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Companhia de Jesus

Sala de aula

Escrito por cotin | Publicado: Segunda, 05 de Fevereiro de 2018, 16h32 | Última atualização em Segunda, 11 de Junho de 2018, 13h14

Expulsão dos jesuítas

Carta de Lei do rei d. José I, ordenando que se fizesse cumprir as intenções do Santo Padre Clemente XIV de suprimir e extinguir de todos os seus reinos e domínios a Companhia de Jesus,  assim como  tudo o mais relacionado a essa ordem religiosa. Esse interessante documento conduz  a um momento importante da história do Brasil colonial: a expulsão da Companhia de Jesus do reino e domínios de Portugal e do processo de secularização do ensino,  possibilitando uma maior reflexão do papel desempenhado pelos jesuítas.

 

Conjunto documental: Documentos sobre a extinção dos jesuítas (cópias de cartas, requerimentos, cartas de lei, breve do Santo Padre Clemente XIV e carta apostólica do papa Pio VII).
Notação: Códice 794
Datas-limite: 1773-1801
Título do fundo ou coleção: Diversos códices - SDH 
Código do fundo: NP
Argumento de pesquisa: Companhia de Jesus
Data do documento: 9 de Setembro de 1773
Local: Palácio de Nossa Senhora da Ajuda
Folha(s): 1 a 2v.

 

Leia esse documento na íntegra

 

Dom José[1] por Graça de Deus Rei de Portugal[2], e dos Algarves[3], daquém, e dalém Mar, em África[4] Senhor de Guiné[5], e da Conquista, Navegação, e Comércio da Etiópia, Arábia, Pérsia, e da Índia, &c. aos Vassalos de todos os Estados de Meus Reinos, e Senhorios saude. O Nosso Mui Santo Padre Clemente XIV[6], ora Presidente na Universal Igreja de Deus: tendo observado, examinado, e combinado ... não só todos os fatos concernentes á Fundação, ao progresso, e ao último estado da Companhia denominada de Jesus[7]; em ordem à Igreja Universal, e às Monarquias, Soberanas, e Povos das quatros Partes do Mundo descoberto; mas também todas as revoluções, tumultos, e escândalos, que nelas causou a Sobredita Companhia; todos os remédios, com que não menos de vinte e quatro dos Romanos Pontífices seus Predecessores haviam procurado ocorrer aqueles grandes males ...sem outros efeitos, que não fossem os de se terem manifestado de dia em dia mais freqüentes as queixas, e os clamores contra a referida companhia; e os de se verem abortar os mesmos tempos, em diferentes Reinos, e Estados do Mundo, sedições, motins, discórdias, e escândalos perigosíssimos, que destruindo, e quase acabando de romper o vínculo da Caridade Cristã, inflamaram os ânimos dos fiéis nos espíritos de divisão, de ódio, e de inimizade; até chegarem a fazer-se tão urgentes os referidos insultos, e os perigos deles, que os Mesmos Monarcas, que mais se tinham distinguido na piedade, e na liberalidade hereditárias, em benefício da mesma Companhia, foram necessariamente constrangidos; não só a exterminarem todos os Sócios dela dos seus Reinos, Províncias, e Domínios, por ser este extremo remédio, o único, que as urgências igualmente extremas podiam já permiti-lhes para impedirem, que os Povos Cristãos dos seus respectivos Reinos, e Domínios se provocassem, ofendessem, e lacerassem uns aos outros dentro do seio da Santa Madre Igreja, e dentro nas suas mesmas Pátrias ...Depois de haver concluído demonstrativamente o mesmo Santo Padre, que a sobredita Companhia não só não podia já produzir, a benefício da Igreja, e dos fiéis Cristãos, aqueles copiosos frutos, que haviam feito os objetos da Sua Instituição, e dos muitos Privilégios, com que fora ornada; mas que muito pelo contrário era impraticável, que a conservação da dita Sociedade fosse já compatível com a restituição, e conservação da constante, e permanente Paz da Igreja Universal, e da Sociedade Civil, e união Cristã ...Ordenou a sua Bula[8] em forma de Breve[9], ... no dia vinte e um de Julho deste ano quinto do seu Pontificado. Por ele de seu maduro Conselho, certa ciência, e plenitude do Poder Apostólico, extinguiu, e suprimiu inteiramente a mesma Companhia chamada de Jesus: Abolindo, e derrogando todos, e cada um de seus Ofícios, Ministérios, Administrações, Casas, Escolas, Colégios, Hospícios, Residências, e quaisquer outros lugares a elas pertencentes, em qualquer Reino, Estado, ou Província, que sejam existentes; como também todos os seus Estatutos, Constituições, Decretos, Costumes, e Estilos; todos os seus Privilégios, e Indultos Gerais, ou especiais, por mais exuberantes que sejam: Declarando inteiramente cassada, e perpetuamente extinta toda a autoridade Propósito Geral, de todos os Provinciais, Visitadores, e de quaisquer outros Superiores da dita Sociedade, assim nas cousas Espirituais como nas temporais ...E mando ao Doutor João Pacheco Pereira do Meu Conselho, e Desembargador do Paço[10], que serve de Chanceler Mor[11] destes Reinos, que faça publicar esta na Chancelaria, e remeter as copias dela debaixo do Meu selo, e seu final a todos os Tribunais, Cabeças de Comarcas, Vilas destes Reinos, e Terras de Donatários deles, enviando-se o original dela ao meu Real Arquivo da Torre do Tombo[12]. Dada no Palácio de Nossa Senhora da Ajuda[13] aos nove dias do mês de Setembro do Ano do Nascimento de Nosso Senhor Jesus Cristo de mil setecentos setenta e três.  EL REY Com Guarda."  

 

[1]JOSÉ I, D. (1714-1777): sucessor de d. João V, foi aclamado rei em setembro de 1750, tendo sido o único rei de Portugal a receber este título. Considerado um déspota esclarecido – monarcas que, embora fortalecessem o poder do Estado por eles corporificado, sofriam intensa influência dos ideais progressistas e racionalistas do iluminismo, em especial no campo das políticas econômicas e administrativas – ficou conhecido como o Reformador devido às reformas políticas, educacionais e econômicas propostas e/ou executadas naquele reinado. O governo de d. José I destacou-se, sobretudo, pela atuação do seu secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros e da Guerra, marquês de Pombal, que liderou uma série de reestruturações em Portugal e seus domínios. Suas reformas buscavam racionalizar a administração e otimizar a arrecadação e a exploração das riquezas e comércio coloniais. Sob seu reinado deu-se a reconstrução da parte baixa de Lisboa, atingida por um terremoto em 1755, a expulsão dos jesuítas do Reino e domínios ultramarinos em 1759, a guerra guaranítica (1754-56) contra os jesuítas e os índios guaranis dos Sete Povos das Missões, a assinatura do Tratado de Madri (1750), entre Portugal e Espanha que substituiu o Tratado de Tordesilhas, entre outros. Em termos administrativos, destacam-se a transferência da capital da colônia de Salvador para o Rio de Janeiro, a criação do Erário Régio e a divisão do antigo Estado do Grão-Pará e Maranhão em dois: Maranhão e Piauí, e Grão-Pará e Rio Negro.

[2]PORTUGAL: país situado na Península Ibérica, localizada na Europa meridional, cuja capital é Lisboa. Sua designação originou-se de uma unidade administrativa do reino de Leão, o condado Portucalense, cujo nome foi herança da povoação romana que ali existiu, chamada Portucale (atual cidade do Porto). Compreendido entre o Minho e o Tejo, o Condado Portucalense, sob o governo de d. Afonso Henriques, deu início às lutas contra os mouros (vindos da África no século VIII), das quais resultou a fundação do reino de Portugal no século XIII. Tornou-se o primeiro reino a constituir-se como Estado Nacional após a Revolução de Avis em 1385. A centralização política foi um dos fatores que levaram o reino a ser o precursor da expansão marítima e comercial europeia, constituindo vasto império com possessões na África, nas Américas e nas Índias ao longo dos séculos XV e XVI. Os séculos seguintes à expansão foram interpretados na perspectiva da Ilustração e por parte da historiografia contemporânea como uma lacuna na trajetória portuguesa, um desvio em relação ao impulso das navegações e dos Descobrimentos e que sobretudo distanciou os portugueses da Revolução Científica. Era o “reino cadaveroso”, dominado pelos jesuítas, pela censura às ideias científicas, pelo ensino da Escolástica. Para outros autores tratou-se de uma outra via alternativa, a via ibérica, sem a conotação do “atraso”. O século XVII é o da união das coroas de Portugal e Espanha, período que iniciado ainda em 1580 se estendeu até 1640 com a restauração e a subida ao trono de d. João IV. Do ponto de vista da entrada de novas ideias no reino deve-se ver que independente da perspectiva adotada há um processo, uma transição, que conta a partir da segunda metade do XVII com a influência dos chamados “estrangeirados” sob d. João V, alterando em parte o cenário intelectual e mesmo institucional luso. Um momento chave para a história portuguesa é inaugurado com a subida ao trono de d. José I e o início do programa de reformas encetado por seu ministro Sebastião José de Carvalho e Melo, o marquês de Pombal. Com consequências reconhecidas a longo prazo, no reino e em seus domínios, como se verá na América portuguesa, é importante admitir os limites dessa política, como adverte Francisco Falcon para quem “por mais importantes que tenham sido, e isso ir-se-ia tornar mais claro a médio e longo prazo, as reformas de todos os tipos que formam um conjunto dessa prática ilustrada não queriam de fato demolir ou subverter o edifício social” (A época pombalina, 1991, p. 489). O reinado de d. Maria I a despeito de ser conhecido como “a viradeira”, pelo recrudescimento do poder religioso e repressivo compreende a fundação da Academia Real de Ciências de Lisboa, o empreendimento das viagens filosóficas no reino e seus domínios, e assiste a fermentação de projetos sediciosos no Brasil, além da formação de um projeto luso-brasileiro que seria conduzido por personagens como o conde de Linhares, d. Rodrigo de Souza Coutinho. O impacto das ideias iluministas no mundo luso-brasileiro reverberava ainda os acontecimentos políticos na Europa, sobretudo na França que alarmava as monarquias do continente com as notícias da Revolução e suas etapas. Ante a ameaça de invasão francesa, decorrente das guerras napoleônicas e face à sua posição de fragilidade no continente, em que se reconhece sua subordinação à Grã-Bretanha, a família real transfere-se com a Corte para o Brasil, estabelecendo a sede do império ultramarino português na cidade do Rio de Janeiro a partir de 1808. A década de 1820 tem início com o questionamento da monarquia absolutista em Portugal, num movimento de caráter liberal que ficou conhecido como Revolução do Porto. A exemplo do que ocorrera a outras monarquias europeias, as Cortes portuguesas reunidas propõem a limitação do poder real, mediante uma constituição. Diante da ameaça ao trono, d. João VI retorna a Portugal, jurando a Constituição em fevereiro de 1821, deixando seu filho Pedro como príncipe regente do Brasil. Em 7 de setembro de 1822, d. Pedro proclamou a independência do Brasil, perdendo Portugal, sua mais importante colônia.

[3]ALGARVE: província situada ao sul de Portugal. Com o fim do Império Romano, foi invadida por diversos povos bárbaros, como vândalos e suevos, mas primordialmente pelos visigodos. Estes disputaram a região com o Império Bizantino ao longo do século VI, mas foi a partir do VIII que a região esteve sob domínio mouro até 1249, quando foram expulsos por d. Afonso III (1210-1279), dando início ao processo de formação do Estado português. O Tratado de Badajoz, de 1267, estabeleceu definitivamente o pertencimento do Algarve a Portugal, apesar das pretensões do reino de Castela. Entre os séculos XV e XVI, constituiu uma das seis comarcas que dividiam Portugal, até que, após o censo efetuado entre 1527 e 1532, se desse início à criação de novas comarcas por meio da subdivisão das antigas, denominadas a partir de então províncias ou regiões. O Algarve faz parte da história dos Descobrimentos, tendo do porto de Lagos partido as primeiras expedições portuguesas em direção ao Marrocos e à costa oeste africana. Outro elo com a história da expansão marítima europeia estaria no papel desempenhado pela região de Sagres, embora a historiografia contemporânea tenha desfeito o mito da Escola de Sagres, uma aula de navegação criada pelo infante d. Henrique (1394-1460). No final do século XVI, durante a União Ibérica, a região foi atacada por corsários e piratas ingleses, que chegaram a saquear e afundar naus da Carreira da Índia portuguesa. Também nesta época surgiram as ameaças de uma invasão britânica, em decorrência do ataque e da tomada de Cádiz, que obrigaram o Reino a proteger suas fronteiras marítimas, fazendo surgir na região do Algarve fortes e outras construções voltadas para defesa dos portos e cidades, destacando-se Vila Nova de Portimão, Lagos e Tavira. Apesar de referido como Reino Unido a Portugal, essa divisão oficialmente nunca chegou a existir. Provavelmente resultou do fato de a província ter tido uma identidade própria, diferente do restante de Portugal, desde a época da Reconquista devido à variedade de povos que habitaram a região em diferentes momentos.

