sete Povos das Missões, a assinatura do Tratado de Madri (1750), entre Portugal e Espanha que substituiu o Tratado de Tordesilhas, entre outros. Em termos administrativos, destacam-se a transferência da capital da colônia de Salvador para o Rio de Janeiro, a criação do Erário Régio e a divisão do antigo Estado do Grão-Pará e Maranhão em dois: Maranhão e Piauí, e Grão-Pará e Rio Negro.

[2] CHANCELER: guarda-selos. Funcionário do governo encarregado de chancelar documentos ou diplomas tornando-os autênticos. Era o magistrado responsável pela guarda do selo real.

[3] BAHIA, CAPITANIA DA: estabelecida em 1534, teve como primeiro capitão donatário Francisco Pereira Coutinho, militar português pertencente à pequena nobreza que serviu nas possessões da Índia. Em 1548, fora revertida à Coroa e transformada em capitania real. Um ano mais tarde, com a fundação da cidade de Salvador, abrigou a primeira capital da colônia, posição que ocupou até 1763, quando a sede administrativa colonial foi transferida para a cidade do Rio de Janeiro. Nesse mesmo ano, d. José I extinguiu as capitanias de Ilhéus e de Porto Seguro e incorporou-as as suas áreas à Bahia. A ela também se subordinava, até 1820, a capitania de Sergipe d’El Rei. Sua geografia, no período colonial, estava dividida em três grandes zonas: o grande porto, que compreendia a cidade de Salvador; hinterlândia (área pouco ocupada, de desenvolvimento reduzido, subordinada economicamente a um centro urbano) agrícola, referente ao Recôncavo, e o sertão baiano, cada região com atividades econômicas específicas. A cidade de Salvador exerceu as funções de porto transatlântico para o tráfico de escravos e de cabotagem para o comércio de fumo, algodão, couro e açúcar (principal produto de exportação). No Recôncavo, destacava-se a agricultura comercial, concentrando um grande número de engenhos de açúcar. Também ali se praticava a cultura do fumo e, mais ao sul, uma agricultura de subsistência. No sertão, a principal atividade era a pecuária, tanto com produção de carne, de couro e de sebo, quanto para o fornecimento de gado que servia de força motriz nos engenhos e ao abastecimento de Salvador e do Recôncavo. Girando em torno da atividade açucareira, a vida sociopolítica baiana era reflexo da “grande lavoura”, na qual a hierarquia era dominada pelos senhores de engenho.

[4] CIGANOS: ciganos ou romas designam as populações que migraram do norte da Índia entre os séculos VIII e X para a Europa ocidental. Em 1971 os integrantes desses diferentes grupos se autodefiniram como Roma, uma escolha que partiu da língua derivada do sânscrito, o romani e ainda pela rejeição ao termo ciganos, tido como pejorativo, embora o termo continua definindo todos os romani (Lydie Fournier. L'autonomie, nouvelle utopie? Qui sont les Roms? Mensuel, n° 220, novembre 2010.). A história dos Roma na Europa e especialmente em Portugal e seus domínios na época moderna é marcada pela perseguição ao grupo e pelas diversas medidas para tomadas contra os ciganos (ou egipcianos, gicianos e outras derivações), entre elas o degredo, o que trouxe esse grupo para a África e para a América portuguesa. O grupo foi estigmatizado, objeto de preconceito e de curiosidade, tendo conservado uma cultura e um modo de vida que destoava das sociedades para onde se dirigiram. Desse modo a tradição itinerante, a língua, a leitura do destino, a feitiçaria ou mesmo pequenos furtos e o esmolar sem permissão predominavam entre as razões listadas para a política de degredo adotada pela Coroa portuguesa, como escreve Elisa Maria Lopes da Costa (Contributos ciganos para o povoamento do Brasil - séculos XVI-XIX. Arquipélago. História. 2ª série, IX, 2005). A autora destaca que o degredo de ciganos cumpria algumas demandas, expulsando os indesejáveis da metrópole e povoando a colônia, quando se estimulava o casamento entre ciganos e indígenas. Em 1592 uma lei condenava os ciganos à pena de morte se não cumprissem as medidas integradoras, lei renovada em 1694. No início do século XVIII mais uma lei enviava mulheres ao Brasil e homens às galés se insistissem em viver de acordo com sua cultura e hábitos. No ambiente ilustrado da segunda metade do século XVIII, um registro de provisão de d. José, de 3 de julho de 1761 comunicava ao chanceler da Relação da Bahia o estabelecimento de uma lei ordenando aos ciganos viverem “civilmente” no Estado do Brasil. As autoridades coloniais não cessaram de acusar os ciganos ao longo do Setecentos por uma série de infrações, muitas envolvendo africanos escravizados e mesmo em Portugal esses grupos permaneceram na agenda policial. No início do século XIX, principalmente a partir de 1808, aumentam as ocorrências contra os ciganos por roubo, tráfico ou revenda de escravos, atividades descritas por viajantes e registradas pela Intendência de Polícia da Corte no Rio de Janeiro. No século XX a população cigana na Europa foi atingida pela perseguição e eliminação promovidas pelo regime nazista. Avalia-se que foram assassinados 25% dos Roma europeus.

