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Administração Colonial

Sala de aula

Escrito por cotin | Publicado: Segunda, 05 de Fevereiro de 2018, 15h00 | Última atualização em Quinta, 02 de Agosto de 2018, 19h43

O Rio de Janeiro no tempo do marquês do Lavradio

Relatório do marquês do Lavradio apresentado ao seu sucessor, Luís de Vasconcelos e Sousa, no qual descreve o estado físico e político da capitania do Rio de Janeiro quando assumiu o cargo de vice-rei, as características dos habitantes locais, sua atuação política, as medidas realizadas e, finalmente, o estado em que deixou a dita capitania quando encerrou a sua administração. Através deste documento é possível perceber uma visão portuguesa da população colonial no século XVIII.

Conjunto documental: Capitania do Rio de Janeiro
Notação: Caixa 746, pct. 01
Datas-limite: 1700-1808
Título do fundo ou coleção: Vice-reinado
Código do fundo: D9
Argumento de pesquisa: Capitanias, governadores das
Data do documento: 19 de junho de 1779
Local: Rio de Janeiro
Folha(s): -

“Relatório do Marquês de Lavradio apresentado ao seu sucessor Luiz de Vasconcelos e Souza.

 

Tenho dado a V.Exª conta do estado militar, político e civil desta capital,  restando-me já o repetir a V. Exª a respeito da cidade o caráter das gentes; a qualidade de comerciantes, e o seu comércio[1]; e o sistema, que segui para os poder governar.

O caráter geralmente dos americanos destas partes d’América[2], que eu conheço, é de um espírito mui preguiçoso, muito humildes, e obedientes, vivem com muita  sobriedade ao mesmo passo, que tem grande vaidade e elevação; porém estes mesmos fumos se lhes abatem com muita facilidade; e são robustos, podem com todo o trabalho, e fazem todo aquele, que se lhes manda;  porém se não há cuidado em mandá-los, eles por natureza ficarão sempre em inação, ainda a ponto de ser verem reduzidos à maior indigência.

Estes mesmos indivíduos, que por si são facílimos de governar, se vem a fazer mais dificultosos, e às vezes dão trabalho e algum cuidado por causa dos europeus, que aqui vem ter os seus estabelecimentos, e muito mais por serem a maior parte destas gentes naturais da Província do Minho[3], gentes de muita viveza, de um espírito inquieto, e de pouca ou nenhuma sinceridade, sendo para notar que podendo adiantar-se muito estes povos na sua lavoura, e indústria[4] com o trato daquelas gentes, que na sua província são os mais industriosos, e que procuram da terra tirar todas as utilidades que lhes são possíveis, neste ponto em nada tem adiantado os povos, porque logo que aqui chegam, não cuidam em nenhuma outra coisa, que em se fazerem  senhores do comércio, que aí há; não admitirem filho nenhum da terra a caixeiros, por donde possam algum dia serem negociantes; e pelo que toca à lavoura, se mostram tão ignorantes como os mesmos filhos do país. E como aqueles homens abrangem em si tudo, o que é comércio, os miseráveis filhos do país lhe são de tal forma subordinados pela dependência, que tem deles, que es sujeitam muitas vezes a cometerem alguns excessos, sugeridos por aqueles contra os seus naturais sentimentos .... Deus guarde a V. Exª. Rio de Janeiro [5]em 19 de junho de 1779. Marquês do Lavradio.[6] ao Senhor Luiz de Vasconcelos e Souza.[7]

 

[1] COMÉRCIO: O controle do comércio e navegação entre o reino e suas colônias sempre foi uma preocupação do Estado português. Esse comércio era regido pelas convenções do pacto colonial, que reservava o monopólio dos produtos coloniais para a metrópole, embora o contrabando entre as colônias e outros reinos evidencie falhas e brechas no sistema. Tratado como um verdadeiro contrato político, pressupunha uma série de instrumentos político-institucionais para a sua manutenção. Na prática, a Coroa não conseguia reservar esses mercados apenas para si e, desde o século XVII, eram feitas concessões cada vez maiores a aliados históricos, como os ingleses. Essa estrutura seria invertida com a chegada da Corte joanina e a consequente abertura dos portos às nações amigas de Portugal. Eliminava-se o exclusivismo mercantil e essa medida, com efeito, favorecia mais à Inglaterra, que exigiu a manutenção e ampliação de certos privilégios econômicos. A situação de dependência comercial com a Inglaterra seria agravada com a assinatura, em 1810, do Tratado de Navegação e Comércio [ver Tratados de 1810], que estabeleceu uma série de medidas que dariam vantagens a este país sobre outras nações no comércio com o Brasil e Portugal.

[2] AMÉRICA: Inicialmente chamada de Índias Ocidentais por se acreditar ter chegado à Índia, Cristóvão Colombo chegou ao continente em 1492, abrindo o Novo Mundo à conquista europeia. Enquanto os portugueses instalavam-se no litoral brasileiro, os espanhóis conquistavam o México e, de lá, a América Central, o Peru e o Chile. Quanto à América do Norte, coube aos ingleses e franceses o principal papel: os ingleses iniciaram a fundação das chamadas Treze Colônias, em 1620, e os franceses ocuparam regiões hoje pertencentes ao Canadá, no início do século XVII. A América Central, sobretudo a parte insular, ficou nas mãos de espanhóis, ingleses, franceses e holandeses. No entanto, a divisão territorial americana foi alvo constante de disputas e conflitos entre as metrópoles europeias. Com relação à América portuguesa, a preocupação lusa em proteger seus territórios no novo continente se deu de maneira contínua devido às seguidas ameaças de invasão durante o período colonial. A polêmica da demarcação de fronteiras na América teve início mesmo antes da chegada de Cabral em 1500, pois o Tratado de Tordesilhas, assinado em 1494 entre Portugal e Espanha, já dividia entre os reinos ibéricos as terras “descobertas e por descobrir” no além-mar. O Tratado estabelecia a partilha das áreas de influência entre os dois reinos, cabendo a Portugal as terras situadas antes da linha imaginária que demarcava 370 léguas a oeste das ilhas de Cabo Verde, e a Castela as terras que ficassem além dessa linha. No entanto, a assinatura desse primeiro tratado não foi suficiente para estabelecer as fronteiras do vasto território recém-descoberto. Potências como França, Holanda e Inglaterra, passaram a questionar a exclusividade da partilha do mundo entre as nações ibéricas, o que resultou em pirataria, contrabando e invasões na costa do litoral brasileiro. Além disso, portugueses e espanhóis, ao longo do processo de colonização da América, violaram os limites fixados em 1498, gerando inúmeras disputas por territórios e a necessidade do estabelecimento de fronteiras entre as possessões lusas e castelhanas. A partir do século XVIII, os dois governos começam a trabalhar juntos na tentativa de estabelecer um novo tratado que findasse os conflitos de interesse territorial entre as duas nações. Assim, em 1750, foi assinado o Tratado de Madri legalizando o argumento da posse da terra – uti possidetis – e instaurando limites geográficos como rios e montes, ou a delimitação por zonas conhecidas por ambas as partes que não dessem lugar para futura confusão. As disputas envolvendo os Sete Povos das Missões e a colônia de Sacramento na região sul do Brasil, bem como aqueles relacionados ao domínio e exploração portuguesa na bacia do rio Amazonas, permearam o processo de ocupação dessas regiões. Os interesses expansionistas das monarquias ibéricas em meados do século XVIII dificultava sobremaneira o estabelecimento de fronteiras entre a América espanhola e portuguesa.

[3] MINHO, PROVÍNCIA DO: Província do norte de Portugal, na antiga região do Entredouro e Minho. Foi ocupada pelas legiões romanas entre os séculos I e II a.C., que fundaram cidades, como Bracara Augusta, em homenagem ao imperador Augusto (hoje Braga, cidade mais antiga de Portugal e uma das mais importantes do Império Romano), construíram pontes, termas, casas, estradas e introduziram a cultura da uva e do vinho que permanece forte na região até os dias atuais. No século IV, com a decretação do Cristianismo religião oficial do Império Romano, a cidade de Braga começou a se destacar como importante centro religioso, posição que atualmente ainda ocupa. No século V os suevos invadiram a região e expulsaram os romanos, depois vieram os povos visigodos que se estabeleceram até o século VIII, quando foram expulsos pelos mouros, que começaram a ser derrotados nas guerras da reconquista entre os séculos IX-XI. O primeiro núcleo retomado pelos cristãos aos mouros é o Condado Portucalense, que ficava na região do Minho e norte de Portugal, e existiu entre os anos 868 e 1139. O condado tinha relativa autonomia como território, mas era vassalo do Reino de Leão e mantinha estreitas relações com o Reino da Galiza, mais ao norte. Foi somente em 1139, depois da batalha de São Mamede, que d. Afonso Henriques se autoproclamou rei de Portugal e nomeou a cidade de Guimarães como a primeira capital do novo reino. A região do Minho é considerada, portanto, berço da nação portuguesa, e foi por onde se iniciaram as expedições marítimas no século XV, desde Viana do Castelo.

[4] MANUFATURA: O termo frequentemente é associado à indústria e a fábricas, por vezes, sendo usado indiscriminadamente. Manufatura, mais apropriadamente, seria a incipiente indústria do Brasil colonial. Ao longo desse período, verificou-se uma discreta presença de atividades manufatureiras (de caráter doméstico e artesanal) graças, sobretudo, à repressão operada pela Coroa portuguesa, pois este tipo de prática feria a estrutura do sistema colonial e a lógica mercantilista: onde a colônia exportaria produtos primários e importaria bens manufaturados de sua metrópole. Essa repressão culminou com a assinatura do alvará de 5 de janeiro de 1785, que proibiu a atividade manufatureira à exceção da produção de tecidos grosseiros de algodão, que serviam para ensacar gêneros agrícolas e para vestuário dos escravos. Esse setor da indústria colonial não foi afetado, mas não constituía uma atividade relevante do ponto de vista econômico. As manufaturas que se pretendiam combater, as que produzissem gêneros que rivalizassem com os produtos finos ingleses no mercado europeu, praticamente inexistiam na colônia. Somente depois da transferência da Corte e da sede do Império português para o Brasil em 1808, por meio do alvará de 1º de abril do mesmo ano, o príncipe regente revogou a lei de 1785 e, não apenas autorizou como passou a incentivar a instalação de fábricas no Brasil, concedendo isenção de direitos de importação de matérias-primas e subsídios para a construção das primeiras manufaturas, sobretudo no setor têxtil e de ferro. Ainda assim, boa parte das manufaturas criadas não vingaria, devido, principalmente, a impossibilidade das pequenas fábricas, sem mão de obra especializada e sem uma verdadeira organização fabril, de competir com as importações inglesas, mais baratas e de qualidade muito superior, preferidas pela maioria da população em condições de consumir. Sem capital para investimento em melhorias e sem um mercado consumidor interno, a maior parte delas acabou falindo. Entre as manufaturas que mais se destacaram ao longo do período colonial, podemos citar a construção naval favorecida pela grande oferta de madeiras de boa qualidade proporcionada pela colônia; a produção de têxteis, principalmente dos tecidos grossos de algodão para consumo interno, atividade doméstica e feminina, muito disseminada pelo Brasil (sobretudo em Minas Gerais) e que constituía a fonte de renda para muitos colonos; e atividades artesanais diversas, urbanas e rurais, voltada para a produção de artigos necessários à vida cotidiana, como móveis, cerâmica, instrumentos de ferro, sapatos, ourivesaria, entre outros, exercidas sobretudo por escravos de ganho e libertos. A autorização das manufaturas e sua promoção em todo Império português por d. João, em abril de 1808, faziam parte de toda uma política de cunho liberal defendida por intelectuais como José da Silva Lisboa, visconde de Cairu. Posteriormente, uma série de alvarás que concediam isenções e privilégios, foram assinados, com o objetivo de impulsionar a produção manufatureira no Brasil e nos domínios ultramarinos portugueses.