[4]ÁFRICA: os portugueses foram os primeiros navegadores a conquistar o litoral da África, adquirindo grande experiência marítima pelo Atlântico, o que ficou conhecido como périplo africano – circundar a costa do continente para chegar ao Oriente. Nos séculos XVI e XVII, multiplicaram-se as feitorias europeias ao longo do litoral: portugueses em Angola e Moçambique; ingleses, holandeses e franceses na Guiné, estando estes últimos também no Senegal. O estabelecimento de entrepostos criaria fortes laços comerciais entre pontos da costa africana, a América e a Europa, estimulados, sobretudo, pelo comércio da escravatura. A presença de portugueses na África transformaria a captura de escravos – a escravidão doméstica já existia no continente, mas em proporções menores e com características distintas – em uma atividade corriqueira e sistemática, formando uma rede do comércio que ligaria os portugueses na costa às rotas comerciais no interior da África e o Novo Mundo. Ao longo de três séculos, calcula-se que cerca de 10 milhões de africanos escravizados foram levados para as Américas. O tráfico atlântico de escravos africanos tornou-se força motriz de uma atividade econômica extremamente vantajosa, tanto para comerciantes lusos e luso-brasileiros, quanto para líderes africanos que passaram a controlar esse comércio. Se cativos eram importantes para a colonização da América portuguesa, os produtos coloniais como a mandioca, o tabaco e a cachaça, também despertavam interesse entre a população africana, garantindo um fluxo contínuo entre as duas margens do Atlântico. Em meados do século XIX, a África tornar-se-ia palco de disputas entre as principais nações europeias, na busca da exploração de suas riquezas e da conquista territorial, cerne do processo de expansão imperialista.

[5]GUINÉ-BISSAU: possessão portuguesa desde 1479, sua ocupação se efetivou com a fundação da vila de Cacheu, em 1588, e o estabelecimento da capitania geral da Guiné portuguesa, em 1630. Em finais do século XVII edificou-se a fortaleza de Bissau, período em que os franceses começavam a afirmar a sua presença na região, e foi restabelecida a capitania de Bissau (1753). A região da Guiné foi uma das principais áreas de abastecimento de mão de obra escrava para as colônias ultramarinas. A designação Guiné acompanhou a expansão marítima portuguesa, englobando diversos pontos da costa ocidental, como Congo, Costa da Mina, Angola e Benguela, nomeando as primeiras conquistas da África.

[6]GANGANELLI, GIOVANNI VICENZO (1705-1774): eleito papa com o título de Clemente XIV, em 1769, seu pontificado compreendeu o período de 1769 até o ano de 1774. Frade da Ordem dos Menores Conventuais, professor de teologia, diretor do colégio São Boaventura (1740) e consultor do Santo Ofício (1746), tornou-se cardeal em 1759. Como papa, ocupou-se da questão da extinção da ordem dos jesuítas, que se estendia desde o pontificado de seu predecessor, Clemente XIII. Diante da solicitação feita pelos Estados católicos, Clemente XIV extinguiu a Companhia de Jesus em 1773, por meio da bula Dominus ac Redemptor noster.

[7]JESUÍTAS: ordem religiosa fundada em 1540 por Inácio de Loyola e marcada por severa disciplina, profunda devoção religiosa e intensa lealdade à Igreja e à Ordem. Criada para combater principalmente o protestantismo, sua fundação respondeu à necessidade de renovação das ordens regulares surgida das determinações do Concílio de Trento (1545-1563). A instalação da Companhia de Jesus em Portugal e nos seus domínios ultramarinos deu-se ainda no século XVI. O primeiro grupo de missionários jesuítas chegou ao Brasil em 1549, na comitiva de Tomé de Souza. Seus membros eram conhecidos como ‘soldados de Cristo’, dadas as suas características missionárias. Responsáveis pela catequese, coube também, aos jesuítas, a transmissão da cultura portuguesa nas possessões americanas por meio do ensino, que monopolizaram até meados do século XVIII. Fundaram, por todo território colonial, missões religiosas e aldeamentos indígenas de caráter civilizador e evangelizador. Em fins do século XVII, o modelo missionário já estava bem consolidado, difundido por quase toda a América, e os jesuítas acumulando grande poder. Os primeiros jesuítas a chegar ao Maranhão, em 1615, foram os padres Manuel Gomes e Diogo Nunes, detentores de uma posição privilegiada na região, tanto na evangelização e defesa dos índios, quanto no monopólio do comércio e armazenamento das drogas. São de religiosos da Companhia de Jesus relatos sobre os primeiros séculos da colonização. O padre italiano João Antonio Andreoni (André João Antonil) publicou em 1711 Cultura e opulência no Brasil. História da Companhia de Jesus no Brasil escrito por Serafim Leite, os dois volumes de Tesouro descoberto no máximo Rio Amazonas (1722-1776) do padre João Daniel, Tratados da terra e gentes do Brasil de Fernão Cardim e os numerosos sermões e cartas da Antonio Vieira são testemunhos importantes e reveladores do Brasil colonial. Os jesuítas também foram os responsáveis por espalhar a língua dos Tupinambá, chamada língua geral (nheengatu), largamente falada no Brasil até meados do século XVIII. O grande poderio e influência dos jesuítas na América portuguesa foram contestados durante a administração pombalina (1750-1777), gerando um conflito de interesses entre a Companhia de Jesus e o governo, que culminou com a expulsão dos membros dessa ordem religiosa em 1759. Cabe ressaltar que a decisão de expulsar os jesuítas de Portugal e de seus domínios, tomada pelo marquês de Pombal, não buscava reduzir o papel da Igreja, mas derivava da intenção de secularizar a educação, dentro dos moldes ilustrados.

[8]BULA: documento pontifício relativo a temas de fé ou de interesse geral, concessão de graças ou privilégios, assuntos judiciais ou administrativos, expedido pela Chancelaria Apostólica e autorizado por selo estampado com tinta vermelha. O termo do latim "bulla" refere-se à forma externa do documento, que antigamente era lacrado com uma pequena "bola" (cápsula metálica redonda) utilizada para proteger o selo de cera unido por um cordão a um documento de especial importância, com o fim de certificar sua autenticidade e, consequentemente, sua autoridade. Dependendo da solenidade ou da importância do assunto, tais diplomas receberiam selo de prata ou, ainda mais raro, de ouro, dando origem às bulas argênteas e bulas áureas. Com o tempo, "bulla" passou a indicar também o selo e depois todo o documento selado, razão pela qual hoje é empregado para todos os documentos papais de especial importância, que possuem, ou, pelo menos, tradicionalmente deveriam conter, o selo do pontífice.

[9]BREVES: surgiram como documentos pontifícios a partir do século XV, durante o pontificado de Eugénio IV. Distinguem-se das bulas por serem instrumentos destinados a comunicar resoluções com mais rapidez e menos formalismos. Um breve apostólico ou breve pontifício é um tipo de documento circular assinado pelo Papa e referendado com a impressão do Anel do Pescador. Refere em geral atos administrativos da Santa Sé. Geralmente os breves não contêm nem preâmbulo nem prefácio e tratam de um único tema.

[10] MESA DO DESEMBARGO DO PAÇO (LISBOA): também chamada de Tribunal do Desembargo do Paço, foi o mais alto órgão da administração central portuguesa até o século XIX, que regia o Reino, e não o Ultramar. Este tribunal, estabelecido no reinado de d. João II (1481-1495) mas somente efetivado no período de d. Manuel I (1495-1521), era o tribunal supremo da monarquia, responsável por questões relativas à justiça e à administração civil do reino no âmbito da Graça. Tornou-se autônomo em relação à Casa de Suplicação em 1521, recebendo novo regimento. Até o reinado de d. Sebastião I, suspenso em 1578, quem presidia o Tribunal era o próprio rei, o que passou a não ser mais obrigatório com uma mudança instituída durante os reinados Filipinos (1580-1640). Constituído por um corpo de magistrados, já então denominados desembargadores do Paço, recrutados principalmente entre os eclesiásticos, teólogos e juristas experientes, este órgão da administração central da coroa, possuía uma grande variedade de incumbências, tendo suas funções revistas e ampliadas por sucessivas alterações de regimento, dentre as quais compreendiam: a concessão de cartas de perdão e cartas de privilégio; concessão de perdões reais, suspensão de degredos; a dispensa de idade e de nobreza para servir nos cargos de governo; comutação de pena aos criminosos; restituição de fama e outras mercês semelhantes; a legitimação e emancipação de filhos; a concessão de licença para impressão de livros; deliberando, ainda, sobre o recrutamento e provimento de juízes e arbitrando conflitos entre os demais tribunais da Coroa; entre outras questões. A vinda da corte para o Brasil em 1808 acarretou a criação da Mesa do Desembargo do Paço e da Consciência e Ordens no Rio de Janeiro, por meio do alvará de 22 de abril daquele ano, que incorporou parte dos encargos da Mesa da Consciência e Ordens de Lisboa. No entanto, a Mesa do Desembargo do Paço do Reino continuou a existir, sendo extinta apenas em 1833, no âmbito da guerra civil entre liberais e absolutistas, suas atribuições passando para as Secretarias de Estado do Reino e dos Negócios Eclesiásticos e da Justiça.

[11]CHANCELER: guarda-selos. Funcionário do governo encarregado de chancelar documentos ou diplomas tornando-os autênticos. Era o magistrado responsável pela guarda do selo real.

[12]REAL ARQUIVO DA TORRE DO TOMBO: arquivo instituído na Torre do Tombo do Castelo de Lisboa no século XIV. A Torre do Tombo, durante o Antigo Regime, foi essencialmente composta do arquivo do rei, ou da Coroa, sendo o lugar onde se guardavam todos os tipos de registros oficiais, tais como: tombos de registro e demarcação de bens e direitos, documentos da Fazenda, capítulos das Cortes, livros de chancelaria, registros de instituição de morgados e capelas, testamentos, forais, sentenças do juiz dos feitos da Coroa, bulas papais, tratados internacionais, correspondência régia e outros documentos. Desde 1378, o mais importante arquivo português denomina-se Torre do Tombo, uma vez que os principais documentos que o rei mandava guardar – o Recabedo Regni, ou Livro do Tombo, onde se registravam as suas propriedades e direitos – localizavam-se na torre albarrã, do castelo de São Jorge, em Lisboa. Em 1755, esta torre foi destruída no terremoto que abalou Lisboa, sendo o arquivo acomodado, provisoriamente, em parte do mosteiro de São Bento, onde hoje está o edifício da Assembleia da República. A invasão das tropas bonapartistas em 1807 colocou em risco os arquivos portugueses, com o embarque dos fundos de secretarias de governo para o Brasil. Os arquivos da Torre do Tombo permaneceram no reino, mas foram selecionados e encaixotados diante da reentrada dos franceses em 1809 e da ameaça de tomada de Lisboa no ano seguinte, quando se discutiu que documentos deveriam ser embarcados para o Rio de Janeiro. Afastados esses riscos esses arquivos não foram afinal deslocados para a colônia (MARTINS, Ana Canas Delgado. Governação e arquivos: d. João VI no Brasil. Lisboa: Instituto dos Arquivos Nacionais, [2007]). Na década de 1990, o Arquivo Nacional da Torre do Tombo foi transferido para um moderno edifício-sede, com amplas instalações, na cidade universitária de Lisboa.

[13]PALÁCIO REAL DA AJUDA: foi construído em Lisboa, no século XVIII, em função da destruição do Paço da Ribeira, então sede do governo, causada pelo terremoto de 1755, durante o reinado de d. José I. O Palácio da Ajuda foi edificado em madeira para melhor resistir aos abalos sísmicos e serviu residência oficial da monarquia portuguesa durante cerca de três décadas. Durante seu governo, marquês de Pombal mandou construir à volta do palácio o primeiro jardim botânico de Portugal. Em 1794, um incêndio destruiu por completo a habitação real e outro palácio em pedra e cal foi projetado. A construção do novo palácio se estendeu por mais de sessenta anos, durante os quais o palácio ora serviu de residência real (quando monarcas escolhiam alas já habitáveis do palácio como moradia), ora assumia plano secundário. As obras na estrutura do edifício foram concluídas em 1861, durante o reinado de d. Luís I.

