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A Pesca da Baleia na Colônia

Sala de aula

Escrito por cotin | Publicado: Quinta, 22 de Fevereiro de 2018, 19h37 | Última atualização em Segunda, 11 de Junho de 2018, 17h54

Armações e invasões

Provisão na qual o rei ordena que se abatam seis mil cruzados do valor total do contrato da pescaria de baleias de Paulo Luiz da Gama, que durou de 1708 à 1711. A medida se explicava porque nos dois primeiros anos o contratador teve um prejuízo enorme que poderia ter sido remediado no terceiro ano, não fosse a invasão francesa, visto que havia muitas baleias nas armações nesse período. 

 

Conjunto documental: Governadores do Rio de Janeiro
Notação: códice 77, vol. 24
Datas-limite: 1644 - 1719
Título do fundo: Secretaria de Estado do Brasil
Código do fundo: 86
Argumento de pesquisa: pesca, baleias
Data do documento: 13 de janeiro de 1717
Local: Lisboa
Folha(s): 265-267

 

Dom João[1] por graça de Deus, rei de Portugal e dos alcances daqueles do seu mar, na África senhor de Guiné, faço saber do que esta provisão chegar, que tendo em consideração ao que se me representou por parte de Paulo Luiz da Gama em razão de que arrematando o contrato[2] de pescaria das baleias[3] na capitania do Rio de Janeiro por tempo de 3 anos que tendo principio em abril de 1708 até o ultimo de março de 1711, em preço de 60 mil cruzados[4] não tendo passado no ano antecedente de quarenta mil e tantos cruzados sucedera por ser muito diminuída a pescaria no primeiro ano porque custando se matar na armação daquela cidade 25 baleias, se não mataram mais de 21 e na armação[5] da Marambaia as que se queriam e podiam aproveitar se não mataram mais que 14 e no segundo ano, as armações aumente 11 ou 12 baleias, no que receberam uma considerável perda, e da mesma maneira no terceiro ano, enquanto tento nele a esperança de grandes pescas pela grande quantidade de baleias, que se descobriam, sucedera ir aquela barca uma armada[6] de franceses, a armadilha de maneira que totalmente impedia a dita pesca, em ambas as armações por serem nos meses em que a armada ocupou os sítios em que se costumava fazer ficando por esta causa, irremediável a sua perda e que como esta fora originada pela dita guerra[7] e em uma das condições do seu contrato antecedendo-se o dito caso se permanecera que sucedendo a alguns meios inimigos e impedissem os tais contratos, digo do tal contrato as pescas que franceses se farão ou fazem fora da barra, se tomaram o prejuízo para se abater no preço de sua arrematação, me pedia lhe mandar-se dar o cumprimento a dita condição, seu requerimento, documento que com ele apresentou informações que se sucederam ao governador e provedor da fazenda a que se deu vista. Houve por bem resolução de 4 de março do ano passado, em consulta do meu conselho ultramarino ao Paulo da Gama se lhe abatam no preço do seu contrato 6 mil cruzados. Pelo mando ao meu governador da capitania do Rio de Janeiro e ao Provedor de minha fazenda, dela cumpram e guardem esta provisão e o façam cumprir e guardar como nela se contem.
O rei nosso senhor mandou a João Telles da Silva e Antonio da Costa conselheiros do seu Conselho Ultramarino[8] . Theotonio Pereira de Castro o fez em Lisboa a 13 de janeiro de 1717.

 

[1]JOÃO VI, D. (1767-1826): segundo filho de d. Maria I e d. Pedro III, se tornou herdeiro da Coroa com a morte do seu irmão primogênito, d. José, em 1788. Em 1785, casou-se com a infanta Dona Carlota Joaquina, filha do herdeiro do trono espanhol, Carlos IV que, na época, tinha apenas dez anos de idade. Tiveram nove filhos, entre eles d. Pedro, futuro imperador do Brasil. Assumiu a regência do Reino em 1792, no impedimento da mãe que foi considerada incapaz. Um dos últimos representantes do absolutismo, d. João VI viveu num período tumultuado. Foi sob o governo do então príncipe regente que Portugal enfrentou sérios problemas com a França de Napoleão Bonaparte, sendo invadido pelos exércitos franceses em 1807. Como decorrência dessa invasão, a família real e a Corte lisboeta partiram para o Brasil em novembro daquele ano, aportando em Salvador em janeiro de 1808. Dentre as medidas tomadas por d. João em relação ao Brasil estão a abertura dos portos às nações amigas; liberação para criação de manufaturas; criação do Banco do Brasil; fundação da Real Biblioteca; criação de escolas e academias e uma série de outros estabelecimentos dedicados ao ensino e à pesquisa, representando um importante fomento para o cenário cultural e social brasileiro. Em 1816, com a morte de d. Maria I, tornou-se d. João VI, rei de Portugal, Brasil e Algarves. Em 1821, retornou com a Corte para Portugal, deixando seu filho d. Pedro como regente.

[2]CONTRATO: desde o século XV, a coroa portuguesa estabeleceu o sistema de monopólio para a exploração das riquezas em suas colônias, incidindo sobre produtos, portos, rotas. A imposição do “exclusivo colonial” se encontra na base da relação colônia/metrópole. No final deste mesmo século, como forma de aumentar sua renda para além da arrecadação de impostos e das várias taxas (alfândega, circulação de mercadoria), a Coroa passou a arrendar para terceiros, sob a forma de contratos, o direito de monopólio em determinadas atividades, aumentando assim sua liquidez, diminuindo os riscos da empreitada. Na colônia americana, os contratos do sal, pau-brasil, escravos e pesca da baleia integravam o sistema de monopólio real, e ofereciam aos contratadores a oportunidade de aumentar negócios e acumular riquezas. Os contratos tinham data para começar e terminar, e a sua assinatura também exibia um caráter político muito forte: apenas fidalgos bem relacionados poderiam arrematá-los, dependendo o sistema de um jogo de interesses e influências.

[3]PESCA DE BALEIAS: os primeiros acordos firmados entre contratadores da pesca (ou caça) de baleias e a Coroa portuguesa ocorreram durante a União Ibérica (1580-1640). A atividade, cujos primeiros passos se deram ainda no início do século XVII, ganharia impulso na segunda metade do século e teria seu apogeu cerca de cem anos depois, entre 1730 e 1760. Era frequente a presença de baleias na baía de Guanabara, convertendo a capitania do Rio de Janeiro em importante núcleo baleeiro durante o período colonial. No entanto, com a intensificação do trânsito de embarcações, após a descoberta de metais preciosos em Minas Gerais, os animais migraram para fora da baía. Logo, uma nova armação (local em que a baleia era morta e destroçada) seria construída na região de Búzios, mais ao norte da cidade. Além do litoral fluminense, também Santa Catarina, Bahia e Ilha Bela (SP) desenvolveram a atividade. As chamadas fábricas ou engenhos de azeite integravam as armações e era o local onde a gordura era processada e, posteriormente, utilizada na iluminação de ruas, casas e engenhos. O negócio de pesca de baleias era muito lucrativo, produzindo diferentes subprodutos: o azeite era combustível e o que não fosse aproveitado na iluminação era utilizado no preparo de argamassa usada nas construções; as barbatanas eram matéria prima para fabricação de leques e espartilhos; a carne, para alimentação e os ossos, usados na feitura de botões. A pesca encontrou seu declínio no século XIX, com a introdução da iluminação a querosene, mas só foi proibida no Brasil nos anos 1980.

