Ir direto para menu de acessibilidade.
Página inicial > Brasil > Penalidades aos Escravizados
Início do conteúdo da página
Brasil

Penalidades aos Escravizados: 1808 - 1821

Publicado: Quinta, 22 de Fevereiro de 2018, 19h47 | Última atualização em Quinta, 22 de Fevereiro de 2018, 19h47

  • De escravo a galé: a servidão penal no período joanino

     Paloma Siqueira Fonseca
    Mestre em História pela UnB

     Durante a estada da corte portuguesa no Rio de Janeiro, entre 1808 e 1821, o sistema penal, baseado no degredo, tinha relação muito próxima com o tipo de colonização utilizada por impérios marítimos como o português, sustentados por mão de obra forçada. O historiador Eric Williams, em trabalho clássico, apontou a relação entre diversas formas de trabalho forçado e a colonização do Novo Mundo, entre as quais o engajamento, o exílio penal e a escravidão, a esta conferindo maior destaque, por ter fornecido a mão de obra mais numerosa às lavouras extensivas de açúcar, tabaco e algodão nas Américas.[1] Mais especificamente, o historiador Timothy Coates deteve-se na utilização do exílio penal como forma de colonização forçada pela Coroa portuguesa, na qual criminosos e pecadores condenados a degredo foram aproveitados principalmente como soldados no império português.[2] No Brasil joanino, a combinação de escravidão e exílio penal fez com que muitos escravos fossem utilizados pelo Estado como mão de obra forçada em obras públicas, como veremos.

    Coates salientou que os termos ‘soldado' e ‘degredado' tornaram-se equivalentes na colonização portuguesa, não somente porque a maioria dos degredados do sexo masculino era empregada no serviço militar, mas também porque muitos dos homens que compunham as guarnições em terra e no mar eram provenientes do recrutamento forçado, prática que se referia à captura de homens considerados vadios, a serem aproveitados nos empreendimentos coloniais.[3] Da mesma forma, podemos verificar uma sinonímia entre os termos ‘escravo' e ‘galé', verificável na história de Caetano, bastante expressiva acerca de escravos fugitivos no Brasil: Caetano, africano da Guiné, trabalhou na lavoura de seu senhor Manoel Batista durante mais de vinte anos e, não suportando as crueldades, fugiu para o quilombo de Macabu, nos Campos dos Goytacazes, interior fluminense, no qual foi preso e levado para a capital. No Rio de Janeiro, foi condenado a galés e já estava há quatro anos nos trabalhos forçados quando requereu sua soltura e liberdade a d. João, o príncipe regente, argumentando em seu favor o bom comportamento e o intervalo de seis anos sem ter praticado outro crime.[4]

    O mais interessante na história de Caetano, para desvendarmos o sistema penal no período joanino, é que ele fora condenado a galés, uma sentença específica de degredo que compreendia cumprir pena de trabalhos forçados. O termo ‘galé' se referia, originariamente, a uma embarcação típica do Mediterrâneo, de borda baixa e movida principalmente a remos, empregada desde a Antiguidade clássica. As frotas antigas utilizavam criminosos como remadores nas galés, também absorvidos nas galés que permaneceram em atividade até pelo menos o final do século XVII, nos países com costa mediterrânea. Na galé antiga, remavam ao toque dos tambores cerca de 200 homens acorrentados uns aos outros, formando parelhas ou trincas, servindo no navio sem o propósito de reabilitação ao convívio social, submetidos ao desespero, mutilações e mortes em caso de o navio ir a pique.

    Em Portugal, as galés foram utilizadas entre os séculos XIII e XVII. Ser condenado a galés significava realizar trabalhos nos barcos de mesmo nome e era considerada uma pena muito severa, devido ao trabalho pesado exercido em condições precárias, o que geralmente reduzia o tempo de vida dos condenados. A partir provavelmente do século XVII, com o desuso desses navios, ser condenado a galés compreendia cumprir pena de trabalhos públicos, geralmente de docas e de caráter sazonal. A pena estava reservada a homens do povo acusados de crimes considerados graves, no Portugal do Antigo Regime. A pessoa que recebesse essa pena estava sendo legalmente degredada, pois ‘galés' era complemento do termo ‘degredo' na legislação penal, mas era um degredo mais duro e compreendia o uso de ferros - corrente, calceta ou grilheta.[5]

    Curiosamente, a condição de escravo impusera a Caetano os trabalhos forçados e submetera-o a castigos corporais, e desta mesma forma ele se encontrava na pena de galés! Após mais de vinte anos trabalhando para seu senhor, um proprietário particular, passou a suplicar por sua soltura e liberdade a outro senhor, o monarca regente... Da mesma forma que o proprietário particular tinha um poder de morte sobre seu escravo, também o monarca, dispensador da justiça e da graça, tinha o poder de dar fim à vida de seus súditos, considerando que então existia a pena de morte. Dessa forma, existiam semelhanças entre a escravidão e a servidão penal, tanto pelo trabalho forçado e penas corporais como também pela submissão a um senhor. Ambas, a escravidão e a pena de galés, práticas antigas, atravessaram o Atlântico e se estabeleceram nas Américas, ao tempo da colonização. Quando a família real portuguesa transmigrou para o Brasil, aquelas práticas possuíam uma longa duração.

    A história de Caetano, ainda que tenha se passado na província do Rio de Janeiro, pode ser estendida ao Brasil e ao império português como um todo, pois o sistema penal tinha uma origem comum, as Ordenações Filipinas de 1603, cujo livro V tratava dos castigos e das penas. As Ordenações serviram de base legal para a aplicação das punições em Portugal e nos domínios ultramarinos. O degredo, como pena principal, era aplicado não somente aos súditos livres, mas também aos escravos, tanto na América como na Índia portuguesas: Goa e Salvador, além de receberem degredados portugueses, também degredaram e mantiveram galés para os condenados. Essa realidade penal vigorou no Brasil até pelo menos 1830, quando foi aprovado o Código Criminal. Até aquele momento, os que cometiam crimes graves, tais como homicídio, violação, blasfêmia, feitiçaria, deserção, passavam pela Justiça comum, eclesiástica ou militar antes de partirem para o exílio como soldados ou de serem enviados aos trabalhos forçados. [6]

    O escravo estava designado nas Ordenações Filipinas como objeto e sujeito da relação jurídica, ou seja, o crime que cometia lhe era imputável, tanto no reino como nos domínios coloniais, e sua condição cativa agravava a pena. Na América portuguesa, na medida em que o escravo saía da esfera econômica de seu proprietário, passava a ser objeto de ação das autoridades régias. Essa ação se deu principalmente em um evento previsível no mundo da escravidão, a fuga, que, mesmo não considerada um crime, lançava o cativo nas malhas das autoridades encarregadas da ordem pública, imbuídas de criarem, pela legislação extravagante, os tipos penais relacionados ao crescimento de quilombos a partir do século XVII. A fuga representava não somente uma resistência à crueldade dos senhores, tal como o motivo alegado por Caetano para sua evasão, mas também a constituição de uma comunidade e cultura negras em quilombos e mocambos, nos quais o fugitivo poderia organizar sua vida fora da escravidão.[7]

    A esse respeito, a correspondência do governador da Bahia à administração central demonstra que grandes proprietários e senhores de engenho experimentaram o temor pelos levantes de escravos no recôncavo, a ponto de, em 1811, paradoxalmente muitos dos senhores fugirem de seus escravos, pois estes, alegando sofrer flagelos, fome e exploração, ameaçavam se reunir com familiares e amigos para matar os senhores e suas famílias caso impedissem a fuga escrava.[8] Autoridades daquela capitania propuseram, em 1816, medidas para evitar os levantes, tanto nas cidades como no recôncavo, pois as ideias provenientes da ilha de São Domingos foram propagadas por marinheiros pretos, fazendo ecoar a abolição da escravidão no Haiti (1794) e a independência daquele país (1804), governado por homens que tinham sido escravos.[9]

    Na cidade do Rio de Janeiro, sede da corte, a instituição encarregada da captura, investigação, condenação e remessa para as prisões de escravos fugidos, de criminosos e ‘vadios' era a Intendência Geral de Polícia, organismo que também respondia pela segurança, obras públicas e abastecimento da corte. A guarda policial, força de tempo integral organizada militarmente, juntamente com os juízes do crime, alimentou a Cadeia e o Calabouço, principais prisões na cidade, nas quais os escravos eram depositados para dali cumprirem os trabalhos forçados, tais como nas pedreiras, no transporte de água e alimentos, na coleta do lixo, na construção de estradas e nos calçamentos das ruas.[10] A utilização da mão de obra escrava em trabalhos públicos se deveu não somente ao estabelecimento da corte no Rio de Janeiro - pois se tratava de tornar o espaço urbano mais "civilizado"[11] -, mas também porque existia uma previsão legal no direito português: a pena de "degredo para as galés", como vimos.

    A historiadora Leila Mezan Algranti, em trabalho pioneiro sobre a escravidão urbana no Rio de Janeiro, identificou na cidade a polícia como a instituição com atributos equivalentes ao do feitor em fazendas e engenhos. Na medida em que ao Estado interessava zelar pela ordem pública e aproveitar a força de trabalho de criminosos em obras e abastecimento da cidade, a polícia assumiu a administração dos trabalhos públicos e, ao mesmo tempo, a punição aos desviantes e indesejáveis. Como o feitor estava ausente nas residências urbanas, seu lugar foi ocupado pela polícia, que se interpunha entre o senhor e o escravo no espaço público, cuja vigilância recaía principalmente, nessa ordem, nos escravos, nos libertos e nos homens livres pobres.[12]

    No Rio de Janeiro, não somente a maioria dos detidos pela polícia era de escravos africanos, como também a fuga era o principal motivo de prisão de cativos. Como Caetano, a maioria dos fugitivos era composta de africanos do sexo masculino, contra uma minoria de mulheres e naturais do Brasil.[13] Outro motivo para prisão de escravos era a capoeira, um tipo de dança que se confundia com luta marcial, praticada por escravos urbanos, nascida no Brasil e com ancestralidade africana. "Jogar capoeira", tal como a fuga, não era um crime tipificado na legislação penal, mas passou a ser alvo de vigilância da polícia por estar associada à desordem social e a alguns crimes violentos: as fitas de cores e chapéus, os assobios, as cabeçadas, o uso de navalhas e facas eram traços distintivos dos escravos capoeiras, que se organizavam em maltas de dois, três ou mais indivíduos em praças públicas, entrando em contendas com outros escravos, com libertos e livres, ou resistindo às investidas policiais.[14]

    De acordo com Algranti, as penas aplicadas aos escravos eram: trabalhos forçados para os fugitivos, até que fossem reclamados pelos senhores; açoites conjugados com três meses de trabalhos forçados ou prisão para crimes violentos (brigas, facadas, pedradas) e ofensas à ordem pública (vadiagem, jogos de azar, desrespeito ao toque de recolher, jogar capoeira). A pena mais comum era a de açoites, cujo número variava de 50 a 200 até 1815, aumentando a partir de então para 300, aplicados com intervalos. Da mesma forma, ao longo do período a pena de trabalhos forçados aumentou de frequência nas condenações pela polícia, e um destino que se tornou bastante comum foi a estrada da Tijuca, cuja construção iniciou-se em 1816, recebendo muitos galés de 1819 a 1821. As penas de morte e degredo (sem especificação ‘para as galés') eram as menos aplicadas, e a de prisão estava associada aos açoites ou aos trabalhos forçados.[15]

    A Cadeia (antigo Aljube) e o Calabouço eram as duas principais prisões do Rio de Janeiro, nas quais ficavam depositados os escravos, sendo o Calabouço exclusivo para os cativos. É importante destacar que as prisões à época não eram destinadas à ressocialização dos presos, mas serviam de depósito até que os degredados fossem cumprir a pena no ultramar, os galés saíssem para a jornada diária rumo aos trabalhos pesados, ou ainda nas quais eram aplicadas as punições corporais, principalmente o açoite, mas também ferros aplicados ao pescoço ou tornozelos para imobilização. Por inexistir à época a pena privativa de liberdade, a ideia era corrigir o faltoso e aproveitá-lo em empreendimentos do Estado, seja como soldado em guerras e colonização, ou como forçado em serviços públicos. Para esses fins, as cadeias em cidades e vilas e as fortalezas militares serviram de locais provisórios. Até mesmo navios serviram como depósitos de presos, a exemplo da presiganga, navio-presídio da Marinha, cujos presos eram utilizados como forçados nos trabalhos do Arsenal de Marinha da corte, como recrutas nas guarnições dos navios de guerra, ou aguardavam a partida para os destinos longínquos de degredo.[16]

    Não sabemos se o escravo Caetano foi atendido em sua súplica de soltura e liberdade, só temos conhecimento de que não foi reclamado por seu senhor, algo que poderia ocorrer antes mesmo da aplicação da pena. O que chama a atenção no requerimento de Caetano é a não especificação do prazo da sentença em meses ou anos, nem sequer é mencionada a expressão "por toda a vida", que se referia ao degredo perpétuo. É possível compreender essa ausência pela própria condição da escravidão, que impunha uma perpetuidade ao trabalho forçado, que então era confirmada na pena de galés. Provavelmente, havia um entendimento de que escravos que tinham trabalhado para seus proprietários durante décadas, como Caetano ao longo de vinte anos, e que não eram reclamados pelos senhores, deveriam ser aproveitados indefinidamente nos trabalhos pesados, até serem exauridos de suas forças.

    De acordo com Coates, o sistema do degredo português previa uma espécie de ajuste nas condenações, para responder a crises e necessidades do império: existia uma flexibilidade na condenação de criminosos, que operava tanto em nível individual como em nível coletivo, definindo-se em termos de ajustamentos nos prazos e nos locais das sentenças. Os agentes reais possuíam predisposição em coordenar os interesses do Estado com as penas para os crimes cometidos e com as preferências individuais quanto a locais de exílio, para isso fazendo uso de comutações e perdões e raramente empregando o banimento perpétuo e a pena de morte.[17] Para os escravos, muito provavelmente nunca existiu essa flexibilidade, como dá a entender outra súplica, a de um agente da Coroa, para que fossem comutadas as penas de morte de todos os presos, à exceção dos escravos que mataram seus senhores.[18]

    Se as penas de degredo para as galés e de açoites não eram destinadas exclusivamente aos escravos, estes eram os principais destinatários dessas punições no período joanino. Essa realidade se devia à própria legislação penal, que não admitia a aplicação de galés e açoites aos nobres, somente a homens do povo, entre eles os escravos, situados na posição mais baixa da hierarquia social do Antigo Regime.[19] Numa sociedade escravista como a do Brasil, cuja produção econômica era sustentada em boa parte por braços escravos em lavouras, mercados, minas, oficinas e em serviços domésticos, as leis penais utilizaram-nos também nos serviços públicos que exigiam trabalho braçal: cativos fugitivos, capoeiras e outros que burlavam a ordem escravocrata foram condenados à servidão penal. Essa pena, frequentemente associada aos açoites, não visava primordialmente à reabilitação do criminoso, mas à sua utilização em empreendimentos do Estado.

    No Brasil atual não existem penas de morte (salvo no caso de guerra declarada), de caráter perpétuo, de trabalhos forçados, de banimento ou penas cruéis,[20] mas todas existiam nas primeiras décadas do século XIX, como fruto da legislação do Antigo Regime ibérico, compilada nas Ordenações Filipinas (1603): pena de morte, degredo e degredo para as galés, geralmente acompanhadas de multa e açoites, atualmente são rejeitadas pela legislação brasileira, pois estão vinculadas a sociedades coloniais, escravistas ou pré-industriais, quando se utilizava predominantemente mão de obra forçada em decorrência da escravidão, do exílio penal ou do recrutamento forçado, seja em processos produtivos, colonização ou serviço militar.

    Desde pelo menos o final do século XVIII, com as Revoluções Americana, Francesa e Industrial, tornou-se inadmissível aplicar o degredo após o colonialismo, e gradativamente incômodo aplicar penas corporais, trabalho forçado e pena de morte em um mundo que passou a valorizar a liberdade, cuja privação se dá pelas sentenças criminais no mundo moderno.