 

Sugestões de uso em sala de aula:
Utilização(ões) possível(is):
- No eixo temático sobre “História das representações e das relações de poder”
- Ao trabalhar o tema transversal “Pluralidade cultural”  

Ao tratar dos seguintes conteúdos:
- O Homem e a Cultura
- A sociedade colonial: movimentos religiosos e culturais 
- As relações sociais de dominação na América
- A ilustração no Brasil: a expulsão jesuítica causas e conseqüências
- Brasil colonial: organizações religiosas

Liberdade dos gentios

Carta do rei Filipe II para dom Diogo de Menezes Serqueira, governador geral do Estado do Brasil, sobre a lei da liberdade dos gentios da terra para a manutenção da segurança e do comércio com os moradores das capitanias do Brasil. Através desta correspondência, o rei solicita a ação dos religiosos da Companhia de Jesus para que, através do crédito e confiança que mantém junto a essa população, mantenham-na pacífica. O rei ressalta ainda a obrigação destes religiosos na formação espiritual dos gentios na doutrina cristã.  Sobretudo, o documento revela a preocupação de Filipe II em manter a paz em suas possessões durante o período da União Ibérica.

Conjunto documental: Registro de provisões, alvarás, leis, títulos, forais e regimentos da Relação do Brasil.
Notação: Códice 541
Datas-limite: 1613-1691
Título do fundo ou coleção: Relação da Bahia
Código de fundo: 83
Argumento de pesquisa: Companhia de Jesus
Data do documento: 31 de Agosto de 1609
Local: Lisboa
Folha(s): 52 a 54

 

Dom Felipe[1] e companhia faço saber a vós Dom Diogo de Menezes Serqueira, do meu Conselho, e Governador Geral do Estado do Brasil, que eu passei hora uma minha lei por mim assinada, e passada, e nela publicada, da qual lei o treslado é o seguinte: (...) mandei fazer esta lei, pela qual declaro todos os gentios[2] daquelas partes do Brasil por livres, conforme a direito, e seu nascimento natural, assim os que já foram batizados, e seduzidos a nossa Santa Fé Católica, como os que ainda servirem como gentios, conforme os seus rituais, e cerimonias, as quais todos serão tratados, e havidos por pessoas livres, como são, e não serão constrangidos a serviço, nem a coisa alguma contra sua livre vontade, e as pessoas que deles se servirem nas suas fazendas lhes pagarão seu trabalho, assim, e da maneira, que são obrigados a pagar a todas as mais pessoas livres de que se servem; e pelo muito que convém a conservação dos ditos gentios, e poderem com liberdade, e segurança, morar, e comerciar com os moradores das Capitanias, e para o mais que convier a meu serviço e benefício das Fazendas de todo aquele estado, e cessem de todos os enganos, e violências, com que os capitães, e moradores os traziam do Sertão, e pelo que convém ao serviço de Deus, e meu, e por outros justos respeitos, que a isso movem; Hei por bem que os religiosos da Companhia de Jesus[3], que hora estão nas ditas partes, ou ao diante a elas forem, possam ir ao Sertão, pelo muito conhecimento, e exercício que desta maneira tem, e pelo crédito, e confiança, que os gentios deles fazem, para os domesticarem e segurarem em sua liberdade, e os encaminharem no que convém ao mesmo gentio, assim nas coisas de sua Salvação, como na vivenda comum, e comércio com os moradores daquelas partes: Hei por bem que os ditos gentios sejam senhores de suas fazendas nas povoações em que morarem, como o são na Serra, se lhe poderem ser tomadas, nem sobre elas de lhe fazer moléstia, nem injustiça alguma; e o Governador[4] com parecer dos ditos religiosos aos que vierem da serra assinalada lugares para neles lavrarem, e cultivarem, não sendo já aproveitados pelos capitães dentro no tempo, como por suas doações são obrigados, e das Capitanias, e lugares, que lhe forem ordenados, não puderem ser mudados para outros contra sua vontade; (salvo quando eles livremente o quiserem fazer). Hei por bem, que nas ditas povoações em que estiverem, onde não houver Ouvidor5 dos Capitães, o Governador lhe ordene um Juiz Particular, que seja português, cristão, o qual conhecerá das causas, que o gentio tiver com os moradores, ou os moradores com eles, e terá de alçada no civil até dez cruzados, e no crime até trinta dias de prisão, porque se o merecer em tal caso, correrá o livramento, pelas Justiças Ordinárias, e assim ordenará uma pessoa de confiança, Cristão Velho[5], para que com ordem dos ditos religiosos possa responder o que for devido aos gentios; e na execução do que liquidamente se lhe dever de seu serviço se procederá  sumariamente, conforme a minhas ordenações, aos quais se fará o favor que a Justiça permitir. (...). Dada na Cidade de Lisboa[6] ao derradeiro dia de Agosto. El Rei Nosso Senhor o mandou pelo Doutor Damião d´Aguiar[7], do seu Conselho[8], e Chanceler mór de seus Reinos e Senhorios. Ano de Nascimento de Nosso Senhor Jesus Cristo de 1609. Eu, Gaspar Maldonado a fiz escrever // O Chanceler Mór // Concentada // Pedro Castanho // Damião d´Aguiar.

 

[1]FILIPE II (1578-1621): segundo rei espanhol da dinastia Habsburgo, também conhecida como filipina. Filipe II, chamado “o Pio”, governou Portugal entre os anos de 1598 e 1621, durante o período da junção das duas Coroas, conhecido como União Ibérica (1580-1640). Sob o seu reinado, os portugueses tiveram de contar praticamente consigo próprios na defesa de suas possessões ultramarinas diante das incursões francesas, holandesas e inglesas. Como consequência do descaso do rei espanhol, as colônias portuguesas tiveram sua importância comercial abalada. Merecem destaque na administração de Filipe II: as Ordenações Fili (1603) – compilação jurídica resultante da revisão do código manuelino (1521) que, sem trazer muitas inovações, consolidou as leis já em vigor, respeitando as tradições e identidade portuguesas e vigorou no Brasil até 1916, com o advento do Código Civil; a criação do Conselho das Í (1604) – responsável pela centralização da administração do império ultramar português, nesse momento inserido nos vastos domínios filipinos; e o estabelecimento da paz com a Inglaterra (1604) e com as Províncias Unidas (1609).

[2]GENTIO: a designação foi empregada, ao longo da história da conquista da colônia, para se referir ao índio não cristão, àquele que não havido sido integrado na órbita colonial luso-brasileira. Gentio é um termo usualmente relacionado a “bárbaros”, “selvagens”, “bravos”, “gentio”, ou ainda “tapuia” sem muita distinção, contribuindo para a construção de um recurso jurídico visando a decretação de guerra justa, escravização dos índios e liberação de terras para os colonos. Em carta a Mem de Sá, em 1558, o rei recomenda que os colonos apoiem os jesuítas na tarefa mais importante da política real do Brasil, quer dizer, na conversão dos pagãos “porque o principal e primeiro intento que tenho em todas as partes da minha conquista é o aumento e conservação da nossa santa fé e conversão dos gentios delas”. Em Apontamento de coisas do Brasil (1558), Nóbrega se refere ao gentio como “de qualidade que não se quer por bem, senão por temor e sujeição, como se tem experimentado e por isso se S.A. os quer ver todos convertidos mande-os sujeitar e deve fazer estender os cristãos pela terra adentro e reparti-lhes o serviço dos índios àqueles que os ajudarem a conquistar e senhorear, como se faz em outras partes de terras novas, e não sei como se sofre, a geração portuguesa que entre todas as nações é a mais temida e obedecida, estar por toda esta costa sofrendo e quase sujeitando-se ao mais vil e triste gentio do mundo.” (Ribeiro, D. e Moreira Neto, C.A. A fundação do Brasil. Petrópolis: Vozes, 1992: 121)

[3]JESUÍTAS: ordem religiosa fundada em 1540 por Inácio de Loyola e marcada por severa disciplina, profunda devoção religiosa e intensa lealdade à Igreja e à Ordem. Criada para combater principalmente o protestantismo, sua fundação respondeu à necessidade de renovação das ordens regulares surgida das determinações do Concílio de Trento (1545-1563). A instalação da Companhia de Jesus em Portugal e nos seus domínios ultramarinos deu-se ainda no século XVI. O primeiro grupo de missionários jesuítas chegou ao Brasil em 1549, na comitiva de Tomé de Souza. Seus membros eram conhecidos como ‘soldados de Cristo’, dadas as suas características missionárias. Responsáveis pela catequese, coube também, aos jesuítas, a transmissão da cultura portuguesa nas possessões americanas por meio do ensino, que monopolizaram até meados do século XVIII. Fundaram, por todo território colonial, missões religiosas e aldeamentos indígenas de caráter civilizador e evangelizador. Em fins do século XVII, o modelo missionário já estava bem consolidado, difundido por quase toda a América, e os jesuítas acumulando grande poder. Os primeiros jesuítas a chegar ao Maranhão, em 1615, foram os padres Manuel Gomes e Diogo Nunes, detentores de uma posição privilegiada na região, tanto na evangelização e defesa dos índios, quanto no monopólio do comércio e armazenamento das drogas. São de religiosos da Companhia de Jesus relatos sobre os primeiros séculos da colonização. O padre italiano João Antonio Andreoni (André João Antonil) publicou em 1711 Cultura e opulência no Brasil. História da Companhia de Jesus no Brasil escrito por Serafim Leite, os dois volumes de Tesouro descoberto no máximo Rio Amazonas (1722-1776) do padre João Daniel, Tratados da terra e gentes do Brasil de Fernão Cardim e os numerosos sermões e cartas da Antonio Vieira são testemunhos importantes e reveladores do Brasil colonial. Os jesuítas também foram os responsáveis por espalhar a língua dos Tupinambá, chamada língua geral (nheengatu), largamente falada no Brasil até meados do século XVIII. O grande poderio e influência dos jesuítas na América portuguesa foram contestados durante a administração pombalina (1750-1777), gerando um conflito de interesses entre a Companhia de Jesus e o governo, que culminou com a expulsão dos membros dessa ordem religiosa em 1759. Cabe ressaltar que a decisão de expulsar os jesuítas de Portugal e de seus domínios, tomada pelo marquês de Pombal, não buscava reduzir o papel da Igreja, mas derivava da intenção de secularizar a educação, dentro dos moldes ilustrados.

[4] GOVERNO-GERAL: criado em 1548 em substituição ao sistema de capitanias hereditárias, tinha como finalidade a centralização administrativa e a organização da colônia, bem como auxiliar e proteger todas as capitanias. O primeiro governador-geral foi Tomé de Souza (1549-1553). A cidade de Salvador foi escolhida como sede do governo-geral, por localizar-se em um ponto médio do litoral, o que facilitaria a comunicação com as demais regiões da colônia. Junto ao governador-geral, indicado pelo rei de Portugal, outros cargos foram criados: ouvidor-mor (assuntos judiciais), provedor-mor (questões financeiras), alcaide-mor (funções de organização, administração e defesa militar) e capitão-mor (questões jurídicas e de defesa). Em 1572, o rei de Portugal dividiu o governo-geral em dois centros: um ao norte, com sede na Bahia, e um ao sul, com sede no Rio de Janeiro, na tentativa de aumentar os lucros com o monopólio do açúcar. Essa divisão, entretanto, não surtiu os resultados esperados, tornando-se Salvador, novamente, o único centro administrativo do Brasil em 1578. A partir de 1720, os governadores receberam o título de vice-rei, persistindo o cargo até a vinda da família real para o Brasil em 1808, quando se encerrou esse sistema.

[5]CRISTÃO VELHO: termo que designa o cristão, ou seja, aquele nascido e criado sob os preceitos e doutrinas da Igreja Católica, ou seja, justamente o contrário do “cristão-novo”. Os “cristãos-novos” eram os judeus recém convertidos ao catolicismo para escapar da perseguição promovida pela Inquisição àqueles considerados hereges.  A conversão foi o meio encontrado pelos judeus para escapar das fogueiras – castigo comumente dado ao herege -, embora, em verdade, eles mantivessem as práticas e costumes judaizantes em seus lares.