[5] RIO DE JANEIRO: A cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro foi fundada tendo como marco de referência uma invasão francesa. Em 1555, a expedição do militar Nicolau Durand de Villegaignon conquista o local onde seria a cidade e cria a França Antártica. Os franceses, aliados aos índios tamoios confederados com outras tribos, foram expulsos em 1567 por Mem de Sá, cujas tropas foram comandadas por seu sobrinho Estácio de Sá, com o apoio dos índios termiminós, liderados por Arariboia. Foi Estácio que estabeleceu “oficialmente” a cidade e iniciou, de fato, a colonização portuguesa na região. O primeiro núcleo de ocupação foi o morro do Castelo, onde foram erguidos o Forte de São Sebastião, a Casa da Câmara e do governador, a cadeia, a primeira matriz e o colégio jesuíta. Ainda no século XVI, o povoamento se intensifica e, no governo de Salvador Correia de Sá, verifica-se um aumento da população no núcleo urbano, das lavouras de cana e dos engenhos de açúcar no entorno. No século seguinte, o açúcar se expande pelas baixadas que cercam a cidade, que cresce aos pés dos morros, ainda limitada por brejos e charcos. O comércio começa a crescer, sobretudo o de escravos africanos, nos trapiches instalados nos portos. O ouro que se descobre nas Minas Gerais do século XVIII representa um grande impulso ao crescimento da cidade. Seu porto ganha em volume de negócios e torna-se uma das principais entradas para o tráfico atlântico de escravos e o grande elo entre Portugal e o sertão, transportando gêneros e pessoas para as minas e ouro para a metrópole. É também neste século, que a cidade vive duas invasões de franceses, entre elas a do célebre Duguay Trouin, que arrasa a cidade e os moradores. Desde sua fundação, esta cidade e a capitania como um todo desempenharam papel central na defesa de toda a região sul da América portuguesa, fato demonstrado pela designação do governador do Rio de Janeiro Salvador de Sá como capitão-general das capitanias do Sul (mais vulneráveis por sua proximidade com as colônias espanholas), e pela transferência da sede do vice-reinado, em Salvador até 1763, para o Rio de Janeiro quando a parte sul da colônia tornou-se centro de produção aurífera e, portanto, dos interesses metropolitanos. Ao longo do setecentos, começam os trabalhos de melhoria urbana, principalmente no aumento da captação de água nos rios e construção de fontes e chafarizes para abastecimento da população. Um dos governos mais significativos deste século foi o de Gomes Freire de Andrada, que edificou conventos, chafarizes, e reformou o aqueduto da Carioca, entre outras obras importantes. Com a transferência da capital, a cidade cresce, se fortifica, abre ruas e tenta mudar de costumes. Um dos responsáveis por essas mudanças foi o marquês do Lavradio, cujo governo deu grande impulso às melhorias urbanas, voltando suas atenções para posturas de aumento da higiene e da salubridade, aterrando pântanos, calçando ruas, construindo matadouros, iluminando praças e logradouros, construindo o aqueduto com vistas a resolver o problema do abastecimento de água na cidade. Lavradio, cuja administração se dá no bojo do reformismo ilustrado português (assim como de seu sucessor Luís de Vasconcelos e Souza), ainda criou a Academia Científica do Rio de Janeiro. Foi também ele quem erigiu o mercado do Valongo e transferiu para lá o comércio de escravos africanos que se dava nas ruas da cidade. Importantíssimo negócio foi o tráfico de escravos trazidos em navios negreiros e vendidos aos fazendeiros e comerciantes, tornando-se um dos principais portos negreiros e de comércio do país. O comércio marítimo entre o Rio de Janeiro, Lisboa e os portos africanos de Guiné, Angola e Moçambique constituía a principal fonte de lucro da capitania. A cidade deu um novo salto de evolução urbana com a instalação, em 1808, da sede do Império português. A partir de então, o Rio de Janeiro passa por um processo de modernização, pautado por critérios urbanísticos europeus que incluíam novas posturas urbanas, alterações nos padrões de sociabilidade, seguindo o que se concebia como um esforço de civilização. Assume definitivamente o papel de cabeça do Império, posição que sustentou para além do retorno da Corte, como capital do Império do Brasil, já independente.

[6] MARQUÊS DO LAVRADIO: Trata-se do 2º marquês do Lavradio e 5º conde de Avintes, d. Luís de Almeida Soares Portugal Alarcão Eça e Melo (1729-1790), militar e político português. Vice-rei e Capitão geral de mar e de terra do Brasil entre os anos de 1769 e 1779, fizeram parte da sua ação governamental: medidas visando à salubridade do Rio de Janeiro, mandando entulhar pântanos e lagoas, e pavimentando ruas; remoção do mercado de escravos para um local mais afastado; desenvolvimento das plantações de café e arroz; introdução da cultura do vinho,  proteção e intensificação da produção de cochonilla e bicho-da-seda; instituição na capital do Brasil regimentos de milícias e fundação da sociedade de ciências naturais.  Entre suas funções, destacou-se como: Conselheiro da Guerra, Presidente do Desembargo do Paço, Inspetor-Geral das Tropas do Alentejo e Algarve, Veador da Rainha e Conde coroado com a Grã-cruz da Ordem de Cristo.

[7] SOUZA, LUÍS DE VASCONCELOS E (1742-1809): nasceu em Lisboa e se formou em bacharel em cânones pela Universidade de Coimbra. Ainda em Portugal, ocupou importantes cargos da magistratura. Entre os anos 1779 e 1790, foi vice-rei do Brasil, sucedendo o 2º marquês do Lavradio. Em seu governo criou uma prisão especial destinada à punição dos escravos, como alternativa aos violentos castigos impostos pelos seus senhores; promoveu a cultura do anil, do cânhamo e da cochonilha; apoiou as pesquisas botânicas realizadas por frei José Mariano da Conceição Veloso e patrocinou a criação de uma sociedade literária no Rio de Janeiro em 1786. Entre as melhorias realizadas na cidade do Rio de Janeiro durante sua administração, destacam-se a reforma do largo do Carmo; o aterro da lagoa do Boqueirão; a construção do Passeio Público – primeiro jardim público do país – em 1783 e de novas ruas para facilitar seu acesso, como a rua do Passeio e das Bellas Noutes – atual rua das Marrecas. Foi um incentivador das obras de Mestre Valentim – um dos principais artistas do período colonial – responsável pelo projeto do Passeio Público e de outras obras públicas na cidade. Destacou-se, ainda, na repressão à Inconfidência Mineira [conjuração mineira], sendo um dos interrogadores de Joaquim Silvério dos Reis. Pelos serviços prestados à Coroa portuguesa, recebeu a honraria da Grã-Cruz da Ordem de Santiago e o título de conde de Figueiró.

 

Sugestões de uso em sala de aula:
Utilização(ões) possível(is):
● Ao trabalhar o tema transversal “Pluralidade Cultural”
Ao tratar dos seguintes conteúdos:
● Homem e a cultura
● A sociedade colonial: desenvolvimento urbano e social
● Sociabilidades, povos e culturas

Abusos do governador do Espírito Santo

Carta dos moradores da capitania do Espírito Santo para o Príncipe Regente, d. João, pedindo providências contra o governador Antônio Pires da Silva Pontes. Os moradores alegavam que seu governo era repleto de abusos e arbitrariedades, mostrando sua incompatibilidade com uma administração sensata e honesta. Esta atitude despótica feria contrariava a imagem de uma a representação justa e protetora que as autoridades luso-brasileiras desejavam imprimir com o intuito de legitimar o monopólio político-econômico da Coroa portuguesa.

Conjunto documental: Provisões régias e respostas (cartas do vice-rei)
Notação: Códice 204, vol. 03
Datas-limite: 1803-1806
Título do fundo ou coleção: Secretaria de Estado do Brasil
Código do fundo: 86
Argumento de pesquisa: Capitanias, governadores das.
Data do documento: 20 de março de 1804
Local: Espírito Santo
Folhas: 62 a 64
 

“Senhor. Os moradores da capitania do Espírito Santo[1], debaixo do mais profundo respeito, chegam à real presença de Vossa Alteza [2]a pedirem justiça, providência e um governador[3], que seja católico, tenha religião, e saiba fazer, e executar as reais, e pias intenções, que geralmente Vossa Alteza Real quer sejam conservados os seus fiéis vassalos[4], livrando-os assim de obstáculos, violências, e tiranias do atual governador Antônio Pires da Silva Pontes[5], homem sem lei, nem religião, que pelos seus despotismos, tem feito desertar daquela capitania mais dos moradores, fugindo às injúrias, com que os ultraja, administrando-lhes castigos a seu arbítrio, por culpas formadas da sua péssima intenção, não só mandando açoitar homens libertos na praça, como tirando postos, ainda confirmados pelo real punho, para que não tem autoridade, vendendo estes a trezentos mil réis[6], e ainda por maiores preços, e a sua vontade, emboliando-se destes dinheiros com o falso pretexto de ser aplicado para as obras da Real Fazenda [7]quando tudo se prova pelo contrário, que a sua intenção é tão somente desfalcar a Real Fazenda. ... A capitania se acha deserta, e certamente já de todo acharia se não fossem as esperanças, que lhes restam, e confiam da precisa providência ..., suplicam, recorrem e pedem a Vossa Alteza Real, como tão benigno pai de seus fiéis vassalos, haja de os livrar do último termo de sua ruína, dando-lhes pronta providência de um novo governador com pias, e sábias intenções, e que lhes administre justiça, livrando-os da triste situação em que se acham. E receberá mercê[8]. Procurador [9]Antônio Pinheiro Leite. Para Francisco de Borja Garçã.