    [1] WILLIAMS, Eric. Capitalismo e escravidão, especialmente o capítulo "A origem da escravidão negra".
    [2] COATES, Timothy. Degredados e órfãs, especialmente os cinco primeiros capítulos.
    [3] COATES, Timothy, op. cit., especialmente o capítulo "Degredados, soldados e renegados: a realidade imperial do exílio".
    [4] Ver a transcrição do Requerimento do escravo Caetano, s/d, com despacho datado do Rio de Janeiro, em 23 de outubro de 1810, Ministério da Justiça, Caixa 774, pct. 03. Arquivo Nacional.
    [5] Para a servidão penal nas galés, ver COATES, Timothy, op. cit., p. 85-96.
    [6] COATES, Timothy, op. cit., especialmente o capítulo "A base legal do exílio como pena".
    Para as galés da Bahia, existentes na Ribeira das Naus, e a pena correlata, ver GOULART, José Alípio. Da palmatória ao patíbulo, capítulo "Galés".
    [7] Para o escravo em juízo, a condição cativa que agravava a pena e a criação de tipos penais relacionados ao crescimento de quilombos, ver WEHLING, Arno; WEHLING, Maria José. O escravo na Justiça do Antigo Regime. Para a previsibilidade da fuga na escravidão e os quilombos como espaços de sociabilidade negra, ver GOMES, Flávio dos Santos. Jogando a rede, revendo as malhas: fugas e fugitivos no Brasil escravista.
    [8] Ver as ementas da correspondência do presidente da província da Bahia, especialmente aquela relativa à carta do conde dos Arcos, datada de 2 de maio de 1811, Série Interior, IJJ9 323. Arquivo Nacional.
    [9] Ver as ementas da correspondência do presidente da província da Bahia e a transcrição das medidas datadas da Vila de São Francisco, em 24 de fevereiro de 1816, Série Interior IJJ9 324. Arquivo Nacional.
    [10] HOLLOWAY, Thomas. Polícia no Rio de Janeiro, especialmente o capítulo "Primórdios, 1808-1830".
    [11] Schultz, Kirsten. Perfeita civilização: a transferência da corte, a escravidão e o desejo de metropolizar uma capital colonial. Rio de Janeiro, 1808-1821. Tempo, vol. 12, núm. 24, 2008, pp. 5-27.
    [12] ALGRANTI, Leila Mezan. O feitor ausente, estudos sobre a escravidão urbana, 1808-1822, Petrópolis, Rio de Janeiro, Vozes, 1988.
    [13] Para os dados relativos aos presos pela polícia, ver ALGRANTI, Leila Mezan, op. cit. Para os dados relativos aos escravos fugitivos, ver GOMES, Flávio dos Santos Gomes, op. cit.
    [14] Para a capoeira escrava, ver SOARES, Carlos Eugênio Líbano. A capoeira escrava e outras tradições rebeldes no Rio de Janeiro (1808-1850).
    [15] ALGRANTI, Leila Mezan, op. cit., p. 193-198.
    [16] Para a Cadeia e o Calabouço, ver ARAÚJO, Carlos Eduardo Moreira de. Entre dois cativeiros.
    Para a presiganga, ver FONSECA, Paloma Siqueira. A presiganga real (1808-1831). p. 109-134.
    [17] COATES, Timothy, op. cit., especialmente o capítulo "O sistema reage à mudança".
    [18] Ver a transcrição do Requerimento de um agente da Coroa, datado do Rio de Janeiro em 6 de janeiro de 1812, Ministério da Justiça, Caixa 774, pct. 03. Arquivo Nacional.
    [19] Para a integração do escravo na legislação penal, ver FERREIRA, Ricardo Alexandre. Polissemias da desigualdade no Livro V das Ordenações Filipinas.
    [20] BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, Art. 5º, inciso XLVII.

  • Conjunto documental: Registro original de correspondências dos governadores do Rio de Janeiro, destes com outros e com diversas autoridades. Portarias, ordens, bandos, etc

    Notação: códice 87, vol. 06
    Data-limite: 1729 - 1730
    Título de fundo: Secretaria de Estado do Brasil
    Código de fundo: 86
    Argumento da pesquisa: escravos, penalidades
    Ementa: declaração sobre os jogos e armas proibidas a mulatos e negros. Relata o grande numero de mortes, facadas, porretadas e outros ferimentos executados pela grande maioria de vezes por mulatos, negros e principalmente por cativos. Os negros traziam capotes com os quais escondiam facas e porretes, embora seja proibido o uso de capotes, tendo de estar nu da cintura para cima, não portando nenhum tipo de objeto cortante. Caso algum escravo fosse pego usando capote ou portando esses objetos, seria preso e açoitado. Os escravos também eram proibidos de praticar jogos de chapas, dados e cartas, pois poderiam causar prejuízos no serviço e atrapalhariam a ordem publica. Aqueles que fossem pegos seriam presos por 5 dias e levariam 50 açoites por dia enquanto estivessem na prisão. Todos os homens brancos que fossem pegos jogando com escravos seriam presos por 30 dias e pagariam 50 cruzados.
    Data do documento: 25 de novembro de 1729
    Local: Rio de Janeiro
    Folha (s): 98v., 99
     
    Conjunto documental: Correspondência original dos governadores do Pará com a Corte. Cartas e anexos
    Notação: códice 99, vol. 15
    Data-limite: 1795 - 1795
    Título de fundo: Negócios de Portugal
    Código do fundo: 59
    Argumento da pesquisa: escravos, penalidades
    Ementa: termo de depoimento dos oficiais de Angola destinada a Luiz Pinto de Souza, sobre os escravos que não querem trabalhar sob as condições que estão sendo-lhes impostas, entre elas a fome e os maus tratos.Data do documento: 10 de dezembro de 1795.
    Local: Pará
    Folha(s): 393
     
    Conjunto documental: Bahia. Ministério do Reino. Correspondência do presidente da província
    Notação: IJJ9 323
    Data-limite: 1810 - 1816
    Título de fundo: Série Interior
    Código do fundo: AA
    Argumento da pesquisa: escravos, penalidades
    Ementa: petição escrita por Cosme Damião da Cunha, ordenando que todo o escravo que estiver nas ruas da cidade das 9 horas da noite sem a companhia de seu senhor, ou que não estiver com uma ordem escrita por ele, deveria ser conduzido até a guarda principal.
    Data do documento: 29 de maio de 1807
    Local: Rio de Janeiro
    Folha(s): 11
     
    Conjunto documental: Ministério da Justiça
    Notação: caixa 774, pct. 03
    Data-limite: 1808 - 1817
    Título de fundo: Ministério da Justiça
    Código do fundo: 4T
    Argumento da pesquisa: escravos, penalidades
    Ementa: requerimento feito pelo conde de Aguiar ao rei sobre o escravo Caetano da nação de Guine descrevendo que o escravo, não suportando mais as crueldades que sofria nas mãos do seu senhor, fugiu para o quilombo de Macambu, no distrito de Campos dos Goitacazes, onde foi preso e conduzido ate o Rio de Janeiro.
    Data do documento: 23 de outubro de 1810
    Local: Rio de Janeiro
    Folha(s):-
     
    Conjunto documental: Ministério da Justiça
    Notação: caixa 774, pct. 03
    Data-limite: 1808 - 1817
    Título de fundo: Ministério da Justiça
    Código do fundo: 4T
    Argumento da pesquisa: escravos, penalidades
    Ementa: informe acerca do requerimento do dia 23 de outubro de 1810 sobre o escravo Caetano, feito pelo conde de Aguiar. O documento relata que nos quilombos do sertão dos rios Imbe e Macabu vivia uma grande quantidade de escravos fugidos, e que por ordem do conde dos Arcos, muitos desses escravos foram presos, ate que seus senhores os fossem buscá-los. Porém alguns escravos se recusavam a dizer o nome de seus senhores, o que era o caso de Caetano.
    Data do documento: 3 de novembro de 1810
    Local: Rio de Janeiro
    Folha(s):-
     
    Conjunto documental: Registro de ofícios expedidos da Polícia para o governo das armas da Corte, Marinha e mais patentes militares
    Notação: códice 326, vol. 01
    Data-limite: 1815 - 1826
    Título de fundo: Polícia da Corte
    Código do fundo: ØE
    Argumento da pesquisa: escravos, penalidades
    Ementa: ofício expedido por Paulo Vianna sobre a prisão do escravo Silvestre, cujo senhor era Manoel José Marques. Orienta a transferência do escravo, até então a serviço da pipa da água da Santa Casa da Misericórdia, para a prisão do Calabouço. O documento não relata qual foi o crime cometido pelo escravo. 
    Data do documento: 21 de março de 1811
    Local: Rio de Janeiro
    Folha (s): 15
     
    Conjunto documental: Ministério da Justiça
    Notação: caixa 774, pct. 03
    Data-limite: 1808 - 1817
    Título de fundo: Ministério da Justiça
    Código do fundo: 4T
    Argumento da pesquisa: escravos, penalidades
    Ementa: representação ao príncipe regente, d. João, solicitando a comutação da pena de morte de todos os réus que estão presos, com exceção dos escravos que mataram seus senhores, e dos cônjuges que assassinaram seus esposos ou esposas.
    Data do documento: 6 de janeiro de 1812
    Local: Rio de Janeiro
    Folha(s):-
     
    Conjunto documental: Bahia. Ministério do Reino. Correspondência do presidente da província
    Notação: IJJ9 323
    Data-limite: 1810 - 1816
    Título de fundo: Série Interior
    Código do fundo: AA
    Argumento da pesquisa: escravos, penalidades
    Ementa: carta do conde dos Arcos, governador da Bahia, ao marques de Aguiar, ministro e secretario de Estado do Reino sobre a situação geral após os levantes escravos na armação de Manoel Ignácio da Cunha, na Bahia. Contrapõe-se aos relatos enviados ao marquês e às atitudes tomadas pelos senhores locais e pelo desembargador, afirmando que havia medo em excesso e que não havia razão para se intimidar ou alterar a forma normal de agir. Dá como exemplo o caso de um negro acusado e condenado que não cumpriu sua sentença de açoites, pois se espalhou a ideia de que seus parceiros o libertariam e matariam os brancos que o acusaram.
    Data do documento: 16 de maio de 1814
    Local: Bahia
    Folha(s): 42-44
     
    Conjunto documental: Bahia. Ministério do Reino. Correspondência do presidente da província
    Notação: IJJ9 323
    Data-limite: 1810 - 1816
    Título de fundo: Série Interior
    Código do fundo: AA
    Argumento da pesquisa: escravos, penalidades
    Ementa: notas escritas pelo conde dos Arcos sobre o levante escravo que aconteceu na armação de Manoel Ignácio no dia 28 de fevereiro de 1814. Com a possibilidade de acontecer novos levantes escravos, algumas medidas contra essa rebelião foram tomadas, sendo o ouvidor do crime responsável por essa tarefa. O documento fala também sobre o escravo Caetano Ferreiro que foi preso, mas em poucos dias foi solto por não haver provas que o incriminassem. Por isso, há notas que ressaltam a importância das denuncias para que haja provas contra o possível culpado.
    Data do documento: 28 de agosto de 1814
    Local: Bahia
    Folha(s): 141-149
     
    Conjunto documental: Registro de ofícios expedidos da Polícia para o Governo das Armas da Corte, Marinha e mais patentes militares e ordenanças
    Notação: códice 326, vol. 02
    Data-limite: 1815 - 1818
    Título de fundo: Polícia da Corte
    Código do fundo: ØE
    Argumento da pesquisa: escravos, penalidades
    Ementa: registro ao comandante do distrito de Inhomerim relatando que o escravo Marcelino Cabral, escravo de Joana de Souza, encontra-se preso, e que se esperavam outros “vadios, malfeitores”, e de todos os que forem enviados a intendência em questão, sejam aproveitados na tropa de linha, como marujos, em serviços de obras, entre outros.
    Data do documento: 11 de abril de 1815
    Local: Rio de Janeiro
    Folha (s): 5
     
    Conjunto documental: Registro de ofícios expedidos da Polícia para o Governo das Armas da Corte, Marinha e mais patentes militares e ordenanças
    Notação: códice 326, vol. 02
    Data-limite: 1815 - 1818
    Título de fundo: Polícia da Corte
    Código do fundo: ØE
    Argumento da pesquisa: escravos, penalidades
    Ementa: registro ao inspetor do Arsenal Real da Marinha dizendo que o escravo fugido de Francisco José Barroso foi empregado nos serviços do Arsenal Real da Marinha.
    Data do documento: 27 de maio de 1815
    Local: Rio de Janeiro
    Folha (s): 8 v.
     
    Conjunto documental: Registros de ordens e ofícios expedidos da Polícia aos ministros criminais dos bairros e comarcas da Corte e ministros eclesiásticos
    Notação: códice 329, vol. 03
    Data-limite: 1815 - 1817
    Título de fundo: Polícia da Corte
    Código do fundo: ØE
    Argumento da pesquisa: escravos, penalidades
    Ementa: registro do oficio expedido pelo juiz de crime do bairro da Sé, Paulo Fernandes Vianna sobre a facada dada na escrava Esmeria. Foram presos por este crime: Salvador Correia e Inocência Maria, ambos libertos.
    Data do documento: 21 de março de 1815
    Local: Rio de Janeiro
    Folha (s): 21
     
    Conjunto documental: Registro de ofícios expedidos da Polícia para o Governo das Armas da Corte, Marinha e mais patentes militares e ordenanças
    Notação: códice 326, vol. 02
    Data-limite: 1815 - 1818
    Título de fundo: Polícia da Corte
    Código de fundo: ØE
    Argumento da pesquisa: escravos, penalidades
    Ementa: carta que relata sobre o escravo de Fernando Carneiro Leão fugiu da prisão e estando munido de arma junto com mais cinco escravos que dizem ser da fazenda de Guarindiba. Eles representariam um perigo caso persuadissem outros escravos a produzirem armas e atacarem os senhores.
    Data do documento: 23 de novembro de 1815
    Local: Rio de Janeiro
    Folha (s): 33
     
     
    Conjunto documental: Registros de ordens e ofícios expedidos da Polícia aos ministros criminais dos bairros e comarcas da Corte e ministros eclesiásticos
    Notação: códice 329, vol. 03
    Data-limite: 1815 - 1817
    Título de fundo: Polícia da Corte
    Código do fundo: ØE
    Argumento da pesquisa: escravos, penalidades
    Ementa: registro sobre o ferimento feito no escravo Manuel. Segundo a lei, foi feito um corpo de delito que apontará o culpado por tal ato, aparentemente outro escravo.
    Data do documento: 30 de dezembro de 1815
    Local: Rio de Janeiro
    Folha (s): -
     
    Conjunto documental: Bahia. Ministério do Reino. Correspondência do presidente da província 
    Notação: IJJ9 324
    Data-limite: 1814 - 1816
    Título de fundo: Série Interior
    Código do fundo: AA
    Argumento da pesquisa: escravos, penalidades
    Ementa: propostas e medidas de Felisberto Caldeira Pontes, marquês de Barbacena, sobre os escravos revoltosos. A primeira medida seria providenciar uma guarda em cada engenho, prendendo cada escravo suspeito, a fim de diminuir os levantes escravos e a segunda seria a abolição imediata do comércio da escravatura. 
    Data do documento: 26 de fevereiro de 1816
    Local: Bahia
    Folha(s): 44-45
     
    Conjunto documental: Bahia. Ministério do Reino. Correspondência do presidente da província 
    Notação: IJJ9 324
    Data-limite: 1814 - 1816
    Título de fundo: Série Interior
    Código do fundo: AA
    Argumento da pesquisa: escravos, penalidades
    Ementa: medidas a fim de garantir a segurança do Recôncavo, estabelecidas por senhores em convocação feita pelo governador da Bahia, conde dos Arcos.Tais medidas incluíam toque de recolher, proibição estrita de qualquer escravo carregar arma, mesmo branca, agrupamentos. As medidas seriam específicas para as cidades, vilas e grandes povoações da Bahia. Já no Recôncavo, nenhum escravo poderia sair das terras do senhor sem um bilhete que o autorizasse a isso, sendo conveniente que os senhores construíssem lugares fechados para que os escravos possam passar a noite.
    Data do documento: 24 de fevereiro de 1816
    Local: Vila de São Francisco
    Folha(s): 46-48
     