[4]CRUZADO: moeda portuguesa introduzida por d. Afonso V em 1457 durante uma expedição contra o Império Otomano. No início, era cunhada apenas em ouro e apresentava uma cruz em seu reverso. Na época, o sistema monetário português tinha por base o real. A introdução do cruzado, que em seu lançamento valia 253 reais, marcou o período de estabilização da moeda portuguesa. Lastreada no ouro extraído das minas africanas de Portugal, a moeda teve boa aceitação tanto no mundo cristão quanto muçulmano. Em 1555 foi suspensa a sua cunhagem e, no reinado de Afonso VI, em 1663, o cruzado voltou a ser produzido, desta vez feita em prata.

[5]ARMAÇÃO: conjunto de instalações erguidas no litoral para o processamento da baleia. Em geral, incluía um armazém para o estoque dos produtos processados a partir do animal; o engenho, onde a gordura era processada, e o engenho de azeite; uma casa de ferramentas específicas à atividade; o telheiro para a embarcação. Normalmente, em torno desse conjunto se desenvolviam outras atividades de subsistência e se agregavam capelas, boticas, depósitos de lenha, dando origem a núcleos populacionais, muitos de importância regional. Nas cercanias de Cabo Frio, a armação ali instalada viria a se tornar a cidade de [Armação dos] Búzios, estado do Rio de Janeiro. [ver também PESCA DE BALEIAS].

[6]ARMADA: no começo do século XV significava um conjunto de embarcações de guerra. Quando este conjunto era numeroso, chamava-se frota, fundamental para o sucesso das economias europeias, visto que a maior parte das riquezas (fossem especiarias, ouro, prata, tecidos) circulava entre os vários continentes através dos oceanos. A empreitada colonial apresentava a necessidade de proteção dos territórios conquistados em outros continentes, acentuando a importancia da defesa naval. Coube aos portugueses o pioneirismo nos descobrimentos marítimos, cujas primeiras navegações foram feitas em navios como a barcha ou barca e o barinel. Em meados de 1440, os lusos aperfeiçoaram um novo tipo de embarcação, que viria a ser o mais característico da época: a caravela. Era uma espécie mais alongada que os anteriores, de borda alta e usando velas latinas triangulares, o que a tornava apta a navegar quase contra o vento. Já no século XVIII, bergantins, as naus e fragatas foram os navios de guerra mais utilizados pela Coroa portuguesa.

[7]INVASÕES FRANCESAS [AO RIO DE JANEIRO]: durante todo período colonial, registrou-se a presença de franceses ao longo da costa brasileira, fosse por meio da atividade corsária, incorrendo junto à população nativa o escambo do pau-brasil, ou através de tentativas de colonização de parte do território, como foi o caso do Rio de Janeiro e do Maranhão. A primeira investida para fundação de uma colônia francesa na Baía de Guanabara foi realizada, ainda, em 1555, quando a expedição comandada por Nicolas Durand de Villegagnon estabeleceu um núcleo de povoamento conhecido como França Antártica. A campanha de Estácio de Sá para a expulsão dos franceses se estendeu de 1660 a 1667, período em que foi fundada a cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro, a princípio num istmo entre o morro Cara de Cão e o morro do Pão de Açúcar e, posteriormente, transferida para o alto do morro do Castelo. No entanto, uma segunda invasão francesa ao Rio de Janeiro ocorreria em setembro de 1711, sob o comando do corsário francês René Duguay-Trouin. Liderando uma esquadra fortemente armada, conseguiu reparar a derrota sofrida por Jean François Duclerc, que tentara ocupar a cidade alguns meses antes. O Rio de Janeiro transformou-se em palco de acirradas batalhas, foi saqueado e teve várias de suas construções destruídas. Duguay-Trouin libertou parte da tripulação feita prisioneira durante a invasão comandada por Duclerc em 1710, assim como cripto-judeus que seriam enviados para a Inquisição em Portugal. Depois de pilhar a cidade e afastar a população para o interior, Duguay-Trouin exigiu o pagamento de um resgate sob pena de destruí-la. O governador Francisco de Castro Morais acabou permitindo que o corsário levasse todo o ouro e riqueza que conseguisse encontrar, tendo em vista que, na fuga para o interior, a população carregara consigo seus pertences de valor, tornando impossível arrecadar o resgate exigido. Parte do que os franceses conseguiram obter foram bens e produtos sequestrados, em parte revendidos aos próprios moradores da localidade, contribuindo para o sentimento de humilhação dos habitantes do Rio de Janeiro, em  face de uma entrega tão fácil da cidade aos estrangeiros.

[8]CONSELHO ULTRAMARINO: criado em 1642, à semelhança do Conselho da Índia que atuara durante a União Ibérica, tinha como objetivo padronizar a administração colonial. Sua alçada incluía os Estados do Brasil, Índia, Guiné, São Tomé, e outras partes da África, provendo os cargos relacionados à administração colonial. Responsabilizava-se pelas finanças das possessões portuguesas, a defesa militar das mesmas, a aplicação de justiça. Desde a cobrança de impostos, até o tráfico de escravos, passando pela emissão de documentos e as ações de defesa territorial, pouco acontecia nas colônias que não tivesse que passar pelo conselho, que tinha prerrogativas de fiscalização e também executivas. O processo decisório no âmbito do conselho e a efetivação das suas decisões transcorriam de forma lenta, devido à necessidade de informes e contra-informes em variadas instâncias, somadas às distâncias abissais entre as várias localidades do império colonial português. Já no período do marquês de Pombal, o conselho entrou em declínio, e suas atribuições foram pouco a pouco assumidas por outras secretarias de Estado, que administravam de forma mais ágil por dispensarem as várias instâncias de comunicação e decisão.

 

 

Fábrica de pesca de baleias

Carta do governador do Rio de Janeiro, José da Silva Paes, ao rei, em que ele faz algumas reflexões sobre a petição de Thomé Gomes Moreira para estabelecer uma fábrica de pesca de baleias na Ilha da Santa Catarina. Ele destaca os seguintes pontos: a nova pescaria não iria prejudicar as já existentes em São Sebastião, pois se realizava mais para o sul; traria um aumento à Fazenda Real durante os oito anos da concessão; aumentaria o número de habitantes na ilha e seria um ponto de escala para as embarcações que vão para os portos de Laguna e Rio Grande. Caberia aos governadores e provedores da Fazenda Real decidir se a fábrica ficaria na Provedoria do Rio de Janeiro ou na de Santos.