 

[1] ESPÍRITO SANTO, CAPITANIA DO: capitania litorânea situada entre os atuais estados da Bahia, Minas Gerais e Rio de Janeiro. Originada da capitania doada a Vasco Fernandes Coutinho (1535), recebeu este nome por ter sido no domingo do Espírito Santo, 23 de maio de 1535, que seu donatário tomou posse das terras, fundando vilas e erguendo os primeiros engenhos de açúcar. A ocupação do território foi marcada por inúmeros conflitos com as populações indígenas que habitavam a região, entre eles os índios Aimorés, Goitacazes e Puris. Foi alvo também, de constantes incursões de piratas franceses, holandeses e ingleses. Muitos sertanistas partiram do litoral capixaba para o interior do Brasil, descendo os principais rios até a região das minas de ouro. Tais estradas foram, muitas vezes, utilizadas para o contrabando de metais preciosos, levando à proibição de abertura de caminhos que levassem as minas. A ocupação territorial concentrou-se, assim, em uma estreita faixa costeira. Tal fato deveu-se também, à criação da capitania de São Paulo e Minas Gerais e a presença de índios no sertão, sobretudo os botocudos, que impediram a interiorização do território.

[2] JOÃO VI, D. (1767-1826): segundo filho de d. Maria I e d. Pedro III, se tornou herdeiro da Coroa com a morte do seu irmão primogênito, d. José, em 1788. Em 1785, casou-se com a infanta Dona Carlota Joaquina, filha do herdeiro do trono espanhol, Carlos IV que, na época, tinha apenas dez anos de idade. Tiveram nove filhos, entre eles d. Pedro, futuro imperador do Brasil. Assumiu a regência do Reino em 1792, no impedimento da mãe que foi considerada incapaz. Um dos últimos representantes do absolutismo, d. João VI viveu num período tumultuado. Foi sob o governo do então príncipe regente que Portugal enfrentou sérios problemas com a França de Napoleão Bonaparte, sendo invadido pelos exércitos franceses em 1807. Como decorrência dessa invasão, a família real e a Corte lisboeta partiram para o Brasil em novembro daquele ano, aportando em Salvador em janeiro de 1808. Dentre as medidas tomadas por d. João em relação ao Brasil estão a abertura dos portos às nações amigas; liberação para criação de manufaturas; criação do Banco do Brasil; fundação da Real Biblioteca; criação de escolas e academias e uma série de outros estabelecimentos dedicados ao ensino e à pesquisa, representando um importante fomento para o cenário cultural e social brasileiro. Em 1816, com a morte de d. Maria I, tornou-se d. João VI, rei de Portugal, Brasil e Algarves. Em 1821, retornou com a Corte para Portugal, deixando seu filho d. Pedro como regente.

[3] GOVERNADOR: pessoa responsável pela administração de uma praça, província ou capitanias.

[4] VASSALO: súdito do rei, independentemente de sua localização no Império. Até o século XV, o título “vassalo” era empregado para designar homens fiéis ao rei, aqueles que o serviam na guerra, sendo, portanto, cavaleiros ou nobres de títulos superiores. Em troca do apoio e serviços realizados, recebiam tenças (pensões), dadas, inicialmente, a todos os vassalos e seus filhos varões. Na medida em que se pulverizaram as distribuições destes títulos, principalmente por razões de guerra (a conquista de Ceuta foi a mais significativa nesse processo), e que eles começaram a ser mais almejados, principalmente pelos plebeus e burgueses em busca de mercês e de aproximação com a realeza, o rei diminui a concessão dos títulos, e, mais importante, das tenças. A esta altura, as dificuldades financeiras da monarquia também empurraram para a suspensão da distribuição dos títulos e benefícios. O rei passa, então, a conceder mercês e vantagens individuais, e o termo vassalo se esvazia do antigo significado de título, passando a indicar homens do rei, súditos e habitantes do reino, de qualquer parte do Império.

[5] CAMARGO, ANTÔNIO PIRES DA SILVA PONTES PAES LEME (1750-1805): nascido em Mariana, Minas Gerais, em 1777 doutorou-se em matemática pela Universidade de Coimbra. Retornou ao Brasil encarregado de explorar as regiões da Baía Negra, no Paraguai, estudando também os rios Capivari, Sararé, Juruena, Guaporé e Jauru, quando participou da 3ª partida de demarcação por ocasião do Tratado de Santo Idelfonso assinado pelas coroas de Portugal e Espanha. Amigo de d. Rodrigo de Souza Coutinho, foi nomeado governador da capitania do Espírito Santo (1800-1804). Em seu governo, realizou várias melhorias para a província, criando uma linha de quartéis, promovendo grandes obras, como a abertura de uma estrada ligando a capitania à região das minas, e desenvolvendo a mineração na região. Em 1800, assinou o auto de demarcação de limites entre as capitanias do Espírito Santo e Minas Gerais, cedendo centenas de milhares de quilômetros quadrados aos mineiros.

[6] RÉIS: moeda portuguesa utilizada desde a época dos descobrimentos (séculos XV e XVI). Tratava-se de um sistema de base milesimal, cuja unidade monetária era designada pelo mil réis, enquanto o réis designava valores fracionários. Vigorou no Brasil do início da colonização (século XVI) até 1942, quando foi substituída pelo cruzeiro.

[7] REAL ERÁRIO: instituição fiscal criada em Portugal, no reinado de d. José I, pelo alvará de 22 de dezembro de 1761, para substituir a Casa dos Contos. Foi o órgão responsável pela administração das finanças e cobrança dos tributos em Portugal e nos domínios ultramarinos. Sua fundação simbolizou o processo de centralização, ocorrido em Portugal sob a égide do marquês de Pombal, que presidiu a instituição como inspetor-geral desde a sua origem até 1777, com o início do reinado mariano. Desde o início, o Erário concentrou toda a arrecadação, anteriormente pulverizada em outras instâncias, padronizando os procedimentos relativos à atividade e serviu, em última instância, para diminuir os poderes do antigo Conselho Ultramarino. Este processo de centralização administrativa integrava a política modernizadora do ministro, cujo objetivo central era a recuperação da economia portuguesa e a reafirmação do Estado como entidade política autônoma, inclusive em relação à Igreja. No âmbito fiscal, a racionalização dos procedimentos incluiu também novos métodos de contabilidade, permitindo um controle mais rápido e eficaz das despesas e da receita. O órgão era dirigido por um presidente, que também atuava como inspetor-geral, e compunha-se de um tesoureiro mor, três tesoureiros-gerais, um escrivão e os contadores responsáveis por uma das quatro contadorias: a da Corte e da província da Estremadura; das demais províncias e Ilhas da Madeira; da África Ocidental, do Estado do Maranhão e o território sob jurisdição da Relação da Bahia e a última contadoria que compreendia a área do Rio de Janeiro, a África Oriental e Ásia. Por ordem de d. José I, em carta datada de 18 de março de 1767, o Erário Régio foi instalado no Rio de Janeiro com o envio de funcionários instruídos para implantar o novo método fiscal na administração e arrecadação da Real Fazenda. Ao longo da segunda metade do século XVIII, seriam instaladas também Juntas de Fazenda na colônia, subordinadas ao Erário e responsáveis pela arrecadação nas capitanias. A invasão napoleônica desarticulou a sede do Erário Régio em Lisboa. Portanto, com a transferência da Corte para o Brasil, o príncipe regente, pelo alvará de 28 de junho de 1808, deu regulamento próprio ao Erário Régio no Brasil, contemplando as peculiaridades de sua nova sede. Em 1820, as duas contadorias com funções ultramarinas foram fundidas numa só: a Contadoria Geral do Rio de Janeiro e da Bahia. A nova sede do Tesouro Real funcionou no Rio de Janeiro até o retorno de d. João VI para Portugal, em 1821.

[8] MERCÊ: o mesmo que graça, benefício, tença e donativos. Na sociedade do Antigo Regime, a concessão de mercês era um direito exclusivo do soberano, decorrente do seu ofício de reinar. Cabia ao monarca premiar o serviço de seus súditos, de forma a incentivar os feitos em benefício da Coroa. Desse modo, receber uma mercê significava ser agraciado com algum favor (concessão de terras, ofícios na administração real, recompensas monetárias), condecoração ou título pelo rei, os quais eram concedidos sob os mais variados pretextos. Em 1808, após a chegada da Corte portuguesa ao Brasil, foi criada a Secretaria do Registro Geral das Mercês, subordinada à Secretaria de Estado dos Negócios do Brasil, quando da recriação, no Rio de Janeiro, dos órgãos da administração do Império português. Tinha por competência o registro dos títulos de nobreza e de fidalguia concedidos como graça, benefício e recompensa pelo monarca. As formas mais frequentes de mercês eram os títulos de nobreza e fidalguia, com as terras e tenças correspondentes, os hábitos das Ordens Honoríficas, cargos e posições hereditários. A concessão de mercês era também uma forma do monarca balancear os privilégios entre seus súditos, mantendo os bons serviços prestados por quem já havia conquistado alguma graça e incentivando o bom trabalho dos que almejavam obtê-las. Com a transferência da Corte da Europa para a América, poder-se-ia crer que os súditos da terra passariam a obter mais mercês, mas a hierarquia que havia entre a metrópole e a colônia, reproduzida na concessão de benefícios acabaria por se manter na colônia, mesmo depois da elevação a Reino Unido. Poucos títulos de nobreza foram concedidos, uma vez que na América não havia a nobreza de sangue, de linhagem, mas somente a concedida por grandes favores prestados ao reino, políticos ou militares. Entre as ordens honoríficas observa-se que houve a concessão de mais títulos, mas a maioria de baixa patente ou menor importância, os mais altos graus ainda eram reservados para a nobreza metropolitana. Mesmo concedendo hábitos, títulos de cavaleiros, posições e cargos, as mercês reservadas aos principais da colônia eram inferiores àquelas reservadas aos grandes da metrópole.

[9] PROCURADOR: na esfera pública, como funcionários do Estado, os procuradores atuaram em cargos providos pelo rei, como o procurador dos feitos da Coroa, por exemplo, cargo criado em 1548, e tendo por finalidade representar a Coroa nos assuntos relativos à Fazenda. Também foram providos em cargos como o procurador dos índios para dispor sobre a validade do cativeiro indígena, ou representaram instâncias como as Câmaras municipais, representando as oligarquias locais do Brasil ou de Goa por exemplo, junto às Cortes. Ainda no âmbito privado encontra-se a figura do procurador em contratos de arrematação de negociantes, que da colônia disputavam os contratos na metrópole por meio de procuradores, como nos casos da cobrança de tributos, adquirindo ainda participação nas sociedades (Luiz Antônio Silva Araújo, Contratos na América portuguesa (1707-1750) Disponível em https://www.academia.edu/download/56270738/Artigo_Encontro_Aracaju.pdf).