[5] CONSELHO ULTRAMARINO: criado em 1642, à semelhança do Conselho da Índia que atuara durante a União Ibérica, tinha como objetivo padronizar a administração colonial. Sua alçada incluía os Estados do Brasil, Índia, Guiné, São Tomé, e outras partes da África, provendo os cargos relacionados à administração colonial. Responsabilizava-se pelas finanças das possessões portuguesas, a defesa militar das mesmas, a aplicação de justiça. Desde a cobrança de impostos, até o tráfico de escravos, passando pela emissão de documentos e as ações de defesa territorial, pouco acontecia nas colônias que não tivesse que passar pelo conselho, que tinha prerrogativas de fiscalização e também executivas. O processo decisório no âmbito do conselho e a efetivação das suas decisões transcorriam de forma lenta, devido à necessidade de informes e contra-informes em variadas instâncias, somadas às distâncias abissais entre as várias localidades do império colonial português. Já no período do marquês de Pombal, o conselho entrou em declínio, e suas atribuições foram pouco a pouco assumidas por outras secretarias de Estado, que administravam de forma mais ágil por dispensarem as várias instâncias de comunicação e decisão.

[6] OUVIDOR: o cargo de ouvidor foi instituído no Brasil em 1534, como a principal instância de aplicação da justiça, atuando nas causas cíveis e criminais, bem como na eleição dos juízes e oficiais de justiça (meirinhos). Até 1548, a função de justiça, entendida em termos amplos, de fazer cumprir as leis, de proteger os direitos e julgar, era exclusiva dos donatários e dos ouvidores por eles nomeados. Neste ano foi instituído o governo-geral e criado o cargo de ouvidor-geral, limitando-se o poder dos donatários, sobretudo em casos de condenação à morte, entre outros crimes, e autorizando a entrada da Coroa na administração particular, observando o cumprimento da legislação e inibindo abusos. Cada capitania possuía um ouvidor, que julgava recursos das decisões dos juízes ordinários, entre outras ações. O ouvidor-geral, por sua vez, julgava apelações dos ouvidores e representava a autoridade máxima da justiça na colônia. Sua nomeação era da responsabilidade do rei, com a exigência de que o nomeado fosse letrado. Dentre as suas muitas atribuições, cabia-lhe informar ao rei do funcionamento das câmaras e, caso fosse necessário, tomar qualquer providência de acordo com o parecer do governador-geral. Ao longo do período colonial, o cargo de ouvidor sofreu uma série de especializações em função das necessidades administrativas coloniais. Dentre os cargos instituídos a partir de então, podemos citar o de ouvidor-geral das causas cíveis e crimes em 1609 (quando da criação da Relação do Brasil, depois desmembrada em Relação da Bahia e do Rio de Janeiro); o de ouvidor-geral do Maranhão em 1619, quando há a criação do Estado do Maranhão; e o de ouvidor-geral do sul em 1608, quando foi criada a Repartição do Sul.

 

Sugestões de uso em sala de aula:

- No tema transversal pluralidade cultural
- No eixo temático “História das relações sociais da cultura e do trabalho”
- No eixo temático “História das representações e das relações de poder”
 
Ao tratar dos seguintes temas:

- A sociedade colonial: hierarquias, resistências e culturas
- Práticas e costumes no Brasil colonial
- Administração colonial: atividade policial e repressão
- O trabalho no Brasil colonial

         

 

Ciganos e autoridades em confronto

Carta do marquês de Aguiar para o juiz de fora da vila de Campos, informando que foi malsucedida a investigação para a prisão de um grupo de ciganos armados que agrediam pessoas e desrespeitavam a autoridade real. O príncipe regente d. João decretou a prisão dos ciganos com toda a sua comitiva. O documento serve de testemunho às práticas ilícitas e violências que este grupo costumava cometer na sociedade colonial e que foram fortemente combatidas pela força policial.

 

Conjunto documental: Espírito Santo, Ministério do Império, Registro de correspondência
Notação: IJJ9 24
Datas - limite: 1808-1857
Título do fundo ou coleção: Série Interior
Código do fundo: AA
Argumento de pesquisa: população, ciganos
Data do documento: 4 de julho de 1815
Local: Rio de Janeiro
Folha(s): 10v

 

“Para o Juiz de Fora[1] da vila de Campos.