 

Conjunto documental: Capitania do Rio de Janeiro
Notação: Caixa 745, pact 1
Datas-limite: 1735 - 1744
Título do fundo: Vice-reinado
Código do fundo: D9
Argumento de pesquisa: pesca, baleias
Data do documento: 16 de setembro de 1739
Local: Rio de Janeiro
Folha(s): 219


É vossa majestade[1] servida mandar sobre o requerimento de Thomé Moreira que pretende estabelecer uma pescaria de baleias[2] no porto da ilha de Santa Catarina[3] pelas razões suas na sua petição, que informe este governo ouvindo os contratadores atuais dessa capitania[4], o que se vê da sua [...] sobre a qual é preciso fazer estas reflexões. O contrato dessa cidade depois que vossa majestade concedeu a Domingo Gomes e a Brás de Pina, estabelecerem fabrica de azeite de peixe[5] em S. Sebastião[6]. Livre nos foi os seis anos para eles, não tenham em nada determinado os preços das arrematações que se tem feito, nem faltado azeites como confessa o mesmo contratador[7]. Antes tem aumentado, e isto há sete anos que corre e dentro de 3 que se haver unir aquela fábrica a Fazenda Real conforme o estipulado na sua concessão arrematado se junto com vossa majestade, tem determinado dará ao menos o 3° ou a metade mais do que por hora anda este, e fica sem ter tido até o presente diminuição aumentando tão consideravelmente a sua renda tenho mostrado, sem que for aquela razão deixe se haver até aqui. A nova pescaria que se oferece a fazer este homem de negócio Thomé Gomes fica tão distante sobre as que não lhe podem prejudicar, nem até aqui eu me persuado que as baleias tenham o discurso de que por serem em alguma ocasião perseguida a que se escapa avisa-se estas as mais se retiram desta costa para que não sejam arpoadas e não havendo esta certeza como moralmente devemos crer sempre continuará a haver mais ou menos criação, e ao haver mais ou menos, digo sempre continuará a haver nela a mesma pescaria que até aqui; só o haver mais ou menos criação, e o haver mais ou menos frio para o Pólo Sul para com que concorram mais ou menos conforme qualquer destes incidentes. Quer seja conveniente a pescaria na ilha, me parece indubitável só pelo aumento que a fazer de vossa majestade poderá ter daqui a 8 dias, digo anos que é o mais que lhe deve conceder, com pelo comodidade dos habilitadores [inteligível] do sul donde terão mais barato aquele gênero indispensável pelo trato e serviço comum das gentes, e se o obstáculo do contratador é que depois incorporada aquela fabrica na Fazenda Real, não terá conta dos governadores e Provedorias digo provedores da Fazenda Real informar nesta provedoria ou na de Santos[8], ou se devem arrematar as 3 fábricas unidas ou separadas, porque de qualquer modo se poderia arrematar, e ainda separadas, porque de qualquer modo se poderia arrematar, e ainda separada dará mais que unido.

Além dessas circunstancia, não é de menos consideração a de ser haver de aumentar pelo meio daquela fábrica o número dos habitantes da ilha em que vossa majestade tanto deve cuidar, não só pela conservação daquele porto tão importante aos povos, que ficam ao Sul dele que são: Rio Grande[9] sendo para este indispensável escala no caso de ventos contrários donde só no [ilegível] porte podem as embarcações que forem para ele seguro esperar munição, isto é o que me parece vossa majestade seus vassalos lhe pedimos. Rio de Janeiro 16 de setembro de 1739. José da Silva Paes[10]

 

[1]JOÃO V, D. (1689-1750): conhecido como “o Magnânimo”, d. João V foi proclamado rei em 1706 e teve que administrar as consequências produzidas na colônia americana pelo envolvimento de Portugal na Guerra de Sucessão Espanhola (1702-1712), a perda da Colônia do Sacramento e a invasão de corsários franceses ao Rio de Janeiro (1710-11). Se as atividades corsárias representavam um contratempo relativamente comum à época e nas quais se envolviam diversas nações europeias, a ocupação na região do Rio da Prata seria alvo de guerras e contendas diplomáticas entre os dois países ibéricos durante, pelo menos, um século, já que as colônias herdariam tais questões fronteiriças depois da sua independência. As guerras dos Emboabas (1707-09) na região mineradora e dos Mascates (1710-11) em Pernambuco completaram o quadro de agitação desse período. Entre as medidas políticas mais expressivas de seu governo, encontram-se: os tratados de Utrecht (1713 e 1715), selando a paz com a França e a Espanha respectivamente, e o tratado de Madri (1750), que objetivava a demarcação dos territórios lusos e castelhanos na América, intermediado pelo diplomata Alexandre de Gusmão. Este tratado daria à colônia portuguesa na América uma feição mais próxima do que atualmente é o Brasil. Foi durante seu governo que se deu o início da exploração do ouro, enriquecendo Portugal e dinamizando a economia colonial. O fluxo do precioso metal contribuiu para o fausto que marcou seu reinado, notadamente no que dizia respeito às obras religiosas, embora parte dessa riqueza servisse também para pagamentos de dívidas, em especial com a Inglaterra. Mesmo assim, as atividades relacionadas às artes receberam grande incentivo, incluindo-se aí a construção de elaborados edifícios (Biblioteca de Coimbra, Palácio de Mafra, Capela de São João Batista – erguida em Roma com financiamento luso e, posteriormente, remontada em Lisboa) e o desenvolvimento do peculiar estilo barroco, que marcou a ourivesaria, a arquitetura, pintura e esculturas do período tanto em Portugal quanto no Brasil. Seu reinado antecipa a penetração das ideias ilustradas no reino, com a fundação de academias com apoio régio, a reunião de ilustrados, a influência da Congregação do Oratório, em contrapartida à Companhia de Jesus.