Sugestões de uso em sala de aula:
Utilização(ões) possível(is):
● No eixo temático sobre a “História das relações sociais da cultura e do trabalho”
● No sub-tema “as relações de trabalho”
● Ao trabalhar o tema transversal “Ética”
Ao tratar dos seguintes conteúdos:
● A organização administrativa do Brasil colonial
● A sociedade colonial: o desenvolvimento social e urbano
● Trabalho no Brasil colonial

Aqueduto da cidade

Ofício do Senado da Câmara do Rio de Janeiro ao Vice-rei, conde dos Arcos, pleiteando uma obra que permitisse o fornecimento de água do rio Maracanã para a cidade do Rio de Janeiro. O documento revela as dificuldades sofridas pela população da cidade em consequência da falta de infraestrutura e de saneamento básico. A ausência de um planejamento administrativo que acompanhasse o desenvolvimento urbano e social foi marcante ao longo de todo o período colonial.

Conjunto documental: Correspondência do vice-rei. Regimento para os governadores do Brasil
Notação: Caixa 744, pct. 02
Título do fundo ou coleção: Vice-reinado
Código do fundo: D9
Argumento de pesquisa: Câmaras municipais
Data do documento: 27 de agosto de 1806
Local: Rio de Janeiro
Folha(s): doc. 33
 

 

“Ill.mo e Ex.mo Snr. = Na sempre respeitável presença de V. Ex.a põe o Senado da Câmara [1]desta Cidade o Mapa junto, pelo qual se tem projetado a introdução do rio Maracanã nesta Cidade, afim de que com as suas abundantíssimas águas cessem de uma vez os clamores de toda esta povoação: não é de sorte deste Senado lançar mão desta considerável obra; pois que as aplicações, que há para semelhante fim, são administradas pela Real Fazenda[2], é contudo do seu dever representar a V. Ex a  haja de dar as providencias, que lhe parecerem adequadas no mesmo mapa se lê a conta, que o Presidente deste Senado pôs na Augusta Presença mas como tenham decorrido perto de dois anos sem que ela se tenha resolvido, e a natureza da pretensão exige abreviadas providencias: este Senador implora a piedade de V. Ex a a benefício destes povos, sobre um artigo tal como o de agora, para sua subsistência: sendo bem visível Senhor os acidentes, a que está sujeito o único aqueduto[3], que presentemente há, sendo um impossível, que esta numerosa população deles se possa servir, sem as grandes necessidades que diariamente passa.  Deus guarde a V. Ex.a por longos e felizes anos. Rio de Janeiro [4]em o Senado da Câmara aos 27 de Agosto de 1806 = Ill.mo e Ex.mo Snr. Conde dos Arcos[5] Vice Rei deste Estado = José da Silva Loureiro Borges = Custodio Moreira Lirio = Fernando Carneiro Leão = Leandro José Marques Franco de Carvalho.”

 

[1]CÂMARA MUNICIPAL: Peças fundamentais da administração colonial, as câmaras municipais representam o poder local das vilas. Foram criadas em função da necessidade de a Coroa portuguesa controlar e organizar as cidades e vilas que se desenvolviam no Brasil. Por intermédio das câmaras municipais, as cidades se constituíam como cenário e veículo de interlocução com a metrópole nos espaços das relações políticas. Do ponto de vista da administração municipal e da gestão política, foram, durante muitos anos, a única instituição responsável pelo tratamento das questões locais. Desempenhavam desde funções executivas até policiais, em que se destacam resolução de problemas locais de ordem econômica, política e administrativa; gerenciamento dos gastos e rendas da administração pública; promoção de ações judiciais; construção de obras públicas necessárias ao desenvolvimento municipal a exemplo de pontes, ruas, estradas, prédios públicos, etc; criação de regras para o funcionamento do comércio local; conservação dos bens públicos e limpeza urbana. As câmaras municipais eram formadas por três ou quatro vereadores (homens bons), um procurador, dois fiscais (almotacéis), um tesoureiro e um escrivão, sendo presidida por um juiz de fora, ou ordinário empossado pela Coroa. Somente aos homens bons, pessoas influentes, em sua grande maioria proprietários de terras, integrantes da elite colonial, era creditado o direito de se elegerem e votarem para os cargos disponíveis nas câmaras municipais.

[2]REAL ERÁRIO: Instituição fiscal criada em Portugal, no reinado de d. José I, pelo alvará de 22 de dezembro de 1761, para substituir a Casa dos Contos. Foi o órgão responsável pela administração das finanças e cobrança dos tributos em Portugal e nos domínios ultramarinos. Sua fundação simbolizou o processo de centralização, ocorrido em Portugal sob a égide do marquês de Pombal, que presidiu a instituição como inspetor-geral desde a sua origem até 1777, com o início do reinado mariano. Desde o início, o Erário concentrou toda a arrecadação, anteriormente pulverizada em outras instâncias, padronizando os procedimentos relativos à atividade e serviu, em última instância, para diminuir os poderes do antigo Conselho Ultramarino. Este processo de centralização administrativa integrava a política modernizadora do ministro, cujo objetivo central era a recuperação da economia portuguesa e a reafirmação do Estado como entidade política autônoma, inclusive em relação à Igreja. No âmbito fiscal, a racionalização dos procedimentos incluiu também novos métodos de contabilidade, permitindo um controle mais rápido e eficaz das despesas e da receita. O órgão era dirigido por um presidente, que também atuava como inspetor-geral, e compunha-se de um tesoureiro mor, três tesoureiros-gerais, um escrivão e os contadores responsáveis por uma das quatro contadorias: a da Corte e da província da Estremadura; das demais províncias e Ilhas da Madeira; da África Ocidental, do Estado do Maranhão e o território sob jurisdição da Relação da Bahia e a última contadoria que compreendia a área do Rio de Janeiro, a África Oriental e Ásia. Por ordem de d. José I, em carta datada de 18 de março de 1767, o Erário Régio foi instalado no Rio de Janeiro com o envio de funcionários instruídos para implantar o novo método fiscal na administração e arrecadação da Real Fazenda. Ao longo da segunda metade do século XVIII, seriam instaladas também Juntas de Fazenda na colônia, subordinadas ao Erário e responsáveis pela arrecadação nas capitanias. A invasão napoleônica desarticulou a sede do Erário Régio em Lisboa. Portanto, com a transferência da Corte para o Brasil, o príncipe regente, pelo alvará de 28 de junho de 1808, deu regulamento próprio ao Erário Régio no Brasil, contemplando as peculiaridades de sua nova sede. Em 1820, as duas contadorias com funções ultramarinas foram fundidas numa só: a Contadoria Geral do Rio de Janeiro e da Bahia. A nova sede do Tesouro Real funcionou no Rio de Janeiro até o retorno de d. João VI para Portugal, em 1821.

[3]AQUEDUTO: Construções desenvolvidas pelos gregos e utilizadas em larga escala no Império Romano, tinham a função de suprir as necessidades hidráulicas dos conglomerados urbanos. No Brasil colonial, as questões de saneamento e rede hidráulicas foram constantes, devido a falta de planejamento urbano. Para se obter água nas casas era preciso que escravos carregassem grandes tinas até as fontes públicas diariamente. Pela dificuldade de acesso a água, e pela tradição européia nas questões de higiene pessoal, muitos colonos passavam vários dias sem realizar “os banhos”, que acabavam acontecendo apenas em ocasiões especiais. Até esse momento, o Rio de Janeiro dispunha apenas do aqueduto da Carioca (também conhecido como Arcos da Lapa), que abastecia a sua população com as águas do rio Carioca, o primeiro manancial da cidade. Construído entre 1719 e 1725, no governo de Aires de Saldanha, este aqueduto ligava as encostas de Santa Teresa ao Campo de Santo Antônio, conduzindo a água até um chafariz de 16 bicas no Largo da Carioca. Por volta de meados do século XVIII, o governador à época, Gomes Freire de Andrada, promoveu uma reforma nos arcos, ampliando e conferindo-lhes maior solidez e racionalidade. No final do século XIX, os arcos transformaram-se em via de acesso ao morro de Santa Teresa. O aqueduto da Carioca é tido como a mais imponente obra de engenharia do período colonial.  

[4] RIO DE JANEIRO: A cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro foi fundada tendo como marco de referência uma invasão francesa. Em 1555, a expedição do militar Nicolau Durand de Villegaignon conquista o local onde seria a cidade e cria a França Antártica. Os franceses, aliados aos índios tamoios confederados com outras tribos, foram expulsos em 1567 por Mem de Sá, cujas tropas foram comandadas por seu sobrinho Estácio de Sá, com o apoio dos índios termiminós, liderados por Arariboia. Foi Estácio que estabeleceu “oficialmente” a cidade e iniciou, de fato, a colonização portuguesa na região. O primeiro núcleo de ocupação foi o morro do Castelo, onde foram erguidos o Forte de São Sebastião, a Casa da Câmara e do governador, a cadeia, a primeira matriz e o colégio jesuíta. Ainda no século XVI, o povoamento se intensifica e, no governo de Salvador Correia de Sá, verifica-se um aumento da população no núcleo urbano, das lavouras de cana e dos engenhos de açúcar no entorno. No século seguinte, o açúcar se expande pelas baixadas que cercam a cidade, que cresce aos pés dos morros, ainda limitada por brejos e charcos. O comércio começa a crescer, sobretudo o de escravos africanos, nos trapiches instalados nos portos. O ouro que se descobre nas Minas Gerais do século XVIII representa um grande impulso ao crescimento da cidade. Seu porto ganha em volume de negócios e torna-se uma das principais entradas para o tráfico atlântico de escravos e o grande elo entre Portugal e o sertão, transportando gêneros e pessoas para as minas e ouro para a metrópole. É também neste século, que a cidade vive duas invasões de franceses, entre elas a do célebre Duguay Trouin, que arrasa a cidade e os moradores. Desde sua fundação, esta cidade e a capitania como um todo desempenharam papel central na defesa de toda a região sul da América portuguesa, fato demonstrado pela designação do governador do Rio de Janeiro Salvador de Sá como capitão-general das capitanias do Sul (mais vulneráveis por sua proximidade com as colônias espanholas), e pela transferência da sede do vice-reinado, em Salvador até 1763, para o Rio de Janeiro quando a parte sul da colônia tornou-se centro de produção aurífera e, portanto, dos interesses metropolitanos. Ao longo do setecentos, começam os trabalhos de melhoria urbana, principalmente no aumento da captação de água nos rios e construção de fontes e chafarizes para abastecimento da população. Um dos governos mais significativos deste século foi o de Gomes Freire de Andrada, que edificou conventos, chafarizes, e reformou o aqueduto da Carioca, entre outras obras importantes. Com a transferência da capital, a cidade cresce, se fortifica, abre ruas e tenta mudar de costumes. Um dos responsáveis por essas mudanças foi o marquês do Lavradio, cujo governo deu grande impulso às melhorias urbanas, voltando suas atenções para posturas de aumento da higiene e da salubridade, aterrando pântanos, calçando ruas, construindo matadouros, iluminando praças e logradouros, construindo o aqueduto com vistas a resolver o problema do abastecimento de água na cidade. Lavradio, cuja administração se dá no bojo do reformismo ilustrado português (assim como de seu sucessor Luís de Vasconcelos e Souza), ainda criou a Academia Científica do Rio de Janeiro. Foi também ele quem erigiu o mercado do Valongo e transferiu para lá o comércio de escravos africanos que se dava nas ruas da cidade. Importantíssimo negócio foi o tráfico de escravos trazidos em navios negreiros e vendidos aos fazendeiros e comerciantes, tornando-se um dos principais portos negreiros e de comércio do país. O comércio marítimo entre o Rio de Janeiro, Lisboa e os portos africanos de Guiné, Angola e Moçambique constituía a principal fonte de lucro da capitania. A cidade deu um novo salto de evolução urbana com a instalação, em 1808, da sede do Império português. A partir de então, o Rio de Janeiro passa por um processo de modernização, pautado por critérios urbanísticos europeus que incluíam novas posturas urbanas, alterações nos padrões de sociabilidade, seguindo o que se concebia como um esforço de civilização. Assume definitivamente o papel de cabeça do Império, posição que sustentou para além do retorno da Corte, como capital do Império do Brasil, já independente.

