Alvará pelo qual o príncipe regente d. João estabeleceu novas regulamentações para Ordem da Torre e Espada, como forma de ampliar a carta de lei que a normalizou em 1810. Neste documento, o príncipe fixou um limite de integrantes, que não poderia ultrapassar um total de 24 comendadores honorários e de 100 cavaleiros.
Conjunto documental: Chancelaria-mor do Brasil. Registro das leis, cartas e alvarás
Notação: códice 48, vol. 01
Data-limite: 1808-1811
Título do fundo: Chancelaria-mor
Código do fundo: 0Q
Argumento de pesquisa: mercê, títulos e ordens honoríficas
Data do documento: 13 de maio de 1811
Local: Rio de Janeiro
Folha(s): 74 a 74v
"Eu, Príncipe Regente[1] faço saber aos que o presente alvará com força da Lei virem, que havendo instaurado a Ordem da Torre e Espada[2] pelo decreto de treze de maio do ano passado, dando-lhe forma, e regulamento pela carta de Lei de vinte e nove de novembro do mesmo ano, não só para marcar na posteridade a época em que felizmente aportei a este Estado, e estabeleci a ampla liberdade do comércio[3], franqueando-o a todos os navios nacionais e estrangeiros, mas também para premiar os ilustres e beneméritos vassalos d'el rei da Grã-Bretanha[4], meu antigo e fiel aliado, que me acompanharam com muito zelo nesta viagem, e aqueles dos meus vassalos, que antepuseram a honra de seguir-me: E sendo os prêmios desta natureza os mais capazes possíveis estímulos da honra, e de virtude, quando são repartidos com economia e sobriedade de maneira que se não tornem vulgares e percam o seu preço e valor: desejando a talhar estes inconvenientes, que frustrariam o fim e designo da instituição desta Ordem meramente Civil e Política: E querendo outrossim regular melhor a forma com que se deve lançar a Insígnia[5] aqueles em que eu fizer mercê[6]: e por bem uma ampliação e declaração do sobredito decreto, carta de Lei, determinando o seguinte:
Não se tendo fixado o número dos comendadores honorários e cavalheiros, e convindo fazê-lo: sou servido determinar que os comendadores honorários não sejam mais de 24; e os cavalheiros de 100, não podendo pessoa alguma requerer, nem devendo conferir-se qualquer destas mercês enquanto estiver cheio o número acima referido.
Sendo estabelecido no parágrafo XVI da carta de Lei de vinte e novo de novembro do ano passado, que as insígnias sejam lançadas em uma das Casas da Mesa da Consciência e Ordens[7], a quem encarreguei o exame, decisão e expediente dos negócios da Ordem. Ei por bem, que só os deputados deste Tribunal possam lançá-las com assistência de dois cavaleiros ou comendadores, fazendo-o um em cada mês, e sendo a propina depositada para se repartir por todos no fim de cada mês, a qual será igual a que percebem os priores-mores das Três Ordens Militares[8]. E o juramento será lavrado pelo oficial maior do mesmo Tribunal, e assinado pelo novo cavaleiro, e pelos assistiram, compreendido o que lançou a Insígnia.
No expediente dos Alvarás se haverá a Mesa, como se pratica com os cavaleiros das Três Ordens Militares, havendo-se por habilitados todos, a quem eu fizer a mercê da Insígnia da Ordem da Torre e Espada, sem precisão de dispensa de habilitações.
E este se cumprirá, como nele se contém. Pelo que mando a Mesa do Desembargo do Paço e da Consciência e Ordem[9], e a todos os Tribunais e mais pessoas a quem haja de pertencer o conhecimento deste alvará, que cumpram e guardem. E valerá como carta passada pela Chancelaria[10], posto que por ela não há de passar, e que o seu efeito haja de durar mais de um ano, sem embargo da Lei em contrário. Dado no Palácio do Rio de Janeiro[11], em 5 de julho de 1809. Conde de Aguiar[12]".