[2]PESCA DE BALEIAS: os primeiros acordos firmados entre contratadores da pesca (ou caça) de baleias e a Coroa portuguesa ocorreram durante a União Ibérica (1580-1640). A atividade, cujos primeiros passos se deram ainda no início do século XVII, ganharia impulso na segunda metade do século e teria seu apogeu cerca de cem anos depois, entre 1730 e 1760. Era frequente a presença de baleias na baía de Guanabara, convertendo a capitania do Rio de Janeiro em importante núcleo baleeiro durante o período colonial. No entanto, com a intensificação do trânsito de embarcações, após a descoberta de metais preciosos em Minas Gerais, os animais migraram para fora da baía. Logo, uma nova armação (local em que a baleia era morta e destroçada) seria construída na região de Búzios, mais ao norte da cidade. Além do litoral fluminense, também Santa Catarina, Bahia e Ilha Bela (SP) desenvolveram a atividade. As chamadas fábricas ou engenhos de azeite integravam as armações e era o local onde a gordura era processada e, posteriormente, utilizada na iluminação de ruas, casas e engenhos. O negócio de pesca de baleias era muito lucrativo, produzindo diferentes subprodutos: o azeite era combustível e o que não fosse aproveitado na iluminação era utilizado no preparo de argamassa usada nas construções; as barbatanas eram matéria prima para fabricação de leques e espartilhos; a carne, para alimentação e os ossos, usados na feitura de botões. A pesca encontrou seu declínio no século XIX, com a introdução da iluminação a querosene, mas só foi proibida no Brasil nos anos 1980.

[3]SANTA CATARINA, ILHA DE: parte do atual município de Florianópolis, a ilha era habitada por índios Carijó que foram, com a chegada de bandeirantes vicentinos na região em 1637, exterminados ou convertidos à escravidão nos engenhos que ali se instalaram. A ilha de Santa Catarina convertera-se no posto português mais avançado ao sul da América portuguesa. No contexto de disputas territoriais entre as Coroas ibéricas pelo controle da região, em 1777, a ilha foi invadida pelos espanhóis, permanecendo por oito meses na região até a assinatura do Tratado de Santo Ildefonso, no mesmo ano. Seu nome seria alterado em 1845, com o fim da República Farroupilha, que tinha como sede a cidade de Laguna. Florianópolis, como seria rebatizada a ilha, era uma homenagem ao marechal Floriano Peixoto, cujo governo foi responsável pela derrota da Revolução Farroupilha. Ver também SANTA CATARINA, CAPITANIA DE

[4]CAPITANIA: também conhecidas como capitanias-mores, compuseram o sistema administrativo que organizou o povoamento de domínios portugueses no ultramar. A partir do século XIII, seguindo um sistema já empregado sobre as terras reconquistadas, típico do senhorio português de fins da Idade Média Portugal utilizou-as amplamente para desenvolver seus territórios, fazendo concessões de jurisdição sobre extensas áreas aos capitães donatários. Essas doações eram formalizadas na Carta de Doação e reguladas pelo Foral, documento que estabelecia os direitos e deveres dos donatários. No Brasil, o sistema de capitanias foi implantado, em 1534, por d. João III, com a doação de 14 capitanias como solução para a falta de recursos da Coroa portuguesa para a ocupação efetiva de suas terras na América. Esse sistema não alcançou o sucesso esperado em função de diversos fatores, tais como: os constantes ataques indígenas, a enorme extensão das terras e a falta de recursos financeiros. Inicialmente, as capitanias eram hereditárias e constituíam a base de administração colonial proposta pela coroa portuguesa. O donatário tinha uma série de direitos, entre eles a criação de vilas e cidades e de superintender a eleição dos camaristas, além de doar terras e dar licença às melhorias de grande porte em instalações como nos engenhos. Também recebia uma parte dos impostos cobrados entre aqueles que seriam destinados à Coroa (Johnson, H. Capitania donatária. In: Silva, Mª B. Nizza da. (Org.). Dicionário da colonização portuguesa no Brasil,1994). Embora tenha sido aplicado com relativo sucesso em outros domínios portugueses, no Brasil, o sistema não funcionou bem e com o tempo a maioria delas voltou para a posse da Coroa, passando a denominar-se “capitanias reais.”. Em 1621, o território português na América dividia-se em Estado do Brasil e Estado do Maranhão, que reunia três capitanias reais (Maranhão, Ceará e Grão-Pará), além de seis hereditárias. A transferência da sede do Estado do Maranhão de São Luís para Belém e a mudança de nome para Estado do Grão-Pará e Maranhão, ocorridas em 1737, atestam a valorização da região do Pará, fornecedora de drogas e especiarias nativas e exóticas. Entre 1752 e 1754, as seis capitanias hereditárias foram retomadas de seus donatários e incorporadas ao Estado, enquanto, em 1755, a parte oeste foi desmembrada em uma capitania subordinada: São José do Rio Negro. Em sua administração, o marquês de Pombal extinguiu definitivamente as capitanias hereditárias em 1759. Esta decisão fez parte de uma reforma administrativa, levada a cabo por Pombal, que visava erguer uma estrutura administrativa e política que atendesse aos desafios colocados pelo Tratado de Madri, de 1750, segundo o qual “cada um dos lados mantém o que ocupou. ” Também era uma tentativa de resposta aos problemas de comunicação inerentes a um território tão extenso que, de forma cada vez mais premente, precisava ser ocupado e explorado em suas regiões mais limítrofes e interiores. O Estado do Grão-Pará e Maranhão foi dissolvido em 1774. Suas capitanias foram depois transformadas em capitanias gerais (Pará e Maranhão) e subordinadas (São José do Rio Negro e Piauí), e integradas ao Estado do Brasil. Entre 1808 e 1821, os termos “capitania” e “província” apareciam na legislação e na documentação corrente para designar unidades territoriais e administrativas do império luso-brasileiro.

[5]AZEITE DE PEIXE: a gordura extraída da baleia, chamada azeite de peixe, processada e transformada em óleo, foi utilizada até o século XIX na iluminação de ruas e residências e na fabricação de sabão. Em regiões úmidas utilizava-se a substância misturada a cal em construções para evitar infiltração. Ao contrário do que muitos imaginam a gordura da baleia não se prestava a tornar a argamassa mais resistente, e funcionava apenas como hidroisolante. Também se aproveitava o óleo como lubrificante de maquinaria, na fabricação de velas, preparo de couro e breu para calefação de navios.

[6]SÃO SEBASTIÃO: quando foi elevada à categoria de vila, em 1639, São Sebastião, situado no litoral norte do atual estado de São Paulo, era o centro de uma região relativamente próspera, cuja economia se baseava na produção de açúcar e de óleo de baleia. Contava com uma armação baleeira desde o início do seiscentos. Região particularmente vulnerável a ataques de corsários e piratas ingleses, franceses e holandeses devido ao intenso tráfego de embarcações comerciais e oficiais portugueses, seu porto de grande calado servia de ponto intermediário entre Santos e Rio de Janeiro. A região entrou em declínio com o esgotamento da cultura da cana e do tráfego de embarcações após a abertura do caminho do ouro que ligava o Rio diretamente à região das Minas. O atual porto de São Sebastião só viria a ser construído nos anos 1930.

