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Grão Pará e Maranhão

Carta sobre o abandono do Estado do Grão-Pará

Publicado: Terça, 06 de Fevereiro de 2018, 19h24 | Última atualização em Segunda, 25 de Janeiro de 2021, 20h14

Carta de José de Nápoles Telo de Menezes, governador do Estado do Grão-Pará e Rio Negro, para Martinho de Melo e Castro, secretário de Estado dos Negócios da Marinha e Domínios Ultramarinos, relatando que há quatro meses não recebe notícias da Corte e nem gêneros da Europa. Informa que os negociantes estão desamparados com a extinção da Companhia Geral de Comércio, e alegam que os produtos estragarão devido ao clima e com a chegada de uma nova colheita, além do envio da embarcação Mauapá com os produtos do Estado para Lisboa.

Conjunto documental: Correspondência original dos governadores do Pará com a Corte. Cartas e anexos
Notação: códice 99, vol. 03
Datas-limite: 1781-1781
Título do fundo ou coleção: Negócios de Portugal
Código do fundo: 59
Argumento de pesquisa: Pará, capitania do
Data do documento: 23 de abril de 1781
Local: Pará
Folha(s): 40-40v

 

Ilustríssimo e excelentíssimo senhor

Com a falta que há quatro meses estamos padecendo não só de notícias, mas até dos gêneros da Europa mais necessários, e indispensáveis para a subsistência, se acha todo este Estado[1] em uma tal consternação, que não posso, nem devo eximir-me de apresentar a vossa excelência; para que igualmente o seja a sua majestade[2], o triste desamparo, em que os negociantes dessa corte tem posto este porto, apesar de todos os seus plausíveis comprometimentos para a extinção da Companhia do Comércio do Estado[3]; não podendo os mesmos de sorte alguma alegar por desculpa a falta dos gêneros do país pois que a vossa excelência é constante pelas minhas passadas participações, a copiosíssima extração do ano pretérito, qual até agora se não havia visto em tempo algum; e indo presentemente a sair deste porto o navio da mesma Companhia denominado Mauapá com a importantíssima carga, que do ofício relativo será a vossa excelência constante.
Além de tudo isto, restam ainda imensos gêneros em ser, que provavelmente se perderão, pela fácil corrupção própria do clima, e estando a porta uma nova colheita, que espero exceda muito a antecedente.
Nestes termos vossa excelência ponderando com mais maduro, e perspicaz conhecimento todos estes prejuízos iminentes, e interesses a retirar, com o zelo, que é próprio da sua eficácia, e do seu ministério se dignará promover o remédio, e o benefício comum dos lavradores do Estado, e das atendíveis utilidades da Real Fazenda[4] de sua majestade. 

Deus guarde a vossa excelência. Pará[5] 23 de abril de 1781.

Ilustríssimo e Excelentíssimo Senhor Martinho de Melo e Castro[6].

José de Nápoles Telo de Meneses[7]

 

[1] Em 1612, a Coroa portuguesa criou o Estado do Maranhão, que englobava, então, além da capitania do Maranhão, a do Pará e Ceará, como uma instância facilitadora da administração colonial, já que a comunicação entre esse novo estado e o reino era mais fácil e rápida do que com o Estado do Brasil. Este dura até 1652, quando é desfeita e ressurge em 1654, sem o Ceará, com o nome de Estado do Maranhão e Pará e funcionando com sede em São Luís até 1737, depois mudando para Belém. Com o passar do tempo, evidenciou-se a supremacia da capitania do Pará em virtude de seu intenso comércio das drogas do sertão e da produção agrícola para exportação, o que faz com que o nome do estado mudasse novamente, em 1751, para Estado do Grão-Pará e Maranhão. Em 1772, as capitanias se desmembram definitivamente, passando a existir então a capitania do Pará e capitania subalterna de São José do Rio Negro, e capitania do Maranhão e subalterna do Piauí.