[5] CONDE DOS ARCOS: Sexto conde dos Arcos, foi governador das capitanias de Pernambuco (1745) e de Goiás (1748), tornando-se, mais tarde, o 7º vice-rei e capitão-general do Estado do Brasil (1754-1760). Teve participação ativa na expulsão dos jesuítas, em 1759. Retornando a Portugal, foi nomeado governador da província do Minho e, posteriormente, da praça africana de Mazagão. O título de 7º conde dos Arcos recaiu em d. Manuel de Noronha e Meneses, que se casou com d. Juliana Xavier de Noronha e Brito, filha do 6º conde.

Sugestões de uso em sala de aula:
Utilização(ões) possível(is):
● No eixo temático sobre a “História das relações sociais da cultura e do trabalho”
● No sub-tema “as relações sociais, a natureza e a terra”

Ao tratar dos seguintes conteúdos:
● A organização administrativa do Brasil colonial
● A sociedade colonial: o desenvolvimento social e urbano
● Sociabilidades, povos e culturas
● O Rio de Janeiro colonial

A invasão francesa de 1711

Correspondência entre o governador do Rio de Janeiro Francisco de Castro e dom Lourenço de Almada em 1711. O documento relata a situação do Rio de Janeiro, após o episódio da segunda invasão francesa nesta cidade, mostrando algumas dificuldades enfrentadas pelas autoridades em expulsar e coibir os ataques de piratas e corsários. A carta revela ainda a precariedade da defesa e segurança da colônia neste período.

 

Conjunto documental: Cartas sobre os franceses no Rio de Janeiro em 1711
Notação: códice 756
Datas-limite: 1711
Título do fundo ou coleção: Diversos códices-SDH
Código do fundo: NP
Argumento de pesquisa: Capitanias, governadores das
Data do documento: 15 de novembro de 1711
Local: Rio de Janeiro
Folha(s): 11

 
Cópia da carta que o Governador do Rio de Janeiro Francisco de Castro ao senhor Dom Lourenço de Almada em 15 de novembro de 1711.

 

“Meu Senhor. Já dei a Vossa Senhoria o parabém de lhe ter vindo o seu sucessor; agora o faço segunda vez, como tão interessado em que Vossa Senhoria logre o gosto de se recolher a sua casa; assim o permita Deus, para que este criado de Vossa Senhoria viva na esperança de se empregar em seu serviço, pois em toda a parte desejo mostrar nele a minha obediência.

Também dei conta a Vossa Senhoria do meu infeliz sucesso, perda desta cidade[1], e resgate que fazíamos dela, e que os franceses estavam em vésperas de se irem; e saíram pela Barra fora sexta-feira, que se contavam 13 do corrente o que agora não repito por não mover a Vossa Senhoria a maior dor; e porque o portador como carta viva, e testemunha de vista, o poderá contar com toda a individuação.

E sem embargo de que todos, por se desculparem, me carreguem a mim e eu não negue ter muita culpa, seguro a Vossa Senhoria, não tenho tanta quanto me querem por; e que espero em Deus há de mostrar a verdade. E o mais posso segurar a Vossa Senhoria é, que sendo esta gente toda a mais obediente para deixarmos a praça, não o quiserem ser, para fazermos um corpo aonde inventávamos, e que todos me deixaram, sem que os meus rogos os obrigassem a obedecer-me, que se o fizessem, nem haveria a perda, que houve, nem nos seria necessário resgatar a cidade por dinheiro, o que se fez, porque todos nos desampararam.

O Sr. Antonio de Albuquerque[2] fica governado em virtude de uma carta que tinha de S. Majestade[3], vinda o ano passado; sem embargo de que eu o hei de ajudar como oficial de ordens. Ao se Vossa Senhoria fica mui pronta a minha obediência, para no serviço de Vossa Senhoria desempenhar a minha obrigação, e exercitar a minha vontade. Deus Guarde a Vossa Senhoria Rio de Janeiro 15 de Novembro de 1711. Criado de Vossa Senhoria, Francisco de Castro Moraes[4]. Ao Sr. Dom Lourenço de Almada[5].

 

[1] RIO DE JANEIRO: a cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro foi fundada tendo como marco de referência uma invasão francesa. Em 1555, a expedição do militar Nicolau Durand de Villegaignon conquista o local onde seria a cidade e cria a França Antártica. Os franceses, aliados aos índios tamoios confederados com outras tribos, foram expulsos em 1567 por Mem de Sá, cujas tropas foram comandadas por seu sobrinho Estácio de Sá, com o apoio dos índios termiminós, liderados por Arariboia. Foi Estácio que estabeleceu “oficialmente” a cidade e iniciou, de fato, a colonização portuguesa na região. O primeiro núcleo de ocupação foi o morro do Castelo, onde foram erguidos o Forte de São Sebastião, a Casa da Câmara e do governador, a cadeia, a primeira matriz e o colégio jesuíta. Ainda no século XVI, o povoamento se intensifica e, no governo de Salvador Correia de Sá, verifica-se um aumento da população no núcleo urbano, das lavouras de cana e dos engenhos de açúcar no entorno. No século seguinte, o açúcar se expande pelas baixadas que cercam a cidade, que cresce aos pés dos morros, ainda limitada por brejos e charcos. O comércio começa a crescer, sobretudo o de escravos africanos, nos trapiches instalados nos portos. O ouro que se descobre nas Minas Gerais do século XVIII representa um grande impulso ao crescimento da cidade. Seu porto ganha em volume de negócios e torna-se uma das principais entradas para o tráfico atlântico de escravos e o grande elo entre Portugal e o sertão, transportando gêneros e pessoas para as minas e ouro para a metrópole. É também neste século, que a cidade vive duas invasões de franceses, entre elas a do célebre Duguay Trouin, que arrasa a cidade e os moradores. Desde sua fundação, esta cidade e a capitania como um todo desempenharam papel central na defesa de toda a região sul da América portuguesa, fato demonstrado pela designação do governador do Rio de Janeiro Salvador de Sá como capitão-general das capitanias do Sul (mais vulneráveis por sua proximidade com as colônias espanholas), e pela transferência da sede do vice-reinado, em Salvador até 1763, para o Rio de Janeiro quando a parte sul da colônia tornou-se centro de produção aurífera e, portanto, dos interesses metropolitanos. Ao longo do setecentos, começam os trabalhos de melhoria urbana, principalmente no aumento da captação de água nos rios e construção de fontes e chafarizes para abastecimento da população. Um dos governos mais significativos deste século foi o de Gomes Freire de Andrada, que edificou conventos, chafarizes, e reformou o aqueduto da Carioca, entre outras obras importantes. Com a transferência da capital, a cidade cresce, se fortifica, abre ruas e tenta mudar de costumes. Um dos responsáveis por essas mudanças foi o marquês do Lavradio, cujo governo deu grande impulso às melhorias urbanas, voltando suas atenções para posturas de aumento da higiene e da salubridade, aterrando pântanos, calçando ruas, construindo matadouros, iluminando praças e logradouros, construindo o aqueduto com vistas a resolver o problema do abastecimento de água na cidade. Lavradio, cuja administração se dá no bojo do reformismo ilustrado português (assim como de seu sucessor Luís de Vasconcelos e Souza), ainda criou a Academia Científica do Rio de Janeiro. Foi também ele quem erigiu o mercado do Valongo e transferiu para lá o comércio de escravos africanos que se dava nas ruas da cidade. Importantíssimo negócio foi o tráfico de escravos trazidos em navios negreiros e vendidos aos fazendeiros e comerciantes, tornando-se um dos principais portos negreiros e de comércio do país. O comércio marítimo entre o Rio de Janeiro, Lisboa e os portos africanos de Guiné, Angola e Moçambique constituía a principal fonte de lucro da capitania. A cidade deu um novo salto de evolução urbana com a instalação, em 1808, da sede do Império português. A partir de então, o Rio de Janeiro passa por um processo de modernização, pautado por critérios urbanísticos europeus que incluíam novas posturas urbanas, alterações nos padrões de sociabilidade, seguindo o que se concebia como um esforço de civilização. Assume definitivamente o papel de cabeça do Império, posição que sustentou para além do retorno da Corte, como capital do Império do Brasil, já independente.

[2] CARVALHO, ANTONIO DE ALBUQUERQUE COELHO DE (1655-1725): comendador da Ordem de Cristo e da Ordem de Santo Ildefonso, foi nomeado governador da capitania do Rio de Janeiro e responsável pela pacificação da região das minas após a Guerra dos Emboabas. Para uma melhor administração daquela região, que aumentava significativamente a sua densidade demográfica devido à descoberta do ouro, Antonio Albuquerque sugeria à metrópole portuguesa a criação da capitania de São Paulo e das Minas Gerais, em 1709. Aceita sua proposta, foi nomeado primeiro governador. Sob sua administração, foram instituídas as primeiras vilas na região das minas, a partir de 1711: Nossa Senhora do Carmo e Albuquerque (Mariana), Vila Rica (Ouro Preto) e Sabará. Em 1711, comandou pessoalmente as tropas mineiras enviadas para combater a segunda invasão francesa ao Rio de Janeiro.