[7]CONTRATADOR: a quem cabia a cobrança dos mais variados impostos sobre produção e circulação de bens, a figura do contratador existia desde o nascimento do estado absolutista português. Ela foi incorporada a estrutura de poder na América portuguesa, tornando-se peça chave nas relações de poder existentes entre os colonos e entre os colonos e a Coroa. Apresentava-se como um oficial particular a serviço do Rei, que havia conquistado tal privilégio através de arrendamento. O sistema de administração colonial português permitia que interesses particulares se imiscuíssem na lógica pública e vice-versa, em uma relação obscura e mal delineada que caracterizava o próprio estado português e seguia o princípio básico do absolutismo que confundia o monarca com o estado que administrava e o povo que governava: a esfera privada, portanto, ainda não existia de forma independente da figura do monarca soberano. O arremate de contratos em geral era feito por pessoas “de cabedal”, e representava status e capital político importante.

[8]SANTOS: a história da fundação da cidade inicia-se em 1531, quando o cavaleiro português Bráz Cubas chega à colônia portuguesa na América, integrando a expedição de Martim Afonso de Souza, que fundaria a primeira vila do Brasil: São Vicente. Posteriormente, foi donatário da capitania de mesmo nome, criada em 1534. Em 1536 recebe sesmarias nesta capitania e lá desenvolve o cultivo e processamento de cana-de-açúcar. A existência de outros sesmeiros na região contribuiu para o desenvolvimento de um povoado, a instalação de um ancoradouro, a construção de uma capela em homenagem a Santa Catarina. Este povoado encontrava-se na parte setentrional da ilha de São Vicente, localizada na confluência de vários rios e era chamado de Enguaguaçu (enseada maior ou baía grande em tupi). Por empenho de Bráz Cubas e, em parte, por consequência do esvaziamento de outras vilas e povoados da região, incluindo São Vicente, o povoado cresce em população e recebe, em 1543, a transferência do porto, anteriormente localizado na vila de mesmo nome, na parte mais meridional da ilha. Três anos depois, o povoado é elevado a vila, com o nome de Todos os Santos. Em 1550, surge a Alfândega de Santos e, dois anos depois, instala-se o arsenal de defesa. Tais medidas não impediu que a prosperidade do porto atraísse a cobiça e o ataque de piratas, em especial a partir de 1580. Toda a capitania de São Vicente atravessava o século XVII em estagnação, e com Santos não foi diferente. Assim como outras vilas e povoados, a região tornou-se polo iniciador de expedições e bandeiras que partiam para o interior em busca de escravos indígenas [escravidão indígena] e outras riquezas. Sua recuperação, a partir do final do século XVIII, se deu com a ascensão do cultivo de café, já no século XIX.

[9]RIO GRANDE DE SÃO PEDRO: situado ao sul do estuário do rio da Prata, foi uma região descoberta ainda no século XVI, quando Martim Afonso de Souza realizou expedições para assegurar a manutenção dos territórios sob o domínio português, expulsando corsários franceses e fixando novos núcleos de povoamento. A capitania do Rio Grande de São Pedro do Sul teve sua ocupação estabelecida tardiamente e ao longo do período colonial viveu sob intensas disputas territoriais, por se tratar de uma região limítrofe do império português na América, era uma base de operações militares e motivo de preocupação aos administradores do reino. Em agosto de 1736, foi criada a freguesia de São Pedro, pertencente a capitania de Santa Catarina, subalterna ao Rio de Janeiro. No ano seguinte, deu-se oficialmente o início de sua colonização, com o estabelecimento de fortificações militares para resguardar a região, sob o comando do brigadeiro José da Silva Paes. Em 1750, com a vinda de colonos provenientes dos Açores e Ilha da Madeira, o povoado de São Pedro foi elevado à condição de vila. Inicialmente, propunha-se que esta imigração se baseasse na agricultura familiar de pequena propriedade, em convivência estreita com as grandes estâncias pecuaristas. As dificuldades enfrentadas pelas famílias, contudo (pragas, falta de segurança, escasso mercado para seus produtos) empurraram a grande maioria delas para uma integração com o sistema predominante. Dez anos mais tarde, devido ao crescimento populacional, é criada a capitania do Rio Grande de São Pedro, ainda sob a dependência do Rio de Janeiro. As relações socioeconômicas do Rio de Janeiro com o território do Rio Grande de São Pedro referem-se a todo um esforço de manutenção da Colônia do Sacramento como entreposto do comércio luso-brasileiro, os comerciantes do Rio de Janeiro eram os mais interessados na manutenção daquele porto no rio da Prata. Apenas em 1807, o governo do Rio Grande se separou do Rio de Janeiro como divisão administrativa subalterna, tornando-se capitania geral e assumindo o comando da capitania de Santa Catarina. A capitania aderiu a causa brasileira pela independência, e ao longo do período imperial foi palco de importantes disputas territoriais e questões de limites.

[10]PAES, JOSÉ DA SILVA (1679-1760): militar e administrador português, um dos responsáveis pela estratégia de ocupação lusitana na região platina na primeira metade do século XVIII. Chegou ao Brasil em 1735, inicialmente ao Rio de Janeiro, onde foi responsável pela construção de fortes de defesa da cidade. Dois anos mais tarde, partiu em missão para o sul da colônia com o objetivo de reforçar a presença militar na região depois do longo cerco a Sacramento. Também com o propósito de desbravar e abrir caminho para futuros colonos, fundou a vila de Rio Grande e, posteriormente, tornou-se o primeiro governador da Capitania de Santa Catarina em 1739. Partiu de Silva Paes a iniciativa de trazer famílias açorianas para o sul do Brasil, em especial o litoral catarinense.

Duas casas para a venda do azeite

Registro da carta do rei ao provedor da Fazenda Real do Rio de Janeiro sobre a dificuldade de encontrar um contratador novo para o contrato das baleias devido à exigência de de não se vender azeite do contrato novo enquanto ainda houvesse azeite do contrato antigo. Os possíveis futuros contratadores pediam ao governador geral e ao provedor mor da Fazenda que anulassem a dita condição; que tivessem duas casas de venda de azeite, uma para o contratador novo e outra para o antigo; e que a Fazenda Real cedesse escravos negros para uma fábrica de azeites. A Coroa, por sua vez, ordena que não aceitem os lances de contratadores endividados. E não podendo cancelar a condição, ordena que no futuro não se aceitem tais condições, dando a alternativa de que o contratador novo comprasse o azeite estocado por um preço justo. 