[1] JOÃO VI, D. (1767-1826): segundo filho de d. Maria I e d. Pedro III, se tornou herdeiro da Coroa com a morte do seu irmão primogênito, d. José, em 1788. Em 1785, casou-se com a infanta Dona Carlota Joaquina, filha do herdeiro do trono espanhol, Carlos IV que, na época, tinha apenas dez anos de idade. Tiveram nove filhos, entre eles d. Pedro, futuro imperador do Brasil. Assumiu a regência do Reino em 1792, no impedimento da mãe que foi considerada incapaz. Um dos últimos representantes do absolutismo, d. João VI viveu num período tumultuado. Foi sob o governo do então príncipe regente que Portugal enfrentou sérios problemas com a França de Napoleão Bonaparte, sendo invadido pelos exércitos franceses em 1807. Como decorrência dessa invasão, a família real e a Corte lisboeta partiram para o Brasil em novembro daquele ano, aportando em Salvador em janeiro de 1808. Dentre as medidas tomadas por d. João em relação ao Brasil estão a abertura dos portos às nações amigas; liberação para criação de manufaturas; criação do Banco do Brasil; fundação da Real Biblioteca; criação de escolas e academias e uma série de outros estabelecimentos dedicados ao ensino e à pesquisa, representando um importante fomento para o cenário cultural e social brasileiro. Em 1816, com a morte de d. Maria I, tornou-se d. João VI, rei de Portugal, Brasil e Algarves. Em 1821, retornou com a Corte para Portugal, deixando seu filho d. Pedro como regente.
[2] ORDEM DA TORRE E ESPADA: instituída pelo príncipe regente d. João no Rio de Janeiro em 13 de maio de 1808, a Real Ordem da Torre e Espada de Valor e Lealdade foi criada, inicialmente, para agraciar estrangeiros que tivessem sido úteis à monarquia e, prioritariamente, os membros da marinha britânica que escoltaram a família real ao Brasil. Como assinala Antônio Miguel Trigueiros, a princípio se pensou em ter como divisa da nova Ordem da Espada "União e Lealdade", em alusão direta à aliança entre o Reino Unido e Portugal contra os franceses. (A Real Ordem da Torre e Espada 1808-1834. R. IHGB, Rio de Janeiro, a.180 (478): jan./abr.2019). A ordem foi extinta em 1834.
[3] ABERTURA DOS PORTOS DO BRASIL: consequência imediata da vinda da família real e da Corte lusitana para o Brasil, a abertura dos portos brasileiros às “nações amigas” representou a conclusão de um processo que se iniciara com a invasão de Portugal pelos exércitos franceses [Ver também PÉRFIDA USURPAÇÃO DOS FRANCESES]. Tal medida colocava um fim a trezentos anos de sistema colonial e justificava-se pelas circunstâncias do momento, já que o comércio metropolitano estava ameaçado em função da presença das tropas francesas em território luso. Tratava-se, portanto, de garantir a continuidade da atividade comercial através da legalização do intenso contrabando dos produtos coloniais outrora existente, o que também significava a arrecadação dos tributos devidos. Um dos países que mais se beneficiaram com a abertura, mas não o único, foi a Grã-Bretanha que não apenas manteve uma rota alternativa de escoamento para seus produtos, como também ampliou sua aliança política e militar com os portugueses. No Brasil, os armazéns já estavam abarrotados de produtos à época da chegada da Corte portuguesa, devido às restrições impostas pelos franceses ao comércio europeu. Assim, os colonos que exportavam produtos para a metrópole exigiram que o governo os auxiliasse a exportar sua produção. Contudo, a medida também afetava diretamente os setores da economia que dantes se beneficiavam do exclusivo metropolitano, principalmente setores dominados pelos portugueses. Preços fixos, garantia de venda e transporte, entre outros estancos, sofreriam agora todo tipo de concorrência. Os protestos que eclodiram no Rio de Janeiro e em Lisboa forçaram o príncipe regente a fazer algumas concessões, entre elas: a restrição do livre comércio apenas aos portos de Belém, São Luis, Recife, Salvador e Rio de Janeiro; exclusividade aos navios portugueses para o comércio de cabotagem e redução para 16% nos impostos cobrados aos produtos comercializados por embarcações portuguesas.
[4] JORGE III (1738-1820): Jorge Guilherme Frederico, da dinastia de Hanôver, tornou-se conhecido na história por ter governado a Inglaterra no período da independência das Treze Colônias (1776), das guerras napoleônicas (1805-1815) e por ter adotado o inglês como língua oficial. Jorge III sofria de uma doença crônica que o levou a ter problemas mentais e lhe rendeu o cognome de “louco”. Em 1811, seu filho assumiu a regência com o título de Jorge IV, após a constatação da total impossibilidade de o pai continuar a reinar. Faleceu cego e louco, tendo governado por 51 anos.
[5] INSÍGNIA: constituíam os emblemas e símbolos da realeza como distintivos, brasões, bandeiras, selos e laços nacionais, por exemplo. Eram sinais distintivos de atributos de poder, dignidade, posto, comando, função ou classe. Utilizados nas cerimônias públicas representavam todo o aparato da corte, o respeito e o prestígio da pessoa do rei.