[2] Maria da Glória Francisca Isabel Josefa Antônia Gertrudes Rita Joana, rainha de Portugal, sucedeu a seu pai, d. José I, no trono português em 1777. O reinado mariano, época chamada de Viradeira, foi marcado pela destituição e exílio do marquês de Pombal, muito embora se tenha dado continuidade à política regalista e laicizante da governação anterior. Externamente, foi assinalado pelos conflitos com os espanhóis nas terras americanas, resultando na perda da ilha de Santa Catarina e da colônia do Sacramento, e pela assinatura dos Tratados de Santo Ildefonso (1777) e do Pardo (1778), encerrando esta querela na América, ao ceder a região dos Sete Povos das Missões para a Espanha em troca da devolução de Santa Catarina e do Rio Grande. Este período caracterizou-se por uma maior abertura de Portugal à Ilustração, quando foi criada a Academia Real das Ciências de Lisboa, e por um incentivo ao pragmatismo inspirado nas ideias fisiocráticas — o uso das ciências para adiantamento da agricultura e da indústria de Portugal. Essa nova postura representou, ainda, um refluxo nas atividades manufatureiras no Brasil, para desenvolvimento das mesmas em Portugal, e um maior controle no comércio colonial, pelo incentivo da produção agrícola na colônia. Deste modo, o reinado de d. Maria I, ao tentar promover uma modernização do Estado, impeliu o início da crise do Antigo Sistema Colonial, e não por acaso, foi durante este período que a Conjuração Mineira (1789) ocorreu, e foi sufocada, evidenciando a necessidade de uma mudança de atitude frente a colônia. Diante do agravamento dos problemas mentais da rainha e de sua consequente impossibilidade de reger o Império português, d. João tornou-se príncipe regente de Portugal e seus domínios em 1792, obtendo o título de d. João VI com a morte da sua mãe no Brasil em 1816, quando termina oficialmente o reinado mariano.

[3] Foram criadas entre os séculos XVII e XVIII como uma ação do Estado português na tentativa de modernizar e melhor controlar o sistema de comércio e coibir o contrabando, que extraviava divisas das colônias. O auge da atuação das companhias foi durante o período pombalino (1750-1777), e seus privilégios compreendiam o monopólio do comércio, da navegação, dos direitos fiscais, chegando mesmo algumas a ter poderio militar. A primeira foi a Companhia de Comércio das Índias Orientais, criada em 1628 e extinta pouco tempo depois, não tendo sido muito bem-sucedida. Em seguida, foi fundada a Companhia Geral do Brasil (1649), que além das finalidades comerciais, também tinha objetivos militares: a reconquista de territórios no nordeste, dominados pelos holandeses. Esta companhia teve vida longa, atuando em toda a costa do Brasil, na escolta de embarcações que navegassem entre a colônia e o reino, com privilégios de transporte e comércio de produtos estancados, como o azeite, o vinho e o bacalhau. Extinta em 1720, depois de ter passado para a administração do Estado, originou a Junta de Comércio de Lisboa. Depois de um período de declínio, as companhias conheceram novo reforço durante a administração pombalina, sob forte gerência do Estado. Duas foram criadas neste período: a Companhia Geral do Grão-Pará e Maranhão (1755) e a de Pernambuco e Paraíba (1759), ambas com sede em Lisboa. Além de ser parte da ação pombalina de dinamização e controle da economia colonial pela Coroa, pretendiam também estimular o desenvolvimento econômico dos estados do Norte, principalmente a produção e comércio das drogas do sertão, e favorecer a penetração de mão de obra escrava africana, para substituir os índios no trabalho. A Companhia do Grão-Pará tinha filiais no Porto, São Luís e Belém e, ao todo, ¾ da produção do estado eram exportados pela companhia, causando protestos dos comerciantes particulares. O produto mais importante nas exportações do Pará era o cacau, seguido por cravocaféarrozalgodão e couro; no Maranhão, o algodão e o arroz, além de outras drogas. A Companhia do Grão-Pará foi lucrativa na maior parte de sua existência, além de ter estimulado novas culturas e permitido a entrada da mão de obra escrava africana nas conquistas do Norte. Caiu com seu idealizador, o marquês de Pombal, em 1777.

