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Conjuração em Minas Gerais

Tal dia é o batizado

Escrito por Super User | Publicado: Terça, 06 de Fevereiro de 2018, 13h54 | Última atualização em Sexta, 28 de Mai de 2021, 18h21

Carta de Domingos Vidal Barbosa em que confessa que estando ele na casa de Francisco Antônio Lopes, participou de conversas de cunho subversivo. Temas como “liberdade econômica” foram discutidos pelos presentes: desembargador Tomas Antônio Gonzaga, o cônego Luiz Oliveira, dentre outros. Segundo Gonzaga a independência do Brasil era também de interesse das nações estrangeiras, que teriam por conveniência comercializar diretamente com o mesmo. Concluíram os participantes que o momento oportuno para o levante, era quando o povo se encontrasse no auge de seu descontentamento, daí inconfidentes influentes na política incentivarem sigilosamente a instauração da derrama. Gonzaga argumenta que o Brasil dispunha dos recursos necessários para se manter autônomo, estabelecendo uma comparação com os norte-americanos que “não tendo outras minas que um pouco de peixe seco, algum trigo, e poucas fábricas tinham sustentado uma guerra tão grande”. Decidiram ainda favorecer no tocante ao comércio, às nações aliadas na guerra contra Portugal, e orquestraram o plano de execução do visconde de Barbacena, seguida pela instauração da República.

Conjunto documental: Inconfidência em Minas Gerais – Levante de Tiradentes
Fundo ou coleção: Diversos Códices SDH
Código do fundo: NP
Notação: códice 5, vol. 3
Datas-limite: 1789-1790
Argumento de pesquisa: Inconfidência Mineira
Data do documento: 9 de julho de1789
Local: Vila Rica – Minas Gerais
Folha(s): 24-27  

 