[3] JOÃO V, D. (1689-1750): conhecido como “o Magnânimo”, d. João V foi proclamado rei em 1706 e teve que administrar as consequências produzidas na colônia americana pelo envolvimento de Portugal na Guerra de Sucessão Espanhola (1702-1712), a perda da Colônia do Sacramento e a invasão de corsários franceses ao Rio de Janeiro (1710-11). Se as atividades corsárias representavam um contratempo relativamente comum à época e nas quais se envolviam diversas nações europeias, a ocupação na região do Rio da Prata seria alvo de guerras e contendas diplomáticas entre os dois países ibéricos durante, pelo menos, um século, já que as colônias herdariam tais questões fronteiriças depois da sua independência. As guerras dos Emboabas (1707-09) na região mineradora e dos Mascates (1710-11) em Pernambuco completaram o quadro de agitação desse período. Entre as medidas políticas mais expressivas de seu governo, encontram-se: os tratados de Utrecht (1713 e 1715), selando a paz com a França e a Espanha respectivamente, e o tratado de Madri (1750), que objetivava a demarcação dos territórios lusos e castelhanos na América, intermediado pelo diplomata Alexandre de Gusmão. Este tratado daria à colônia portuguesa na América uma feição mais próxima do que atualmente é o Brasil. Foi durante seu governo que se deu o início da exploração do ouro, enriquecendo Portugal e dinamizando a economia colonial. O fluxo do precioso metal contribuiu para o fausto que marcou seu reinado, notadamente no que dizia respeito às obras religiosas, embora parte dessa riqueza servisse também para pagamentos de dívidas, em especial com a Inglaterra. Mesmo assim, as atividades relacionadas às artes receberam grande incentivo, incluindo-se aí a construção de elaborados edifícios (Biblioteca de Coimbra, Palácio de Mafra, Capela de São João Batista – erguida em Roma com financiamento luso e, posteriormente, remontada em Lisboa) e o desenvolvimento do peculiar estilo barroco, que marcou a ourivesaria, a arquitetura, pintura e esculturas do período tanto em Portugal quanto no Brasil. Seu reinado antecipa a penetração das ideias ilustradas no reino, com a fundação de academias com apoio régio, a reunião de ilustrados, a influência da Congregação do Oratório, em contrapartida à Companhia de Jesus.

[4] MORAES, FRANCISCO DE CASTRO (?-1738): governador da cidade do Rio de Janeiro no período das duas invasões francesas: de Du Clerc, em 1710 e de DuGuay Trouin, no ano seguinte. Na ocasião do primeiro ataque, conseguiu, a muito custo, evitar a tomada da cidade e prender os franceses, inclusive o líder, Du Clerc, que acabou morrendo preso em 1711. Durante a investida de Trouin teve fraca atuação, não oferecendo grande resistência. Tendo sido avisado de que um grande corso de aproximava do Rio de Janeiro visando tomar a cidade, Morais deu início à preparação dos fortes e tropas, mas acabou suspendendo as medidas preventivas ao não notar nenhuma movimentação no mar. No entanto, os navios da armada francesa surpreenderam os moradores, entrando muito rapidamente na baía, sob neblina, e pegando a cidade despreparada. Alguns atribuem a essa grande surpresa a falta imediata de ação do governador. A população fugiu com seus bens de maior valor para os sertões no entorno da cidade e Morais, temeroso e aguardando socorro das tropas de Antônio de Albuquerque que viriam das Minas Gerais, acabou sucumbindo e permitindo que Du Guay pilhasse a cidade e levassem grande quantia em dinheiro e gêneros, alguns próprios, para que ele reunisse seus homens e deixasse a cidade, o que acabou acontecendo. A pedido dos vereadores, que questionaram a ação do governador, a Coroa mandou que se fizesse uma devassa dos acontecimentos ocorridos e Morais foi condenado por crime de covardia contra a cidade e os bens reais, que traía os princípios de nobreza. Teve seus privilégios cassados e foi responsabilizado pela derrota na invasão, levado à prisão perpétua em um forte na Índia.

[5] ALMADA, D. LOURENÇO: Foi governador da Ilha da Madeira, Angola e Brasil, onde sucedeu a Luís César de Meneses em 1710.

 

Sugestões de uso em sala de aula:
Utilização(ões) possível(is):
● No eixo temático sobre a “História das representações e das relações de poder”
● No sub-tema “Nações, povos, lutas, guerras e revoluções”
● Ao trabalhar o tema transversal “Pluralidade cultural”

Ao tratar dos seguintes conteúdos:
● As transformações culturais e políticas na Época Moderna
● A expansão marítima e comercial: ameaças e resistências coloniais
● A formação dos Estados Nacionais Modernos e as práticas mercantilistas

Relações de comércio

Pedido de “ato de Justiça” feito pelos comerciantes da capitania do Pará, alegando má administração da câmara de Belém. Segundo estes comerciantes, a referida instituição cuidava apenas dos seus interesses particulares, arrogando-se direitos indevidos de aumentar as suas rendas por meio da venda de aguardente, anil e vinho. 
 
Conjunto documental: Correspondência original dos governadores do Pará com a Corte. Cartas e anexos
Notação: Códice 99, vol. 24
Datas-limite: 1804-1900
Título do fundo ou coleção: Secretaria do governo da Capitania do Pará
Código do fundo: 89
Argumento de pesquisa: Câmaras municipais
Data do documento: 1804
Local: Pará
Folha(s): 122 a 124v

Leia esse documento na íntegra

 

“Senhor,

Os Negociantes da Praça do Pará[1], matriculados pela Real Junta de Comércio[2], prostrando-se ante o Régio Trono vem implorar de Vossa Alteza Real ato de justiça, que ponha termo às pressões, e vexames, que experimentam em dano todos os habitantes da mesma Praça. A experiência confirmou a máxima de que o comércio não prospera em quanto se não removem os obstáculos ao seu livre uso. coarctar os monopólios, e impedir que alguém imponha tributos, alcavalas[3], ou encargos nos objetos, ou pessoas do comércio, fora em todos os tempos o maior cuidado dos Augustíssimos Soberanos de Portugal[4], e de Vossa  Alteza Real para que o comércio prosperasse em todos os seus domínios.

Desprezando, porém estas verdades, e executando somente os seus particulares interesses, a Câmara do Pará[5], se tem arrogado direitos, que Vossa Alteza Real lhe não conferiu para aumentar as suas vendas: estabelecendo a privativa e exclusiva vendagem de aguardente[6] cachaça da chamada Anis, e do vinho[7], e mais bebidas deste Reino por miúdo naquela cidade, e seu termo; proibindo aos Senhores de Engenho[8], que as fabricam, e aos negociantes que de cá as recebem, vendê-las por grosso antes de afrontarem o contratador da Câmara, para verem se querem tanto por tanto. Na casa do Ver-o-pezo estabeleceu, que cada carregador pagasse de cada arroba[9] de gêneros para embarque certa taxa, alcavala, ou imposto. Reduziu a dez os Armazéns para vendagem em grosso e atacado das bebidas do Reino; a sessenta as Tavernas e Casas de Baforinharia[10] e Mercearia; a dez os Botequins; e quarenta os Virandeiros. Onerou Finalmente a cada um com a obrigação de tirar licença cada seis meses; pagando, além do que já se pagara, doze mil e oitocentos réis[11] para Armazém de Vendagem por grosso; quatro mil réis para ter Taverna ou Botequim; e dois mil réis para ser Virandeiro.

Tais constituições, depois de receberem a confirmação do Doutor Ouvidor[12] da Comarca, e mesmo do Ex.mo Governador e Capitão General da Capitania, passarão a publicar-se por afixação de Editais para ter observância de primeiro de Janeiro de 1804 em diante. Descobrindo logo os suplicantes quão grande dano receberão em particular e em geral todos os habitantes da Cidade, e seu Termo, o representarão ao mesmo Ex.mo Governador e Capitão General que depois de ser ouvido a Câmara, e Doutor Ouvidor, finalmente indeferiu o junto Requerimento dos Suplicantes, que vai junto.

Para Vossa Alteza Real Se Digne Ordenar por Decreto, Carta Regia, Aviso ou Provisão ao Ex.mo Governador e Capitão General do Pará, que fazendo cassar, e asprar os Provimentos da Câmara, e Correição, por onde se Constituirão tão ruinosos e prejudiciais monopólios, e encargos, ou impostos com ofensa e usurpação dos Direitos Majésticos, para mais não terem observância, se mova imediatamente, e para o futuro todos e quaisquer intentos de monopólio, e de encargos que a Câmara proponha, para aumento das suas vendas, e de que direta, ou indiretamente venha decadência do Comércio. Como procurador dos suplicantes, Francisco de Paula”

 

[1] PARÁ, CAPITANIA DO: A etimologia do nome da antiga unidade administrativa decorre do rio Pará, derivado do tupi-guarani pa'ra que significa rio do tamanho do mar ou grande rio devido sua grande extensão. No ano de 1621, a colônia americana portuguesa foi dividida em dois territórios administrativamente separados que respondiam ambos diretamente a Lisboa: o Estado do Brasil, com sede em Salvador, e o Estado do Maranhão, com centro administrativo em São Luís. O Estado do Maranhão e Grão-Pará permaneceu com essa designação até o ano de 1751, quando no reinado de d. José I e do gabinete de Sebastião José de Carvalho e Melo, transfere a capital administrativa de São Luiz para Belém (fundada em 1616) e passa a se chamar Estado do Grão-Pará e Maranhão. O Estado do Grão-Pará e Maranhão era composto pelas capitanias do Pará, Maranhão, Piauí e Rio Negro, mantida essa estrutura até o ano de 1772/1774, quando o governo português resolve dividir o Estado do Grão-Pará e Maranhão em duas unidades administrativas distintas: o Estado do Grão-Pará e Rio Negro (1772/1774 -1850), ficando a capitania do Rio Negro Subordinada ao Pará, e o Estado do Maranhão e Piauí (1772/1774-1811), ficado a capitania do Piauí subordinada ao Maranhão. Ambas, as unidades administrativas criadas ficaram subordinadas diretamente a Lisboa (SANTOS, Fabiano Vilaça dos. O governo das conquistas do norte: trajetórias administrativas no Estado do Grão-Pará e Maranhão (1751-1780). Tese de doutorado em História. USP, 2008). As conquistas do norte eram inicialmente subordinadas ao Estado do Maranhão, que não conseguia defender toda a vasta região amazônica, além de expandir as fronteiras para o oeste. Para tentar efetivar a apropriação do território e conter o alcance da influência dos religiosos nas missões e aldeamentos, a Coroa criou e distribuiu sistematicamente, entre 1615 e 1645, capitanias e sesmarias ao longo do rio Amazonas. As capitanias que compunham o Estado do Maranhão no século XVII eram Pará, Maranhão e Piauí – reais – e Cumá, Caeté, Cametá e Marajó (ou Ilha Grande de Joanes), estas particulares e subordinadas às da Coroa. O regime das capitanias permaneceu em vigor desde 1615 até 1759, quando o marquês de Pombal, primeiro-ministro de d. José I, reformulou o sistema, incorporando todas à Coroa e dando uma nova configuração ao Estado do Grão-Pará e Maranhão. O Grão-Pará representou grande possibilidade de riqueza para colonos e colonizadores, interessados nas drogas do sertão e nas terras indígenas. O setecentos, sobretudo na segunda metade, foi um período profícuo para a região, devido à intensificação do comércio das drogas e ao incentivo às culturas agrícolas, como o cacau, tabaco, café, algodão, entre outros, promovidos pela Companhia de Comércio do Grão-Pará e Maranhão e resultante da expulsão dos jesuítas, que controlavam o comércio com os índios.