[6] MERCÊ: o mesmo que graça, benefício, tença e donativos. Na sociedade do Antigo Regime, a concessão de mercês era um direito exclusivo do soberano, decorrente do seu ofício de reinar. Cabia ao monarca premiar o serviço de seus súditos, de forma a incentivar os feitos em benefício da Coroa. Desse modo, receber uma mercê significava ser agraciado com algum favor (concessão de terras, ofícios na administração real, recompensas monetárias), condecoração ou título pelo rei, os quais eram concedidos sob os mais variados pretextos. Em 1808, após a chegada da Corte portuguesa ao Brasil, foi criada a Secretaria do Registro Geral das Mercês, subordinada à Secretaria de Estado dos Negócios do Brasil, quando da recriação, no Rio de Janeiro, dos órgãos da administração do Império português. Tinha por competência o registro dos títulos de nobreza e de fidalguia concedidos como graça, benefício e recompensa pelo monarca. As formas mais frequentes de mercês eram os títulos de nobreza e fidalguia, com as terras e tenças correspondentes, os hábitos das Ordens Honoríficas, cargos e posições hereditários. A concessão de mercês era também uma forma do monarca balancear os privilégios entre seus súditos, mantendo os bons serviços prestados por quem já havia conquistado alguma graça e incentivando o bom trabalho dos que almejavam obtê-las. Com a transferência da Corte da Europa para a América, poder-se-ia crer que os súditos da terra passariam a obter mais mercês, mas a hierarquia que havia entre a metrópole e a colônia, reproduzida na concessão de benefícios acabaria por se manter na colônia, mesmo depois da elevação a Reino Unido. Poucos títulos de nobreza foram concedidos, uma vez que na América não havia a nobreza de sangue, de linhagem, mas somente a concedida por grandes favores prestados ao reino, políticos ou militares. Entre as ordens honoríficas observa-se que houve a concessão de mais títulos, mas a maioria de baixa patente ou menor importância, os mais altos graus ainda eram reservados para a nobreza metropolitana. Mesmo concedendo hábitos, títulos de cavaleiros, posições e cargos, as mercês reservadas aos principais da colônia eram inferiores àquelas reservadas aos grandes da metrópole.
[7]MESA DA CONSCIÊNCIA E ORDENS: inicialmente denominada Mesa da Consciência, quando de sua criação em 1534, passou a ser designada de Mesa da Consciência e Ordens a partir de 1551, quando acrescentou a sua administração, as matérias referentes às três ordens militares e também cristãs: Cristo, Santiago da Espada e São Bento de Avis. Organismo judicial criado em 1532, tinha como propósito auxiliar o monarca – supremo dispensador da justiça – em resoluções que não competissem aos tribunais de justiça e de fazenda. O Regimento de 1608 estabeleceu que o Tribunal da Mesa seria composto de um presidente, cinco deputados (teólogos e juristas), um escrivão da câmara e três escrivães específicos para cada uma das ordens. Entre as várias atribuições da Mesa estavam encarregar-se dos pedidos dirigidos diretamente ao rei, que tocassem a “obrigação de sua consciência” e foi um dos mecanismos utilizados para a centralização do poder monárquico. Outras de suas atribuições eram: a tutela espiritual e temporal das ordens militares; a administração da Casa dos Órfãos de Lisboa; a tutela de diversas provedorias, entre elas a gestão de capelas e hospitais e a dos defuntos e ausentes; a superintendência da administração da Universidade de Coimbra, o governo espiritual das conquistas, entre outras. A Mesa de Consciência e Ordens foi criada juntamente com o Tribunal da Mesa do Desembargo do Paço no Brasil em alvará de 1808. Este trouxe algumas modificações em relação às funções a serem exercidas pelo tribunal na nova sede do Império, passava a tratar dos assuntos relativos ao padroado, em função da jurisdição espiritual da Ordem de Cristo em todos os territórios ultramarinos, direito concedido por Roma no século XV. Incluía, dentre outras competências, a análise dos pedidos de criação de novas freguesias, a construção de capelas, assuntos ligados às irmandades, a gerência de conflitos entre eclesiásticos, bem como os embates entre os clérigos e a população. Foi extinta no reinado de d. Pedro I, em 1828.
[8] TRÊS ORDENS MILITARES: trata-se da Ordem de Cristo; da Ordem de Santiago da Espada e da Ordem São Bento de Avis.