[6]LISBOA: capital de Portugal, sua origem como núcleo populacional é bastante controversa. Sobre sua fundação, na época da dominação romana na Península Ibérica, sobrevive a narrativa mitológica feita por Ulisses, na Odisseia de Homero, que teria fundado, em frente ao estuário do Tejo, a cidade de Olissipo – como os fenícios designavam a cidade e o seu maravilhoso rio de auríferas areias. Durante séculos, Lisboa foi romana, muçulmana, cristã. Após a guerra de Reconquista e a formação do Estado português, inicia-se, no século XV, a expansão marítima lusitana e, a partir de então, Portugal cria núcleos urbanos em seu império, enquanto a maioria das cidades portuguesas era ainda muito acanhada. O maior núcleo era Lisboa, de onde partiram importantes expedições à época dos Descobrimentos, como a de Vasco da Gama em 1497. A partir desse período, Lisboa conheceu um grande crescimento econômico, transformando-se no centro dos negócios lusos. Como assinala Renata Araújo em texto publicado no site O Arquivo Nacional e a história luso-brasileira (http://historialuso.arquivonacional.gov.br/index.php?option=com_content&view=article&id=3178&Itemid=330), existem dois momentos fundadores na história da cidade: o período manuelino e a reconstrução pombalina da cidade após o terremoto de 1755. No primeiro, a expansão iniciada nos quinhentos leva a uma nova fase do desenvolvimento urbano, beneficiando as cidades portuárias que participam do comércio, enquanto são elas mesmas influenciadas pelo contato com o Novo Mundo, pelas imagens, construções, materiais, que vinham de vários pontos do Império. A própria transformação de Portugal em potência naval e comercial provoca, em 1506, a mudança dos paços reais da Alcáçova de Lisboa por um palácio com traços renascentistas, de onde se podia ver o Tejo. O historiador português José Hermano Saraiva explica que o lugar escolhido como “lar da nova monarquia” havia sido o dos armazéns da Casa da Mina, reservados então ao algodão, malagueta e marfim que vinham da costa da Guiné. Em 1º de novembro de 1755, a cidade foi destruída por um grande terremoto, com a perda de dez mil edifícios, incêndios e morte de muitos habitantes entre as camadas mais populares. Caberia ao marquês de Pombal encetar a obra que reconstruiu parte da cidade, a partir do plano dos arquitetos portugueses Eugenio dos Santos e Manuel da Maia. O traçado obedecia aos preceitos racionalistas, com sua planta geométrica, retilínea e a uniformidade das construções. O Terreiro do Paço ganharia a denominação de Praça do Comércio, signo da nova capital do reino. A tarde de 27 de novembro de 1807 sinaliza um outro momento de inflexão na história da cidade, quando, sob a ameaça da invasão das tropas napoleônicas, se dá o embarque da família real rumo à sua colônia na América, partindo no dia 29 sob a proteção da esquadra britânica e deixando, segundo relatos, a população aturdida e desesperada, bagagens amontoadas à beira do Tejo, casas fechadas, como destacam os historiadores Lúcia Bastos e Guilherme Neves (Alegrias e infortúnios dos súditos luso-europeus e americanos: a transferência da corte portuguesa para o Brasil em 1807. Acervo, Rio de Janeiro, v.21, nº1, p.29-46, jan/jun 2008. http://revista.arquivonacional.gov.br/index.php/revistaacervo/article/view/86/86). No dia 30 daquele mês, o general Junot tomaria Lisboa, só libertada no ano seguinte mediante intervenção inglesa.

[7]D’AGUIAR, DR. DAMIÃO (1535-1618): jurista, nascido na cidade de Évora a 14 de abril, estudou Direito em Coimbra. Exerceu os cargos de Desembargador dos Agravos na Casa de Suplicação, em 1577, Desembargador do Paço, em 1581, e chanceler-mor do Reino. Foi também ministro do Senado da Câmara de Lisboa, Corregedor do Crime da Corte e presidente do Consulado-do-Mar. Chefiou a revisão das Ordenações Manuelinas, sob as ordens de Filipe II, ainda no século XVI. Em 1595, o projeto de Aguiar foi apresentado ao rei e aprovado, porém as chamadas Ordenações Filipinas, como ficou conhecida a reforma do código de leis manuelino, entraram em vigor somente em princípios do século XVII. Defensor da “limpeza de sangue”, vinculava-se à mais alta hierarquia da Igreja e à ação censória e arbitral do Santo Ofício. Detentor de um valioso patrimônio fundiário, reuniu também um notável acervo artístico composto por jóias, diferentes tipos de tecidos, quadros, retábulos, imagens religiosas, reposteiros.

[8]CONSELHO DAS ÍNDIAS: fundado em 1604 no reinado de Filipe III de Espanha, o órgão foi criado para organizar e centralizar a administração do império ultramarino português (Brasil, Estado da Índia, Guiné, São Tomé e Cabo Verde) que, desde 1581, estava inserido no vasto leque de territórios da monarquia dos Áustrias. Era formado por nove membros que se reuniam diariamente no Paço da Ribeira para analisar a correspondência proveniente das colônias portuguesas que chagavam aos portos lusitanos e elaborar pareceres que seriam enviados ao vice-rei de Lisboa. Este encaminharia sua avaliação ao Conselho de Portugal em Madrid, responsável pelo envio das diversas opiniões ao monarca. O conselho foi extinto em 1614.

 

Sugestões de uso em sala de aula:
Utilização(ões) possível(is):
- No eixo temático sobre “História das representações e das relações de poder”

Ao tratar dos seguintes conteúdos:
- A sociedade colonial: aspectos religiosos e culturais 
- As relações sociais de poder na colônia
- Brasil colonial: organizações religiosas
- A influência religiosa no Brasil colonial

Prisão de jesuítas

Carta do conde de Oeiras ao conde da Cunha, relatando, entre outras coisas, a prisão do jesuíta Pedro de Vasconcelos. Por este documento, pode-se perceber o tratamento dispensado aos jesuítas, após a decretação de sua expulsão das terras luso-brasileiras em 1759. A partir de então,  os religiosos da companhia de jesus passaram a ser perseguidos e considerados os responsáveis por toda a sorte de abusos e desordens possíveis.


Conjunto documental: Correspondência da Corte com o vice-reinado
Notação: Códice 67, vol. 03
Datas-limite: 1766-1767
Título do fundo ou coleção: Secretaria de Estado do Brasil
Código do fundo: 86
Argumento de pesquisa: Companhia de Jesus
Data do documento: 23 de Julho de 1766
Local: Palácio Nossa Senhora da Ajuda
Folha(s): 7 a 8v

 

Leia esse documento na íntegra

 

“Para o conde da Cunha[1] em 23 de Julho de 1766

Il.mo e Ex.mo Senhor

Pela carta de V. Ex.ª de 18 de Abril do presente ano foram presentes a El Rei Nosso Senhor[2] os estranhos fatos do secretário do governo da Praça de Colônia[3] Joseph Pereira de Souza, do tenente-coronel Vasco Fernandes Pinto de Alpoim, e dois subalternos do seu mesmo corpo de artilharia.

O mesmo senhor manda louvar a V. Ex.ª o zelo e cuidado, com que logo mandou segurar os sobreditos delinqüentes para os remeter a esta Corte presos com toda a segurança.

Sua Majestade espera, que o novo governador da dita Praça da Colônia leve as mais vigorosas, e positivas ordens para descobrir, prender, e remeter para essa cidade os outros delinqüentes do maior número, que V. Ex.ª avisou, que existiam naquela praça. Pois que nela se faz indispensavelmente necessário, que não fique nem ainda o menor resíduo de semelhante peste. Para desterrar inteiramente não há outro meio melhor, nem mais seguro, do que extinguir na guarnição da mesma praça, e sua povoação todos os homens suspeitosos, e nela criados com os abusos do miserável tempo, em que as leis, e as doutrinas seguidas, eram as da oficina infernal dos malvados jesuítas[4]. (...) O jesuíta Pedro de Vasconcelos, que se correspondia com o outro jesuíta Manoel Ribeiro em Buenos Aires[5], deve ser conservado em estreita prisão, e segredo na Ilha das Cobras, onde estará até nova ordem de S. Majestade. As três freiras do Convento de Nossa Senhora da Ajuda, também correspondentes do tal Manoel Ribeiro, devem ser degredadas[6] e transportadas para outros conventos da Bahia, logo que as mais diligências forem feitas. O outro correspondente Joseph Lucio, que está recluso no Convento dos Bentos, deve ser logo transferido ... para outro cárcere na Ilha das Cobras, e nele guardado em segredo, sem comunicação alguma. ... Tratando-se, como nesse caso se trata, de crimes de Lesa Majestade; não têm nesses crimes imunidade alguma os eclesiásticos, como aqui se tem assentado pelos homens mais doutos deste Reino; porque a causa, e a saúde pública constituem lei suprema, e superior a todos os privilégios da tal imunidade. ... Deus guarde a V. Ex.ª Palácio de Nossa Senhora da Ajuda[7] a 23 de julho de 1766. Francisco Xavier de Mendonça Furtado[8].”

 

[1]CUNHA, D. ANTÔNIO ÁLVARES (1700-1791): 1º conde da Cunha, filho de d. Pedro Álvares da Cunha, oficial mor da Casa Real, e d. Inês de Melo e Ataíde. Foi capitão general de Mazagão e governador de Angola. Tornou-se o primeiro vice-rei a governar a partir do Rio de Janeiro, transformado na nova sede da administração colonial por Pombal, em 1763. Na nova função, promoveu a fortificação da cidade, ordenou o levantamento topográfico de toda a capitania, além da instalação dos arsenais da Marinha e do Exército. Em 1767, quando foi substituído pelo conde de Azambuja, regressou a Portugal, sendo nomeado conselheiro da guerra e presidente do Conselho Ultramarino. O título de conde foi-lhe concedido por d. José I, em 1760, em reconhecimento aos seus relevantes serviços, bem como pela atuação de seu tio, o diplomata d. Luís da Cunha.

[2]JOSÉ I, D. (1714-1777): sucessor de d. João V, foi aclamado rei em setembro de 1750, tendo sido o único rei de Portugal a receber este título. Considerado um déspota esclarecido – monarcas que, embora fortalecessem o poder do Estado por eles corporificado, sofriam intensa influência dos ideais progressistas e racionalistas do iluminismo, em especial no campo das políticas econômicas e administrativas – ficou conhecido como o Reformador devido às reformas políticas, educacionais e econômicas propostas e/ou executadas naquele reinado. O governo de d. José I destacou-se, sobretudo, pela atuação do seu secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros e da Guerra, marquês de Pombal, que liderou uma série de reestruturações em Portugal e seus domínios. Suas reformas buscavam racionalizar a administração e otimizar a arrecadação e a exploração das riquezas e comércio coloniais. Sob seu reinado deu-se a reconstrução da parte baixa de Lisboa, atingida por um terremoto em 1755, a expulsão dos jesuítas do Reino e domínios ultramarinos em 1759, a guerra guaranítica (1754-56) contra os jesuítas e os índios guaranis dos Sete Povos das Missões, a assinatura do Tratado de Madri (1750), entre Portugal e Espanha que substituiu o Tratado de Tordesilhas, entre outros. Em termos administrativos, destacam-se a transferência da capital da colônia de Salvador para o Rio de Janeiro, a criação do Erário Régio e a divisão do antigo Estado do Grão-Pará e Maranhão em dois: Maranhão e Piauí, e Grão-Pará e Rio Negro.

[3]COLÔNIA DO SACRAMENTO: a fundação da colônia portuguesa de Santíssimo Sacramento, em 1680, na região próxima de Buenos Aires, do outro lado do rio da Prata, desencadeou uma série de conflitos entre Espanha e Portugal, sendo assim objeto de vários tratados e acordos de limites territoriais dessas monarquias entre 1681 e 1777. Sacramento foi sitiada pelos espanhóis em quatro ocasiões: 1704 a 1705, 1735 a 1737, em 1761 e 1772 a 1777. A fronteira meridional da América portuguesa esteve em aberto até o século XIX, o que revela uma trajetória luso-espanhola de disputas por expansão territorial, envolvendo também os grupos sociais ali presentes. As relações interétnicas na região do rio da Prata também sinalizam confrontos e alianças das forças colonizadoras com populações indígenas. As experiências de evangelização e assimilação da cultura cristã por meio dos aldeamentos missionários [ver missões] expressam outro elemento dos enfrentamentos. Ainda no contexto do extenso conflito de restauração e tratado de paz entre Portugal e Espanha, d. Pedro, príncipe regente português, determinou, em 1680, que Manuel Lobo estabelecesse a colônia de Santíssimo Sacramento na região americana do rio da Prata. Diante da Igreja, a diplomacia portuguesa articulou a criação da diocese do Rio de Janeiro, em 1676, com jurisdição até o Prata. No primeiro momento, o empreendimento conduzido por Manuel Lobo, durou apenas meses, tomado por ataques espanhóis coordenados pelo governador de Buenos Aires. Entre 1683 e 1705, sob tutela do governo do Rio de Janeiro, a Colônia do Sacramento recebeu homens e mulheres, incentivados pela Coroa portuguesa a promoverem a sua povoação. Contudo, o referido período se encerra com a tomada do posto avançado de domínio lusitano nessa extremidade, derrotado por um exército hispano-guarani. Na primeira metade do século XVIII, as campanhas portuguesas de recrutamento para a defesa de Sacramento foram recorrentes e, às vezes, compulsórias. O tratado de paz luso-espanhol de Utrecht, em 1715, devolveu a Colônia de Sacramento aos portugueses. Em 1722, António Pedro Vasconcelos assumiu o cargo de governador da Colônia do Sacramento, função que exerceu até 1749, e, a despeito das denúncias e das investigações envolvendo o seu governo, esse foi um período de expansão e desenvolvimento de Sacramento. No comando de Vasconcelos, aconteceram intensas relações comerciais entre agentes sociais luso-espanhóis naquela região, o que também revela uma dinâmica local de autoridade e poder para além das posições antagônicas de Portugal e Espanha. O Tratado de Madri, em 1750, estabeleceu a troca da Colônia do Sacramento, domínio português, por Sete Povos, possessão espanhola. No acordo foi prevista a transferência dos índios Guarani de Sete Povos para outro território espanhol, incluindo a cooperação entre forças colonizadoras contra a resistência dos indígenas. Em 1777, no tratado de Santo Ildefonso, Portugal cede Sacramento e Sete Povos aos espanhóis.

