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Companhia de Jesus

Comentário

Escrito por cotin | Publicado: Segunda, 05 de Fevereiro de 2018, 16h31 | Última atualização em Sexta, 03 de Agosto de 2018, 19h23

Vivien Ishaq
Pesquisadora do Arquivo Nacional
Doutora em História - UFF

O papa Paulo III conferiu a existência canônica da Companhia de Jesus ao assinar, em 27 de setembro de 1540, a Bula Regimini Militantis ecclesiae, concretizando o projeto do espanhol Inácio de Loyola e de seus dez companheiros[1] de fundar uma nova ordem religiosa. O impacto causado pelas devastadoras críticas luteranas à Igreja católica romana direcionou o projeto de reforma da Igreja e dos seus quadros. A partir de 1540, muitas das instituições do mundo católico, como as confrarias, as ordens religiosas, as faculdades teológicas das universidades, os cabidos da catedral, e outros corpos sociais já se mobilizavam em torno da idéia de reforma da Igreja. Os inimigos da ortodoxia católica não eram poucos:, alumbrados[2], conversos, erasmianos e protestantes. Todo esse quadro acabou conduzindo à abertura do Concílio de Trento, em 1545, pretendendo estender a Contra-reforma por todo mundo católico uma vez cindida a fé no centro e norte da Europa.

Inácio de Loyola era um soldado que havia recebido a rara educação cavalheiresca e acadêmica correspondente à sua classe social, contudo, teve sua carreira militar interrompida após ser ferido na batalha de Pamplona. Sua convalescência foi passada na abadia beneditina de Montserrat, na região catalã, selando assim o sentido de sua vocação surgida no cotidiano deste mosteiro já reformado e a leitura de obras de devoção que divulgavam as novas práticas da espiritualidade monástica, como a Imitação de Cristo de Thomas Kempis. A espiritualidade preconizada pela Devotio moderna, caracterizada por uma devoção mais pessoal, inspirou Inácio a escrever, em 1523, sua obra central, os Exercícios Espirituais para vencer a si mesmo ordenar a própria vida sem se determinar por nenhuma afeição desordenada, que foram publicados, na sua forma final, em 1548.

A Companhia de Jesus tinha como meta principal a defesa e propagação da fé visando o progresso das almas na vida e na doutrina cristãs. Na documentação jesuítica, sobretudo, na Fórmula, carta fundamental da ordem que foi redigida em 1550 e nas Constituições, impressas em sua versão latina, em 1559, os membros da Companhia foram autodefinidos como professores da cristandade (Christinitas or Christianismum), das crenças e das práticas fundamentais da religião católica. A Fórmula descreveu o membro da Companhia “como um soldado de Deus sob a bandeira da cruz” – militare Deo sub vexillo crucis. Militare Deo era um sinômino medieval para designar um membro de uma ordem religiosa; tal imagem era uma herança comum do mundo da religião católica da Europa, como já indicava o título Manual do soldado cristão, de Erasmo de Rotterdam[3].

A trajetória de conversão de Inácio de Loyola ajudou a construir a idéia central que nortearia, inicialmente, o modo de ser do jesuíta: seus membros deveriam estar preparados para passar parte de suas vidas em missões como pregadores itinerantes, vivendo de ofertas voluntárias e estabelecer algumas residências permanentes sustentadas por esmolas, denominadas casas professas. A Companhia consolidou uma das estratégias pastorais que caracterizaram o catolicismo do início do período moderno, que foi a chamada missão a aldeias e vilas que no século XVII foi estendida para incluir cidades e dioceses inteiras.

Os jesuítas eram por definição uma ordem de clérigos regulares, pronunciavam os três votos de obediência, castidade e pobreza, que eram vividos numa comunidade. Contudo, outra cláusula determinava que eles tinham que pronunciar um voto especial a Deus, o denominado o Quarto Voto dos jesuítas, que os obrigava a realizarem missões em qualquer lugar do mundo quando fossem designados pelo papa, sendo em essência um voto de mobilidade, um compromisso de viajar pelo mundo levando a fé católica, diferente do “voto de estabilidade que tornava um homem num monge, que prometia viver toda a sua vida no mosteiro, onde buscaria sua santificação”[4], assim, esse voto quebrava séculos de tradição monástica,diferenciando-os dos monges e dos mendicantes da Idade Média.

A bula Regimini determinou que os jesuítas eram isentos da jurisdição dos bispos e outra diferença os distinguia dos padres diocesanos e também das antigas ordens monásticas era os objetivos da Companhia expressos na Fórmula do Instituto[5], em sua versão de 1550, que determinou a realização de pregação pública, leituras e quaisquer outros ministérios por meio dos Exercícios Espirituais, a educação das crianças e das pessoas analfabetas no cristianismo, a consolação por meio de confissões e administração de outros sacramentos, assistir os prisioneiros e os doentes nos hospitais, e atuando em qualquer outro trabalho de caridade correspondente. Contrariamente a outras ordens religiosas, ficou estabelecido que a Companhia de Jesus não obrigaria seus membros a recitar ou cantar em conjunto as horas litúrgicas assim como ter penitências obrigatórias ou jejuns.

Quando a Companhia de Jesus foi fundada todos os seus dez primeiros membros tinham sido ordenados. Quando Inácio faleceu, do total de mil jesuítas, apenas 48 eram ordenados. A Companhia era formada pelos membros que estavam aguardando a ordenação, denominados escolásticos e pelos coadjutores temporais que nunca seriam ordenados. Os escolásticos faziam pregações, dirigiam as pessoas nos Exercícios espirituais e eram atuantes na catequese e realizando as obras de misericórdia e ocupavam-se com o ensino dos colégios e os coadjutores ensinavam catecismo, visitavam prisões e hospitais. A grande maioria dos jesuítas não era ordenada, que estavam autorizados, por diversos documentos papais, a pregar e realizar vários ministérios, exceto ouvir confissões e distribuir comunhão [6].