[4] Instituição fiscal criada em Portugal, no reinado de d. José I, pelo alvará de 22 de dezembro de 1761, para substituir a Casa dos Contos. Foi o órgão responsável pela administração das finanças e cobrança dos tributos em Portugal e nos domínios ultramarinos. Sua fundação simbolizou o processo de centralização, ocorrido em Portugal sob a égide do marquês de Pombal, que presidiu a instituição como inspetor-geral desde a sua origem até 1777, com o início do reinado mariano. Desde o início, o Erário concentrou toda a arrecadação, anteriormente pulverizada em outras instâncias, padronizando os procedimentos relativos à atividade e serviu, em última instância, para diminuir os poderes do antigo Conselho Ultramarino. Este processo de centralização administrativa integrava a política modernizadora do ministro, cujo objetivo central era a recuperação da economia portuguesa e a reafirmação do Estado como entidade política autônoma, inclusive em relação à Igreja. No âmbito fiscal, a racionalização dos procedimentos incluiu também novos métodos de contabilidade, permitindo um controle mais rápido e eficaz das despesas e da receita. O órgão era dirigido por um presidente, que também atuava como inspetor-geral, e compunha-se de um tesoureiro mor, três tesoureiros-gerais, um escrivão e os contadores responsáveis por uma das quatro contadorias: a da Corte e da província da Estremadura; das demais províncias e Ilhas da Madeira; da África Ocidental, do Estado do Maranhão e o território sob jurisdição da Relação da Bahia e a última contadoria que compreendia a área do Rio de Janeiro, a África Oriental e Ásia. Por ordem de d. José I, em carta datada de 18 de março de 1767, o Erário Régio foi instalado no Rio de Janeiro com o envio de funcionários instruídos para implantar o novo método fiscal na administração e arrecadação da Real Fazenda. Ao longo da segunda metade do século XVIII, seriam instaladas também Juntas de Fazenda na colônia, subordinadas ao Erário e responsáveis pela arrecadação nas capitanias. A invasão napoleônica desarticulou a sede do Erário Régio em Lisboa. Portanto, com a transferência da Corte para o Brasil, o príncipe regente, pelo alvará de 28 de junho de 1808, deu regulamento próprio ao Erário Régio no Brasil, contemplando as peculiaridades de sua nova sede. Em 1820, as duas contadorias com funções ultramarinas foram fundidas numa só: a Contadoria Geral do Rio de Janeiro e da Bahia. A nova sede do Tesouro Real funcionou no Rio de Janeiro até o retorno de d. João VI para Portugal, em 1821.

[5] A etimologia do nome da antiga unidade administrativa decorre do rio Pará, derivado do tupi-guarani pa'ra que significa rio do tamanho do mar ou grande rio devido sua grande extensão. No ano de 1621, a colônia americana portuguesa foi dividida em dois territórios administrativamente separados que respondiam ambos diretamente a Lisboa: o Estado do Brasil, com sede em Salvador, e o Estado do Maranhão, com centro administrativo em São Luís. O Estado do Maranhão e Grão-Pará permaneceu com essa designação até o ano de 1751, quando no reinado de d. José I e do gabinete de Sebastião José de Carvalho e Melo, transfere a capital administrativa de São Luiz para Belém (fundada em 1616) e passa a se chamar Estado do Grão-Pará e Maranhão. O Estado do Grão-Pará e Maranhão era composto pelas capitanias do Pará, Maranhão, Piauí e Rio Negro, mantida essa estrutura até o ano de 1772/1774, quando o governo português resolve dividir o Estado do Grão-Pará e Maranhão em duas unidades administrativas distintas: o Estado do Grão-Pará e Rio Negro (1772/1774 -1850), ficando a capitania do Rio Negro Subordinada ao Pará, e o Estado do Maranhão e Piauí (1772/1774-1811), ficado a capitania do Piauí subordinada ao Maranhão. Ambas, as unidades administrativas criadas ficaram subordinadas diretamente a Lisboa (SANTOS, Fabiano Vilaça dos. O governo das conquistas do norte: trajetórias administrativas no Estado do Grão-Pará e Maranhão (1751-1780). Tese de doutorado em História. USP, 2008). As conquistas do norte eram inicialmente subordinadas ao Estado do Maranhão, que não conseguia defender toda a vasta região amazônica, além de expandir as fronteiras para o oeste. Para tentar efetivar a apropriação do território e conter o alcance da influência dos religiosos nas missões e aldeamentos, a Coroa criou e distribuiu sistematicamente, entre 1615 e 1645, capitanias e sesmarias ao longo do rio Amazonas. As capitanias que compunham o Estado do Maranhão no século XVII eram Pará, Maranhão e Piauí – reais – e Cumá, Caeté, Cametá e Marajó (ou Ilha Grande de Joanes), estas particulares e subordinadas às da Coroa. O regime das capitanias permaneceu em vigor desde 1615 até 1759, quando o marquês de Pombal, primeiro-ministro de d. José I, reformulou o sistema, incorporando todas à Coroa e dando uma nova configuração ao Estado do Grão-Pará e Maranhão. O Grão-Pará representou grande possibilidade de riqueza para colonos e colonizadores, interessados nas drogas do sertão e nas terras indígenas. O setecentos, sobretudo na segunda metade, foi um período profícuo para a região, devido à intensificação do comércio das drogas e ao incentivo às culturas agrícolas, como o cacautabacocaféalgodão, entre outros, promovidos pela Companhia de Comércio do Grão-Pará e Maranhão e resultante da expulsão dos jesuítas, que controlavam o comércio com os índios.