    Conjunto documental: Registro de ordens e ofícios expedidos da Polícia aos ministros criminais dos bairros e comarcas da Corte e ministros eclesiásticos
    Notação: códice 329, vol. 04
    Data-limite: 1817 - 1818
    Título de fundo: Polícia da Corte
    Código de fundo: ØE
    Argumento da pesquisa: escravos, penalidades
    Ementa: registro de prisão de escravos acusados de atacar Joaquim José de Siqueira escrito por Paulo Fernandes Vianna descrevendo que os escravos acusados foram entregue a Guarda da Ponte da cidade nova para assim, serem conduzidos à cadeia.
    Data do documento: 3 de maio de 1817
    Local: Rio de Janeiro
    Folha (s): 15-16
     
    Conjunto documental: Registro de ordens e ofícios expedidos da Polícia aos ministros criminais dos bairros e comarcas da Corte e ministros eclesiásticos
    Notação: códice 329, vol. 04
    Data-limite: 1817 - 1818
    Título de fundo: Polícia da Corte
    Código do fundo: ØE
    Argumento da pesquisa: escravos, penalidades
    Ementa: registro escrito por Paulo Fernandes Vianna ao juiz de crimes do bairro de São José informando a prisão de Joaquim Moçambique, escravo de dona Maria Vital pelo porte de navalha de ponta. 
    Data do documento: 3 de junho de 1817
    Local: Rio de Janeiro
    Folha (s): 21
     
    Conjunto documental: Registro de ordens e ofícios expedidos da Polícia aos ministros criminais dos bairros e comarcas da Corte e ministros eclesiásticos
    Notação: códice 329, vol. 04
    Data-limite: 1817 - 1818
    Conjunto documental: Ministério da Justiça
    Notação: caixa 774, pct. 03
    Data-limite: 1808 - 1817
    Título de fundo: Ministério da Justiça
    Código do fundo: 4T
    Argumento da pesquisa: escravos, penalidades
    Ementa: termo escrito por Felipe Soares da Andrade sobre um escravo da Real Fazenda de Santa Cruz chamado Manoel de Jesus, que estava preso por apresentar péssimas condutas na fazenda, como por exemplo: fugir, roubar, molestar a prima, esbofetear o pai e seus próprios parceiros. 
    Data: 21 de setembro de 1817
    Local: Rio de Janeiro
    Folha(s): -
     
    Conjunto documental: Registro de ordens e ofícios expedidos da Polícia aos ministros criminais dos bairros e comarcas da Corte e ministros eclesiásticos
    Notação: códice 329, vol. 04
    Data-limite: 1817 - 1818
    Título de fundo: Polícia da Corte
    Código do fundo: ØE
    Argumento da pesquisa: escravos, penalidades
    Ementa: ofício enviado ao juiz do crime do bairro da Sé relatando que às nove horas da noite no dia 17 de agosto de 1817, no sitio da praia pequena, em Inhaúma, o escravo de Antonio José dos Passos foi ferido pelo mulato Manoel, escravo de Claudiana Maria. O escravo acusado portava uma espingarda que usou para se defender da prisão. Através do relato de várias testemunhas da região, o escravo foi punido e depois enviado para a cadeia.
    Data do documento: 19 de agosto de 1817
    Local: Rio de Janeiro
    Folha (s): 49
     
    Conjunto documental: Registro de ofícios expedidos da Polícia para o governo das armas da Corte, Marinha e mais patentes militares e ordenanças
    Notação: códice 326, vol. 03
    Data-limite: 1818 - 1822
    Título de fundo: Polícia da Corte
    Código do fundo: ØE
    Argumento da pesquisa: escravos, penalidades
    Ementa: registro oficial expedido ao tenente e coronel do distrito de `Irajá] Manoel Ignácio de Andrade. O documento relata as muitas mortes e desordens que tem ocorrido em pouquíssimo tempo. Descreve o caso de escravos que estavam rondando a casa de José da Fonseca Rangel para o matarem. Cita também a escrava Felizarda, autora da dança Calundu e de varias superstições com as quais foi acusada de extorquir dinheiro. Pede-se então uma relação dos homens brancos, pardos e pretos livres que vivem jogando pelas tabernas de dia e de noite fomentando as desordens.
    Data do documento: 2 de março de 1819
    Local: Rio de Janeiro
    Folha (s): 26-27
     
    Conjunto documental: Registro de ordens e ofícios expedidos da Polícia aos ministros criminais dos bairros e comarcas da Corte e ministros eclesiásticos
    Notação: códice 329, vol. 05
    Data-limite: 1818 - 1824
    Título de fundo: Polícia da Corte
    Código do fundo: ØE
    Argumento da pesquisa: escravos, penalidades
    Ementa: registro do juiz ordinário da vila de Rezende informando que os escravos que fossem presos por motivo de fuga deveriam, a todo custo, ser reencaminhados aos seus senhores originais. Determina o processo adequado para que tal aconteça, evitando-se assim que os escravos permaneçam nas cadeias indevidamente, e que, não reclamados, acabem sendo vendidos.  
    Data do documento: 10 de julho de 1822
    Local: Rio de Janeiro 
    Folha (s): -
     
    Conjunto documental: Bahia. Ministério do Reino. Correspondência do presidente da província
    Notação: IJJ9 323
    Data-limite: 1810 - 1816
    Título de fundo: Série Interior
    Código do fundo: AA
    Argumento da pesquisa: escravos, penalidades
    Ementa: carta de instruções gerais escrita pelo ajudante da corte, Cosme Damião da Cunha, com algumas normas para soldados, marujos e escravos. Os escravos que não estivessem na companhia de seu senhor ou não tivessem um bilhete por escrito da ordem do mesmo, seriam apreendidos, devendo também evitar grupos de escravos andando em bando nas ruas, exceto em dias de festas em que lhes foi dada permissão.
    Data do documento: s.d.
    Local: Bahia
    Folha  (s): 12-13
  • Comutação de pena

    Representação ao príncipe regente, d. João, solicitando a comutação da pena de morte de todos os réus que estão presos, com exceção dos escravos que mataram seus senhores, e dos cônjuges que assassinaram seus esposos ou esposas.

     


    Conjunto documental: Ministério da Justiça
    Notação: caixa 774, pct. 03
    Data-limite: 1808 - 1817
    Título de fundo: Ministério da Justiça
    Código do fundo: 4T
    Argumento da pesquisa: escravos, penalidades
    Data do documento: 6 de janeiro de 1812
    Local: Rio de Janeiro
    Folha(s):-

     

    As reais mãos de Vossa Alteza levei no dia trinta de julho a minha representação dessa data] e Vossa Alteza acolhendo-a e deu para despacho ao Ministro de Estado Conde de Aguiar[1] .

    Pedi eu a Vossa Alteza um decreto de comutação[2] para os réus de pena última[3]; porém mais amplo do que outros que Vossa Alteza a Rainha nossa senhora, e nossos soberanos predecessores de Vossa Alteza têm concedido repetidas vezes. Nesta ocasião do natalício do Príncipe de Beira[4] nosso senhor, repito a minha súplica, para que seja comutado a pena de morte a todos os réus que se acham presos, com exceção dos escravos[5] que mataram seus senhores, ou quem no lugar deles os governava; e dos outros réus cônjuge, que aleivosamente mataram, seja homem a sua mulher, seja esta o seu marido. Em segundo lugar pelas razões na mesma súplica expressadas pedia a Vossa Alteza que mandasse destinar para depósito dos degredados[6] enquanto não seguem os seus destinos as duas fortalezas de Santa Cruz[7] e Ilha das cobras `8`, conforme a gravidade e qualidade dos seus crime, e pessoas: assim como já consegui pelo expediente do Conde dos Galveas[8] para os dos degredados, Ignácio Pereira Pinto, e Joaquim José Pereira de Almeida. Interessa a humanidade, interessa o serviço de Vossa Alteza, o beneficio dos vassalos[9] na decisão da minha súplica, aproveitando-se vassalos que nos degredos não raras vezes melhoram de costumes, quando se inutilizam apodrecendo nas cadeias[10] . Vossa Alteza Real perdoando isto e comutando as penas de morte exercita as virtudes de um monarca como Vossa Alteza Real não somente soberano; mas rei dos seus vassalos.

    Rio de Janeiro, 6 de Janeiro de 1812

     

    [1] CASTRO, D. FERNANDO JOSÉ DE PORTUGAL E (1752-1817): 1o conde de Aguiar e 2o marquês de Aguiar, era filho de José Miguel João de Portugal e Castro, 3º marquês de Valença, e de Luísa de Lorena. Formado em Direito pela Universidade de Coimbra, ocupou vários postos na administração portuguesa no decorrer de sua carreira. Governador da Bahia, entre os anos de 1788 a 1801, passou a vice-rei do Estado do Brasil, cargo que exerceu até 1806. Logo em seguida, regressou a Portugal e tornou-se presidente do Conselho Ultramarino, até a transferência da corte para o Rio de Janeiro. A experiência adquirida na administração colonial valeu-lhe a nomeação, em 1808, para a Secretaria de Estado dos Negócios do Brasil, pasta em que permaneceu até falecer. Durante esse período, ainda acumulou as funções de presidente do Real Erário e de secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros e da Guerra. Foi agraciado com o título de conde e marquês de Aguiar e se casou com sua sobrinha Maria Francisca de Portugal e Castro, dama de d. Maria I. Dentre suas atividades intelectuais, destaca-se a tradução para o português do livro Ensaio sobre a crítica, de Alexander Pope, publicado pela Imprensa Régia, em 1810.

    [2] COMUTAÇÃO [DE PENA]: Substituição de uma pena originalmente determinada em sentença, por outra mais branda. Como exemplo, a pena de morte poderia se transformar em degredo. Uma lei de junho de 1835 estabelecia a pena capital para o crime de assassinato realizado por um escravo contra seu(s) senhor(es), sem possibilidade de perdão ou comutação. As poucas comutações deste crime ocorreram em casos específicos em que, comprovadamente, o crime não teve como motivação a situação de opressão vivida pelo escravo, representando assim um ato de insurreição contra o seu senhor e o sistema escravista.

    [3] PENA ÚLTIMA [PENA DE MORTE]: as Ordenações Filipinas permaneceram em vigência no Brasil até a publicação do Código Penal de 1830. Enfatizando o criminoso em vez do ato, sua suposta natureza vil e perversa, e vinculando todo o processo (inclusive a determinação de pena) a linhagem e privilégios do réu, este código de leis, que remonta a Portugal do Antigo Regime, determinava penalidades corporais e o pagamento com a própria vida por uma série de crimes contra a honra e a propriedade. Em seu Livro V, que tratava das penalidades criminais, permitia a aplicação da pena capital com grande liberalidade: crimes contra a vida, contra a ordem política estabelecida ou contra o soberano, bigamia, relacionamento com não-cristãos, falsificação de moeda e roubo. O termo morra por ello (morra por isso) aparecia em profusão neste corpo de leis, que tinha entre suas punições possíveis a pena de morte, degredo, banimento, confisco de bens, multas e castigos físicos. Determinava-se castigo bastante específico para os escravos que assassinassem seu senhor: “Seja atenazado [ter as carnes apertadas com tenaz ardente] e lhes sejam decepadas as mãos e morra morte natural na forca para sempre.” As Ordenações foram sendo deixadas de lado a partir da Independência formal do Brasil, e a primeira Constituição aboliu castigos físicos, tortura, mutilação dos cadáveres dos condenados, exposição dos corpos. Isto, contudo, valia apenas para os homens livres, pois os cativos, propriedade privada de existência civil, continuaram a ser açoitados como forma de castigo por crimes comuns. Também deu fim às diversas formas de aplicação da pena de morte que a criatividade dos legisladores portugueses impôs ao antigo código (morte por fogo, asfixia, açoitamento, sepultamento, entre outras), permitindo apenas a forca. Além disso, sua aplicação restringia-se a homicídios e insurreições escravas. De fato, os escravos acusados de sublevação ou de assassinato de seus senhores, rarissimamente recebiam algum alívio da pena, pois, na prática, não podiam sequer alegar legítima defesa. A pena de morte foi muito pouco aplicada no Brasil do Segundo Império e, até mesmo, crimes cometidos por escravos contra seus senhores passaram ser passíveis de indulto nos últimos anos do governo de d. Pedro II. (https://www.academia.edu/11655581/O_tratamento_jur%C3%ADdico_dos_escravos_nas_Ordena%C3%A7%C3%B5es_Manuelinas_e_Filipinas)

    [4] PRÍNCIPE DA BEIRA: título que receberia o filho mais velho do príncipe herdeiro da Casa Real de Portugal a partir de 1734, após uma reorganização do sistema de títulos da família real, introduzida por d. João V. O primeiro a receber esse título foi d. José, filho da princesa d. Maria Francisca. D. Pedro de Alcântara, filho do príncipe regente d. João VI, também receberia a titulação de príncipe da Beira, até se tornar príncipe real do Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves, em 1816 e, posteriormente Imperador do Brasil.