[2] REAL JUNTA DO COMÉRCIO (BRASIL): em 23 de agosto de 1808, como consequência da abertura dos portos ao comércio estrangeiro, foi estabelecida no Brasil a Real Junta de Comércio, Agricultura, Fábricas e Navegação, em substituição à Mesa de Inspeção do Rio de Janeiro, incorporando suas funções. Foi organizada segundo o modelo da Real Junta do Comércio de Lisboa, instrumento de fiscalização e gestão do comércio ultramarino, importante no fomento à atividade agrícola e industrial. A junta acumulava funções judiciais e administrativas e entre suas funções, destacam-se: matricular os negociantes de grosso trato e seus caixeiros; regular a instalação de manufaturas e fábricas; cuidar do registro de patentes de invenções; conceder provisões de fábricas; administrar a pesca de baleias; faróis; estradas, pontes e canais; importação e exportação; além de solucionar litígios entre negociantes; dissoluções de sociedades mercantis; administração de bens de negociantes falecidos ou de firmas falidas ou em concordata, entre outros. Teve como primeiro presidente o conde de Aguiar, Fernando José de Portugal e Castro, que tomou posse em 18 de maio de 1809. Contam-se entre seus deputados, negociantes de grosso trato que exerciam o tráfico de africanos, evidenciando o papel de destaque dessa atividade no Brasil, o que incluía o recebimento de comendas como a Ordem de Cristo entre outras distinções. (FLORENTINO, Manolo et al. Aspectos comparativos do tráfico de africanos para o Brasil (Séculos XVIII e XIX). Afro-Ásia, 31 (2004), 83-126).

[3] ALCAVALAS: Tributo antigo que expressava um imposto forçado, uma extorsão do fisco ou um logro.

[4] PORTUGAL: País situado na Península Ibérica, localizada na Europa meridional, cuja capital é Lisboa. Sua designação originou-se de uma unidade administrativa do reino de Leão, o condado Portucalense, cujo nome foi herança da povoação romana que ali existiu, chamada Portucale (atual cidade do Porto). Compreendido entre o Minho e o Tejo, o Condado Portucalense, sob o governo de d. Afonso Henriques, deu início às lutas contra os mouros (vindos da África no século VIII), das quais resultou a fundação do reino de Portugal no século XIII. Tornou-se o primeiro reino a constituir-se como Estado Nacional após a Revolução de Avis em 1385. A centralização política foi um dos fatores que levaram o reino a ser o precursor da expansão marítima e comercial europeia, constituindo vasto império com possessões na África, nas Américas e nas Índias ao longo dos séculos XV e XVI. Os séculos seguintes à expansão foram interpretados na perspectiva da Ilustração e por parte da historiografia contemporânea como uma lacuna na trajetória portuguesa, um desvio em relação ao impulso das navegações e dos Descobrimentos e que sobretudo distanciou os portugueses da Revolução Científica. Era o “reino cadaveroso”, dominado pelos jesuítas, pela censura às ideias científicas, pelo ensino da Escolástica. Para outros autores tratou-se de uma outra via alternativa, a via ibérica, sem a conotação do “atraso”. O século XVII é o da união das coroas de Portugal e Espanha, período que iniciado ainda em 1580 se estendeu até 1640 com a restauração e a subida ao trono de d. João IV. Do ponto de vista da entrada de novas ideias no reino deve-se ver que independente da perspectiva adotada há um processo, uma transição, que conta a partir da segunda metade do XVII com a influência dos chamados “estrangeirados” sob d. João V, alterando em parte o cenário intelectual e mesmo institucional luso. Um momento chave para a história portuguesa é inaugurado com a subida ao trono de d. José I e o início do programa de reformas encetado por seu ministro Sebastião José de Carvalho e Melo, o marquês de Pombal. Com consequências reconhecidas a longo prazo, no reino e em seus domínios, como se verá na América portuguesa, é importante admitir os limites dessa política, como adverte Francisco Falcon para quem “por mais importantes que tenham sido, e isso ir-se-ia tornar mais claro a médio e longo prazo, as reformas de todos os tipos que formam um conjunto dessa prática ilustrada não queriam de fato demolir ou subverter o edifício social” (A época pombalina, 1991, p. 489). O reinado de d. Maria I a despeito de ser conhecido como “a viradeira”, pelo recrudescimento do poder religioso e repressivo compreende a fundação da Academia Real de Ciências de Lisboa, o empreendimento das viagens filosóficas no reino e seus domínios, e assiste a fermentação de projetos sediciosos no Brasil, além da formação de um projeto luso-brasileiro que seria conduzido por personagens como o conde de Linhares, d. Rodrigo de Souza Coutinho. O impacto das ideias iluministas no mundo luso-brasileiro reverberava ainda os acontecimentos políticos na Europa, sobretudo na França que alarmava as monarquias do continente com as notícias da Revolução e suas etapas. Ante a ameaça de invasão francesa, decorrente das guerras napoleônicas e face à sua posição de fragilidade no continente, em que se reconhece sua subordinação à Grã-Bretanha, a família real transfere-se com a Corte para o Brasil, estabelecendo a sede do império ultramarino português na cidade do Rio de Janeiro a partir de 1808. A década de 1820 tem início com o questionamento da monarquia absolutista em Portugal, num movimento de caráter liberal que ficou conhecido como Revolução do Porto. A exemplo do que ocorrera a outras monarquias europeias, as Cortes portuguesas reunidas propõem a limitação do poder real, mediante uma constituição. Diante da ameaça ao trono, d. João VI retorna a Portugal, jurando a Constituição em fevereiro de 1821, deixando seu filho Pedro como príncipe regente do Brasil. Em 7 de setembro de 1822, d. Pedro proclamou a independência do Brasil, perdendo Portugal, sua mais importante colônia.

[5] CÂMARA MUNICIPAL: Peças fundamentais da administração colonial, as câmaras municipais representam o poder local das vilas. Foram criadas em função da necessidade de a Coroa portuguesa controlar e organizar as cidades e vilas que se desenvolviam no Brasil. Por intermédio das câmaras municipais, as cidades se constituíam como cenário e veículo de interlocução com a metrópole nos espaços das relações políticas. Do ponto de vista da administração municipal e da gestão política, foram, durante muitos anos, a única instituição responsável pelo tratamento das questões locais. Desempenhavam desde funções executivas até policiais, em que se destacam resolução de problemas locais de ordem econômica, política e administrativa; gerenciamento dos gastos e rendas da administração pública; promoção de ações judiciais; construção de obras públicas necessárias ao desenvolvimento municipal a exemplo de pontes, ruas, estradas, prédios públicos, etc; criação de regras para o funcionamento do comércio local; conservação dos bens públicos e limpeza urbana. As câmaras municipais eram formadas por três ou quatro vereadores (homens bons), um procurador, dois fiscais (almotacéis), um tesoureiro e um escrivão, sendo presidida por um juiz de fora, ou ordinário empossado pela Coroa. Somente aos homens bons, pessoas influentes, em sua grande maioria proprietários de terras, integrantes da elite colonial, era creditado o direito de se elegerem e votarem para os cargos disponíveis nas câmaras municipais.

[6] AGUARDENTE: Bebida derivada da fermentação e destilação do caldo ou do melaço da cana-de-açúcar, conhecida também como jeribita, táfia, cachaça, vinho de mel, ou ainda garapa azeda. Foi introduzida no Brasil pelos primeiros colonizadores portugueses, surgindo como subproduto dos engenhos de açúcar. Destinada inicialmente ao consumo local, ficou conhecida por muito tempo como bebida de escravo. Entretanto, pelo altíssimo teor alcoólico e baixo preço em relação ao vinho português, sua venda disseminou-se não só na América, como também em outras colônias portuguesas, de maneira que, no século XVII, já era utilizada como moeda de troca na compra de escravos na costa africana. A concorrência com a produção das Antilhas no Seiscentos fez despencar o preço do açúcar brasileiro no mercado internacional, forçando a procura por outros gêneros com características semelhantes. Foi nessa conjuntura que a aguardente ganhou espaço, sendo considerada como produto compensador da economia açucareira. Mesmo nas fases favoráveis, o açúcar possuía uma grande desvantagem em relação à aguardente: a baixa lucratividade para os seus produtores. Sendo um derivado da cana-de-açúcar, a aguardente era a grande responsável pelos ganhos dos engenhos brasílicos (25%), pois não estava atrelada ao dízimo e não era mercadoria dividida com os lavradores de cana. Devido à alta lucratividade dada aos senhores de engenho na colônia e ao temor da concorrência com o vinho português, a Coroa passou a tributar o produto e proibir sua comercialização. Apesar disso, as engenhocas, que oficialmente fabricavam rapadura, e os alambiques continuaram a produzir aguardente, o que contribuiu para disseminar a expressão a “salvação da lavoura”. Baixo custeio da produção e alta lucratividade fizeram da bebida, tipicamente tropical, o recurso acionado em momentos de dificuldades.