Sendo presente a Sua Alteza Real, o Príncipe Regente Meu Senhor, o ofício de Vossa Majestade de 21 de junho passado, em que participa haver-se malogrado a diligencia que Vossa Majestade fizera da prisão de um bando de ciganos[2]  de mais de 20 pessoas armadas, entre brancos, mulheres e escravos, que no distrito da sua jurisdição roubavam e espancavam, sem temor e respeito da autoridade de Vossa Majestade, a quem no ato da diligencia formalmente resistiram, e aos seus Oficiais, e depois fugiram pelo caminho de Minas Gerais, ou para Cantagalo: Foi o Mesmo Senhor Servido Ordenar ao Intendente Geral da Polícia[3]  que com a maior atividade procedesse às convenientes providencias para serem efetivamente presos os referidos ciganos com toda a sua comitiva onde forem encontrados; não podendo deixar Sua Alteza Real de reparar que Vossa Majestade não requeresse o necessário auxílio ao Comandante Militar do distrito, para não comprometer, como considero, a sua autoridade, e ficar sem efeito esta diligencia, de cujo êxito ficaria ele responsável, se não prestasse o auxílio que Vossa Majestade lhe deveria ter pedido antes. = Deus Guarde a Vossa Majestade Palácio do Rio de Janeiro em 4 de julho de 1815.= Marquês de Aguiar[4] .”                  

 

[1] JUIZ DE FORA: cargo de magistrado criado no Brasil em 1696. Nomeado pelo rei por três anos, possuía as seguintes atribuições: aplicar justiça contra aqueles que cometessem crimes em sua jurisdição; compor as sessões da Câmara; cumprir as funções de juiz dos órfãos nas localidades desprovidas deste ofício de justiça; dar audiências nos conselhos, vilas e lugares de sua jurisdição; garantir o respeito do clero à jurisdição da Coroa. Em fins do século XVIII, assumiu as atribuições antes delegadas ao juiz ordinário ou da terra, pois se acreditava que ele obteria isenção na administração da justiça aos povos, por não possuir vínculos pessoais com os mesmos. Como o próprio nome já diz, originalmente este juiz vinha de fora da colônia, isto é, do Reino. A criação do cargo significou o reforço da autoridade régia sobre os territórios ultramarinos.

[2] CIGANOS: ciganos ou romas designam as populações que migraram do norte da Índia entre os séculos VIII e X para a Europa ocidental. Em 1971, os integrantes desses diferentes grupos se autodefiniram como Roma, uma escolha que partiu da língua derivada do sânscrito, o romani e ainda pela rejeição ao termo ciganos, tido como pejorativo, embora o termo continue definindo todos os romani (Lydie Fournier. L'autonomie, nouvelle utopie? Qui sont les Roms? Mensuel, n° 220, novembre 2010.). A história dos Roma na Europa e especialmente em Portugal e seus domínios na época moderna é marcada pela perseguição ao grupo e pelas diversas medidas para tomadas contra os ciganos (ou egipcianos, gicianos e outras derivações), entre elas o degredo, o que trouxe esse grupo para a África e para a América portuguesa. O grupo foi estigmatizado, objeto de preconceito e de curiosidade, tendo conservado uma cultura e um modo de vida que destoava das sociedades para onde se dirigiram. Desse modo a tradição itinerante, a língua, a leitura do destino, a feitiçaria ou mesmo pequenos furtos e o esmolar sem permissão predominavam entre as razões listadas para a política de degredo adotada pela Coroa portuguesa, como escreve Elisa Maria Lopes da Costa (Contributos ciganos para o povoamento do Brasil - séculos XVI-XIX. Arquipélago. História. 2ª série, IX, 2005). A autora destaca que o degredo de ciganos cumpria algumas demandas, expulsando os indesejáveis da metrópole e povoando a colônia, quando se estimulava o casamento entre ciganos e indígenas. Em 1592 uma lei condenava os ciganos à pena de morte se não cumprissem as medidas integradoras, lei renovada em 1694. No início do século XVIII mais uma lei enviava mulheres ao Brasil e homens às galés se insistissem em viver de acordo com sua cultura e hábitos. No ambiente ilustrado da segunda metade do século XVIII, um registro de provisão de d. José, de 3 de julho de 1761 comunicava ao chanceler da Relação da Bahia o estabelecimento de uma lei ordenando aos ciganos viverem “civilmente” no Estado do Brasil. As autoridades coloniais não cessaram de acusar os ciganos ao longo do Setecentos por uma série de infrações, muitas envolvendo africanos escravizados e mesmo em Portugal esses grupos permaneceram na agenda policial. No início do século XIX, principalmente a partir de 1808, aumentam as ocorrências contra os ciganos por roubo, tráfico ou revenda de escravos, atividades descritas por viajantes e registradas pela Intendência de Polícia da Corte no Rio de Janeiro. No século XX a população cigana na Europa foi atingida pela perseguição e eliminação promovidas pelo regime nazista. Avalia-se que foram assassinados 25% dos Roma europeus.