    [5] ESCRAVOS [AFRICANOS]: pessoas cativas, desprovidas de direitos, sujeitas a um senhor, como propriedades dele. Embora a escravidão na Europa existisse desde a Antiguidade, durante a Idade Média ela recuou para um estado residual. Com a expansão ultramarina, no século XV, revigorou-se, mas adquiriu contornos bem diferentes e proporções muito maiores. No mundo moderno, um grupo humano específico, que traria na pele os sinais de uma inferioridade na alma estaria destinado à escravidão. Diferentemente da escravidão greco-romana, onde certos indivíduos eram passíveis de serem escravizados, seja através da guerra ou por dívidas, o sistema escravocrata moderno era mais radical, onde a escravidão passa a ser vista como uma diferença coletiva, assinalada pela cor da pele, nas palavras do historiador José d'Assunção Barros, “um grupo humano específico traria na cor da pele os sinais de inferioridade” (“A Construção Social da Cor - Desigualdade e Diferença na construção e desconstrução do Escravismo Colonial. XIII Encontro de História da Anpuh-Rio, 2008). Muitos foram os esforços no sentido de construir uma diferenciação negra, buscando no discurso bíblico, justificativas para a escravidão africana. No Brasil, de início, utilizou-se a captura de nativos para formar o contingente de mão de obra escrava necessária a colonização do território. Por diversos motivos – lucro com a implantação de um comércio de escravos importados da África; dificuldade em forçar o trabalho do homem indígena na agricultura; morte e fuga de grande parte dos nativos para áreas do interior ainda inacessíveis aos europeus – a escravidão africana começou a suplantar a indígena em número e importância econômica quando do início da atividade açucareira em grande extensão do litoral brasileiro. Apesar disso, a escravidão indígena perduraria por bastante tempo ainda, marcando a vida em pontos da colônia mais distantes da costa e em atividades menos extensivas. O desenvolvimento comercial no Atlântico gerou, por três séculos, a transferência de um vasto contingente de africanos feitos escravos para a América. A primeira movimentação do tráfico de escravos se fez para a metrópole, em 1441, ampliando-se de tal modo que, no ano de 1448, mais de mil africanos tinham chegado a Portugal, uma contagem que aumentou durante todo o século XV. Tal comércio foi um dos empreendimentos mais lucrativos de Portugal e outras nações europeias. Os negros cativos eram negociados internacionalmente pelos europeus, mas estes, poucas vezes, tomavam para si a tarefa de captura dos indivíduos. Uma vez que o aprisionamento de inimigos e sua redução ao estado servil eram práticas anteriores ao estabelecimento de rotas comerciais ultramarinas, em geral consequência de guerras e conflitos entre diferentes reinos ou tribos, os comerciantes passaram a trocar estes prisioneiros por produtos de interesse dos grandes líderes locais (os potentados) e por apoio militar nos conflitos locais. Embora a escravização de inimigos fosse uma prática anterior à chegada dos europeus, deve-se salientar que o estatuto do escravo na África era completamente diferente daquele que possuía o escravo apreendido e vendido para trabalho nas Américas. Nos reinos africanos, a condição não era indefinida e nem hereditária, e senhores chegavam a se casar com escravas, assumindo seus filhos. O comércio com os europeus transformou os homens e sua descendência em mercadoria sem vontade, objeto de negociação mercantil. Os europeus passaram a instigar guerras e conflitos locais, de forma a aumentar a captura de possíveis escravos, desintegrando a antiga estrutura econômica e social dos reinos africanos. A produção historiográfica sobre a escravidão vem crescendo nos últimos anos, não só escravismo colonial, mas também o comércio de cativos para a própria Europa, sobretudo na bacia mediterrânea, têm sido estudados. A presença de escravos negros em Portugal tornar-se-ia uma constante no campo mas, sobretudo, nas cidades e vilas, onde podiam trabalhar em obras públicas, nos portos (carregadores), nas galés, como escravos de ganhos e domésticos, entre outros. No século XV, os negros africanos já tinham suas habilidades reconhecidas tanto em Portugal quanto nas ilhas atlânticas (arquipélagos de Madeira e Açores). Localizadas estrategicamente e com solo de origem vulcânica, logo foi implantado um sistema de colonização assentado na exploração de bens primários, como o açúcar.  A escravidão foi um dos alicerces essenciais do sucesso desse empreendimento, que acabou sendo transferido para o Brasil, quando essa colônia se mostrou economicamente vantajosa. Dessa forma, no litoral da América portuguesa logo seria implantado o sistema de plantation açucareiro, com a introdução da mão de obra africana. E, ao longo do processo de colonização luso, o trabalho escravo tornou-se a base da economia colonial, presente nas mais diversas atividades, tanto no campo quanto nas cidades. Uma das peculiaridades da escravidão nesse período é representada pelos altos gastos dos proprietários com a mão de obra, muitas vezes mais cara do que a terra. Iniciar uma atividade de lucro demandava um alto investimento inicial em mão de obra, caso se esperasse certeza de retorno. A escravidão e a situação do escravo variavam, dentro de determinados limites, de atividade para atividade e de local para local. Mas de uma forma geral, predominavam os homens, já que o tráfico continuou suas atividades intensamente pois, ao contrário do que ocorria na América inglesa, por exemplo, houve pouco crescimento endógeno entre a população escrava na América portuguesa. Rio de Janeiro, Bahia e Pernambuco foram os principais centros importadores de escravos africanos do Brasil. Além de formarem a esmagadora maioria da mão de obra nas lavouras, nas minas, nos campos, e de ganharem o sustento dos senhores menos abastados realizando serviços nas ruas das vilas e cidades (escravos de ganho), preenchendo importantes nichos da economia colonial, os escravos negros também eram recrutados para lutar em combates. A carta régia de 22 de março de 1766, pela qual d. José I ordenou o alistamento da população, inclusive de pardos e negros para comporem as tropas de defesa, fez intensificar o número dessa parcela da população nos corpos militares. Ingressar nas milícias era um meio de ascensão social, tanto para o negro escravo quanto para o forro. A escravidão é um tema clássico da historiografia brasileira e ainda bastante aberto a novas abordagens e releituras. A perspectiva clássica em torno do tema é a do “cativeiro brando” e o caráter benevolente e não violento da escravidão brasileira, proposta por Gilberto Freyre em Casa Grande e senzala no início da década de 1930. Contestações a essa visão surgem na segunda metade do século XX, nomes como Florestan Fernandes, Emília Viotti, Clóvis Moura, entre outros, desenvolvem a ideia de “coisificação” do negro e as circunstâncias extremamente árduas em que viviam, bem como a existência de movimentos de resistência ao cativeiro, como é o caso das revoltas de escravos e a formação dos quilombos. Já perspectivas historiográficas recentes reviram essa despersonalização do escravo, considerando-o como agente histórico, com redes de sociabilidade, produções culturais e concepções próprias sobre as regras sociais vigentes e como os negros buscaram sua liberdade, contribuindo decisivamente para o fim da escravidão.

    [6] DEGREDO: punição prevista no corpo de leis português, o degredo era aplicado a pessoas condenadas aos mais diversos tipos de crimes pelos tribunais da Coroa ou da Inquisição. Tratava-se do envio dos infratores para as colônias ou para as galés, onde cumpririam a sentença determinada. Os menores delitos, como pequenos furtos e blasfêmias, geravam uma pena de 3 a 10 anos, e os maiores, que envolviam lesa-majestade, sodomia, falso misticismo, fabricação de moeda falsa, entre outros, eram definidos pela perpetuidade, com pena de morte se o criminoso voltasse ao país de origem. Além do aspecto jurídico, em um momento de dificuldades financeiras para Portugal, degredar criminosos, hereges e perturbadores da ordem social adquiriu funções variadas além da simples punição. Expulsá-los para as “terras de além-mar” mantinha o controle social em Portugal e, em alguns casos também, em suas colônias mais prósperas, contribuindo para o povoamento das fronteiras portuguesas e das possessões coloniais, além de aliviar a administração real com a manutenção prisional. Constituindo-se uma das formas encontradas pelas autoridades para livrar o reino de súditos indesejáveis, entre os degredados figuraram marginais, vadios, prostitutas e aqueles que se rebelassem contra a Coroa. Considerada uma das mais severas penas, o degredo só estava abaixo da pena de morte, servindo como pena alternativa designada pelo termo “morra por ello” (morra por isso). Porém o degredo também assumia este caráter de “morte civil” já que a única forma de assumir novamente alguma visibilidade social, ou voltar ao seu país, era obtendo o perdão do rei.

    [7] SANTA CRUZ: a Fazenda de Santa Cruz teve origem na sesmaria de quatro léguas quadradas doada, em 1567, ao primeiro ouvidor do Rio de Janeiro, Cristóvão Monteiro, que recebeu as terras em retribuição aos serviços prestados na luta contra os invasores franceses na Guanabara. Com a morte de Cristóvão Monteiro, as terras foram doadas por sua viúva aos jesuítas em 1589 e anexadas a duas outras fazendas, perfazendo dez léguas quadradas de terras férteis, entrecortadas pelos rios Guandu e Itaguaí e que se estendiam pelas regiões que conhecemos hoje como Barra de Guaratiba, Mangaratiba até Vassouras. Localizada em uma região estratégica, ligava o Rio de Janeiro aos sertões, tornando-se importante rota para o escoamento do ouro das minas. A fazenda foi um grande centro de atividades agrícolas e pecuárias no final do século XVIII, fornecendo gêneros alimentícios tanto para o colégio dos jesuítas em São Cristóvão, no Rio de Janeiro, quanto para o mercado local e o europeu. Abrigava dois engenhos de açúcar, fábrica de farinha de mandioca, grandes plantações de café e algodão, além de dispor de abundante quantidade de madeiras nobres. A fazenda também possuía igreja, vasta residência de sobrado, hospedaria, escola de rudimentos e catequese para meninos, hospital, cadeia e diversas oficinas de trabalho: ferraria, tecelagem, carpintaria, olaria, fábrica de cal, descasca de arroz, curtume, engenhoca de aguardente, estaleiro onde se fabricavam canoas; um açougue, uma pescaria na Ilha da Pescaria, onde havia grande quantidade de ostras e mariscos utilizáveis no fabrico da cal, além de mais duas pescarias, uma na barra do rio Guandu e outra na foz do Itaguaí. Como exemplo de um grande latifúndio colonial, Santa Cruz utilizava sobretudo a mão-de-obra escrava indígena e, principalmente, negra africana, chegando a reunir em seus limites cerca de 1.500 escravos para as mais diferentes atividades não só relacionadas diretamente à produção, como também nas tarefas de pedreiros, carpinteiros, serralheiros, estucadores, pintores, músicos, parteiras. Em 1759, com a expulsão dos jesuítas, a propriedade foi incorporada à Coroa portuguesa, experimentando um período de decadência. Diferentes administrações propuseram medidas a fim de restaurar a fazenda como empreendimento economicamente viável. Além das terras cultivadas diretamente pela administração, das concedidas aos escravos para fazerem suas roças e das concessões a foreiros nacionais ou imigrantes, a venda de terras a particulares foi uma alternativa da Coroa para arrecadar fundos para o abatimento da dívida real. A chegada da família real ao Brasil, em 1808, e seu estabelecimento na cidade trouxeram uma ocupação de caráter mais urbano para região e a fazenda foi escolhida como local de veraneio da realeza, ganhando o nome de Real Fazenda de Santa Cruz.

    [8] CASTRO, JOÃO DE ALMEIDA DE MELO E (1756-1914): 5º conde de Galvêas, foi um nobre e político português. Seguiu a carreira diplomática, tendo sido ministro de Portugal em Londres, Haia, Roma e embaixador em Viena de Áustria. Foi secretário para os Negócios Estrangeiros entre 1801 e 1803 e Ministro dos Negócios da Marinha e do Ultramar a partir de 1811, acumulou, posteriormente, as pastas da Fazenda (Real Erário) e da Guerra. Fundador do primeiro laboratório brasileiro, o Laboratório Químico-Prático do Rio de Janeiro (1812-1819), cujo propósito era o desenvolvimento de pesquisas químicas com finalidade comercial.

    [9] VASSALO: súdito do rei, independentemente de sua localização no Império. Até o século XV, o título “vassalo” era empregado para designar homens fiéis ao rei, aqueles que o serviam na guerra, sendo, portanto, cavaleiros ou nobres de títulos superiores. Em troca do apoio e serviços realizados, recebiam tenças (pensões), dadas, inicialmente, a todos os vassalos e seus filhos varões. Na medida em que se pulverizaram as distribuições destes títulos, principalmente por razões de guerra (a conquista de Ceuta foi a mais significativa nesse processo), e que eles começaram a ser mais almejados, principalmente pelos plebeus e burgueses em busca de mercês e de aproximação com a realeza, o rei diminui a concessão dos títulos, e, mais importante, das tenças. A esta altura, as dificuldades financeiras da monarquia também empurraram para a suspensão da distribuição dos títulos e benefícios. O rei passa, então, a conceder mercês e vantagens individuais, e o termo vassalo se esvazia do antigo significado de título, passando a indicar homens do rei, súditos e habitantes do reino, de qualquer parte do Império.

    [10] CADEIAS: O sistema prisional, baseado no encarceramento diferenciado e delimitado por penas variáveis, aparece no mundo contemporâneo (ou, pelo menos, na maior parte dele) como concretização de sanções impostas a indivíduos que quebram as regras estabelecidas. Na realidade, a privação da liberdade e o isolamento como punição em si – e também reeducação – surgiu na Europa. Não há registros na Antiguidade, por exemplo, do uso punitivo do encarceramento, utilizado na época como detenção temporária do suspeito até que a punição final fosse imposta, após julgamento. O banimento, a infâmia, a mutilação, a morte e a expropriação eram as penas mais recorrentes. Na Idade Média, o cenário era semelhante. O crescimento populacional, a urbanização e as graves crises de fome que marcaram a Idade Moderna resultaram em aumento de criminalidade e em revolta social, movimentos estes que, às vezes, se sobrepunham. Diante dessa situação, as penas cruéis e a própria pena de morte, aplicadas em público, utilizadas na Idade Média em resposta a crimes frívolos (roubar um pão, ofender o senhorio, blasfemar), deixaram de ser adequadas, posto que poderiam facilmente causar um levante popular. Além disso, cada vez mais se considerava o espetáculo bizarro das punições públicas uma afronta ao racionalismo e ao humanismo que marcaram o século XVIII. Se no Antigo Regime o sistema penal se baseava mais na ideia de castigo do que na recuperação do preso, no século XVIII se intensificam as tentativas, esboçadas no século anterior, de transformar as velhas masmorras, cárceres e enxovias infectas e desordenadas, onde se amontoavam criminosos, em centros de correção de delinquentes. Em boa parte do mundo, entretanto, tais ideias demorariam a sair do papel. No Brasil, no início do século XIX, muitas fortalezas funcionaram como prisões para corsários, amotinados e, algumas vezes, para criminosos comuns. Na maior parte do vasto território da colônia, as cadeias eram administradas pelas câmaras municipais e, geralmente, localizavam-se ao rés do chão das mesmas, ou nos palácios de governo. A tortura, meio de obtenção de informações conforme previsto pelas Ordenações Filipinas, era utilizada tanto em casos de prisão por motivos religiosos, quanto em prisioneiros comuns. As cadeias não passavam de infectos depósitos de pessoas do todo o tipo: desde pessoas livres, já condenadas ou sofrendo processo, até suspeitos de serem escravos fugidos, prostitutas, indígenas, loucos, vagabundos. Proprietários, homens ricos e influentes e funcionários da Coroa permaneciam em um ambiente separado. Para os escravos, havia uma cadeia denominada Calabouço, embora também fossem encerrados em outros estabelecimentos.

    Insurreição e repressão

    Medidas a fim de garantir a segurança do Recôncavo, determinadas por senhores em convocação feita pelo governador da Bahia, conde dos Arcos. Tais medidas incluíam toque de recolher, proibição estrita de qualquer escravo carregar arma, mesmo branca e os agrupamentos. As medidas seriam específicas para as cidades, vilas e grandes povoações da Bahia. Já no Recôncavo, nenhum escravo poderia sair das terras do senhor sem um bilhete que o autorizasse a isso, sendo conveniente que os senhores construíssem lugares fechados para que os escravos pudessem passar a noite.

     

    Conjunto documental: Bahia. Ministério do Reino. Correspondência do presidente da província
    Notação: IJJ9 324
    Data-limite: 1814 - 1816
    Título de fundo: Série Interior
    Código do fundo: AA
    Argumento da pesquisa: escravos, penalidades
    Data do documento: 24 de fevereiro de 1816
    Local: Vila de São Francisco
    Folha(s): 46-48

     

    Nos abaixo assinados estando na Vila de S. Francisco convocados pelo ilustríssimo excelentíssimo conde dos Arcos[1]  para propor ao Brigadeiro, inspetor geral, as medidas que convém tomar para assegurar as propriedades e ânimos dos senhores de engenho[2] sempre ajustados com mui possíveis repetições de sublevações de pretos e concorrendo tudo a persuadir-nos que a insurreição[3]  é geral em toda classe de escravos[4] e fomentada principalmente pelos da cidade aonde as ideias de liberdade comunicadas pelos marinheiros pretos vindos de S. Domingos[5] são gerais e a facilidade de reuniões a qualquer hora do dia, ou da noite entre pretos sumamente ociosos e valando não só tem feitos as insurreições vizinhas da cidade, mas excitado por seus emissários e agentes a que apareceu no dia 12 do corrente e que reduziria a cinza uma grande parte do Recôncavo[6] (...)

    Na cidade, vilas e grandes povoações:

    Os escravos não poderão usar de arma alguma. Nenhum negro poderá estar assentado diante de um branco. Não se ajuntarão os negros escravos em maior numero de quatro, exceto nas fontes, ou quando andam em serviço na companhia dos feitores ou administrados como, por exemplo, carregando cadeirinhas, transportando córregos.

    Nenhum escravo poderá andar ruas depois do toque de recolher sem o bilhete de seu senhor. Para fiscalizar o cumprimento destes artigos, cuja infração deve ser castigada com 150 acoites nas grades da cadeia (...) O escravo castigado será logo entregue a seu senhor.

    No Recôncavo:

    Nenhum escravo poderá sair das terras do senhor sem bilhete que declare o dia em que saiu de casa ou sem ir à companhia de feitor[7] sempre armado.

    Os bilhetes serão impressos e todos com tarja. Em todos os notáveis do recôncavo se passara revista às embarcações prendendo-se todo aquele que não apresentar bilhete do senhor. É conveniente que todos os proprietários façam casas em que os escravos, durmam sempre fechados. (...)