 

Conjunto documental: Registro original da Provedoria da Fazenda
Notação: códice 61, vol 9
Datas-limite: 1689 - 1692
Título do fundo: Secretaria de Estado do Brasil
Argumento de pesquisa: pesca, baleias
Data do documento: 2 de dezembro de 1689
Local: Rio de Janeiro
Folha(s): 254-256

 

Registro da carta de sua majestade[1] escrita ao provedor da fazenda Real desta cidade sobre arrematação e notas de que era proprietário. O contrato das baleias andava na praça, não houve quem lançasse nele em razão de uma condição com que se arremataria a Manoel Cardoso Leitão de se não poder vender azeite[2] do contrato[3] novo durante o que tivesse o contratador velho e como ele tinha muito azeite em tanque para isso por não se animarem os homens a lançar com que tinha feito aviso ao governador geral e provedor mor da fazenda para que se removesse a condição, e que tivesse duas casas de venda de azeite de peixe, uma para o contratador novo e outra para o velho e que se metessem negros por conta da Fazenda Real e fabrica para que houvesse quem lançasse no dito contrato e não ficasse por arrematar pela grande perda que resultaria a minha fazenda e pareceu-me ordenados que se não tomasse lance nos contratos a quem for devedor de algum sem [ilegível] ajustar o que deve pela conhecida perda da Real Fazenda. Se cumprirem os contratos com os efeitos dos contratos presente para pagamento de passado e depois faltarem de credito com a quantia que nem dele nem de seus fiadores se pode cobrar como na Bahia[4] se experimenta e que a condição de vender o seu é prejudicial, mas se assim foi conforme a rematação na Bahia não se deve faltar ao pacto, nos pudesse por bem ajustar como o contratador passado haja dois armazéns como dissestes e para o futuro que não admita mais esta condição e que se poderá admitir outra em que eu ou meu contratador futuro comprará o azeite que sobrar ao `ilegível] por preço menos a terça parte do que correr e sobre a nova fábrica de negros me informes se aqui eu tinha se desse em preço certo com a obrigação de se entregar na mesma forma ou na que tem este contrato quando a fábrica toda dele para que assim se possa deferir a removê-la ou não. Escrita em Lisboa 2 de dezembro de 1689, Rio de Janeiro. Conde de Aval de Reis presidente para o procurador da Fazenda do Ri

 

[1]PEDRO II, D. (1648-1706): conhecido como “o Pacífico”, por ter estabelecido a paz com a Espanha em 1668, d. Pedro II era filho de d. João IV e de d. Luísa de Gusmão. Proclamou-se príncipe regente em 1668, alegando que seu irmão, Afonso VI, sofria de instabilidade mental e casou-se com sua cunhada no mesmo ano. Assumiu o trono após a morte do irmão em 1683. Sob seu reinado ocorreram a paz definitiva com a Espanha, pondo fim à Guerra de Restauração; a descoberta das primeiras jazidas de ouro no Brasil (1695) e a assinatura do tratado de Methuen com a Inglaterra (1703) de consequências econômicas nefastas, pois determinou um desequilíbrio crônico e negativo para Portugal, além de minar irremediavelmente a ainda incipiente produção manufatureira no reino ibérico. D. Pedro II dissolveu as cortes deliberativas em Portugal, governando com plenos poderes e representando a figura clássica do monarca absolutista. Ao final do seu reinado, acabaria por envolver-se novamente em um conflito armado com a Espanha, deixando de herança para seu filho, d. João V, um país com várias áreas ocupadas pelo exército inimigo.

[2]AZEITE: óleo extraído do fruto das oliveiras: a azeitona. Os povos mediterrâneos iniciaram o cultivo para a extração do azeite por volta de 3.000 a.C. e a expansão do Império Romano foi fundamental na dispersão dessa cultura. Em algumas regiões do litoral do Brasil, o azeite de oliva puro de origem portuguesa era chamado de azeite doce. Por ser um produto de importação, foi sempre objeto de impostos firmados por meio de contratos entre particulares e a metrópole. Em 1640, com o fim da união entre as Coroas ibéricas e a retomada de sua independência política, Portugal precisou reorganizar seu sistema de monopólios comerciais. Assim, criou em 1649 a Companhia Geral do Brasil concedendo-lhe o monopólio da venda (estanco) do azeite doce, do vinho, da farinha e do bacalhau que eram produtos importados de Portugal. Já a gordura extraída da baleia, também chamada azeite de peixe, processada e transformada em óleo, foi utilizada até o século XIX na iluminação de ruas e residências, na fabricação de sabão, bem como lubrificante de maquinaria, na produção de velas, no preparo de couro e breu para calefação de navios. [Ver também PESCA DE BALEIAS].

[3]CONTRATO: desde o século XV, a coroa portuguesa estabeleceu o sistema de monopólio para a exploração das riquezas em suas colônias, incidindo sobre produtos, portos, rotas. A imposição do “exclusivo colonial” se encontra na base da relação colônia/metrópole. No final deste mesmo século, como forma de aumentar sua renda para além da arrecadação de impostos e das várias taxas (alfândega, circulação de mercadoria), a Coroa passou a arrendar para terceiros, sob a forma de contratos, o direito de monopólio em determinadas atividades, aumentando assim sua liquidez, diminuindo os riscos da empreitada. Na colônia americana, os contratos do sal, pau-brasil, escravos e pesca da baleia integravam o sistema de monopólio real, e ofereciam aos contratadores a oportunidade de aumentar negócios e acumular riquezas. Os contratos tinham data para começar e terminar, e a sua assinatura também exibia um caráter político muito forte: apenas fidalgos bem relacionados poderiam arrematá-los, dependendo o sistema de um jogo de interesses e influências.

[4] BAHIA, CAPITANIA DA: estabelecida em 1534, teve como primeiro capitão donatário Francisco Pereira Coutinho, militar português pertencente à pequena nobreza que serviu nas possessões da Índia. Em 1548, fora revertida à Coroa e transformada em capitania real. Um ano mais tarde, com a fundação da cidade de Salvador, abrigou a primeira capital da colônia, posição que ocupou até 1763, quando a sede administrativa colonial foi transferida para a cidade do Rio de Janeiro. Nesse mesmo ano, d. José I extinguiu as capitanias de Ilhéus e de Porto Seguro e incorporou-as as suas áreas à Bahia. A ela também se subordinava, até 1820, a capitania de Sergipe d’El Rei. Sua geografia, no período colonial, estava dividida em três grandes zonas: o grande porto, que compreendia a cidade de Salvador; hinterlândia (área pouco ocupada, de desenvolvimento reduzido, subordinada economicamente a um centro urbano) agrícola, referente ao Recôncavo, e o sertão baiano, cada região com atividades econômicas específicas. A cidade de Salvador exerceu as funções de porto transatlântico para o tráfico de escravos e de cabotagem para o comércio de fumo, algodão, couro e açúcar (principal produto de exportação). No Recôncavo, destacava-se a agricultura comercial, concentrando um grande número de engenhos de açúcar. Também ali se praticava a cultura do fumo e, mais ao sul, uma agricultura de subsistência. No sertão, a principal atividade era a pecuária, tanto com produção de carne, de couro e de sebo, quanto para o fornecimento de gado que servia de força motriz nos engenhos e ao abastecimento de Salvador e do Recôncavo. Girando em torno da atividade açucareira, a vida sociopolítica baiana era reflexo da “grande lavoura”, na qual a hierarquia era dominada pelos senhores de engenho.