[4]JESUÍTAS: ordem religiosa fundada em 1540 por Inácio de Loyola e marcada por severa disciplina, profunda devoção religiosa e intensa lealdade à Igreja e à Ordem. Criada para combater principalmente o protestantismo, sua fundação respondeu à necessidade de renovação das ordens regulares surgida das determinações do Concílio de Trento (1545-1563). A instalação da Companhia de Jesus em Portugal e nos seus domínios ultramarinos deu-se ainda no século XVI. O primeiro grupo de missionários jesuítas chegou ao Brasil em 1549, na comitiva de Tomé de Souza. Seus membros eram conhecidos como ‘soldados de Cristo’, dadas as suas características missionárias. Responsáveis pela catequese, coube também, aos jesuítas, a transmissão da cultura portuguesa nas possessões americanas por meio do ensino, que monopolizaram até meados do século XVIII. Fundaram, por todo território colonial, missões religiosas e aldeamentos indígenas de caráter civilizador e evangelizador. Em fins do século XVII, o modelo missionário já estava bem consolidado, difundido por quase toda a América, e os jesuítas acumulando grande poder. Os primeiros jesuítas a chegar ao Maranhão, em 1615, foram os padres Manuel Gomes e Diogo Nunes, detentores de uma posição privilegiada na região, tanto na evangelização e defesa dos índios, quanto no monopólio do comércio e armazenamento das drogas. São de religiosos da Companhia de Jesus relatos sobre os primeiros séculos da colonização. O padre italiano João Antonio Andreoni (André João Antonil) publicou em 1711 Cultura e opulência no Brasil. História da Companhia de Jesus no Brasil escrito por Serafim Leite, os dois volumes de Tesouro descoberto no máximo Rio Amazonas (1722-1776) do padre João Daniel, Tratados da terra e gentes do Brasil de Fernão Cardim e os numerosos sermões e cartas da Antonio Vieira são testemunhos importantes e reveladores do Brasil colonial. Os jesuítas também foram os responsáveis por espalhar a língua dos Tupinambá, chamada língua geral (nheengatu), largamente falada no Brasil até meados do século XVIII. O grande poderio e influência dos jesuítas na América portuguesa foram contestados durante a administração pombalina (1750-1777), gerando um conflito de interesses entre a Companhia de Jesus e o governo, que culminou com a expulsão dos membros dessa ordem religiosa em 1759. Cabe ressaltar que a decisão de expulsar os jesuítas de Portugal e de seus domínios, tomada pelo marquês de Pombal, não buscava reduzir o papel da Igreja, mas derivava da intenção de secularizar a educação, dentro dos moldes ilustrados.

[5]BUENOS AIRES: fundada em 1536 pelo colonizador Pedro de Mendoza, foi chamada inicialmente de Santa María del Buen Ayre. A região foi intensamente disputada por brancos e índios e, como consequência desses conflitos, a primeira vila acabou destruída. Apenas em 1580, a Espanha conseguiu enviar novas tropas que, sob o comando de d. Juan de Garay, reconstruíram a Ciudad de la Santísima Trinidad y Puerto de Santa María del Buen Ayre, com 76 colonos e 200 famílias guaranis, em um local próximo onde hoje fica Mendoza. Desde sua criação, a cidade sofreu tentativas de invasão de corsários, piratas e aventureiros ingleses, franceses e dinamarqueses. A escassez de metais preciosos na região propiciou o desenvolvimento da pecuária bovina. O porto de Buenos Aires tornou-se um dos mais importantes do estuário do rio da Prata, favorecendo sua elevação à capital do vice-reino do Rio do Prata em 1776. A cidade viveu um exponencial progresso entre 1780 e 1800, recebendo além de uma forte imigração, fundamentalmente de espanhóis, e em menor medida de franceses e italianos; e se povoou fundamentalmente de comerciantes e alguns donos de terras estanqueiros. Em 1816, no Congresso de Tucumán, foi declarada a independência do vice-reinado em relação à Espanha, elaborada a constituição, três anos depois, e declarada a província de Buenos Aires como capital. Deu-se início a uma série de reformas em que se destacam a criação do Arquivo Geral de Buenos Aires, da Bolsa Mercantil, da Universidade de Buenos Aires e da Sociedade de Ciências Físicas e Matemáticas.

[6]DEGREDO: punição prevista no corpo de leis português, o degredo era aplicado a pessoas condenadas aos mais diversos tipos de crimes pelos tribunais da Coroa ou da Inquisição. Tratava-se do envio dos infratores para as colônias ou para as galés, onde cumpririam a sentença determinada. Os menores delitos, como pequenos furtos e blasfêmias, geravam uma pena de 3 a 10 anos, e os maiores, que envolviam lesa-majestade, sodomia, falso misticismo, fabricação de moeda falsa, entre outros, eram definidos pela perpetuidade, com pena de morte se o criminoso voltasse ao país de origem. Além do aspecto jurídico, em um momento de dificuldades financeiras para Portugal, degredar criminosos, hereges e perturbadores da ordem social adquiriu funções variadas além da simples punição. Expulsá-los para as “terras de além-mar” mantinha o controle social em Portugal e, em alguns casos também, em suas colônias mais prósperas, contribuindo para o povoamento das fronteiras portuguesas e das possessões coloniais, além de aliviar a administração real com a manutenção prisional. Constituindo-se uma das formas encontradas pelas autoridades para livrar o reino de súditos indesejáveis, entre os degredados figuraram marginais, vadios, prostitutas e aqueles que se rebelassem contra a Coroa. Considerada uma das mais severas penas, o degredo só estava abaixo da pena de morte, servindo como pena alternativa designada pelo termo “morra por ello” (morra por isso). Porém o degredo também assumia este caráter de “morte civil” já que a única forma de assumir novamente alguma visibilidade social, ou voltar ao seu país, era obtendo o perdão do rei.

[7]PALÁCIO REAL DA AJUDA: foi construído em Lisboa, no século XVIII, em função da destruição do Paço da Ribeira, então sede do governo, causada pelo terremoto de 1755, durante o reinado de d. José I. O Palácio da Ajuda foi edificado em madeira para melhor resistir aos abalos sísmicos e serviu residência oficial da monarquia portuguesa durante cerca de três décadas. Durante seu governo, marquês de Pombal mandou construir à volta do palácio o primeiro jardim botânico de Portugal. Em 1794, um incêndio destruiu por completo a habitação real e outro palácio em pedra e cal foi projetado. A construção do novo palácio se estendeu por mais de sessenta anos, durante os quais o palácio ora serviu de residência real (quando monarcas escolhiam alas já habitáveis do palácio como moradia), ora assumia plano secundário. As obras na estrutura do edifício foram concluídas em 1861, durante o reinado de d. Luís I.

[8] FURTADO, FRANCISCO XAVIER DE MENDONÇA (1700-1769): nascido em Lisboa, o irmão do marquês de Pombal ingressou na Marinha em 1735 e concluiu os serviços em 1751, como capitão de mar e guerra. Neste mesmo ano, fora indicado para ocupar o governo do Estado do Grão-Pará e Maranhão. O território brasileiro não lhe era estranho — durante o período em que esteve em serviço participou de algumas missões na colônia, que lhe possibilitaram experiência em defesas das fronteiras e conhecimento que contaram para sua indicação ao posto de governador do Estado, pelo irmão, então primeiro-ministro de d. José I. Foi, portanto, o braço do governo pombalino nas capitanias do norte, responsável pela demarcação dos limites estabelecidos no Tratado de Madri de 1750 entre Portugal e Espanha; pela criação de vilas; por incentivar o povoamento, criando, em 1755, a capitania do Rio Negro; por resolver as questões relativas aos indígenas e à mão de obra, introduzindo escravos africanos; pelo incentivo à agricultura, à coleta das drogas do sertão e pelo maior controle do comércio entre metrópole e colônia, visando a evitar o contrabando, além de ter sido o criador da Companhia de Comércio do Grão-Pará e Maranhão. Considerado por Furtado o maior problema do Estado, a presença e controle que os religiosos, sobretudo jesuítas, detinham na esfera religiosa e temporal, mereceram bastante atenção e ação enérgica do governador. Seguindo orientação da Coroa, foi o responsável por uma nova política em relação aos índios, promulgando uma série de leis e alvarás que lhes concedia liberdade e reconhecimento como vassalos do rei, e abolindo o domínio religioso sobre as missões e aldeamentos. Essas medidas culminaram na publicação, em 1757, do Diretório dos índios, conjunto de normas para civilização e integração dos indígenas na sociedade e no sistema colonial português. Essas medidas levaram paulatinamente, à expulsão dos jesuítas em 1759, e à introdução de escravos africanos nos territórios do norte. Furtado também cuidou da demarcação e defesa dos limites do Estado, depois de longa viagem descendo o rio Amazonas, que renderam um Diário de Viagem e conhecimento precioso das capitanias, que lhe possibilitaram tomar medidas necessárias para o melhor povoamento e fortificação das áreas mais estratégicas. Regressou a Lisboa em 1759 e três anos depois foi nomeado secretário de Estado da Marinha e Negócios Ultramarinos, cargo que exerceu até 1769, quando faleceu.

Sugestões de uso em sala de aula:
Utilização(ões) possível(is):
- No eixo temático sobre “História das representações e das relações de poder”
- Ao trabalhar o tema transversal “Ética”

Ao tratar dos seguintes conteúdos:
- O Homem e a Cultura 
- A sociedade colonial: aspectos religiosos e culturais  
- As relações sociais de poder na colônia
- Brasil colonial: organizações religiosas
- A influência religiosa no Brasil colonial 
- A ilustração no Brasil: a expulsão jesuítica causas e conseqüências

União dos reis católicos

Carta do conde de Oeiras para o vice-rei do Brasil, Antônio Rolim de Moura Tavares, relatando a união do rei de Portugal aos reis de França e Espanha  para pressionar a corte de Roma a efetuar a total extinção dos jesuítas. O documento demonstra a posição contrária tanto da corte quanto das autoridades locais à presença dos jesuítas, considerados cruéis e perigosos  a todos os reinos.

 

Conjunto documental: Correspondência da Corte Com o Vice-Reinado.
Notação: Códice 67, volume 03
Datas-limite: 1766-1767
Título do fundo ou coleção: Secretaria de Estado do Brasil
Código de fundo: 86
Argumento de pesquisa: Companhia de Jesus
Data do documento: 28 de janeiro de 1768
Local: Sítio de Nossa Senhora da Ajuda
Folha (s): 102 a 104

 

“Para o conde de Azambuja[1]

Il.mo e Ex. mo Sr.

Em carta de 11 de setembro  do ano próximo passado, avisei a V. Ex.a , que Sua Majestade[2] se achava unido com França[3] e Espanha[4], para em causa comum obrigarem a Corte de Roma[5] a total extinção dos Jesuítas[6] e pelo que pertence a esse porto, não tenho, que acrescentar, porque as negociações tem continuado, sobre a mesma base da dita união: e porque El Rei Cristianíssimo e El Rei Católico, tem o mesmo, ou maior interesse, que Sua Majestade  em serem debelados e aniquilados aqueles cruéis monstros. Principalmente havendo eles sido ultimamente expulsos dos reinos de Nápoles e Sicília.

Com o assunto da dita união, nos propôs a Corte de Madri um ordenado a se ajustarem particular, e secretissimamente, entre Suas Majestades Fidelíssima e Católica todas as dúvidas, que subsistem, sobre as divisões dos limites do Brasil, e da América Espanhola: Mostrando grandes desejos de concluir o referendo ajuste: e sobre essa propositada Corte de Madri, é que se estabeleceram as ordens (...) na dita minha Sereníssima carta de 11 de setembro próximo passado na parte respectiva as decenções que tinha havido no Rio Grande de São Pedro[7], e ao modo de V. Ex.a se sinceras a respeito delas com o General de Buenos Aires[8], d. Francisco Bocarelli. Deus guarde a V. Ex.a Sítio de Nossa Senhora da Ajuda a 28 de Janeiro de 1768. Conde de Oeiras[9].”

 

[1]TAVARES, D. ANTÔNIO ROLIM DE MOURA (1709-1782): nasceu na Vila de Moura, Baixo Alentejo, em 1709. Filho de família aristocrática portuguesa, foi nomeado governador da capitania de Mato Grosso em 1748 por decreto de d. João V. Embarcou de Lisboa para o Brasil em fevereiro de 1749, chegando ao seu destino, Cuiabá, apenas dois anos depois. Logo que assumiu o governo, fundou a Vila Bela da Santíssima Trindade – território de fronteira, ainda indefinida, entre as possessões espanholas e lusitanas na América. Expulsou os missionários espanhóis da região e estabeleceu novas alianças com os indígenas. Por seus serviços prestados como primeiro governador de Mato Grosso foi agraciado, em 1763, com o título de conde de Azambuja pelo rei d. José I. Em 1765, foi transferido para o governo da Bahia, onde ocupou o cargo de vice-rei do Brasil entre os anos de 1767 e 1769, sendo substituído pelo marquês de Lavradio. Ao retornar a Portugal, foi eleito sócio da Real Academia de Ciências de Lisboa e exerceu, ainda, os postos de presidente do Conselho da Fazenda, governador das Armas da Estremadura, capitão do regimento de infantaria da Corte e veador da casa da rainha d. Maria Ana de Áustria.