[3]VIANA, PAULO FERNANDES: nascido no Rio de Janeiro, Paulo Fernandes Viana era filho de Lourenço Fernandes Viana, comerciante de grosso trato, e de Maria do Loreto Nascente. Casou-se com Luiza Rosa Carneiro da Costa, da eminente família Carneiro Leão, proprietária de terras e escravos que teve grande importância na política do país já independente. Formou-se em Leis em Coimbra em 1778, onde exerceu primeiro a magistratura, e no final do Setecentos foi intendente do ouro em Sabará. Desembargador da Relação do Rio de Janeiro (1800) e depois do Porto (1804), e ouvidor-geral do crime da Corte foi nomeado intendente geral da Polícia da Corte pelo alvará de 10 de maio de 1808. De acordo com o alvará, o intendente da Polícia da Corte do Brasil possuía jurisdição ampla e ilimitada, estando a ele submetidos os ministros criminais e cíveis. Exercendo este cargo durante doze anos, atuou como uma espécie de ministro da ordem e segurança pública. Durante as guerras napoleônicas, dispensou atenção especial à censura de livros e impressos, com o intuito de impedir a circulação dos textos de conteúdo revolucionário. Tinha sob seu controle todos os órgãos policiais do Brasil, inclusive ouvidores gerais, alcaides maiores e menores, corregedores, inquiridores, meirinhos e capitães de estradas e assaltos. Foi durante a sua gestão que ocorreu a organização da Guarda Real da Polícia da Corte em 1809, destinada à vigilância policial da cidade do Rio de Janeiro. Passado o período de maior preocupação com a influência dos estrangeiros e suas ideias, Fernandes Viana passou a se ocupar intensamente com policiamento das ruas do Rio de Janeiro, intensificando as rondas nos bairros, em conjunto com os juízes do crime, buscando controlar a ação de assaltantes. Além disso, obrigava moradores que apresentavam comportamento desordeiro ou conflituoso a assinarem termos de bem viver – mecanismo legal, produzido pelo Estado brasileiro como forma de controle social, esses termos poderiam ser por embriaguez, prostituição, irregularidade de conduta, vadiagem, entre outros. Perseguiu intensamente os desordeiros de uma forma geral, e os negros e os pardos em particular, pelas práticas de jogos de casquinha a capoeiragem, pelos ajuntamentos em tavernas e pelas brigas nas quais estavam envolvidos. Fernandes Viana foi destituído do cargo em fevereiro de 1821, por ocasião do movimento constitucional no Rio de Janeiro que via no intendente um representante do despotismo e do servilismo colonial contra o qual lutavam. Quando a Corte partiu de volta para Portugal, Viana ficou no país e morreu em maio desse mesmo ano. Foi comendador da Ordem de Cristo e da Ordem da Conceição de Vila Viçosa, seu filho, de mesmo nome, foi agraciado com o título de barão de São Simão.

[4] CASTRO, D. FERNANDO JOSÉ DE PORTUGAL E (1752-1817): 1o conde de Aguiar e 2o marquês de Aguiar, era filho de José Miguel João de Portugal e Castro, 3º marquês de Valença, e de Luísa de Lorena. Formado em Direito pela Universidade de Coimbra, ocupou vários postos na administração portuguesa no decorrer de sua carreira. Governador da Bahia, entre os anos de 1788 a 1801, passou a vice-rei do Estado do Brasil, cargo que exerceu até 1806. Logo em seguida, regressou a Portugal e tornou-se presidente do Conselho Ultramarino, até a transferência da corte para o Rio de Janeiro. A experiência adquirida na administração colonial valeu-lhe a nomeação, em 1808, para a Secretaria de Estado dos Negócios do Brasil, pasta em que permaneceu até falecer. Durante esse período, ainda acumulou as funções de presidente do Real Erário e de secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros e da Guerra. Foi agraciado com o título de conde e marquês de Aguiar e se casou com sua sobrinha Maria Francisca de Portugal e Castro, dama de d. Maria I. Dentre suas atividades intelectuais, destaca-se a tradução para o português do livro Ensaio sobre a crítica, de Alexander Pope, publicado pela Imprensa Régia, em 1810.

Sugestões de uso em sala de aula:
No tema transversal pluralidade cultural
No eixo temático “História das relações sociais da cultura e do trabalho”
œ No eixo temático “História das representações e das relações de poder”

Ao tratar dos seguintes temas:
- A sociedade colonial: hierarquias, resistências e culturas
- Práticas e costumes no Brasil colonial
- Administração colonial: atividade policial e repressão
O trabalho no Brasil colonial

         

Fim do conteúdo da página