[9] MESA DO DESEMBARGO DO PAÇO E DA CONSCIÊNCIA E ORDENS (RIO DE JANEIRO): criada no Rio de Janeiro, após a transferência da Corte portuguesa ao Brasil, pelo alvará de 22 de abril de 1808, era um órgão superior da administração judiciária. O recém-criado tribunal encarregava-se dos negócios que, em Portugal, pertenciam a quatro secretarias: os tribunais da Mesa do Desembargo do Paço, da Mesa da Consciência e Ordens, do Conselho do Ultramar e da Chancelaria-Mor da Corte e do Reino. O alvará de criação do Desembargo do Paço e da Mesa da Consciência e Ordens, definia ambos como um mesmo tribunal, no entanto, na prática, mantiveram funcionamento e normas distintas. Referente ao Conselho Ultramarino, sua jurisdição englobava apenas os temas que não fossem militares, uma vez que estes já eram contemplados pelo Supremo Conselho Militar, uma de suas atribuições foi a confirmação das sesmarias da Corte e província do Rio de Janeiro, que até então eram dadas pelos vice-reis, pelos governadores e pelos capitães-generais de diversas capitanias.
[10] CHANCELARIA-MOR DA CORTE E ESTADO DO BRASIL: secretaria criada pelo alvará de 22 de abril de 1808, quando da instalação da governação joanina no Rio de Janeiro, no âmbito do movimento de recriação, na América portuguesa, de uma série de instituições que vigoravam em Portugal, concedendo-se particular atenção à esfera do judiciário. À Chancelaria-Mor, conforme o alvará, competia “a mesma jurisdição que exercia o do Reino”, e ao chanceler-mor, segundo o disposto nas Ordenações Filipinas, o exame do conjunto de despachos, decisões ou sentenças emanados do rei, desembargadores do Paço, vedores e conselheiros da Fazenda, provedor-mor das Obras Reais e restantes oficiais-mores da Casa Real, sendo acrescidas as juntas e conselhos régios posteriores às Ordenações. Responsável, entre tantas atribuições, por dar publicidade às leis, a chancelaria gerava receita, visto que se pagavam direitos pelas cartas passadas no órgão (Chancelaria-Mor da Corte e Reino. Associação dos Amigos da Torre do Tombo). O primeiro ocupante do cargo foi Tomás Antônio Vilanova Portugal, um dos políticos mais poderosos da corte.
[11] PALÁCIO DO RIO DE JANEIRO: referência ao edifício público Paço Imperial, situado na atual Praça XV de Novembro no centro do Rio de Janeiro. Construído a partir do projeto do engenheiro José Fernandes Pinto Alpoim, por determinação do governador da capitania, Gomes Freire Andrade, e inaugurado em 1743, a Casa dos Governadores inspirou-se na arquitetura do Paço da Ribeira, residência real em Lisboa, em acordo com seu sentido original de palácio, casa nobre, onde vive o soberano. As construções que começaram a ocupar as adjacências, tal como um chafariz e o convento das Carmelitas, delimitaram um largo ou praça – o Terreiro do Paço – uma das áreas mais valorizadas da cidade. Em 1763, quando a cidade se torna sede do poder colonial, a casa ganha o título de Palácio dos Vice-Reis e, em 1789, é construído outro chafariz junto ao novo cais, atribuído ao escultor, entalhador e arquiteto Valentim da Fonseca e Silva, o Mestre Valentim. Com a mudança da corte para o Rio de Janeiro, converteu-se em Paço Real, abrigando a família real e o governo. No entanto, em pouco tempo, o paço mostrou-se inadequado, dada a extensão da máquina administrativa e o número de membros da comitiva real. A aquisição da quinta de São Cristóvão [Quinta da Boa Vista] como local de moradia permanente da família real fez do Paço Imperial, assim denominado a partir de 1822, a sede do governo e das cerimônias oficiais, das festas da família real e outros rituais.
[12] CASTRO, D. FERNANDO JOSÉ DE PORTUGAL E (1752-1817): 1o conde de Aguiar e 2o marquês de Aguiar, era filho de José Miguel João de Portugal e Castro, 3º marquês de Valença, e de Luísa de Lorena. Formado em Direito pela Universidade de Coimbra, ocupou vários postos na administração portuguesa no decorrer de sua carreira. Governador da Bahia, entre os anos de 1788 a 1801, passou a vice-rei do Estado do Brasil, cargo que exerceu até 1806. Logo em seguida, regressou a Portugal e tornou-se presidente do Conselho Ultramarino, até a transferência da corte para o Rio de Janeiro. A experiência adquirida na administração colonial valeu-lhe a nomeação, em 1808, para a Secretaria de Estado dos Negócios do Brasil, pasta em que permaneceu até falecer. Durante esse período, ainda acumulou as funções de presidente do Real Erário e de secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros e da Guerra. Foi agraciado com o título de conde e marquês de Aguiar e se casou com sua sobrinha Maria Francisca de Portugal e Castro, dama de d. Maria I. Dentre suas atividades intelectuais, destaca-se a tradução para o português do livro Ensaio sobre a crítica, de Alexander Pope, publicado pela Imprensa Régia, em 1810.
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