Desde o século XV que existiam nas cidades italianas escolas de doutrina cristã, onde eram ensinadas apenas aulas de catecismos, aos domingos e em dias de festas, ministradas por leigos. No século XVI, com a Reforma protestante, o ensino dos princípios básicos da doutrina cristã, que era antes apenas preocupação de poucos indivíduos e dos círculos da elite se expandiu para atingir maiores parcelas da sociedade, integrando a guerra contra a ignorância e a superstição que ambos, protestantes e católicos, combatiam implacavelmente.

Na primeira década de sua história os jesuítas não tinham escolas. Em 1548, a abertura do colégio de Messina, estabeleceu um marco cronológico e cultural na história da Companhia. Foi para a fundação dos colégios que a Companhia recebeu recursos da Santa Sé, de reis e de outros grandes doadores, e assim acabou construindo um imenso patrimônio, formados por colégios, residências e igrejas. Como ressaltou Serafim Leite, “pertence à noção mesmo de colégio a característica de autonomia econômica para poder subsistir por si mesmo"[7].Os jesuítas fizeram sua entrada em Portugal sob o reinado do rei D. João III, que forneceu apoio e recursos para a instalação da Companhia de Jesus, guiado pelo desejo de propagar a fé cristã nos novos territórios da Coroa, da América até a Índia. A chegada dos jesuítas se fez sob o signo da missão ultramarina, graça à amizade nutrida pelos primeiros jesuítas em Paris com um português, Diogo de Gouveia (1471-1557), o Velho, assim nomeado para distinguí-lo de seu sobrinho, diretor do Colégio de Santa Bárbara, onde haviam residido Inácio de Loyola, Pierre Favre e Francisco Xavier. Foi estabelecida em 1546 a Província de Portugal, a primeira província no mundo da Companhia de Jesus, tendo como seu provincial Simão Rodrigues, tutor do filho de D. João III, e dando início ao programa de missionação, designando Francisco Xavier para ir à Índia.

A Companhia de Jesus chegou ao Brasil em 1549, quando os primeiros jesuítas liderados por Manuel de Nóbrega integraram a comitiva de Tomá de Souza, primeiro governador geral. À Companhia coube a conversão dos indígenas á fe católica e a instalação de colégios em diversas regiões que se tornaram os principais núcleos de formação cultural da colônia. Ao longo da colonização, obtiveram sucessivos privilégios para o desenvolvimento das atividades missionária e pedagógica, além de receberem doações que fizeram a Companhia ser detentora de um vasto patrimônio composto por sesmarias, propriedades urbanas, fazendas de gado, engenhos de açucar e escravos africanos.

No Brasil, como afirma Paulo Assunção, os jesuítas demonstraram em muitos momentos uma hábil administração dos negócios, controlando e gerenciando uma estrutura diversificada que incluía o cultivo de terras, os canaviais, o controle dos trabalhadores assalariados e da mão-de-obra escrava, a compra de materiais para equipar as propriedades e os escoamentos da produção.

Em Portugal, a consecução da política pombalina de fortalecimento do Estado luso, implicava na afirmação do poder do rei diante da alta aristocracia e da Igreja, vistos como poderes concorrentes ao da Coroa. O atentado fracassado à D. José I, ocorrido em 1758, deu a Pombal a oportunidade política para declarar com firmeza o regalismo do governo josefino. A Companhia de Jesus também foi acusada de envolvimento no regicídio fracassado e no ano de 1759, foi expulsa de Portugal e de todo o império ultramarino tendo todos os seus bens confiscados. Medida que foi seguida pela França, em 1764, e pela Espanha, em 1767, conduzindo à extinção da Companhia, em 1773 pelo papa Clemnete XIV. Quando a Companhia foi suprimida, estavam operando mais do que 800 estabelecimentos principalmente na Europa latina e América latina, entre universidades, seminários e colégios espalhados pelo mundo. A Companhia de Jesus seria restaurada em 1814, pelo papa Pio VII, com a Bula Solicitudo omnium ecclesiarum , quando reassumiram a tarefa de administrar instituições educacionais.



[1] Francisco Xavier, Pedro Favre, Diego Laínez, Alfonso Salmerón, Simão Rodrigues, Nicolau Bobadilla, Cláudio Jay, Pastache Broet e João Codure.

[2] Os alumbrados, ou seja, os iluminados, era denominados os adeptos de um movimento difundido em Castela que exaltava a busca da perfeição espiritual por e meio da iluminação interior. Foram perseguidos pelas autoridades, que defendiam as formas tradicionais de piedade.

[3] Ver o trabalho de John O’Malley, Os primeiros jesuítas. São Paulo: EDUSC, 2004.

[4] John O’Malley, Os primeiros jesuítas, op. cit.,p. 461.

[5] O documento denominado Fórmula do Instituto equivale o que a Regra é para outras ordens religiosas. A Fórmula revisada em 1550 foi incorporada uma segunda bula, Exposcit debitum, que confirmava a Companhia por Júlio III.

[6] John O’Malley, Os primeiros jesuítas, op. cit., p. 129.

[7] Serafim Leite, História da Companhia de Jesus no Brasil,p. 477.

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