    Medidas gerais

    Todo aquele que denunciar quilombo[8]de maneira tal que verificar a prisão de negros fugidos receberá do comandante do distrito cento e cinquenta mil reis sendo forro[9] e será libertado se for escravo, dando-se aquele mesmo valor ao senhor. `...]

    Vila de S. Francisco, 24 de fevereiro de 1816.

     

    [1] BRITO, D. MARCOS DE NORONHA (1771-1817): oitavo conde dos Arcos, nasceu em Lisboa e foi o último vice-rei do Brasil. Destacou-se, ainda em Portugal, na carreira militar, e chegou a atingir a patente de tenente-general em 1818. Chegou à América portuguesa em 1803 para ocupar o cargo de governador da capitania do Pará e Rio Negro, onde permaneceu até 1806, quando foi promovido para o cargo de vice-rei, transferindo-se para o Rio de Janeiro. Ficou sob sua responsabilidade a preparação da cidade para ser a nova sede do Império português e receber a família real e a Corte. Em 1808, com a chegada do príncipe regente, findaram-se as funções de vice-rei, tendo sido nomeado, no ano seguinte, governador da Bahia, cargo que assumiu somente em 1810 e nele permaneceu até 1818. Neste período, ajudou a estabelecer a primeira tipografia e o jornal A Idade de Ouro na Bahia, fundou a Biblioteca Pública de Salvador e teve importante papel no combate a rebeliões e desordens causadas por escravos. Entrou em conflito algumas vezes com a classe senhorial local, que o considerava demasiadamente indulgente no trato com os escravos. O conde, por sua vez, acusava a elite baiana de ser selvagem, mesquinha e cruel com seus cativos, gerando sofrimento desnecessário e alimentando sentimentos de ódio e revolta. Durante a Revolução Pernambucana de 1817, destacou-se na repressão ao movimento, impedindo-o de penetrar na capitania da Bahia. No ano seguinte, retornou ao Rio de Janeiro como ministro da Marinha e Domínios Ultramarinos, cargo que ocupou até o retorno da Corte para Portugal. O conde, entretanto, permaneceu ainda no Brasil até depois de declarada a independência e, só então, retornou à Europa.

    [2] SENHOR DE ENGENHO: o engenho era uma unidade de produção açucareira que conferia status no Brasil colonial. Ele incorporava a propriedade, a produção e a difusão de um modo de vida senhorial, e imprimia poder e prestígio ao proprietário, por vezes levava à nobreza da terra, e riqueza, muito embora esses elementos simbólicos não dependam exclusivamente das posses dos senhores. Até o século XVIII, ser proprietário de engenho era a maior aspiração dos colonos que ascendiam e enriqueciam. No dizer de um personagem da época, o jesuíta João Antônio Antonioni, pseudônimo André João Antonil, que escreveu Cultura e Opulência no Brasil, 1711, o senhor de engenho "traz consigo, o ser servido, obedecido, e respeitado de muitos." Os senhores de engenho variavam de prestígio e riqueza, de acordo, principalmente, com o tamanho e importância de suas propriedades. Os senhores dos maiores engenhos – chamados de reais, detentores de maior número de escravos, trabalhadores livres, dependentes e agregados, e maior produção de açúcar e aguardente – tinham mais poder e prestígio junto ao reino. Exerciam influência e poder na região de sua propriedade, embora este não fosse ilimitado, e administravam a produção bem como a casa, a família, os agregados, os escravos. Os proprietários dos engenhos menores, ou engenhocas, tinham uma esfera de ação mais restrita, mas, ainda assim, desfrutavam de alguma importância. Mesmo que os engenhos fossem um símbolo de riqueza, na maior parte das vezes os senhores tinham prejuízo ou muito pouco lucro. Seu prestígio advinha de uma relevância mais simbólica do que propriamente ligada a seus rendimentos e, frequentemente, os engenhos, quando passados de pais para filhos, pouco rendiam, a não ser esse legado de status e muitas vezes de títulos de nobreza. O século XIX assistiu a um renascimento da importância do engenho, já que o açúcar brasileiro voltou a ter aceitação no mercado europeu depois da independência e das guerras civis no Haiti. Não durou muito devido à baixa produtividade, ao arcaísmo da empresa açucareira brasileira e ao advento de uma nova cultura, mais barata e simples, e muito mais lucrativa: o café. No oitocentos brasileiro, melhor do que ser senhor de engenho, tal como no século XVIII, era ser barão do café.

    [3] INSURREIÇÃO DE ESCRAVOS: as insurreições de escravos já aconteciam no período colonial, mas apenas no código criminal do Império ela foi explicitamente definida. Nesse código criminal, definia-se insurreição como reunião de vinte ou mais escravos, que buscavam liberdade por meio de força, e para este crime estava prevista a morte dos principais líderes e açoite aos demais envolvidos. O pavor destas rebeliões no Brasil foi alimentado pela sangrenta revolta ocorrida no Haiti em fins do século XVIII. A formação de quilombos – aglomerações de escravos fugidos – nas franjas da sociedade colonial também inspirava medo permanente – apesar de tais aglomerações, de várias formas terem interagido com a sociedade legal, através do comércio –, não apenas por geralmente sobreviverem de um tipo de saques e roubos (quando não havia possibilidade de produção própria), mas principalmente pelo exemplo que representavam. Outras formas de expressão de não submissão à situação de cativo eram mais dispersas e individuais – e, algumas, mais radicais – como assassinatos de senhores e feitores, abortos provocados, diminuição do ritmo de trabalho, automutilação, infanticídios, morosidade, quebra dos instrumentos de trabalho, sabotagem da unidade produtora, tentativas de retorno à África entrando escondidos em navios, e suicídio.

    [4] ESCRAVOS [AFRICANOS]: pessoas cativas, desprovidas de direitos, sujeitas a um senhor, como propriedades dele. Embora a escravidão na Europa existisse desde a Antiguidade, durante a Idade Média ela recuou para um estado residual. Com a expansão ultramarina, no século XV, revigorou-se, mas adquiriu contornos bem diferentes e proporções muito maiores. No mundo moderno, um grupo humano específico, que traria na pele os sinais de uma inferioridade na alma estaria destinado à escravidão. Diferentemente da escravidão greco-romana, onde certos indivíduos eram passíveis de serem escravizados, seja através da guerra ou por dívidas, o sistema escravocrata moderno era mais radical, onde a escravidão passa a ser vista como uma diferença coletiva, assinalada pela cor da pele, nas palavras do historiador José d'Assunção Barros, “um grupo humano específico traria na cor da pele os sinais de inferioridade” (“A Construção Social da Cor - Desigualdade e Diferença na construção e desconstrução do Escravismo Colonial. XIII Encontro de História da Anpuh-Rio, 2008). Muitos foram os esforços no sentido de construir uma diferenciação negra, buscando no discurso bíblico, justificativas para a escravidão africana. No Brasil, de início, utilizou-se a captura de nativos para formar o contingente de mão de obra escrava necessária a colonização do território. Por diversos motivos – lucro com a implantação de um comércio de escravos importados da África; dificuldade em forçar o trabalho do homem indígena na agricultura; morte e fuga de grande parte dos nativos para áreas do interior ainda inacessíveis aos europeus – a escravidão africana começou a suplantar a indígena em número e importância econômica quando do início da atividade açucareira em grande extensão do litoral brasileiro. Apesar disso, a escravidão indígena perduraria por bastante tempo ainda, marcando a vida em pontos da colônia mais distantes da costa e em atividades menos extensivas. O desenvolvimento comercial no Atlântico gerou, por três séculos, a transferência de um vasto contingente de africanos feitos escravos para a América. A primeira movimentação do tráfico de escravos se fez para a metrópole, em 1441, ampliando-se de tal modo que, no ano de 1448, mais de mil africanos tinham chegado a Portugal, uma contagem que aumentou durante todo o século XV. Tal comércio foi um dos empreendimentos mais lucrativos de Portugal e outras nações europeias. Os negros cativos eram negociados internacionalmente pelos europeus, mas estes, poucas vezes, tomavam para si a tarefa de captura dos indivíduos. Uma vez que o aprisionamento de inimigos e sua redução ao estado servil eram práticas anteriores ao estabelecimento de rotas comerciais ultramarinas, em geral consequência de guerras e conflitos entre diferentes reinos ou tribos, os comerciantes passaram a trocar estes prisioneiros por produtos de interesse dos grandes líderes locais (os potentados) e por apoio militar nos conflitos locais. Embora a escravização de inimigos fosse uma prática anterior à chegada dos europeus, deve-se salientar que o estatuto do escravo na África era completamente diferente daquele que possuía o escravo apreendido e vendido para trabalho nas Américas. Nos reinos africanos, a condição não era indefinida e nem hereditária, e senhores chegavam a se casar com escravas, assumindo seus filhos. O comércio com os europeus transformou os homens e sua descendência em mercadoria sem vontade, objeto de negociação mercantil. Os europeus passaram a instigar guerras e conflitos locais, de forma a aumentar a captura de possíveis escravos, desintegrando a antiga estrutura econômica e social dos reinos africanos. A produção historiográfica sobre a escravidão vem crescendo nos últimos anos, não só escravismo colonial, mas também o comércio de cativos para a própria Europa, sobretudo na bacia mediterrânea, têm sido estudados. A presença de escravos negros em Portugal tornar-se-ia uma constante no campo mas, sobretudo, nas cidades e vilas, onde podiam trabalhar em obras públicas, nos portos (carregadores), nas galés, como escravos de ganhos e domésticos, entre outros. No século XV, os negros africanos já tinham suas habilidades reconhecidas tanto em Portugal quanto nas ilhas atlânticas (arquipélagos de Madeira e Açores). Localizadas estrategicamente e com solo de origem vulcânica, logo foi implantado um sistema de colonização assentado na exploração de bens primários, como o açúcar.  A escravidão foi um dos alicerces essenciais do sucesso desse empreendimento, que acabou sendo transferido para o Brasil, quando essa colônia se mostrou economicamente vantajosa. Dessa forma, no litoral da América portuguesa logo seria implantado o sistema de plantation açucareiro, com a introdução da mão de obra africana. E, ao longo do processo de colonização luso, o trabalho escravo tornou-se a base da economia colonial, presente nas mais diversas atividades, tanto no campo quanto nas cidades. Uma das peculiaridades da escravidão nesse período é representada pelos altos gastos dos proprietários com a mão de obra, muitas vezes mais cara do que a terra. Iniciar uma atividade de lucro demandava um alto investimento inicial em mão de obra, caso se esperasse certeza de retorno. A escravidão e a situação do escravo variavam, dentro de determinados limites, de atividade para atividade e de local para local. Mas de uma forma geral, predominavam os homens, já que o tráfico continuou suas atividades intensamente pois, ao contrário do que ocorria na América inglesa, por exemplo, houve pouco crescimento endógeno entre a população escrava na América portuguesa. Rio de Janeiro, Bahia e Pernambuco foram os principais centros importadores de escravos africanos do Brasil. Além de formarem a esmagadora maioria da mão de obra nas lavouras, nas minas, nos campos, e de ganharem o sustento dos senhores menos abastados realizando serviços nas ruas das vilas e cidades (escravos de ganho), preenchendo importantes nichos da economia colonial, os escravos negros também eram recrutados para lutar em combates. A carta régia de 22 de março de 1766, pela qual d. José I ordenou o alistamento da população, inclusive de pardos e negros para comporem as tropas de defesa, fez intensificar o número dessa parcela da população nos corpos militares. Ingressar nas milícias era um meio de ascensão social, tanto para o negro escravo quanto para o forro. A escravidão é um tema clássico da historiografia brasileira e ainda bastante aberto a novas abordagens e releituras. A perspectiva clássica em torno do tema é a do “cativeiro brando” e o caráter benevolente e não violento da escravidão brasileira, proposta por Gilberto Freyre em Casa Grande e senzala no início da década de 1930. Contestações a essa visão surgem na segunda metade do século XX, nomes como Florestan Fernandes, Emília Viotti, Clóvis Moura, entre outros, desenvolvem a ideia de “coisificação” do negro e as circunstâncias extremamente árduas em que viviam, bem como a existência de movimentos de resistência ao cativeiro, como é o caso das revoltas de escravos e a formação dos quilombos. Já perspectivas historiográficas recentes reviram essa despersonalização do escravo, considerando-o como agente histórico, com redes de sociabilidade, produções culturais e concepções próprias sobre as regras sociais vigentes e como os negros buscaram sua liberdade, contribuindo decisivamente para o fim da escravidão.

    [5] SÃO DOMINGOS: se em 1791 a França passava por um turbulento processo de transformação política que, a despeito de intensas contradições, teria por norte ideias como liberdade civil, cidadania, igualdade de direitos, em sua colônia americana, servida por escravos de origem africana, uma convulsão social igualmente turbulenta tinha lugar. A colônia de São Domingos era a mais próspera possessão francesa, com suas extensas plantações de café e açúcar. A proporção de escravos alcançava cerca de 90%, uma população regida pelo chamado Código Negro, promulgado por Luís XIV em 1685 e que estabelecia em seus 60 artigos normas segundo as quais os escravizados deviam ser tratados e administrados pelos seus senhores. Havia uma fração da sociedade que era não-branca e livre, numericamente muito inferior aos escravos, mas ainda superior aos europeus. Estes não-brancos livres, embora desprovidos de existência no sistema político, podiam alcançar sucesso financeiro relativo, e muitos contavam com escravos a seu serviço. Em maio de 1791, a Assembleia Nacional em Paris aprova o direito de voto a homens de cor livres, causando grande alvoroço na colônia. Os fazendeiros da ilha pretendem emancipar-se da metrópole, em uma tentativa de manter-se a salvo das influências do movimento que varria a França. Em consequência, não apenas os homens não-brancos e livres se posicionam contra a elite rural, mas também os comerciantes de uma forma geral, prejudicados por uma possível retirada de privilégios aduaneiros. A partir daí, os negros escravizados, incluindo a população foragida, assumem um combate aberto pela alforria e pela determinação de direitos iguais entre todos os indivíduos. Em agosto de 1791, teve lugar um impressionante massacre de brancos, seguido da destruição das plantações, levado a cabo pela população negra, que rompera com a escravidão e se refugiara nas florestas sob a liderança de Bukman, Romaine, Hyacinthe, Georges Biassou, François Toussaint. A revolução escrava tem a adesão dos que já eram livres, mas cujas demandas por igualdade política haviam sido esmagadas com violência. A guerra se estende por anos e quando a própria metrópole capitula e determina o fim da escravidão em suas colônias, em uma tentativa de manter a coerência com as suas concepções de liberdade e igualdade, os fazendeiros locais não hesitam e recorrem aos ingleses, que enviam reforço da sua colônia vizinha, Jamaica. O líder dos revolucionários, Toussaint, recebe a rendição das tropas em 1798. Depois do fim da guerra, as plantações serão reerguidas, e os ex-escravos passarão a trabalhar como assalariados. Em 1801, Toussaint proclama a independência da ilha e, a despeito da reação de Napoleão, determinado a dar um fim aos "negros dourados", a colônia passa a ser uma nação independente em 1804, denominada Haiti. A revolução nas Antilhas tornou-se um fantasma para os colonos portugueses no Brasil, e para quaisquer fazendeiros aqui instalados. O medo de um massacre perpetrado por escravos revoltados orientou muitas ações de repressão diante de situações pouco ameaçadoras. Por vezes, os administradores e homens de estado avaliavam as reações dos fazendeiros como desproporcionais, irracionais e contraproducentes, buscando alternativas que, mantendo a população escrava sob certo controle, cuidava para que eventuais exageros não acirrassem de vez os ânimos entre pessoas que já viviam constantemente em situação desesperadora. Por vezes, percebendo a ameaça local como concreta, medidas ainda mais repressivas eram tomadas, para se evitar o "desastre de São Domingos".