[6] Nascido em Lisboa, foi secretário de Estado dos Negócios da Marinha e Domínios Ultramarinos de 1770 até sua morte. Estudou latinidade, filosofia e teologia na Universidade de Évora, além de direito canônico, em Coimbra, onde se formou bacharel em 1744. Diplomata, iniciou seus trabalhos em 1751, como embaixador em Haia, Holanda, e atuou de forma decisiva na solução de questões conflituosas entre Portugal e Inglaterra, decorrentes da Guerra dos Sete Anos, o que levou à sua nomeação para a Secretaria de Estado. Durante sua gestão como secretário de Estado da Marinha e Domínios Ultramarinos, desempenhou papel central no planejamento e execução das viagens e expedições filosóficas às colônias portuguesas. Melo e Castro foi o principal agente da Coroa envolvido no planejamento das viagens e na interlocução com os naturalistas e administradores locais, com vistas à solução de problemas no decurso das expedições. O secretário foi, ainda, diretor do Real Museu e Jardim Botânico da Ajuda e destinatário das remessas de produtos naturais provenientes das viagens, encaminhados aos museus de História Natural em Lisboa e Coimbra para sistematização, análise e classificação. Demonstrou habilidade na administração pública, muito embora seus escritos apontem que não foi um grande político ou teórico, não reconhecendo o início da crise do sistema colonial durante sua governação. Foi sob sua gestão que ocorreu a Conjuração Mineira (1789), tendo partido de Melo e Castro a ordem para que o governador da capitania de Minas GeraisLuis Antonio Furtado de Castro, visconde de Barbacena, promovesse a devassa dos envolvidos.

[7] Nasceu na cidade de Viseu, província da Beira, filho legítimo de Luís Xavier de Nápoles e Meneses e de D. Francisca Xavier de Nápoles e Lemos de Macedo. Por alvará de 15 de março de 1757 recebeu o foro de fidalgo da Casa Real. Ingressou na carreira militar em uma companhia do regimento de Cavalaria da praça de Almeida. Em 1761, ocupava o posto de cadete, assim como seu irmão, Bernardo de Nápoles Telo de Meneses. Quinze anos mais tarde, em remuneração a seus serviços, recebeu a mercê do hábito de cavaleiro da Ordem de Cristo, tendo sido habilitado em 10 de julho de 1776, após as diligências dos comissários da Mesa da Consciência e Ordens confirmarem seus atributos de nobreza e os bons procedimentos, bem como os de seus pais e avós, reputados como pessoas da principal nobreza da Beira. Discípulo do marquês de Pombal (já desterrado), segundo João Pereira Caldas, seu antecessor, Telo de Meneses foi nomeado governador e capitão-general do Estado do Grão-Pará e Rio Negro por carta patente de 19 de agosto de 1779. Era tenente de cavalaria em Almeida e em acréscimo de sua indicação foi elevado ao posto de capitão. Desembarcou em Belém em 26 de fevereiro do ano seguinte e tomou posse do governo do Estado do Grão-Pará no dia 4 de março. Sua administração foi marcada, entre outras realizações, pela promoção de atividades econômicas como a cultura do arroz e pelos esforços para secundar os trabalhos de demarcação das fronteiras amazônicas, estabelecidas pelo Tratado de Santo Ildefonso (1777). Por outro lado, querelas com o ouvidor-geral e o juiz de fora do Grão-Pará levaram José de Nápoles Telo de Meneses a cair em desgraça e a se afastar do real serviço depois de 1783, quando encerrou seu governo. Faleceu em Lisboa, solteiro e sem filhos. A herança e a satisfação de seus serviços recaíram na pessoa de um de seus sobrinhos, Luís Augusto de Nápoles Bourbon e Meneses.

 

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