[2]JOSÉ I, D. (1714-1777): sucessor de d. João V, foi aclamado rei em setembro de 1750, tendo sido o único rei de Portugal a receber este título. Considerado um déspota esclarecido – monarcas que, embora fortalecessem o poder do Estado por eles corporificado, sofriam intensa influência dos ideais progressistas e racionalistas do iluminismo, em especial no campo das políticas econômicas e administrativas – ficou conhecido como o Reformador devido às reformas políticas, educacionais e econômicas propostas e/ou executadas naquele reinado. O governo de d. José I destacou-se, sobretudo, pela atuação do seu secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros e da Guerra, marquês de Pombal, que liderou uma série de reestruturações em Portugal e seus domínios. Suas reformas buscavam racionalizar a administração e otimizar a arrecadação e a exploração das riquezas e comércio coloniais. Sob seu reinado deu-se a reconstrução da parte baixa de Lisboa, atingida por um terremoto em 1755, a expulsão dos jesuítas do Reino e domínios ultramarinos em 1759, a guerra guaranítica (1754-56) contra os jesuítas e os índios guaranis dos Sete Povos das Missões, a assinatura do Tratado de Madri (1750), entre Portugal e Espanha que substituiu o Tratado de Tordesilhas, entre outros. Em termos administrativos, destacam-se a transferência da capital da colônia de Salvador para o Rio de Janeiro, a criação do Erário Régio e a divisão do antigo Estado do Grão-Pará e Maranhão em dois: Maranhão e Piauí, e Grão-Pará e Rio Negro.

[3]FRANÇA: localizada na Europa Ocidental, a França entrou tardiamente na disputa por territórios coloniais à época das grandes navegações, sobretudo devido a Guerra dos Cem Anos contra a Inglaterra, praticamente travada em território francês o que exauriu financeiramente e militarmente o país. Com sua conhecida contestação do Tratado de Tordesilhas (1494), que dividia o ultramar entre lusos e hispânicos, a França investiu na atividade corsária. No litoral brasileiro, a presença de embarcações francesas realizando escambo do pau-brasil com a população nativa era uma constante. Na segunda metade do século XVI, o rei francês Henrique II, apoiou a tentativa do Villegagnon em fundar a França Antártica na Baia de Guanabara e outras tentativas de colonização no território luso-americano. No quadro político moderno, a França passaria pelo processo de centralização do poder político, tornando-se exemplo máximo do absolutismo de direito divino, personificado na figura de Luís XIV, o rei-sol. Em fins do século XVIII, foi palco da principal revolução política do período, a Revolução Francesa: assinalou o fim do Antigo Regime no país e fez da França centro irradiador  do ideário das Luzes, ameaçando as estruturas de antigo regime europeu, influenciando movimentos de influência no continente americano e endossando importantes movimentos sociais ao redor do mundo. Seu alcance universal foi também atemporal, perpetuando-se, como modelo e em seus princípios, na história contemporânea.

[4]ESPANHA: a formação do Estado moderno espanhol se deu com o casamento de Isabel, do reino de Castela, com Fernando II, então herdeiro do trono de Aragão, permitindo a união de três reinos – Castela, Leão e Aragão – em 1479. Desta maneira, a região, fortalecida com a queda do reino mouro de Granada em 1492 e a incorporação de novos territórios, pôde lançar-se nas viagens marítimas, disputando com seu vizinho, Portugal, o protagonismo nas conquistas ultramarinas. A relação entre os dois reinos ibéricos vem de longa data, pioneiros das grandes navegações, em 1493 assinariam o Tratado de Tordesilhas, que dividia os territórios recém-descobertos e a descobrir entre lusos e hispânicos. Mas, as disputas territoriais foram uma constante entre os dois países, sobretudo o traçado das fronteiras no continente americano. Com o estabelecimento da União Ibérica em 1580, quando Felipe II, rei espanhol, assumiria a coroa portuguesa após a morte de d. Sebastião, que não havia deixado herdeiros, os limites fronteiriços foram ignorados, possibilitando a interiorização da colonização do Brasil. Com a restauração do trono português em 1640, acirraram-se as disputas territoriais entre os dois reinos, inúmeros tratados foram assinados na tentativa de solucionar os conflitos, como o Tratado de Madri de 1750, que pretendia dissipar completamente quaisquer dúvidas que, porventura, ainda persistissem na definição dos limites entre as possessões ibéricas na América. No entanto, a não aderência ao pacto de família levaria a novos conflitos na América. A ascensão de Napoleão Bonaparte ao trono francês em 1799 e a aliança com Espanha, através da assinatura do Tratado de Santo Ildefonso, ratificariam as animosidades entre os países ibéricos. Malograda em conseguir uma aliança com Portugal para fechar os portos europeus aos produtos ingleses, em 1801 foi deflagrada a Guerra das Laranjas: a Espanha invadiria territórios portugueses na Europa e na América; o conflito terminou com a assinatura do Tratado de Badajoz. Apesar da aliança, em 1807, o exército francês invadiria a Espanha, com a justificativa de aumentar a fileiras do exército franco-espanhol para a ocupação de Portugal (que não havia aderido ao Bloqueio Continental). Após ser destronado por Napoleão, o rei Fernando VII foi sucedido por José Bonaparte. A instabilidade política provocada pela ocupação francesa  favoreceu os movimentos de independência das colônias espanholas na América, pois sem um monarca, a possibilidade de desligar-se completamente da Espanha ganhava cada vez mais terreno. Quando o trono espanhol foi restituído, em 1814, as lutas de secessão não puderam mais ser contidas. Era o fim do império espanhol.

[5]CORTE DE ROMA: trata-se da corte papal que tinha sua sede em Roma, que possuía a autoridade de deliberar sobre as principais assuntos relacionados à Igreja Católica.

[6]JESUÍTAS: ordem religiosa fundada em 1540 por Inácio de Loyola e marcada por severa disciplina, profunda devoção religiosa e intensa lealdade à Igreja e à Ordem. Criada para combater principalmente o protestantismo, sua fundação respondeu à necessidade de renovação das ordens regulares surgida das determinações do Concílio de Trento (1545-1563). A instalação da Companhia de Jesus em Portugal e nos seus domínios ultramarinos deu-se ainda no século XVI. O primeiro grupo de missionários jesuítas chegou ao Brasil em 1549, na comitiva de Tomé de Souza. Seus membros eram conhecidos como ‘soldados de Cristo’, dadas as suas características missionárias. Responsáveis pela catequese, coube também, aos jesuítas, a transmissão da cultura portuguesa nas possessões americanas por meio do ensino, que monopolizaram até meados do século XVIII. Fundaram, por todo território colonial, missões religiosas e aldeamentos indígenas de caráter civilizador e evangelizador. Em fins do século XVII, o modelo missionário já estava bem consolidado, difundido por quase toda a América, e os jesuítas acumulando grande poder. Os primeiros jesuítas a chegar ao Maranhão, em 1615, foram os padres Manuel Gomes e Diogo Nunes, detentores de uma posição privilegiada na região, tanto na evangelização e defesa dos índios, quanto no monopólio do comércio e armazenamento das drogas. São de religiosos da Companhia de Jesus relatos sobre os primeiros séculos da colonização. O padre italiano João Antonio Andreoni (André João Antonil) publicou em 1711 Cultura e opulência no Brasil. História da Companhia de Jesus no Brasil escrito por Serafim Leite, os dois volumes de Tesouro descoberto no máximo Rio Amazonas (1722-1776) do padre João Daniel, Tratados da terra e gentes do Brasil de Fernão Cardim e os numerosos sermões e cartas da Antonio Vieira são testemunhos importantes e reveladores do Brasil colonial. Os jesuítas também foram os responsáveis por espalhar a língua dos Tupinambá, chamada língua geral (nheengatu), largamente falada no Brasil até meados do século XVIII. O grande poderio e influência dos jesuítas na América portuguesa foram contestados durante a administração pombalina (1750-1777), gerando um conflito de interesses entre a Companhia de Jesus e o governo, que culminou com a expulsão dos membros dessa ordem religiosa em 1759. Cabe ressaltar que a decisão de expulsar os jesuítas de Portugal e de seus domínios, tomada pelo marquês de Pombal, não buscava reduzir o papel da Igreja, mas derivava da intenção de secularizar a educação, dentro dos moldes ilustrados.

[7]RIO GRANDE DE SÃO PEDRO: situado ao sul do estuário do rio da Prata, foi uma região descoberta ainda no século XVI, quando Martim Afonso de Souza realizou expedições para assegurar a manutenção dos territórios sob o domínio português, expulsando corsários franceses e fixando novos núcleos de povoamento. A capitania do Rio Grande de São Pedro do Sul teve sua ocupação estabelecida tardiamente e ao longo do período colonial viveu sob intensas disputas territoriais, por se tratar de uma região limítrofe do império português na América, era uma base de operações militares e motivo de preocupação aos administradores do reino. Em agosto de 1736, foi criada a freguesia de São Pedro, pertencente a capitania de Santa Catarina, subalterna ao Rio de Janeiro. No ano seguinte, deu-se oficialmente o início de sua colonização, com o estabelecimento de fortificações militares para resguardar a região, sob o comando do brigadeiro José da Silva Paes. Em 1750, com a vinda de colonos provenientes dos Açores e Ilha da Madeira, o povoado de São Pedro foi elevado à condição de vila. Inicialmente, propunha-se que esta imigração se baseasse na agricultura familiar de pequena propriedade, em convivência estreita com as grandes estâncias pecuaristas. As dificuldades enfrentadas pelas famílias, contudo (pragas, falta de segurança, escasso mercado para seus produtos) empurraram a grande maioria delas para uma integração com o sistema predominante. Dez anos mais tarde, devido ao crescimento populacional, é criada a capitania do Rio Grande de São Pedro, ainda sob a dependência do Rio de Janeiro. As relações socioeconômicas do Rio de Janeiro com o território do Rio Grande de São Pedro referem-se a todo um esforço de manutenção da Colônia do Sacramento como entreposto do comércio luso-brasileiro, os comerciantes do Rio de Janeiro eram os mais interessados na manutenção daquele porto no rio da Prata. Apenas em 1807, o governo do Rio Grande se separou do Rio de Janeiro como divisão administrativa subalterna, tornando-se capitania geral e assumindo o comando da capitania de Santa Catarina. A capitania aderiu a causa brasileira pela independência, e ao longo do período imperial foi palco de importantes disputas territoriais e questões de limites.

[8]BUENOS AIRES: fundada em 1536 pelo colonizador Pedro de Mendoza, foi chamada inicialmente de Santa María del Buen Ayre. A região foi intensamente disputada por brancos e índios e, como consequência desses conflitos, a primeira vila acabou destruída. Apenas em 1580, a Espanha conseguiu enviar novas tropas que, sob o comando de d. Juan de Garay, reconstruíram a Ciudad de la Santísima Trinidad y Puerto de Santa María del Buen Ayre, com 76 colonos e 200 famílias guaranis, em um local próximo onde hoje fica Mendoza. Desde sua criação, a cidade sofreu tentativas de invasão de corsários, piratas e aventureiros ingleses, franceses e dinamarqueses. A escassez de metais preciosos na região propiciou o desenvolvimento da pecuária bovina. O porto de Buenos Aires tornou-se um dos mais importantes do estuário do rio da Prata, favorecendo sua elevação à capital do vice-reino do Rio do Prata em 1776. A cidade viveu um exponencial progresso entre 1780 e 1800, recebendo além de uma forte imigração, fundamentalmente de espanhóis, e em menor medida de franceses e italianos; e se povoou fundamentalmente de comerciantes e alguns donos de terras estanqueiros. Em 1816, no Congresso de Tucumán, foi declarada a independência do vice-reinado em relação à Espanha, elaborada a constituição, três anos depois, e declarada a província de Buenos Aires como capital. Deu-se início a uma série de reformas em que se destacam a criação do Arquivo Geral de Buenos Aires, da Bolsa Mercantil, da Universidade de Buenos Aires e da Sociedade de Ciências Físicas e Matemáticas.