    [6] RECÔNCAVO [BAIANO]: região geográfica e histórica que ocupa entorno da baía de Todos os Santos, adentrando o território para o interior além da região costeira. Atualmente engloba a área metropolitana de Salvador, e é composta de pelo menos 20 municípios, embora não haja consenso sobre o número de cidades que compõem a região. A presença africana era intensa, em consequência das plantações de cana-de-açúcar, que demandavam mão de obra escrava. A interrupção da produção de açúcar nas Antilhas, em consequência de rebeliões nas colônias francesas e inglesas, trouxe um novo surto de prosperidade aos engenhos de açúcar do Recôncavo Baiano, que passaram a maior parte do século XVIII relativamente estagnados. O aumento de prosperidade trouxe a necessidade de importar escravos, muitos trazidos da região do golfo de Benim (Costa da Mina), receptor e irradiador de africanos aprisionados no contexto do jihad islâmico na virada do século. Entre 1803 e 1835, uma série de revoltas de escravos atingiu a região do recôncavo, inicialmente lideradas pelos haussás – grupo africano convertido ao Islã – e depois, a partir dos anos 1820, pelos nagôs – em especial, os nagôs islamizados, também conhecidos como malês –, ambos os grupos oriundos da Costa da Mina. Uma das revoltas mais marcantes ocorreu em 1814 e varreu, principalmente, mas não exclusivamente, as armações pesqueiras. Os revoltosos mataram feitores, moradores da vila de Itapuã e incendiaram casas e propriedades em seu caminho pela região dos engenhos, onde esperavam receber reforços de mais escravos rebeldes. A derrota dos escravos insurgentes deu-se poucas horas depois de iniciado o levante, em uma fuzilaria que o conde dos Arcos, então governador da Bahia, classificou como “carnagem” (carnificina). Depois deste episódio, comerciantes, fazendeiros e moradores da região enviaram uma representação contra o conde, que consideravam leniente em relação ao comportamento dos escravos. Este, por sua vez, acusava os senhores baianos de estarem entre os piores que existem, impondo crueldade desnecessária no trato com seus escravos.

    [7] FEITOR: conhecidos pela incumbência de infligir punições aos escravizados, sua função como trabalhadores rurais assalariados era administrar o trabalho escravo nos engenhos e fazendas. Tinham permissão para aplicar castigos de acordo com seu discernimento e há frequentes registros da extrema brutalidade com que se conduziam, capazes de deixar um cativo inválido. Muitos avisos foram emitidos pelos governadores e intendentes no sentido de tentar coibir tais abusos, em geral sem sucesso. Para controle dos escravos, o feitor andava sempre com o chicote de couro cru, que usava muitas vezes na aplicação da pena. Durante muito tempo, esse papel era desempenhado por portugueses, mas com o tempo os brancos nascidos no Brasil e mesmo os mestiços se tornaram feitores. A imposição do castigo transferia para o feitor, um assalariado sem posses, embora bem pago, o poder soberano de vida e morte, pelos menos nas aparências, desonerando, parcialmente, o grande senhor do ódio cotidiano dos seus escravos, permitindo que este ocupasse, quando conveniente, uma posição paternalista em relação a sua propriedade humana. (http://www.historica.arquivoestado.sp.gov.br/materias/anteriores/edicao36/materia03/texto03.pdf)

    [8] QUILOMBO: o termo quilombo, derivado do banto kilombo, (acampamento ou fortaleza) foi usado pelos portugueses para designar as comunidades e povoações de escravos fugidos construídas em áreas rurais e urbanas ao longo do território da colônia. O mocambo (derivado do quimbundo mukambu), como também era conhecido aqui no Brasil, possuía uma estrutura social, política e cultural original, que procurava recompor as relações sociais e as identidades dos aquilombados, que haviam sofrido todo tipo de violência no seu cotidiano nas senzalas. O mais antigo mocambo que se tem registro no Brasil data de 1575, no interior da Bahia. A primeira legislação colonial que procura definir o que é o quilombo e estabelecer formas de repressão surge em 1740, quando o Conselho Ultramarino determina que os mocambos eram qualquer habitação de escravos fugidos que passassem de cinco pessoas. Principal foco de resistência dos negros fugidos de seus cativeiros, os quilombos foram duramente reprimidos pelas autoridades coloniais e depois imperiais, o que levou grande parte dos estudos em torno do tema a se basearem em informações retiradas de fontes militares, dificultando, em parte, as análises de aspectos não registrados por estes documentos. É o caso de alguns movimentos e formas de resistência de grupos, que pelas suas características e pelas circunstâncias, deixaram poucos registros escritos ou que se perderam. Apesar disto, pesquisas revelaram que estes espaços possibilitaram aos seus agentes a redefinição das diásporas africanas através de continuidades e rupturas com experiências trazidas não apenas da África, mas também das vivenciadas nos próprios cativeiros. Diferentemente do que muitos imaginam, as comunidades de quilombolas não eram apenas uma “reação” – via isolamento radical – ao regime escravocrata. Elas se integravam às suas regiões estabelecendo comércio com escravos e livres, entre esses negociantes locais, lavradores, mascates, taverneiros, sendo assim, quase reconhecidas, por partes destes, como comunidades de camponeses autônomos, que produziam principalmente mandioca (e derivados), legumes, cana, peixe e caça, entre outros produtos. Além disso, os aquilombados construíram uma rede de alianças com outros grupos sociais e até movimentos políticos, o que dificultou as tentativas de reescravização promovidas pelas autoridades locais, forçando-as à negociação. O maior e mais longevo quilombo foi o de Palmares, organizado em meio às densas florestas de palmeiras na Serra da Barriga em Pernambuco desde finais do século XVI. Palmares resistiu às incursões portuguesas e holandesas, sobrevivendo com o conhecimento de agricultura, pecuária, metalurgia, entre outras atividades, trazidas pelos seus integrantes. Apesar dos esforços do governo, a fuga e formação de quilombos continuaram a ocorrer, alcançando o século XIX como uma contínua ameaça ao sistema escravista.

    [9] FORROS: eram considerados forros os ex-escravizados que haviam obtido a alforria, por meio de uma carta, por testamento ou no momento do batismo. Até a segunda metade do século XVII encontra-se a expressão “índio forro” com o sentido de libertar gentio como eram chamados os indígenas da suposta barbárie em que viviam, pela ótica cristã. Para Eduardo França Paiva, as alforrias são um componente da escravidão e já no mundo antigo eram praticadas com frequência. Alforria, como lembra esse autor, é um termo de origem árabe e equivale a libertar. Mas no mundo romano as libertações de escravos já ocorriam com frequência, chamadas de manumissões. Entre os ibéricos, com a escravidão introduzida no Novo Mundo, os forros ou resgatados foram sua imediata contrapartida. A ideia de resgate era bem conhecida dos portugueses que haviam tido que resgatar cristãos cativos no Norte da África. A partir do século XVII o aumento de africanos escravizados na América portuguesa provocou também a quantidade e variedade de tipos de alforrias, compradas, obtidas por negociação entre senhor e escravo, prometidas. A área das minas foi um catalizador para entrada de um imenso contingente de escravos no Brasil e fez surgir outra configuração social, com vilas e arraiais nos quais a maioria era de escravos, forros e nascidos livres. Ao final do setecentos torna-se comum que libertos passassem a possuir escravos, que da mesma forma lograram ser alforriados dentro da mesma lógica dos seus proprietários forros. Mas, como conclui França, a ascensão desses forros não apagava o seu passado naquela sociedade escravista. A combinação do nome com a categoria imposta e a condição jurídica acompanhava os “pretos forros” ou “mulato forro” até que acabasse por se dissipar. (Cf. FRANÇA, E. O. Alforria. In: GOMES, F., SCHWARCZ, Lilia M. Dicionário da escravidão e liberdade, 2018)

     

     

    Prisão de escravos

    Registro do juiz ordinário da vila de Rezende informando que os escravos que fossem presos por motivo de fuga deveriam, a todo custo, ser reencaminhados aos seus senhores originais. Determina o processo adequado para que tal aconteça, evitando-se assim que os escravos permaneçam nas cadeias indevidamente, e que, não reclamados, acabem sendo vendidos.

     


    Conjunto documental: Registro de ordens e ofícios expedidos da Polícia aos ministros criminais dos bairros e comarcas da corte e ministros eclesiásticos.
    Notação: códice 329, vol. 05
    Título do fundo: Polícia da Corte
    Código do fundo: ØE
    Argumento da pesquisa: escravos, penalidades
    Data do documento: 10 de julho de 182l
    Local: Rio de Janeiro
    Folha: -

     

     

    Os escravos novos ou ladinos[1], que forem presos por fugidos, serão interrogados de quem são, e juntas suas declarações se farão avisos a seus senhores, para os mandarem receber, e pagarem as competentes despesas: passados quinze dias depois dos avisos não aparecendo eles, serão imediatamente remetidos a esta intendência[2]  para serem entregues, evitando-se deste modo escravos presos nas cadeias[3] dessa vila, cujos senhores residem em diferentes termos, e por isso ficam privados dos serviços dos seus escravos, até de seus valores pela arrecadação, que se faz pelo juizo dos cativos, sendo impraticável, que um senhor residente na corte, e em outros lugares possa saber, que nessa vila se trata de arrematar um seu escravo, por não aparecer o senhor a requerer a entrega dele, e com o processo, que muitas vezes se formaliza sem precederem os processos necessários, resultam demandas propostas pelos antigos senhores arrematantes de tais escravos havendo boa fé da parte de um e outro litigante, porque o antigo senhor não teve a ciência da apreensão do seu escravo, para impugnar; e o arrematante justamente defende pelo direito, que adquiriu com a arrematação[4] em praça pública. Recomendo-lhe, que tenha todo o cuidado possível para que assim se observe; e se evitarem deste modo questões escusadas, que um prudente juiz deve a cautelar: Recomendo-lhe mais, que haja vigilância nos capitães do mato[5] para não terem escravos presos em troncos[6] nas suas casas, fazendo cárcere privado, e devem logo que fazem as prisões recolhê-los a cadeia dessa vila, para vosmecê seguir as ordens a este respeito, e aqueles capitães do mato que obrarem o contrário, serão punidos, até com processo, que lhes deve formalizar.

    Deus guarde a vosmecê. Rio 10 de julho de 1822 - João Ignácio da Cunha - Senhor juiz ordinário da vila de Resende. No teor deste ofício tal se expedirão aos juízes ordinários das vilas de são João do Príncipe, de Itaguaí, Cantagalo, e aos juízes de fora das vilas de Macacu, da Praia Grande, Cabo Frio, e Paraty.

     

    [1] LADINOS: eram chamados escravos ladinos os africanos considerados social e culturalmente adaptados: sabiam falar português e transitavam pela sociedade escravocrata com certa desenvoltura (o que não significa aceitação ou passividade). O termo normalmente se contrapunha a boçal, que designava um africano recém-chegado, que desconhecia o português e não conseguia se comunicar através de sinais. O domínio do idioma português e a importância que assume naquela sociedade, em contrapartida à partilha das diversas línguas africanas que não iriam desaparecer, teria impacto nas formas de comunicação e resistência, como assina Ivana S. Lima (A língua de branco no Rio de Janeiro. Revista do AGCRJ. n.9, 2015, p.63-76 http://wpro.rio.rj.gov.br/revistaagcrj/wp-content/uploads/2016/11/e09_a28.pdf). A maior ou menor presença de ladinos ou de boçais no Brasil também variou com a intensidade do tráfico, que chega legalmente ao fim em 1850. Essa classificação foi corrente na sociedade escravista, servindo para a sua descrição em documentos policiais ou na busca de fugitivos pelos jornais já no século XIX por exemplo.

    [2] INTENDÊNCIA GERAL DA POLÍCIA DO REINO: órgão criado em 1760 pelo marquês de Pombal, tinha entre suas atribuições a segurança pública e a manutenção da ordem, inclusive fazendo uso de espiões e informantes. Seu intendente mais conhecido foi Diogo Inácio de Pina Manique, nomeado em 1780 por d. Maria I, e esteve à frente da instituição por 25 anos, até sua morte. Durante o período das invasões francesas o papel da Intendência foi se desvalorizando gradualmente, principalmente face ao crescimento de importância da Guarda Real da Polícia, que atuava como instrumento repressivo e militar, sob a orientação inglesa. Esse processo culminou com a extinção do órgão em 1833. A Intendência funcionou fortemente na repressão aos crimes, comuns ou políticos, e inovou ao propor uma estratégia de prevenção à criminalidade, promovendo a educação de meninos órfãos e pobres, com a criação da Casa Pia de Lisboa. Respondeu ainda pela censura de livros e ideias “perigosas” e revolucionárias, pela circulação, em oposição, de panfletos difundindo os “bons costumes” e também ordenando e controlando o espaço urbano. O órgão era responsável pela iluminação da cidade, pela inspeção dos portos, para impedir a entrada de epidemias e febres pelos navios, pelo combate ao contrabando, pelas reformas de melhoramento de ruas, calçadas e chafarizes e até mesmo pela arborização de ruas e praças.

    [3] CADEIAS: o sistema prisional, baseado no encarceramento diferenciado e delimitado por penas variáveis, aparece no mundo contemporâneo (ou, pelo menos, na maior parte dele) como concretização de sanções impostas a indivíduos que quebram as regras estabelecidas. Na realidade, a privação da liberdade e o isolamento como punição em si – e também reeducação – surgiu na Europa. Não há registros na Antiguidade, por exemplo, do uso punitivo do encarceramento, utilizado na época como detenção temporária do suspeito até que a punição final fosse imposta, após julgamento. O banimento, a infâmia, a mutilação, a morte e a expropriação eram as penas mais recorrentes. Na Idade Média, o cenário era semelhante. O crescimento populacional, a urbanização e as graves crises de fome que marcaram a Idade Moderna resultaram em aumento de criminalidade e em revolta social, movimentos estes que, às vezes, se sobrepunham. Diante dessa situação, as penas cruéis e a própria pena de morte, aplicadas em público, utilizadas na Idade Média em resposta a crimes frívolos (roubar um pão, ofender o senhorio, blasfemar), deixaram de ser adequadas, posto que poderiam facilmente causar um levante popular. Além disso, cada vez mais se considerava o espetáculo bizarro das punições públicas uma afronta ao racionalismo e ao humanismo que marcaram o século XVIII. Se no Antigo Regime o sistema penal se baseava mais na ideia de castigo do que na recuperação do preso, no século XVIII se intensificam as tentativas, esboçadas no século anterior, de transformar as velhas masmorras, cárceres e enxovias infectas e desordenadas, onde se amontoavam criminosos, em centros de correção de delinquentes. Em boa parte do mundo, entretanto, tais ideias demorariam a sair do papel. No Brasil, no início do século XIX, muitas fortalezas funcionaram como prisões para corsários, amotinados e, algumas vezes, para criminosos comuns. Na maior parte do vasto território da colônia, as cadeias eram administradas pelas câmaras municipais e, geralmente, localizavam-se ao rés do chão das mesmas, ou nos palácios de governo. A tortura, meio de obtenção de informações conforme previsto pelas Ordenações Filipinas, era utilizada tanto em casos de prisão por motivos religiosos, quanto em prisioneiros comuns. As cadeias não passavam de infectos depósitos de pessoas do todo o tipo: desde pessoas livres, já condenadas ou sofrendo processo, até suspeitos de serem escravos fugidos, prostitutas, indígenas, loucos, vagabundos. Proprietários, homens ricos e influentes e funcionários da Coroa permaneciam em um ambiente separado. Para os escravos, havia uma cadeia denominada Calabouço, embora também fossem encerrados em outros estabelecimentos.