[7] VINHO: Bebida alcoólica resultante da fermentação do sumo das uvas (mosto), que contém grande concentração natural de açúcares, em contato com leveduras existentes na casca do fruto. O primeiro registro sobre a existência de um vinhedo cultivado data do ano 7.000 a.C. e se situava na região da Europa oriental e costa do mar Negro. Mais tarde, o plantio da vinha chegou ao Egito, à Grécia e a outras partes da Europa. A utilização do vinho nos sacramentos cristãos garantiu a sobrevivência da viticultura no período medieval: foi em torno das catedrais e dos mosteiros que os monges a aperfeiçoaram, a partir do emprego de castas de uvas especiais e da melhoria das técnicas, o que resultou num produto de melhor qualidade, permitindo sua comercialização no final desse período. Portugal possuía longa tradição vinícola; no século XVIII, já exportava quantidade significativa de vinho do porto e madeira para o mercado inglês. Nesse mesmo período, a produção vinícola das províncias do norte começava a se destacar, suplantando a produção do vinho fortificado, assemelhado ao do porto, produzido na ilha da Madeira. Para sua comercialização, os vinhos eram classificados segundo tipo e qualidade. Vinho de feitoria (oriundo de região demarcada), vinho de quintas (produzido e comercializado por vinicultores individuais), vinho de embarque (de qualidade adequada para exportação), vinho generoso (licoroso, com elevados teores de açúcar e fortificado com uma graduação alcoólica entre 14 a 18º servido, normalmente, como aperitivo) são algumas dessas classificações. No início da colonização, havia no Brasil uma produção significativa em São Paulo que foi proibida para não prejudicar o comércio de importação da portuguesa. O vinho era a bebida consumida pela elite colonial que o apreciava também devido às suas qualidades terapêuticas. Foi bastante considerável o volume de comércio de importação do vinho português para o Brasil. A Coroa portuguesa garantiu o mercado colonial para seu produto concedendo à Companhia de Comércio (1649) o monopólio da sua importação (estanco). Chegou mesmo a ser usado como moeda no início do tráfico de escravos, mas acabou substituído pelas aguardentes já no século XVII, produto mais barato, de maior durabilidade e aceitação na África.

[8] ENGENHO DE AÇÚCAR: Durante o período colonial o termo “engenho” designava o mecanismo usado para moer a cana, no início do processo de preparo do açúcar. Passa a referir-se ao complexo no qual se fabricava açúcar e toda área da fazenda – as terras, as plantações, a capela, a casa senhorial, a senzala, as ferramentas, e a moenda – posteriormente, desde a segunda metade do século XIX, conceito cunhado por historiadores e estudiosos da agricultura e economia coloniais. Os engenhos de cana (moendas) se dividiam em dois tipos: os engenhos reais, movidos a água – que apresentavam maior riqueza e complexidade, empregavam um grande número de oficiais de serviço e trabalhadores especializados, contavam com grande contingente de mão de obra escrava, grande plantação própria (além de comprar a produção de engenhos menores) e possuíam toda a maquinaria para produzir o açúcar, cobrindo todo o processo – e os movidos a tração animal – menores em tamanho e capacidade de produção, exigiam investimentos inferiores, também chamados engenhocas ou trapiches, e mais utilizados na produção de aguardente. Os engenhos, como unidades produtivas, tiveram um papel central na colonização, ocupação e povoamento do território da colônia. A maior parte da primeira geração de senhores de engenho não era formada por nobres ou grandes investidores, mas por plebeus que auxiliaram na conquista e povoamento da costa brasileira. Com o tempo, a expansão do açúcar e o consequente aumento da sua importância para a economia metropolitana, o status do senhor de engenho cresceu proporcionalmente. Os engenhos constituíam verdadeiros núcleos populacionais, em torno dos quais e de suas capelas, se formavam vilas e se construíam as defesas das fronteiras das capitanias. Os grandes engenhos tinham em torno de 60 a 100 escravos, e muito poucos ultrapassavam a marca de 150-200 cativos, dos quais, em média, 75% trabalhavam nos campos, 10% na manufatura do açúcar, e o restante dedicava-se a atividades domésticas ou não relacionadas ao trato açucareiro. Os engenhos, assim como o açúcar, tinham grande valor, mas um alto custo: as terras, o beneficiamento, os instrumentos, os escravos, as construções encareciam a produção, que apresentava, em geral, baixos rendimentos, descontados os gastos do senhor. A maior parte dos engenhos era muito pouco ou não lucrativa, fazia o suficiente para sua subsistência, ou lucrava mesmo com a produção da aguardente. Algumas poucas unidades geraram fortunas; a maioria rendia pouco e muitos acumularam grandes dívidas. Ao contrário do que comumente se pensa, a capitania que mais concentrava engenhos, em quantidade e grandeza, era a Bahia, e não Pernambuco, seguida pelo Rio de Janeiro, e então por aquela. A lucratividade variava muito, de acordo com: a safra de cana (influenciada pelas condições climáticas e de solo); as epidemias que assolavam vez ou outra a população escrava e de trabalhadores pobres; a falta de gêneros (como lenha, água, animais) e as dívidas que se acumulavam. Apesar das dificuldades, os engenhos não eram abandonados, e a produção açucareira, embora oscilasse de acordo com as ofertas e demandas do mercado europeu e suas colônias, não perdeu sua importância no Brasil. Os engenhos representavam um microcosmo da sociedade aristocrática rural, apoiada no poder patriarcal e político do senhor, base da sociedade brasileira em construção, bem analisada por Gilberto Freyre em sua obra. Mais do que representação de riqueza, o engenho tinha grande importância simbólica, um signo de poder e um sinal de distinção. Os senhores de engenho dominaram a política local durante décadas e, até o século XVIII, ocuparam a maior parte dos postos de oficial nas milícias locais, formando durante todo o período colonial um poderoso grupo de pressão, uma vez que a metrópole precisava de sua lealdade e de seus investimentos para manter a colônia e torná-la rentável. Havia uma hierarquia entre os senhores de engenho, que dependia basicamente da tradição da família e do tipo de propriedade que possuíam. Embora a maior parte dos lucros resultantes da produção de açúcar se concentrasse na atividade comercial, era a produção agrícola que concedia prestígio e poder.

[9] REFORMA DOS PESOS E MEDIDAS: com a unificação do território português surge a necessidade de padronização dos pesos e medidas no reino. Posteriormente, com a incorporação de novos territórios decorrente da expansão marítima e comercial, dos séculos XV e XVI, a preocupação com a uniformização dos pesos e medidas se estende a todo império ultramarino. A imprecisão das unidades de medidas usuais, que permitia fraudes, opunha-se à crescente importância de um sistema unificado e científico de pesos e medidas que facilitasse as transações comerciais, tanto no interior do império como entre as diferentes nações europeias. Apontando para uma tendência de uniformização dos pesos e medidas a nível mundial, em função do comércio e das trocas científicas, é adotado o “marco” em Portugal, medida de peso de uso corrente na Europa, por provisão, em outubro de 1488. Assim, observam-se diversas reformas e regramentos no sentido de estabelecer uma uniformização, e a partir do século XIX, a Academia Real das Ciências de Lisboa toma parte em algumas das comissões encarregadas das reformas. Ainda em 1812, é criada uma Comissão para o exame dos forais e melhoramentos da agricultura que, em conjunto com a Academia Real, propõe uma reforma baseada no modelo francês, mas que mantinha a terminologia portuguesa, de forma a atenuar a mudança. Finalmente, através de decreto de d. Maria II, em meados do século XIX, é implantado o sistema métrico decimal adotando a nomenclatura francesa. Até então, as unidades de medidas mais usadas em Portugal e, por conseguinte, no Brasil, eram: para comprimento, a légua (6.600 m), a braça (2,2 m), a vara (1,1 m) e o palmo (0,22 m); para peso, a arroba (≈15 kg), o marco (≈230 g), o arratel (≈460 g), a onça (28,691 g), o grão (50g) e a oitava (3,586 g). Já na pesagem do açúcar, utilizava-se o pão (63,4 Kg); o saco (75 Kg); o barril, a barrica e o tonel (120Kg); a caixa (300 Kg) e a tonelada (1000 Kg). Por fim, como medidas de volume, temos a cuia (1,1 l), a canada (2,662 l), o quartilho (0,665 l), o almude (31,944 l), o alqueire (36,4 l) e a pipa (485 l).

[10] BAFORINHARIA: Trata-se de casas de comércio e consumo de tabaco.  

[11] RÉIS: Moeda portuguesa utilizada desde a época dos descobrimentos (séculos XV e XVI). Tratava-se de um sistema de base milesimal, cuja unidade monetária era designada pelo mil réis, enquanto o réis designava valores fracionários. Vigorou no Brasil do início da colonização (século XVI) até 1942, quando foi substituída pelo cruzeiro.

[12] OUVIDOR: O cargo de ouvidor foi instituído no Brasil em 1534, como a principal instância de aplicação da justiça, atuando nas causas cíveis e criminais, bem como na eleição dos juízes e oficiais de justiça (meirinhos). Até 1548, a função de justiça, entendida em termos amplos, de fazer cumprir as leis, de proteger os direitos e julgar, era exclusiva dos donatários e dos ouvidores por eles nomeados. Neste ano foi instituído o governo-geral e criado o cargo de ouvidor-geral, limitando-se o poder dos donatários, sobretudo em casos de condenação à morte, entre outros crimes, e autorizando a entrada da Coroa na administração particular, observando o cumprimento da legislação e inibindo abusos. Cada capitania possuía um ouvidor, que julgava recursos das decisões dos juízes ordinários, entre outras ações. O ouvidor-geral, por sua vez, julgava apelações dos ouvidores e representava a autoridade máxima da justiça na colônia. Sua nomeação era da responsabilidade do rei, com a exigência de que o nomeado fosse letrado. Dentre as suas muitas atribuições, cabia-lhe informar ao rei do funcionamento das câmaras e, caso fosse necessário, tomar qualquer providência de acordo com o parecer do governador-geral. Ao longo do período colonial, o cargo de ouvidor sofreu uma série de especializações em função das necessidades administrativas coloniais. Dentre os cargos instituídos a partir de então, podemos citar o de ouvidor-geral das causas cíveis e crimes em 1609 (quando da criação da Relação do Brasil, depois desmembrada em Relação da Bahia e do Rio de Janeiro); o de ouvidor-geral do Maranhão em 1619, quando há a criação do Estado do Maranhão; e o de ouvidor-geral do sul em 1608, quando foi criada a Repartição do Sul.

 

 

 

Sugestões de uso em sala de aula:
Utilização(ões) possível(is):
● No eixo temático sobre a “História das representações e das relações de poder”
● Ao trabalhar o tema transversal “Ética”

Ao tratar dos seguintes conteúdos:
● A organização administrativa do Brasil colonial
● A sociedade colonial: o desenvolvimento social e urbano
● Trabalho no Brasil colonial
● Sociabilidades, povos e culturas

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