[9]MELO, SEBASTIÃO JOSÉ DE CARVALHO E (1699-1782): estadista português, nascido em Lisboa, destacou-se como principal ministro no reinado de d. José I (1750-1777). Filho do fidalgo da Casa Real Manuel de Carvalho e Ataíde e de d. Teresa Luísa de Mendonça e Melo, Sebastião José de Carvalho e Melo frequentou a Universidade de Coimbra; foi sócio da Academia Real da História Portuguesa (1733); ministro plenipotenciário de Portugal em Londres e Viena entre os anos de 1738 e 1749, sendo nomeado secretário de Estado dos Negócios do Reino de Portugal com a ascensão de d. José I ao poder. Ficou no governo durante 27 anos, período em que realizou uma série de reformas que alteraram sobremaneira a natureza do Estado português. As reformas pombalinas, como ficaram conhecidas, em consonância com a Ilustração ibérica, marcaram um período da história luso-brasileira, caracterizadas pelo despotismo esclarecido de Pombal – uma conciliação entre a política absolutista e os ideais do Iluminismo. Preocupado em modernizar o Estado português e tirar o Império do atraso econômico em relação a outras potências europeias, o primeiro-ministro buscou reestabelecer o controle das finanças, controlando todo comércio ultramarino, além de fortalecer o poder estatal, consolidando a supremacia da Coroa perante a nobreza e a Igreja. Entre as principais medidas empreendidas por Pombal durante seu governo, podemos destacar: a criação de companhias de comércio, como a Companhia Geral do Grão-Pará e Maranhão (1755-1778) e a de Pernambuco e Paraíba (1759-1780); a expulsão dos jesuítas do reino e domínios portugueses (1759); a reorganização do exército; a transferência da capital do Estado do Brasil de Salvador para o Rio de Janeiro (1763) e a reforma do ensino, em especial a da Universidade de Coimbra (1772). Pombal sobressaiu-se, ainda, por ter sido o responsável pela reconstrução de Lisboa, destruída por um terremoto em 1755. Foi agraciado com o título de conde de Oeiras, em 1759, e de marquês de Pombal em 1769. Com a morte de d. José I e a consequente coroação de d. Maria I, Pombal foi afastado de suas funções e condenado ao desterro. Em decorrência de sua idade avançada, Carvalho e Melo recolheu-se à sua Quinta de Oeiras, onde permaneceu até sua morte.


Sugestões de uso em sala de aula:
Utilização(ões) possível(is):
- No eixo temático sobre “História das representações e das relações de poder”
- Ao trabalhar o tema transversal “Ética”

Ao tratar dos seguintes conteúdos:
- A organização administrativa do Brasil colonial
- As relações sociais de poder na colônia
- A sociedade colonial: movimentos religiosos e culturais  
- A ilustração no Brasil: a expulsão jesuítica, causas e conseqüências

Tratado de Madri

Carta enviada pelo governador do Rio de Janeiro, Gomes Freire de Andrada, conde de Bobadela, ao rei d. João V, exteriorizando sua satisfação pelas negociações do Tratado de Madri  e afirmando os benefícios que esse tratado representava para Portugal.  Este documento é interessante por abordar uma das questões mais delicadas  do período colonial, qual era a questão dos limites territoriais,  além de permitir uma melhor percepção do complexo jogo de interesses que estava em questão na elaboração dessas querelas. 

 

Conjunto documental: Correspondência ativa e passiva dos governadores do Rio de Janeiro com a Corte. Registro original.
Notação: Códice 80, volume 09
Datas-limite: 1750-1761
Título do fundo ou coleção: Secretaria de Estado do Brasil
Código do fundo: 86
Argumento de pesquisa: colégios jesuítas
Data do documento: 12 de Junho de 1750
Local: Rio de Janeiro
Folha(s): 2 a 3
 

“Registro das cartas que o Ex.mo Gomes Freire de Andrada[1] escreve a S. Majestade[2] pelo seu Conselho Ultramarino[3] e pela Secretaria de Estado em 12 de junho de 1750 e 10 de julho de 1750 remetidas pela cidade da Bahia.

Il.mo e Ex.mo Senhor. O dia 6 de junho será para a minha memória sempre feliz, tanto pelo nascimento do Príncipe Nosso Senhor, em cujo festejo estava quando entrou à barra a carta de V. Ex.ª com certeza por mim há tantos anos suspirada, de se haver firmado o tratado da divisão[4]. Nele vejo, passa a nossa demarcação por parte das missões jesuítas[5], e surpreende-me, como esta poderosa religião na Corte de Madri não embaraçou a conclusão deste tratado. O meu receio prendia, e ainda prende, nos importantes tesouros, que aos padres rentão as missões que banham o Paraguai[6], Paraná[7] e Uruguai[8], as quais agora ficam abertas, divisas e registradas (...) Justamente temia, que este canhão na Corte de Madri estourasse com mais fina pólvora, e diferente peso de bala, não foi assim; porém, como pode ser, se guarde o tiro para fazer efeito no coração de meu conferente, seus dependentes, ou adjuntos para que armem tantas dificuldades e inteligências ao tratado e execução dele, que tenhamos barreira para muitos anos: Parece-me lembrar a V. Ex.ª, se o conferente estiver ainda dessa parte utilíssimo seria captar-lhe a pia afeição, e não o estando, determinas Sua Majestade desta, o que entender mais útil, quando se necessite de adoçar a cerimônia castelhana, ou a sua natural ambição, e livra-nos de dúvidas na evacuação das Missões, o que será de grande demora .... Como me persuado, Sua Majestade determinará se não evacue a Praça da Colônia[9], enquanto o não houverem sido as missões do Uruguai[10], se os conferentes estiverem de boa fé, então pouco considero que eles nos embaracem desta parte a demarcação.

Trabalho por encontrar alguma pessoa capaz de suprir, ou acompanhar os geógrafos e enquanto a fazer mapas, e configurações de terreno, entendo, temos pessoas muito hábeis, e bem instruídas pelo tenente general José Fernando Pinto e Alpoim[11].

Beijo a real mão de Sua Majestade pela honra que me resulta a declarar, sou capaz de obrar com acerto, e utilidade da Pátria, e do seu Real serviço. Se eu for tão feliz que saiba executar a minha comissão, pedireis a Sua Majestade em prêmio, me continue até o fim da minha vida repetidas fatigas, porque estas me trazem alguma alegria .... Rio de Janeiro, 12 de junho de 1750. Il.mo e Ex.mo Senhor Marco Antonio de Azevedo Coutinho. Gomes Freire de Andrada.

 

[1]ANDRADA, GOMES FREIRE DE (1685-1763): nascido no Alentejo, onde serviu no regimento por mais de vinte anos, sobressaiu-se no cenário militar e político, tornando-se governador e capitão-general do Rio de Janeiro em 1733. Sua administração por quase trinta anos foi particularmente importante no Rio de Janeiro onde criou a primeira oficina tipográfica da cidade, posteriormente fechada por ordem da Coroa, erigiu o Aqueduto da Carioca e outros monumentos em que se destaca a construção do palácio dos governadores, atual Paço Imperial. Ainda no campo da cultura impulsionou a criação das Academias dos Felizes e dos Seletos no Rio de Janeiro e como sublinhou Maria de Fátima Silva Gouvea, custeou a educação de muitos jovens no Seminário São José, como do mineiro Basílio da Gama, autor do poema épico a ele dedicado O Uraguai. Foi também governador das capitanias de Minas Gerais (1735-1752), São Paulo (1737-1739), Goiás e Mato Grosso (1748). Em 1758, foi agraciado com o título de conde de Bobadela. Em sua carreira política agiu prontamente no controle do produto das minas, combatendo o contrabando e organizando a coleta dos quintos reais. Esteve à frente no processo de formação de fronteiras na região sul, na qualidade de comissário para a demarcação dos limites previstos no Tratado de Madri, de 1750. Nesse mesmo ano, Gomes Freire de Andrada liderou a violenta Guerra Guaranítica ou das Missões, que reuniu portugueses e espanhóis no Sul contra a rebelião dos índios. Foi sepultado no Rio de Janeiro.

[2]JOÃO V, D. (1689-1750): conhecido como “o Magnânimo”, d. João V foi proclamado rei em 1706 e teve que administrar as consequências produzidas na colônia americana pelo envolvimento de Portugal na Guerra de Sucessão Espanhola (1702-1712), a perda da Colônia do Sacramento e a invasão de corsários franceses ao Rio de Janeiro (1710-11). Se as atividades corsárias representavam um contratempo relativamente comum à época e nas quais se envolviam diversas nações europeias, a ocupação na região do Rio da Prata seria alvo de guerras e contendas diplomáticas entre os dois países ibéricos durante, pelo menos, um século, já que as colônias herdariam tais questões fronteiriças depois da sua independência. As guerras dos Emboabas (1707-09) na região mineradora e dos Mascates (1710-11) em Pernambuco completaram o quadro de agitação desse período. Entre as medidas políticas mais expressivas de seu governo, encontram-se: os tratados de Utrecht (1713 e 1715), selando a paz com a França e a Espanha respectivamente, e o tratado de Madri (1750), que objetivava a demarcação dos territórios lusos e castelhanos na América, intermediado pelo diplomata Alexandre de Gusmão. Este tratado daria à colônia portuguesa na América uma feição mais próxima do que atualmente é o Brasil. Foi durante seu governo que se deu o início da exploração do ouro, enriquecendo Portugal e dinamizando a economia colonial. O fluxo do precioso metal contribuiu para o fausto que marcou seu reinado, notadamente no que dizia respeito às obras religiosas, embora parte dessa riqueza servisse também para pagamentos de dívidas, em especial com a Inglaterra. Mesmo assim, as atividades relacionadas às artes receberam grande incentivo, incluindo-se aí a construção de elaborados edifícios (Biblioteca de Coimbra, Palácio de Mafra, Capela de São João Batista – erguida em Roma com financiamento luso e, posteriormente, remontada em Lisboa) e o desenvolvimento do peculiar estilo barroco, que marcou a ourivesaria, a arquitetura, pintura e esculturas do período tanto em Portugal quanto no Brasil. Seu reinado antecipa a penetração das ideias ilustradas no reino, com a fundação de academias com apoio régio, a reunião de ilustrados, a influência da Congregação do Oratório, em contrapartida à Companhia de Jesus.

[3]CONSELHO ULTRAMARINO: criado em 1642, à semelhança do Conselho da Índia que atuara durante a União Ibérica, tinha como objetivo padronizar a administração colonial. Sua alçada incluía os Estados do Brasil, Índia, Guiné, São Tomé, e outras partes da África, provendo os cargos relacionados à administração colonial. Responsabilizava-se pelas finanças das possessões portuguesas, a defesa militar das mesmas, a aplicação de justiça. Desde a cobrança de impostos, até o tráfico de escravos, passando pela emissão de documentos e as ações de defesa territorial, pouco acontecia nas colônias que não tivesse que passar pelo conselho, que tinha prerrogativas de fiscalização e também executivas. O processo decisório no âmbito do conselho e a efetivação das suas decisões transcorriam de forma lenta, devido à necessidade de informes e contra-informes em variadas instâncias, somadas às distâncias abissais entre as várias localidades do império colonial português. Já no período do marquês de Pombal, o conselho entrou em declínio, e suas atribuições foram pouco a pouco assumidas por outras secretarias de Estado, que administravam de forma mais ágil por dispensarem as várias instâncias de comunicação e decisão.

[4] TRATADO DE MADRI (1750): acordo de limites firmado entre Portugal e Espanha em 1750, visando reconhecer oficialmente as fronteiras marítimas e terrestres, definindo os limites do poderio de cada coroa sobre as colônias na América. Nesse contexto, merece destaque a figura de Alexandre de Gusmão, secretário do Conselho Ultramarino, brasileiro que intermediou o tratado e conferiu a este o princípio do uti possidetis, isto é, a ideia de que a terra deveria pertencer a quem de fato a ocupasse. Essa iniciativa constituiu uma inovação jurídica no domínio das negociações diplomáticas. Gusmão também foi o responsável pela elaboração do Mapa dos Confins do Brazil com as terras da Coroa de Espanha na America Meridional, conhecido como mapa das Cortes, que buscou ilustrar o estipulado no texto do projeto de tratado proposto, uma construção cartográfica com objetivos diplomáticos. No mapa apareciam as terras em disputa que já estariam efetivamente ocupadas pelos súditos portugueses na América e foi fundamental para o aceite espanhol de quase todas as cláusulas que vieram de Lisboa. Em suas determinações, o tratado estabelecia que a colônia do Sacramento pertenceria à Espanha e o território dos Sete Povos das Missões a Portugal. Ao Norte, no vale Amazônico, também foram atendidos os interesses portugueses, garantindo a defesa daquele território diante da possibilidade de investidas de estrangeiros na região e consolidando o controle político-administrativo do estado do Grão-Pará e Maranhão; além de garantir a integração dessa região com a capitania de Mato Grosso, mantendo o controle dos rios existentes no vale do Guaporé. Pela primeira vez, desde o Tratado de Tordesilhas (1494), procurava-se definir a totalidade dos limites entre as possessões das coroas ibéricas no novo mundo. Este tratado acabou por fornecer à América portuguesa uma configuração muito próxima à atual delimitação territorial do Brasil. A demarcação de tais fronteiras, demasiado extensas, não foi um processo simples: após a assinatura do tratado, as coroas ibéricas organizaram expedições demarcatórias constituídas por diversos profissionais formados nas áreas de engenharia, cartografia, matemática, desenho, astronomia, entre outros, com o objetivo de reconhecer, cartografar e delimitar as fronteiras do território colonial. No entanto, um clima de desconfiança entre os participantes das comissões de demarcação ameaçava a conclusão dos trabalhos, além das dificuldades em retirar os jesuítas e índios da região dos Sete Povos e outros problemas encontrados na demarcação territorial, explicam a pouca duração desse tratado, anulado, em 1761, pelo Tratado de El Prado. Cabe ressaltar que o Tratado de Madri desempenhou um papel de extrema importância na formação territorial do Brasil pois expôs as reais proporções da ocupação portuguesa na América, resultado da expansão territorial para além do tratado de Tordesilhas durante mais de dois séculos de colonização.