    [4]ARREMATAÇÃO [DE ESCRAVOS]: se o tráfico de escravos em geral exigia um montante de capital que limitava a atividade a grandes comerciantes, ou a comerciantes que contassem com forte apoio da atividade do setor financeiro, isso não impedia que negociantes de menor cabedal se envolvessem no comércio de escravos, em especial no mercado interno. Ao chegarem à cidade de destino (Rio de Janeiro ou Salvador, por exemplo), os escravos sobreviventes eram organizados para a venda em praça pública, onde eram arrematados após negociações com os comerciantes. Os senhores das grandes fazendas muitas vezes se ressentiam da atuação dos comerciantes menores, pois estes chegavam cedo ao mercado e deixavam poucas “peças” (termo utilizado no período para se referir aos africanos escravizados) disponíveis, com a intenção de revender esses escravos arrematados a preços bem mais elevados. Eram conhecidos como atravessadores e, em algumas ocasiões, a sua atuação foi coibida ativamente pelos agentes da Coroa. Na década de 1720, a câmara dos vereadores do Rio de Janeiro e o ouvidor-geral estabeleceram uma multa a quem atravessasse o comércio. Contudo, diante de novas denúncias, em 1756, o governador do Rio de Janeiro, Gomes Freire Andrada, após parecer de um grande negociante da época (Antônio Pinto de Miranda), orienta que o rei não aceite a denúncia da câmara. O argumento de Miranda defendia que uma repressão aos menores comerciantes traria muito mais prejuízo do que lucro aos grandes, contrariando a posição da própria câmara e afirmando que os pequenos comerciantes se dedicavam a lidar com o refugo do mercado, desonerando os grandes comerciantes de trabalhar com “peças” pouco lucrativas. Escravos fugidos, presos e não reclamados pelos senhorios, também eram vendidos em praça pública.

    [5] CAPITÃES-DO-MATO: eram, geralmente, homens pobres que trabalhavam para os senhores de engenho, bem como para os homens livres e os escravos libertos que possuíam cativos, encontrando-se pardos e forros entre eles. Os capitães-do-mato exerceram função na manutenção do sistema colonial, atuando como agentes da repressão. Seus serviços eram empregados na perseguição de fugitivos, principalmente na captura de escravos. Sua atuação variou conforme as capitanias; em Minas Gerais, por exemplo, onde havia grande população escrava, foi instituído o Regimento dos Capitães-do-mato de 1716, que deu lugar a outro em 1722. A remuneração desses oficiais e de seu bando oscilava de acordo com o modo de aprisionamento dos escravos, como local, tempo empregado, origem dos mesmos etc.

    [6] TRONCO: na Idade Média, esse instrumento de tortura era extremamente comum nas praças das vilas e cidades, deixando o condenado ao suplício exposto às intempéries, aos ratos e insetos e aos insultos públicos. No Brasil, era comum, no período de escravidão, que cada fazenda possuísse um tronco no terreiro, usado pelos senhores e seus feitores para punir o escravo por “desobediência” ou tentativa de fuga. Formado por duas peças de madeira retangular, presas em uma das extremidades por dobradiças de ferro e na outra um cadeado, com orifícios onde eram encaixados o pescoço, pulsos e tornozelos do escravo, que ficava ali cativo por dias e noites.

     

    Punições Públicas

    Carta do conde dos Arcos, governador da Bahia, ao marques de Aguiar, secretário de estado sobre a situação geral após os levantes escravos na armação de Manoel Ignácio da Cunha. Contrapõe-se aos relatos enviados ao marquês e às atitudes tomadas pelos senhores locais e pelo desembargador, afirmando que havia medo em excesso e que não havia razão para se intimidar ou alterar a forma normal de agir. Dá como exemplo o caso de um negro acusado e condenado que não cumpriu sua sentença de açoites, pois se espalhou a ideia de que seus parceiros o libertariam e matariam os brancos que o acusaram.



    Conjunto documental: Bahia. Ministério do Reino. Correspondência do presidente da província
    Notação: IJJ9 323
    Data-limite: 1810 - 1816
    Título de fundo: Série Interior
    Código do fundo: AA
    Argumento da pesquisa: escravos, penalidades
    Data do documento: 16 de maio de 1814
    Local: Bahia
    Folha(s): 42-44

     

    Tendo Havido gravíssima discordância entre o que está escrito nos meus ofícios, e nas cartas que da Bahia tem ido para essa corte sobre o levantamento[1] dos negros da armação[2] de Manoel Ignácio da Cunha, não me é possível conciliar um momento de tranquilidade sem que tenha provado na augusta presença de sua Alteza Real com tanta claridade como a da luz do meio dia que tudo o que daqui foi dito contrário ao que está em meus ofícios é falsíssimo.

    Aproveitando portanto a presente ocasião mostrarei a vossa excelência com um exemplo que acaba de suceder como tem sido forjados todos os sustos que aterraram os moradores da Bahia a ponto de escreverem desacordadamente tamanhas falsidades.

    No dia quinta feira vinte e oito de abril saia um negro em execução de sentença das cadeias desta relação[3] a ser açoitado e dar voltas ao redor da forca, e quando já na porta lia o pregoeiro a sentença, disse alguém que o réu pronunciara as seguintes palavras "Mata; corta a cabeça, e não é necessário ler mais papel" e tendo-se dado parte deste acontecimento ao desembargador ouvidor do crime[4] que por acaso estava naquela cadeia[5], mandou este imediatamente descontinuar a execução da sentença, e recolher de novo o preso a custódia. Espalhou-se brevissimamente pela cidade aquele caso acrescentando-se que o negro tinha dito que se fosse à rua seus parceiros o tirariam, e matariam todos os brancos e assim de novo ficou aterrada esta capital.

    Parece que este acontecimento me devia ser logo participado seja na qualidade de governador da capitania[6] ou na de Regedor das justiças; mas não aconteceu assim, e só pelo novo susto que aterrara os habitantes da cidade me constou no domingo seguinte aquele sucesso e dirigindo imediatamente a carta da cópia ao desembargador ouvidor do crime recebi a resposta que ajunto com a letra B pela qual se prova vitoriosamente que o plano é, como tenho dito, aterrar Estes habitantes fazendo entender que há grandes males eminentes lá para certos fins.

    Como porem me pertence conhecer os ânimos dos homens que sua Alteza Real me fez guarda melhor que todos os desembargadores deste mundo, e estou certíssimo que os negros da cidade da Bahia[7] estão no estado de mais perfeita quietação em que podem estar escravos[8] , mandei muito positivamente que aquele negro saísse a cumprir a sua sentença no primeiro dia de relação, porque assim é estilo, sem nenhuma das cartelas que o desembargador ouvidor do crime em sua resposta julga necessárias, e sem a mais leve alteração no aparato, e acompanhamento que é do costume, o que assim se cumpriu na quinta feira cinco do corrente conhecendo este modo toda esta cidade que o ultimo susto tenha sido da mesma natureza de todos os outros, isto é, forjado nas imaginações de alguns homens com fins danados. Devo, contudo declarar que não considero o desembargador ouvidor do crime de igual perversidade a de outros para dar acintemente, de caso pontuado origem do susto que deu mais depressa por falta de reflexão, e por se achar como Maquinalmente mergulhado no turbilhão de opiniões de homens malvados.

    Deus Guarde a Vossa Excelência. Bahia 16 de Maio de 1814

    Ilustríssimo Excelentíssimo senhor Marquês de Aguiar[9]

    Conde dos Arcos[10]

     

    [1] LEVANTE: a palavra levante era empregada para designar um motim, uma revolta, uma desordem na sociedade colonial. Os maus tratos e a violência empregada aos negros foram as principais causas dos levantes de escravos na colônia, tendo sido uma das formas de resistência mais comuns do período colonial. Ainda no âmbito da escravidão, observa-se que, se as revoltas e a formação de quilombos não foram as únicas formas de resistência coletiva, foram as mais importantes, como definiu João José Reis, sublinhando que, se a revolta se assemelha a outros movimentos de grupos subalternos, a organização dos quilombos é específica dos escravos e é também uma forma de revolta, vindo a nascer de fugas individuais ou coletivas, da sublevação nos engenhos e fazendas, podendo-se mesmo identificar a defesa dos quilombos e suas ações externas como tais (Quilombos e revoltas escravas no Brasil. Revista USP, São Paulo (28): Dezembro/Fevereiro 95/96. https://www.revistas.usp.br/revusp/article/download/28362/30220). De modo geral, a sublevação dos povos foi recorrente na América portuguesa, assistindo-se desde o século XVII a levantes contra abusos na cobrança de tributos, descaminhos da Fazenda Real, tirania, cerceamento à ocupação de cargos públicos, acesso à justiça, entre outras queixas que vinham imbuídas da percepção de que viviam apartados do soberano e dos direitos que lhes seriam devidos em uma república cristã, segundo Luciano Figueiredo (Narrativas das rebeliões: Linguagem política e idéias radicais na América Portuguesa moderna. Revista USP, São Paulo, n.57, p. 6-27, março/maio 2003. http://www.periodicos.usp.br/revusp/article/download/33830/36563).

    [2] ARMAÇÃO: conjunto de instalações erguidas no litoral para o processamento da baleia. Em geral, incluía um armazém para o estoque dos produtos processados a partir do animal; o engenho, onde a gordura era processada, e o engenho de azeite; uma casa de ferramentas específicas à atividade; o telheiro para a embarcação. Normalmente, em torno desse conjunto se desenvolviam outras atividades de subsistência e se agregavam capelas, boticas, depósitos de lenha, dando origem a núcleos populacionais, muitos de importância regional. Nas cercanias de Cabo Frio, a armação ali instalada viria a se tornar a cidade de [Armação dos] Búzios, estado do Rio de Janeiro. [ver também PESCA DE BALEIAS].

    [3] RELAÇÃO DA BAHIA: também conhecido como Tribunal da Relação do Brasil (até a criação da Relação do Rio de Janeiro em 1751), foi o primeiro tribunal de 2ª instância no Brasil, somando-se às Relações do Porto e de Goa, além da Casa de Suplicação de Lisboa, como as principais instituições judiciais superiores do império português. Apesar de criado efetivamente em 1609, desde 1588 já se pretendia instalar uma corte de apelação nos territórios americanos, quando se redigiu o primeiro regimento da instituição, que foi a base do regulamento de 1609, dentro do plano de modernização e legalização da burocracia estatal empreendido por Felipe II para todo o império luso-espanhol. A princípio funcionou por menos de vinte anos, até 1826, sendo reestabelecido em 1652, tendo encerrado suas atividades aparentemente durante o período em que tanto a Bahia quanto Pernambuco foram invadidos e comandados pelos holandeses. A principal atribuição da Relação consistia em julgar a 2ª instância, já que todos os recursos de casos no Brasil eram encaminhados para Lisboa, o que era demorado e custoso, a fim de melhorar e acelerar a justiça entre os colonos, além de contribuir para a centralização, pelo governo metropolitano, da burocracia e aparelho judicial colonial. Era também uma forma de a Coroa tomar conta mais amiúde da colônia, diminuindo os poderes dos donatários. Órgão colegiado, na segunda fase, o Tribunal contava com oito desembargadores, entre eles um chanceler, um ouvidor-geral e um procurador da Coroa, além de oficiais, e o presidente seria o vice-rei geral do Brasil, e estava subordinado diretamente à Casa de Suplicação de Lisboa, que serviu de modelo para sua organização. A seleção desse conjunto de letrados formados e treinados para a função foi uma tarefa difícil para a Coroa, que precisava confiar nesses membros para representa-la e ao mesmo tempo torna-los distintos e respeitáveis pela população muito avessa a obedecer as leis e a ordem, além da pequena elite colonial, que já dera sinais de insatisfação com a presença da justiça da metrópole passando por cima da local. A maior parte das ações que chegavam a Relação eram processos criminais (crimes passionais e de sedução, além de assassinatos pelos mais diversos motivos), disputas sucessórias, disputas cíveis (como brigas por terras e propriedades, contestações de contratos de dízimos, repressão ao contrabando, e ao comércio ilegal de pau-brasil), além de questões de tesouro (como fraudes e evasão fiscal). Os casos tratados prioritariamente eram os que envolviam diretamente a Coroa e a Casa Real. Desse modo, pode-se dizer que o Tribunal da Relação do Brasil (ou da Bahia) exerceu não somente funções judiciais (atuando ainda como juízes itinerantes pelas capitanias e responsáveis por investigações especiais), mas também funções administrativas, informando e aconselhando o rei sobre os acontecimentos e negócios da colônia, conduzindo devassas e administrando, por exemplo, missões especiais como a coleta de 1 % de impostos sobre as vendas para a construção de igrejas ou obras pias.

    [4] OUVIDOR: o cargo de ouvidor foi instituído no Brasil em 1534, como a principal instância de aplicação da justiça, atuando nas causas cíveis e criminais, bem como na eleição dos juízes e oficiais de justiça (meirinhos). Até 1548, a função de justiça, entendida em termos amplos, de fazer cumprir as leis, de proteger os direitos e julgar, era exclusiva dos donatários e dos ouvidores por eles nomeados. Neste ano foi instituído o governo-geral e criado o cargo de ouvidor-geral, limitando-se o poder dos donatários, sobretudo em casos de condenação à morte, entre outros crimes, e autorizando a entrada da Coroa na administração particular, observando o cumprimento da legislação e inibindo abusos. Cada capitania possuía um ouvidor, que julgava recursos das decisões dos juízes ordinários, entre outras ações. O ouvidor-geral, por sua vez, julgava apelações dos ouvidores e representava a autoridade máxima da justiça na colônia. Sua nomeação era da responsabilidade do rei, com a exigência de que o nomeado fosse letrado. Dentre as suas muitas atribuições, cabia-lhe informar ao rei do funcionamento das câmaras e, caso fosse necessário, tomar qualquer providência de acordo com o parecer do governador-geral. Ao longo do período colonial, o cargo de ouvidor sofreu uma série de especializações em função das necessidades administrativas coloniais. Dentre os cargos instituídos a partir de então, podemos citar o de ouvidor-geral das causas cíveis e crimes em 1609 (quando da criação da Relação do Brasil, depois desmembrada em Relação da Bahia e do Rio de Janeiro); o de ouvidor-geral do Maranhão em 1619, quando há a criação do Estado do Maranhão; e o de ouvidor-geral do sul em 1608, quando foi criada a Repartição do Sul.

    [5] CADEIAS: o sistema prisional, baseado no encarceramento diferenciado e delimitado por penas variáveis, aparece no mundo contemporâneo (ou, pelo menos, na maior parte dele) como concretização de sanções impostas a indivíduos que quebram as regras estabelecidas. Na realidade, a privação da liberdade e o isolamento como punição em si – e também reeducação – surgiu na Europa. Não há registros na Antiguidade, por exemplo, do uso punitivo do encarceramento, utilizado na época como detenção temporária do suspeito até que a punição final fosse imposta, após julgamento. O banimento, a infâmia, a mutilação, a morte e a expropriação eram as penas mais recorrentes. Na Idade Média, o cenário era semelhante. O crescimento populacional, a urbanização e as graves crises de fome que marcaram a Idade Moderna resultaram em aumento de criminalidade e em revolta social, movimentos estes que, às vezes, se sobrepunham. Diante dessa situação, as penas cruéis e a própria pena de morte, aplicadas em público, utilizadas na Idade Média em resposta a crimes frívolos (roubar um pão, ofender o senhorio, blasfemar), deixaram de ser adequadas, posto que poderiam facilmente causar um levante popular. Além disso, cada vez mais se considerava o espetáculo bizarro das punições públicas uma afronta ao racionalismo e ao humanismo que marcaram o século XVIII. Se no Antigo Regime o sistema penal se baseava mais na ideia de castigo do que na recuperação do preso, no século XVIII se intensificam as tentativas, esboçadas no século anterior, de transformar as velhas masmorras, cárceres e enxovias infectas e desordenadas, onde se amontoavam criminosos, em centros de correção de delinquentes. Em boa parte do mundo, entretanto, tais ideias demorariam a sair do papel. No Brasil, no início do século XIX, muitas fortalezas funcionaram como prisões para corsários, amotinados e, algumas vezes, para criminosos comuns. Na maior parte do vasto território da colônia, as cadeias eram administradas pelas câmaras municipais e, geralmente, localizavam-se ao rés do chão das mesmas, ou nos palácios de governo. A tortura, meio de obtenção de informações conforme previsto pelas Ordenações Filipinas, era utilizada tanto em casos de prisão por motivos religiosos, quanto em prisioneiros comuns. As cadeias não passavam de infectos depósitos de pessoas do todo o tipo: desde pessoas livres, já condenadas ou sofrendo processo, até suspeitos de serem escravos fugidos, prostitutas, indígenas, loucos, vagabundos. Proprietários, homens ricos e influentes e funcionários da Coroa permaneciam em um ambiente separado. Para os escravos, havia uma cadeia denominada Calabouço, embora também fossem encerrados em outros estabelecimentos.