 

 

Valores pagos pelo contrato das baleias

Provisão na qual o rei ordena que Francisco de Oliveira seja ressarcido no valor de 361.261 cruzados, porque o dito Francisco entregou essa quantia a mais no valor total do pagamento do contrato da pescaria de baleias de 1702 à 1705 porque havia perdido os documentos da sua conta na época da invasão francesa e não sabia, ao certo, quanto deveria ser pago.

 

Conjunto documental: Governadores do Rio de Janeiro
Notação: códice 77, vol. 24
Datas-limite: 1644 - 1719
Título do fundo: Secretaria de Estado do Brasil
Código do fundo: 86
Argumento de pesquisa: pesca, baleias
Data do documento: 16 de agosto de 1718
Local: Lisboa
Folha(s): 343-345

 

Eu o rei[1] faço saber que estão na minha provisão, mirem que tendo respeito ao que me representou por parte de Francisco de Oliveira em razão de que requerendo no Rio de Janeiro haver pagamento de 361,261 cruzados que entregou de mais a seu do que devia do contrato da pesca de baleias[2] de que foi contratador o terceiro que começou em 1° de Abril de 1702 e acabou no ultimo de Março de 1705 se lhe não deferia como pretexto de se dizer havendo perdido as papeis da sua conta, com a invasão dos franceses[3] naquela cidade, o que lhe não podia ser de obstáculo, pois este prejuízo não esteve pela sua parte da quanto mais que da sua quitação, a dita quantia que entregou de mais da arrematação da deste contrato[4], cujo documento só deveria guardar e se não passaria se não estava ajustado a sua conta. Pedindo-me lhe mandasse satisfazer a dita quantia, e atendendo ao que alega, e ao que sobre este requerimento respondeu o provedor[5] de minha fazenda a que se deu custa. Hei por bem e mais, dou ao meu governador da capitania do Rio de Janeiro[6], e ao provedor de minha fazenda dela se cumpram, digo nela façam pagar ao dito Francisco de Raicena os ditos 361.261 que entregou de mais do preço porque arrematou o dito contrato das baleias para que nenhum tempo se possa repetir este pagamento e se postam a acertar as necessárias nas partes onde convier e cumpram e guardem esta provisão e façam cumprir e guardar. Theotonio Pereira de Castro o fez em Lisboa a 16 de agosto de 1718.

 

[1]PEDRO II, D. (1648-1706): conhecido como “o Pacífico”, por ter estabelecido a paz com a Espanha em 1668, d. Pedro II era filho de d. João IV e de d. Luísa de Gusmão. Proclamou-se príncipe regente em 1668, alegando que seu irmão, Afonso VI, sofria de instabilidade mental e casou-se com sua cunhada no mesmo ano. Assumiu o trono após a morte do irmão em 1683. Sob seu reinado ocorreram a paz definitiva com a Espanha, pondo fim à Guerra de Restauração; a descoberta das primeiras jazidas de ouro no Brasil (1695) e a assinatura do tratado de Methuen com a Inglaterra (1703) de consequências econômicas nefastas, pois determinou um desequilíbrio crônico e negativo para Portugal, além de minar irremediavelmente a ainda incipiente produção manufatureira no reino ibérico. D. Pedro II dissolveu as cortes deliberativas em Portugal, governando com plenos poderes e representando a figura clássica do monarca absolutista. Ao final do seu reinado, acabaria por envolver-se novamente em um conflito armado com a Espanha, deixando de herança para seu filho, d. João V, um país com várias áreas ocupadas pelo exército inimigo.

[2]PESCA DE BALEIAS: os primeiros acordos firmados entre contratadores da pesca (ou caça) de baleias e a Coroa portuguesa ocorreram durante a União Ibérica (1580-1640). A atividade, cujos primeiros passos se deram ainda no início do século XVII, ganharia impulso na segunda metade do século e teria seu apogeu cerca de cem anos depois, entre 1730 e 1760. Era frequente a presença de baleias na baía de Guanabara, convertendo a capitania do Rio de Janeiro em importante núcleo baleeiro durante o período colonial. No entanto, com a intensificação do trânsito de embarcações, após a descoberta de metais preciosos em Minas Gerais, os animais migraram para fora da baía. Logo, uma nova armação (local em que a baleia era morta e destroçada) seria construída na região de Búzios, mais ao norte da cidade. Além do litoral fluminense, também Santa Catarina, Bahia e Ilha Bela (SP) desenvolveram a atividade. As chamadas fábricas ou engenhos de azeite integravam as armações e era o local onde a gordura era processada e, posteriormente, utilizada na iluminação de ruas, casas e engenhos. O negócio de pesca de baleias era muito lucrativo, produzindo diferentes subprodutos: o azeite era combustível e o que não fosse aproveitado na iluminação era utilizado no preparo de argamassa usada nas construções; as barbatanas eram matéria prima para fabricação de leques e espartilhos; a carne, para alimentação e os ossos, usados na feitura de botões. A pesca encontrou seu declínio no século XIX, com a introdução da iluminação a querosene, mas só foi proibida no Brasil nos anos 1980.

[3]INVASÕES FRANCESAS [AO RIO DE JANEIRO]: durante todo período colonial, registrou-se a presença de franceses ao longo da costa brasileira, fosse por meio da atividade corsária, incorrendo junto à população nativa o escambo do pau-brasil, ou através de tentativas de colonização de parte do território, como foi o caso do Rio de Janeiro e do Maranhão. A primeira investida para fundação de uma colônia francesa na Baía de Guanabara foi realizada, ainda, em 1555, quando a expedição comandada por Nicolas Durand de Villegagnon estabeleceu um núcleo de povoamento conhecido como França Antártica. A campanha de Estácio de Sá para a expulsão dos franceses se estendeu de 1660 a 1667, período em que foi fundada a cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro, a princípio num istmo entre o morro Cara de Cão e o morro do Pão de Açúcar e, posteriormente, transferida para o alto do morro do Castelo. No entanto, uma segunda invasão francesa ao Rio de Janeiro ocorreria em setembro de 1711, sob o comando do corsário francês René Duguay-Trouin. Liderando uma esquadra fortemente armada, conseguiu reparar a derrota sofrida por Jean François Duclerc, que tentara ocupar a cidade alguns meses antes. O Rio de Janeiro transformou-se em palco de acirradas batalhas, foi saqueado e teve várias de suas construções destruídas. Duguay-Trouin libertou parte da tripulação feita prisioneira durante a invasão comandada por Duclerc em 1710, assim como cripto-judeus que seriam enviados para a Inquisição em Portugal. Depois de pilhar a cidade e afastar a população para o interior, Duguay-Trouin exigiu o pagamento de um resgate sob pena de destruí-la. O governador Francisco de Castro Morais acabou permitindo que o corsário levasse todo o ouro e riqueza que conseguisse encontrar, tendo em vista que, na fuga para o interior, a população carregara consigo seus pertences de valor, tornando impossível arrecadar o resgate exigido. Parte do que os franceses conseguiram obter foram bens e produtos sequestrados, em parte revendidos aos próprios moradores da localidade, contribuindo para o sentimento de humilhação dos habitantes do Rio de Janeiro, em face de uma entrega tão fácil da cidade aos estrangeiros.