[5]JESUÍTAS: ordem religiosa fundada em 1540 por Inácio de Loyola e marcada por severa disciplina, profunda devoção religiosa e intensa lealdade à Igreja e à Ordem. Criada para combater principalmente o protestantismo, sua fundação respondeu à necessidade de renovação das ordens regulares surgida das determinações do Concílio de Trento (1545-1563). A instalação da Companhia de Jesus em Portugal e nos seus domínios ultramarinos deu-se ainda no século XVI. O primeiro grupo de missionários jesuítas chegou ao Brasil em 1549, na comitiva de Tomé de Souza. Seus membros eram conhecidos como ‘soldados de Cristo’, dadas as suas características missionárias. Responsáveis pela catequese, coube também, aos jesuítas, a transmissão da cultura portuguesa nas possessões americanas por meio do ensino, que monopolizaram até meados do século XVIII. Fundaram, por todo território colonial, missões religiosas e aldeamentos indígenas de caráter civilizador e evangelizador. Em fins do século XVII, o modelo missionário já estava bem consolidado, difundido por quase toda a América, e os jesuítas acumulando grande poder. Os primeiros jesuítas a chegar ao Maranhão, em 1615, foram os padres Manuel Gomes e Diogo Nunes, detentores de uma posição privilegiada na região, tanto na evangelização e defesa dos índios, quanto no monopólio do comércio e armazenamento das drogas. São de religiosos da Companhia de Jesus relatos sobre os primeiros séculos da colonização. O padre italiano João Antonio Andreoni (André João Antonil) publicou em 1711 Cultura e opulência no Brasil. História da Companhia de Jesus no Brasil escrito por Serafim Leite, os dois volumes de Tesouro descoberto no máximo Rio Amazonas (1722-1776) do padre João Daniel, Tratados da terra e gentes do Brasil de Fernão Cardim e os numerosos sermões e cartas da Antonio Vieira são testemunhos importantes e reveladores do Brasil colonial. Os jesuítas também foram os responsáveis por espalhar a língua dos Tupinambá, chamada língua geral (nheengatu), largamente falada no Brasil até meados do século XVIII. O grande poderio e influência dos jesuítas na América portuguesa foram contestados durante a administração pombalina (1750-1777), gerando um conflito de interesses entre a Companhia de Jesus e o governo, que culminou com a expulsão dos membros dessa ordem religiosa em 1759. Cabe ressaltar que a decisão de expulsar os jesuítas de Portugal e de seus domínios, tomada pelo marquês de Pombal, não buscava reduzir o papel da Igreja, mas derivava da intenção de secularizar a educação, dentro dos moldes ilustrados.

[6]PARAGUAI: a região de domínio espanhol, compreendida entre os rios Paraguai e Paraná e habitada por povos indígenas Guarani, Paiaguá e Guayaki, entre outros, tornou-se conhecida para os interesses europeus a partir das expedições do explorador português Alejo Garcia e de Sebastião Caboto que subiu o Paraná. Os primeiros núcleos coloniais foram criados sob a liderança de Domingos Martinez de Irala entre 1536 e 1556. A cidade de Assunção, fundada em 15 de agosto de 1537, converteu-se num centro importante por onde passava toda a prata explorada no Peru rumo a Europa. A ocupação dessa região seguiu a tradicional colonização espanhola com a exploração das riquezas naturais e o trabalho forçado indígena. A presença da Companhia de Jesus deu-se partir de 1609, com a fundação de aldeias missionárias e permaneceu até a sua expulsão em 1767. Nos aspectos administrativos, esteve ligada a Argentina até 14 de maio de 1811, quando um movimento separatista paraguaio, liderado por Fulgêncio Yegros, Pedro Juan Caballero e Vicente Iturbide, conseguiu depor o governador da região, Bernardo Velasco, proclamando a independência do país.

[7]PARANÁ: região anexa aos territórios paulistas até meados do século XIX, foi colonizada a partir do século XVI. Inicialmente, o interesse luso recaiu sobre os produtos naturais, como a madeira de lei, passando, ao longo do século XVII, para a exploração das minas de ouro recém-descobertas. Com a descoberta do minério em Minas Gerais, a região perderia importância na economia aurífera e as grandes extensões de terra, já ocupadas por famílias ricas, passaram a ser utilizadas na pecuária, voltada, sobretudo, para abastecimento da região mineradora. As vilas de Curitiba e Paranaguá foram seus pontos de desenvolvimento urbano. Em 1853, a província de São Paulo foi desmembrada, dando origem a província do Paraná.

[8]CISPLATINA: os interesses da Coroa portuguesa na Banda Oriental, atual República do Uruguai, eram antigos e foram reforçados com a vinda da Corte para o Brasil em 1808 e pela conjuntura política europeia após a derrota de Napoleão Bonaparte. A conquista da região platina era vista como uma forma de compensação das perdas que Portugal sofreu no Congresso de Viena (1814-15): a restituição de Caiena à França e a recusa por parte da Espanha em restituir a vila de Olivença aos portugueses. Por outro lado, o processo de emancipação das colônias hispano-americanas deu lugar a uma série de novas composições políticas e rupturas, como a do governador de Montevidéu, Francisco Javier de Elío que em 1808 rompe com o vice-rei, se alia a Madri e forma uma junta de governo autônoma. Pressionado pela reação de Buenos Aires, que se aliara ao estancieiro José Artigas, da elite local, Elío aceitou a força “pacificadora” enviada pelo príncipe regente, em 1811. O mesmo Artigas se voltaria contra Buenos Aires, controlando Montevidéu e outras províncias. Mais uma vez as tropas de d. João, sob os protestos da Inglaterra e da Espanha, invadem a Banda Oriental em nome do risco representado pelo projeto de Artigas, de formar uma confederação e que poderia contaminar o sul da América portuguesa, área sensível dessa fronteira. A conquista de Montevidéu pelas tropas luso-brasileiras comandadas pelo general Carlos Frederico Lecor ocorreu em 1817. O território se tornaria província do Brasil com o nome de Província Cisplatina (província de Montevidéu) após a realização do Congresso Cisplatino que votou a favor da sua anexação ao Reino Unido de Portugal e Algarves em 1821. Com a independência do Brasil, a Província Cisplatina continuou a integrar o Império e seria ainda objeto de outros conflitos na região do Prata. Em 1828 a Banda Oriental ou Província Cisplatina se tornou a República Oriental do Uruguai.

[9]COLÔNIA DO SACRAMENTO: a fundação da colônia portuguesa de Santíssimo Sacramento, em 1680, na região próxima de Buenos Aires, do outro lado do rio da Prata, desencadeou uma série de conflitos entre Espanha e Portugal, sendo assim objeto de vários tratados e acordos de limites territoriais dessas monarquias entre 1681 e 1777. Sacramento foi sitiada pelos espanhóis em quatro ocasiões: 1704 a 1705, 1735 a 1737, em 1761 e 1772 a 1777. A fronteira meridional da América portuguesa esteve em aberto até o século XIX, o que revela uma trajetória luso-espanhola de disputas por expansão territorial, envolvendo também os grupos sociais ali presentes. As relações interétnicas na região do rio da Prata também sinalizam confrontos e alianças das forças colonizadoras com populações indígenas. As experiências de evangelização e assimilação da cultura cristã por meio dos aldeamentos missionários [ver missões] expressam outro elemento dos enfrentamentos. Ainda no contexto do extenso conflito de restauração e tratado de paz entre Portugal e Espanha, d. Pedro, príncipe regente português, determinou, em 1680, que Manuel Lobo estabelecesse a colônia de Santíssimo Sacramento na região americana do rio da Prata. Diante da Igreja, a diplomacia portuguesa articulou a criação da diocese do Rio de Janeiro, em 1676, com jurisdição até o Prata. No primeiro momento, o empreendimento conduzido por Manuel Lobo, durou apenas meses, tomado por ataques espanhóis coordenados pelo governador de Buenos Aires. Entre 1683 e 1705, sob tutela do governo do Rio de Janeiro, a Colônia do Sacramento recebeu homens e mulheres, incentivados pela Coroa portuguesa a promoverem a sua povoação. Contudo, o referido período se encerra com a tomada do posto avançado de domínio lusitano nessa extremidade, derrotado por um exército hispano-guarani. Na primeira metade do século XVIII, as campanhas portuguesas de recrutamento para a defesa de Sacramento foram recorrentes e, às vezes, compulsórias. O tratado de paz luso-espanhol de Utrecht, em 1715, devolveu a Colônia de Sacramento aos portugueses. Em 1722, António Pedro Vasconcelos assumiu o cargo de governador da Colônia do Sacramento, função que exerceu até 1749, e, a despeito das denúncias e das investigações envolvendo o seu governo, esse foi um período de expansão e desenvolvimento de Sacramento. No comando de Vasconcelos, aconteceram intensas relações comerciais entre agentes sociais luso-espanhóis naquela região, o que também revela uma dinâmica local de autoridade e poder para além das posições antagônicas de Portugal e Espanha. O Tratado de Madri, em 1750, estabeleceu a troca da Colônia do Sacramento, domínio português, por Sete Povos, possessão espanhola. No acordo foi prevista a transferência dos índios Guarani de Sete Povos para outro território espanhol, incluindo a cooperação entre forças colonizadoras contra a resistência dos indígenas. Em 1777, no tratado de Santo Ildefonso, Portugal cede Sacramento e Sete Povos aos espanhóis.

[10]SETE POVOS DAS MISSÕES: território situado no atual estado do Rio Grande do Sul, a leste do rio Uruguai, foi constituído por sete povoações indígenas (São Nicolau, São Luís, São Lorenzo, São Borja, Santo Ângelo, São João Batista e São Miguel) controladas por jesuítas espanhóis. Localizada em região de permanentes disputas entre Portugal e Espanha, com a assinatura do Tratado de Madri (1750) passou ao domínio português. Como consequência desse tratado, ocorreu a chamada Guerra Guaranítica (1754-56). Contando com o apoio dos jesuítas, os guaranis missioneiros começaram a impedir os trabalhos de demarcação da fronteira e anunciaram a decisão de não sair de Sete Povos, justificando-se a resistência ao tratado em nome do direito legítimo dos índios de permanecer nas suas terras. Tropas espanholas e portuguesas foram enviadas ao local, encarregadas de cumprir o Tratado de Madri e a guerra explodiu em 1754. O saldo do violento conflito foi o massacre de milhares de índios pelas tropas ibéricas e a anulação do tratado. O processo de definição de fronteiras entre Portugal e Espanha nessa região levaria, ainda, à assinatura dos tratados de Santo Ildefonso (1777) e Badajós (1801). Sob o aspecto político, o conflito pode ser visto como mais um fator favorável ao crescimento do sentimento anti-jesuítico em Portugal, visto que a resistência inaciana ameaçava os interesses do reino na América, o que culminou com a expulsão dos jesuítas do território brasileiro pelo marquês de Pombal em 1759.

[11]ALPOIM, JOSÉ FERNANDES PINTO (1695-1765):  Trata-se do Sargento-mor, e engenheiro português enviado ao Brasil para fazer funcionar uma aula de “teoria da artilharia e uso dos fogos artificiais”, determinada por Ordem Régia em 1738. Além de ter dado importante contribuição para desenvolvimento do ensino militar no Rio de Janeiro, o sargento-mor Alpoim foi o responsável pelas plantas para o novo palácio dos governadores de Ouro Preto (1741), pelo projeto do conjunto do antigo terreno do Paço no Rio de Janeiro (hoje Praça XV de novembro) e pelas edificações ali feitas para Teles de Meneses (do que resta apenas o Arco dos Teles).


Sugestões de uso em sala de aula:
Utilização(ões) possível(is):
- No eixo temático sobre a "História das relações sociais da cultura e do trabalho"
- No eixo temático sobre a “História das representações e das relações de poder”
- Ao trabalhar as questões das relações internacionais e globalização 

Ao tratar dos seguintes conteúdos:
- Administração colonial 
- Sociedade colonial
- Relações sociais internacionais no Brasil colonial 

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