    [6] CAPITANIA: também conhecidas como capitanias-mores, compuseram o sistema administrativo que organizou o povoamento de domínios portugueses no ultramar. A partir do século XIII, seguindo um sistema já empregado sobre as terras reconquistadas, típico do senhorio português de fins da Idade Média Portugal utilizou-as amplamente para desenvolver seus territórios, fazendo concessões de jurisdição sobre extensas áreas aos capitães donatários. Essas doações eram formalizadas na Carta de Doação e reguladas pelo Foral, documento que estabelecia os direitos e deveres dos donatários. No Brasil, o sistema de capitanias foi implantado, em 1534, por d. João III, com a doação de 14 capitanias como solução para a falta de recursos da Coroa portuguesa para a ocupação efetiva de suas terras na América. Esse sistema não alcançou o sucesso esperado em função de diversos fatores, tais como: os constantes ataques indígenas, a enorme extensão das terras e a falta de recursos financeiros. Inicialmente, as capitanias eram hereditárias e constituíam a base de administração colonial proposta pela coroa portuguesa. O donatário tinha uma série de direitos, entre eles a criação de vilas e cidades e de superintender a eleição dos camaristas, além de doar terras e dar licença às melhorias de grande porte em instalações como nos engenhos. Também recebia uma parte dos impostos cobrados entre aqueles que seriam destinados à Coroa (Johnson, H. Capitania donatária. In: Silva, Mª B. Nizza da. (Org.). Dicionário da colonização portuguesa no Brasil,1994). Embora tenha sido aplicado com relativo sucesso em outros domínios portugueses, no Brasil, o sistema não funcionou bem e com o tempo a maioria delas voltou para a posse da Coroa, passando a denominar-se “capitanias reais.”. Em 1621, o território português na América dividia-se em Estado do Brasil e Estado do Maranhão, que reunia três capitanias reais (Maranhão, Ceará e Grão-Pará), além de seis hereditárias. A transferência da sede do Estado do Maranhão de São Luís para Belém e a mudança de nome para Estado do Grão-Pará e Maranhão, ocorridas em 1737, atestam a valorização da região do Pará, fornecedora de drogas e especiarias nativas e exóticas. Entre 1752 e 1754, as seis capitanias hereditárias foram retomadas de seus donatários e incorporadas ao Estado, enquanto, em 1755, a parte oeste foi desmembrada em uma capitania subordinada: São José do Rio Negro. Em sua administração, o marquês de Pombal extinguiu definitivamente as capitanias hereditárias em 1759. Esta decisão fez parte de uma reforma administrativa, levada a cabo por Pombal, que visava erguer uma estrutura administrativa e política que atendesse aos desafios colocados pelo Tratado de Madri, de 1750, segundo o qual “cada um dos lados mantém o que ocupou.” Também era uma tentativa de resposta aos problemas de comunicação inerentes a um território tão extenso que, de forma cada vez mais premente, precisava ser ocupado e explorado em suas regiões mais limítrofes e interiores. O Estado do Grão-Pará e Maranhão foi dissolvido em 1774. Suas capitanias foram depois transformadas em capitanias gerais (Pará e Maranhão) e subordinadas (São José do Rio Negro e Piauí), e integradas ao Estado do Brasil. Entre 1808 e 1821, os termos “capitania” e “província” apareciam na legislação e na documentação corrente para designar unidades territoriais e administrativas do império luso-brasileiro.

    [7] BAHIA, CAPITANIA DA: estabelecida em 1534, teve como primeiro capitão donatário Francisco Pereira Coutinho, militar português pertencente à pequena nobreza que serviu nas possessões da Índia. Em 1548, fora revertida à Coroa e transformada em capitania real. Um ano mais tarde, com a fundação da cidade de Salvador, abrigou a primeira capital da colônia, posição que ocupou até 1763, quando a sede administrativa colonial foi transferida para a cidade do Rio de Janeiro. Nesse mesmo ano, d. José I extinguiu as capitanias de Ilhéus e de Porto Seguro e incorporou-as as suas áreas à Bahia. A ela também se subordinava, até 1820, a capitania de Sergipe d’El Rei. Sua geografia, no período colonial, estava dividida em três grandes zonas: o grande porto, que compreendia a cidade de Salvador; hinterlândia (área pouco ocupada, de desenvolvimento reduzido, subordinada economicamente a um centro urbano) agrícola, referente ao Recôncavo, e o sertão baiano, cada região com atividades econômicas específicas. A cidade de Salvador exerceu as funções de porto transatlântico para o tráfico de escravos e de cabotagem para o comércio de fumo, algodão, couro e açúcar (principal produto de exportação). No Recôncavo, destacava-se a agricultura comercial, concentrando um grande número de engenhos de açúcar. Também ali se praticava a cultura do fumo e, mais ao sul, uma agricultura de subsistência. No sertão, a principal atividade era a pecuária, tanto com produção de carne, de couro e de sebo, quanto para o fornecimento de gado que servia de força motriz nos engenhos e ao abastecimento de Salvador e do Recôncavo. Girando em torno da atividade açucareira, a vida sociopolítica baiana era reflexo da “grande lavoura”, na qual a hierarquia era dominada pelos senhores de engenho.

    [8] ESCRAVOS [AFRICANOS]: pessoas cativas, desprovidas de direitos, sujeitas a um senhor, como propriedades dele. Embora a escravidão na Europa existisse desde a Antiguidade, durante a Idade Média ela recuou para um estado residual. Com a expansão ultramarina, no século XV, revigorou-se, mas adquiriu contornos bem diferentes e proporções muito maiores. No mundo moderno, um grupo humano específico, que traria na pele os sinais de uma inferioridade na alma estaria destinado à escravidão. Diferentemente da escravidão greco-romana, onde certos indivíduos eram passíveis de serem escravizados, seja através da guerra ou por dívidas, o sistema escravocrata moderno era mais radical, onde a escravidão passa a ser vista como uma diferença coletiva, assinalada pela cor da pele, nas palavras do historiador José d'Assunção Barros, “um grupo humano específico traria na cor da pele os sinais de inferioridade” (“A Construção Social da Cor - Desigualdade e Diferença na construção e desconstrução do Escravismo Colonial. XIII Encontro de História da Anpuh-Rio, 2008). Muitos foram os esforços no sentido de construir uma diferenciação negra, buscando no discurso bíblico, justificativas para a escravidão africana. No Brasil, de início, utilizou-se a captura de nativos para formar o contingente de mão de obra escrava necessária a colonização do território. Por diversos motivos – lucro com a implantação de um comércio de escravos importados da África; dificuldade em forçar o trabalho do homem indígena na agricultura; morte e fuga de grande parte dos nativos para áreas do interior ainda inacessíveis aos europeus – a escravidão africana começou a suplantar a indígena em número e importância econômica quando do início da atividade açucareira em grande extensão do litoral brasileiro. Apesar disso, a escravidão indígena perduraria por bastante tempo ainda, marcando a vida em pontos da colônia mais distantes da costa e em atividades menos extensivas. O desenvolvimento comercial no Atlântico gerou, por três séculos, a transferência de um vasto contingente de africanos feitos escravos para a América. A primeira movimentação do tráfico de escravos se fez para a metrópole, em 1441, ampliando-se de tal modo que, no ano de 1448, mais de mil africanos tinham chegado a Portugal, uma contagem que aumentou durante todo o século XV. Tal comércio foi um dos empreendimentos mais lucrativos de Portugal e outras nações europeias. Os negros cativos eram negociados internacionalmente pelos europeus, mas estes, poucas vezes, tomavam para si a tarefa de captura dos indivíduos. Uma vez que o aprisionamento de inimigos e sua redução ao estado servil eram práticas anteriores ao estabelecimento de rotas comerciais ultramarinas, em geral consequência de guerras e conflitos entre diferentes reinos ou tribos, os comerciantes passaram a trocar estes prisioneiros por produtos de interesse dos grandes líderes locais (os potentados) e por apoio militar nos conflitos locais. Embora a escravização de inimigos fosse uma prática anterior à chegada dos europeus, deve-se salientar que o estatuto do escravo na África era completamente diferente daquele que possuía o escravo apreendido e vendido para trabalho nas Américas. Nos reinos africanos, a condição não era indefinida e nem hereditária, e senhores chegavam a se casar com escravas, assumindo seus filhos. O comércio com os europeus transformou os homens e sua descendência em mercadoria sem vontade, objeto de negociação mercantil. Os europeus passaram a instigar guerras e conflitos locais, de forma a aumentar a captura de possíveis escravos, desintegrando a antiga estrutura econômica e social dos reinos africanos. A produção historiográfica sobre a escravidão vem crescendo nos últimos anos, não só escravismo colonial, mas também o comércio de cativos para a própria Europa, sobretudo na bacia mediterrânea, têm sido estudados. A presença de escravos negros em Portugal tornar-se-ia uma constante no campo mas, sobretudo, nas cidades e vilas, onde podiam trabalhar em obras públicas, nos portos (carregadores), nas galés, como escravos de ganhos e domésticos, entre outros. No século XV, os negros africanos já tinham suas habilidades reconhecidas tanto em Portugal quanto nas ilhas atlânticas (arquipélagos de Madeira e Açores). Localizadas estrategicamente e com solo de origem vulcânica, logo foi implantado um sistema de colonização assentado na exploração de bens primários, como o açúcar.  A escravidão foi um dos alicerces essenciais do sucesso desse empreendimento, que acabou sendo transferido para o Brasil, quando essa colônia se mostrou economicamente vantajosa. Dessa forma, no litoral da América portuguesa logo seria implantado o sistema de plantation açucareiro, com a introdução da mão de obra africana. E, ao longo do processo de colonização luso, o trabalho escravo tornou-se a base da economia colonial, presente nas mais diversas atividades, tanto no campo quanto nas cidades. Uma das peculiaridades da escravidão nesse período é representada pelos altos gastos dos proprietários com a mão de obra, muitas vezes mais cara do que a terra. Iniciar uma atividade de lucro demandava um alto investimento inicial em mão de obra, caso se esperasse certeza de retorno. A escravidão e a situação do escravo variavam, dentro de determinados limites, de atividade para atividade e de local para local. Mas de uma forma geral, predominavam os homens, já que o tráfico continuou suas atividades intensamente pois, ao contrário do que ocorria na América inglesa, por exemplo, houve pouco crescimento endógeno entre a população escrava na América portuguesa. Rio de Janeiro, Bahia e Pernambuco foram os principais centros importadores de escravos africanos do Brasil. Além de formarem a esmagadora maioria da mão de obra nas lavouras, nas minas, nos campos, e de ganharem o sustento dos senhores menos abastados realizando serviços nas ruas das vilas e cidades (escravos de ganho), preenchendo importantes nichos da economia colonial, os escravos negros também eram recrutados para lutar em combates. A carta régia de 22 de março de 1766, pela qual d. José I ordenou o alistamento da população, inclusive de pardos e negros para comporem as tropas de defesa, fez intensificar o número dessa parcela da população nos corpos militares. Ingressar nas milícias era um meio de ascensão social, tanto para o negro escravo quanto para o forro. A escravidão é um tema clássico da historiografia brasileira e ainda bastante aberto a novas abordagens e releituras. A perspectiva clássica em torno do tema é a do “cativeiro brando” e o caráter benevolente e não violento da escravidão brasileira, proposta por Gilberto Freyre em Casa Grande e senzala no início da década de 1930. Contestações a essa visão surgem na segunda metade do século XX, nomes como Florestan Fernandes, Emília Viotti, Clóvis Moura, entre outros, desenvolvem a ideia de “coisificação” do negro e as circunstâncias extremamente árduas em que viviam, bem como a existência de movimentos de resistência ao cativeiro, como é o caso das revoltas de escravos e a formação dos quilombos. Já perspectivas historiográficas recentes reviram essa despersonalização do escravo, considerando-o como agente histórico, com redes de sociabilidade, produções culturais e concepções próprias sobre as regras sociais vigentes e como os negros buscaram sua liberdade, contribuindo decisivamente para o fim da escravidão.

    [9] CASTRO, D. FERNANDO JOSÉ DE PORTUGAL E (1752-1817): 1o conde de Aguiar e 2o marquês de Aguiar, era filho de José Miguel João de Portugal e Castro, 3º marquês de Valença, e de Luísa de Lorena. Formado em Direito pela Universidade de Coimbra, ocupou vários postos na administração portuguesa no decorrer de sua carreira. Governador da Bahia, entre os anos de 1788 a 1801, passou a vice-rei do Estado do Brasil, cargo que exerceu até 1806. Logo em seguida, regressou a Portugal e tornou-se presidente do Conselho Ultramarino, até a transferência da corte para o Rio de Janeiro. A experiência adquirida na administração colonial valeu-lhe a nomeação, em 1808, para a Secretaria de Estado dos Negócios do Brasil, pasta em que permaneceu até falecer. Durante esse período, ainda acumulou as funções de presidente do Real Erário e de secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros e da Guerra. Foi agraciado com o título de conde e marquês de Aguiar e se casou com sua sobrinha Maria Francisca de Portugal e Castro, dama de d. Maria I. Dentre suas atividades intelectuais, destaca-se a tradução para o português do livro Ensaio sobre a crítica, de Alexander Pope, publicado pela Imprensa Régia, em 1810.

    [10] BRITO, D. MARCOS DE NORONHA (1771-1817): oitavo conde dos Arcos, nasceu em Lisboa e foi o último vice-rei do Brasil. Destacou-se, ainda em Portugal, na carreira militar, e chegou a atingir a patente de tenente-general em 1818. Chegou à América portuguesa em 1803 para ocupar o cargo de governador da capitania do Pará e Rio Negro, onde permaneceu até 1806, quando foi promovido para o cargo de vice-rei, transferindo-se para o Rio de Janeiro. Ficou sob sua responsabilidade a preparação da cidade para ser a nova sede do Império português e receber a família real e a Corte. Em 1808, com a chegada do príncipe regente, findaram-se as funções de vice-rei, tendo sido nomeado, no ano seguinte, governador da Bahia, cargo que assumiu somente em 1810 e nele permaneceu até 1818. Neste período, ajudou a estabelecer a primeira tipografia e o jornal A Idade de Ouro na Bahia, fundou a Biblioteca Pública de Salvador e teve importante papel no combate a rebeliões e desordens causadas por escravos. Entrou em conflito algumas vezes com a classe senhorial local, que o considerava demasiadamente indulgente no trato com os escravos. O conde, por sua vez, acusava a elite baiana de ser selvagem, mesquinha e cruel com seus cativos, gerando sofrimento desnecessário e alimentando sentimentos de ódio e revolta. Durante a Revolução Pernambucana de 1817, destacou-se na repressão ao movimento, impedindo-o de penetrar na capitania da Bahia. No ano seguinte, retornou ao Rio de Janeiro como ministro da Marinha e Domínios Ultramarinos, cargo que ocupou até o retorno da Corte para Portugal. O conde, entretanto, permaneceu ainda no Brasil até depois de declarada a independência e, só então, retornou à Europa.

  • ALGRANTI, Leila Mezan. O feitor ausente: estudos sobre a escravidão urbana no Rio de Janeiro, 1808-1822. Petrópolis, RJ: Vozes, 1988.

    COATES, Timothy. Degredados e órfãs: colonização dirigida pela coroa no império português, 1550-1755. Lisboa: Comissão Nacional para as Comemorações dos Descobrimentos Portugueses, 1998.

    GOMES, Flávio dos Santos. Jogando a rede, revendo as malhas: fugas e fugitivos no Brasil escravista. Tempo, Rio de Janeiro, v. 1, p. 67-93, 1996.

    SOARES, Carlos Eugênio Líbano. A capoeira escrava e outras tradições rebeldes no Rio de Janeiro (1808-1850). Campinas, SP: Unicamp, 2001.

registrado em: ,
Fim do conteúdo da página