[4]CONTRATO: desde o século XV, a coroa portuguesa estabeleceu o sistema de monopólio para a exploração das riquezas em suas colônias, incidindo sobre produtos, portos, rotas. A imposição do “exclusivo colonial” se encontra na base da relação colônia/metrópole. No final deste mesmo século, como forma de aumentar sua renda para além da arrecadação de impostos e das várias taxas (alfândega, circulação de mercadoria), a Coroa passou a arrendar para terceiros, sob a forma de contratos, o direito de monopólio em determinadas atividades, aumentando assim sua liquidez, diminuindo os riscos da empreitada. Na colônia americana, os contratos do sal, pau-brasil, escravos e pesca da baleia integravam o sistema de monopólio real, e ofereciam aos contratadores a oportunidade de aumentar negócios e acumular riquezas. Os contratos tinham data para começar e terminar, e a sua assinatura também exibia um caráter político muito forte: apenas fidalgos bem relacionados poderiam arrematá-los, dependendo o sistema de um jogo de interesses e influências.

[5]PROVEDOR: o provedor era imbuído de especiais funções quanto à vigilância e observância dos estatutos gerais e públicos de uma instituição, à obediência aos decretos, alvarás, avisos e resoluções. No Brasil o cargo foi criado em 1548, por ocasião da instalação do governo-geral, tendo por objetivo cuidar dos assuntos relativos à administração fazendária. Existiram várias categorias de provedores, todos subordinados ao provedor-mor (mais alta instância administrativa, responsável pela arrecadação, contabilidade, fiscalização e convocação dos oficiais da Fazenda) e que atuaram em instâncias diferenciadas, entre as quais se podem mencionar a Alfândega, a Justiça, a Casa da Moeda, as Minas, Defuntos e Ausentes, entre outras. Nomeados pelo rei ou pelo governador-geral, os provedores eram responsáveis por acompanhar e administrar as rendas e direitos régios arrecadados, fiscalizar e registrar a movimentação comercial, cobrar os direitos, punir as irregularidades cometidas pelos oficiais de Fazenda, entre outras funções. Prestavam contas ao provedor-mor, inicialmente, e depois ao Conselho da Fazenda.

[6]RIO DE JANEIRO: a cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro foi fundada tendo como marco de referência uma invasão francesa. Em 1555, a expedição do militar Nicolau Durand de Villegaignon conquista o local onde seria a cidade e cria a França Antártica. Os franceses, aliados aos índios tamoios confederados com outras tribos, foram expulsos em 1567 por Mem de Sá, cujas tropas foram comandadas por seu sobrinho Estácio de Sá, com o apoio dos índios termiminós, liderados por Arariboia. Foi Estácio que estabeleceu “oficialmente” a cidade e iniciou, de fato, a colonização portuguesa na região. O primeiro núcleo de ocupação foi o morro do Castelo, onde foram erguidos o Forte de São Sebastião, a Casa da Câmara e do governador, a cadeia, a primeira matriz e o colégio jesuíta. Ainda no século XVI, o povoamento se intensifica e, no governo de Salvador Correia de Sá, verifica-se um aumento da população no núcleo urbano, das lavouras de cana e dos engenhos de açúcar no entorno. No século seguinte, o açúcar se expande pelas baixadas que cercam a cidade, que cresce aos pés dos morros, ainda limitada por brejos e charcos. O comércio começa a crescer, sobretudo o de escravos africanos, nos trapiches instalados nos portos. O ouro que se descobre nas Minas Gerais do século XVIII representa um grande impulso ao crescimento da cidade. Seu porto ganha em volume de negócios e torna-se uma das principais entradas para o tráfico atlântico de escravos e o grande elo entre Portugal e o sertão, transportando gêneros e pessoas para as minas e ouro para a metrópole. É também neste século, que a cidade vive duas invasões de franceses, entre elas a do célebre Duguay Trouin, que arrasa a cidade e os moradores. Desde sua fundação, esta cidade e a capitania como um todo desempenharam papel central na defesa de toda a região sul da América portuguesa, fato demonstrado pela designação do governador do Rio de Janeiro Salvador de Sá como capitão-general das capitanias do Sul (mais vulneráveis por sua proximidade com as colônias espanholas), e pela transferência da sede do vice-reinado, em Salvador até 1763, para o Rio de Janeiro quando a parte sul da colônia tornou-se centro de produção aurífera e, portanto, dos interesses metropolitanos. Ao longo do setecentos, começam os trabalhos de melhoria urbana, principalmente no aumento da captação de água nos rios e construção de fontes e chafarizes para abastecimento da população. Um dos governos mais significativos deste século foi o de Gomes Freire de Andrada, que edificou conventos, chafarizes, e reformou o aqueduto da Carioca, entre outras obras importantes. Com a transferência da capital, a cidade cresce, se fortifica, abre ruas e tenta mudar de costumes. Um dos responsáveis por essas mudanças foi o marquês do Lavradio, cujo governo deu grande impulso às melhorias urbanas, voltando suas atenções para posturas de aumento da higiene e da salubridade, aterrando pântanos, calçando ruas, construindo matadouros, iluminando praças e logradouros, construindo o aqueduto com vistas a resolver o problema do abastecimento de água na cidade. Lavradio, cuja administração se dá no bojo do reformismo ilustrado português (assim como de seu sucessor Luís de Vasconcelos e Souza), ainda criou a Academia Científica do Rio de Janeiro. Foi também ele quem erigiu o mercado do Valongo e transferiu para lá o comércio de escravos africanos que se dava nas ruas da cidade. Importantíssimo negócio foi o tráfico de escravos trazidos em navios negreiros e vendidos aos fazendeiros e comerciantes, tornando-se um dos principais portos negreiros e de comércio do país. O comércio marítimo entre o Rio de Janeiro, Lisboa e os portos africanos de Guiné, Angola e Moçambique constituía a principal fonte de lucro da capitania. A cidade deu um novo salto de evolução urbana com a instalação, em 1808, da sede do Império português. A partir de então, o Rio de Janeiro passa por um processo de modernização, pautado por critérios urbanísticos europeus que incluíam novas posturas urbanas, alterações nos padrões de sociabilidade, seguindo o que se concebia como um esforço de civilização. Assume definitivamente o papel de cabeça do Império, posição que sustentou para além do retorno da Corte, como capital do Império do Brasil, já independente.

 

 

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