Além do que comuniquei aos ministros, que ontem me inquiriram a respeito do sucesso, que relatei acontecido em Montpellier, e para cujo objeto me foi tirado que V.Exa. ordenou a minha vinda a esta capitania me considero por esta circunstância na obrigação a que prontamente satisfaço de relatar a V.Exa. o que mais sei, e agora entendo ser indispensável delatar, servindo-me para isto da faculdade que V.Exa. me deu para esta escrita na presença do ministro, que nomeou e vem a V.Exa. Que havendo três para quatro meses, ido eu a Casa do Morro, a casa de meu primo o coronel Francisco Antonio de Oliveira Lopes, saí com o mesmo de tarde a ver um serviço mineral, e chegando ao dito que é perto de casa entramos a conversar, e o dito meu primo, a exagerar as comodidades deste país, e quanto ele seria delicioso se fosse livre e nestas práticas se consumiu a tarde. No dia seguinte tornou-me a fazer alguns discursos, soltar sobre as vantagens das ..., defendido pela natureza, consequentemente que digo, me disse, que tinha a contar-me certa coisa, e principiou outro discurso nesta substância. Que José Alvares Maciel[1], filho do capitão mor desta vila, tinha feito conhecer a ordem desse país que aqui havia com que se fizesse ..., que havia ferro, e com isso tudo quanto era necessário para o Brasil se fazer independente, e que o dito José Alves, tinha dado palavra de aprontar quanto vinha de fora, a vista do que nada faltasse. Que o dr. Cláudio[2], o cônego Luis Vieira[3] e o desembargador Gonzaga[4], não tinham feito as leis para se governarem, nas quais se ordenara que todo homem plebeu pudesse vestir ... que os diamantes fossem brancos, que os dízimos fossem para os vigários com condição de sustentarem uns tantos mestres, hospitais e outras coisas pias, que aquele que mais se distinguisse na primeira ação seria o mais premiado, e que a Nação que primeiro os socorresse durante a guerra essa teria mais vantagens em seus portos. Que o coronel Alvarenga[5] aprontava duzentos homens e que ele coronel dava cinqüenta, que o contratador[6] Domingos de Abreu dava a pólvora, e que o sinal era = tal dia é o batizado = que viriam todos de sobretudo para melhor ocultarem as armas. Disse mais que o cônego Luis Vieira tinha feito um plano para por ele verem a segurança deste país, e também para se regerem pelo mesmo dizendo o cônego Vieira que a natureza tinha feito este continente responsável por si mesmo e que a entrada do Rio de Janeiro faltava ser guarnecida por diversas emboscadas de sorte que qualquer tropa que subisse do ... se desbaratasse e que os que escapassem da primeira não escapariam da segunda, que era preciso buscar ocasião em que todo o povo estivesse descontente e que agora fazia muito boa porque se lançava a derrama[7]:  que o Exmo. Sr. Martinho de Mello tinha escrito ao Intendente[8] Procurador da Fazenda, dizendo-lhe que devia ser riscado do serviço por não ter requerido o lançamento da derrama e que o desembargador Gonzaga tinha feito um requerimento muito forte para o douto Intendente entrar com ele na junta excitando a derrama, que não tinham que recear Nação alguma pois que todos desejavam o Brasil independente para virem negociar nele. Que os americanos ingleses[9] em umas praias cavadas não tendo outras minas que um pouco de peixe seco, algum trigo e poucas fábricas, tinham sustentado uma guerra tão grande, vendo-se obrigados a retirar-se para os montes. Que tinham acertado que o alferes[10] Joaquim José[11] fosse a cachoeira e matasse o Exmo. General, e trazendo-lhe a cabeça amostrasse ao povo dizendo esse era quem nos governava, de hoje em diante vira a República[12] e que logo um subisse a um alto a fazer uma oração ao povo aguçando-lhe a futura felicidade, que matariam também o ajudante de ordens Antonio Xavier, o L. M. Pedro Afonso, duvidando se também matariam ou não o coronel Carlos José, e dizendo um que não era necessário que morresse, ... o dito Maciel dizendo que o devia ser porque os soldados o respeitavam mais do que ao Tenente Coronel. Que era necessário esperar ocasião em que fosse ... para baixo para o tomarem e haver dinheiro para pagamento dos soldados, que para as emboscadas na estrada do Rio eram milhares de homens pardos acostumados a andar no mato: que havia cinco ou sete negociantes do Rio de Janeiro que queriam que a revolução principiasse por lá e que lhe tinham mandado responder que essa gloria a queriam eles para cá: que tanto que se fizesse a sublevação nestas Minas se havia de escrever uma carta a praça do Rio dizendo que se queriam ser pagos de tudo que se lhes devia, haviam de ali fazer o mesmo que se tinha feito cá, e que então lhes mandariam socorro, e que no caso de vir grande poder contra o Rio mandariam ... para se retirarem, aqueles não fizessem ... de balas ardentes como haviam feito os ingleses em ... passados dois dias depois desta prática tendo eu ido a um batizado dos Prados foi encontrar-se comigo ao caminho, um estudante meu conhecido chamado José de Resende Costa, filho de um capitão do mesmo nome e quase chegando aquele Arraial dos Prados me disse, que talvez já não fosse a Coimbra[13] por certa circunstância e perguntando-lhe eu, me disse que era porque o Brasil se fazia brevemente uma República: pedi-me que me contasse como era isso porque já tinha ouvido falar em semelhante coisa, porém o sujeito a quem não dava crédito, respondeu-me que dissesse eu o que sabia que ele me daria o resto: contei-lhe então alguns dos passos referidos e ele me relatou outros do que se tinham a concluir que o dito Resende sabia pouco mais ou menos o mesmo que eu tinha ouvido, acrescentando que o Vigário de São José Carlos Correa de Toledo sabendo que seu pai estava na deliberação de mandar para os estudos de Coimbra, lhe tinha contado tudo o que referido fica além disto. Também o mesmo estudante me comunicou que em certo banquete ou batizado, tinha o irmão daquele mencionado Vigário o sr. Mor Luiz Vaz de Toledo Piza feito numa saúde do coronel Joaquim Silvério dos Reis[14], dizendo que tinha saúde de quem brevemente iria ficar livre da Fazenda Real[15], e que o mesmo sr. Mor se havia de armas para ir tomar São Paulo. Tudo que expressado venho ouvi unicamente ao dito meu primo, e estudante Resende que não merece a menor reflexão, assim pela incapacidade dos sujeitos, como pela impossibilidade da empresa ou de empreendê-la, e foi esta a causa porque me não dirigi logo a V. Exa. e relatar-lhe tudo como agora faço, muito mais por ignorar que houvesse lei, que assim me obrigasse porque a minha profissão é diversa e tudo o referido o juro aos Santos Evangelhos em firmeza do que me assino. Domingos Vidal de Barbosa.

 

[1] MACIEL, JOSÉ ALVARES (1760-1802): filho do capitão-mor de Vila Rica, herdou o nome do seu pai, um rico comerciante e fazendeiro. Como outros filhos da elite colonial, foi mandado com 21 anos à Universidade de Coimbra para completar seus estudos em Filosofia Natural, tendo seguido para a Inglaterra posteriormente para estudar técnicas de siderurgia e manufatura. Na Inglaterra, teve contato com as ideias liberais e a maçonaria e passou a adquirir e ler textos com relatos da Revolução americana, também discutindo com amigos ingleses a possibilidade da independência do Brasil. Na época em que retornou ao Brasil, em 1788, se engajou ao grupo daqueles insatisfeitos com a relação metrópole-colônia (em especial, no tocante à situação das Minas) e que pregavam a rebelião. Por ser uma figura próxima ao governador das Minas, o visconde de Barbacena – era tutor de seus filhos além de encarregado de prospecções mineralógicas nos arredores de Vila Rica –, acabou se tornando um informante privilegiado dos movimentos do visconde e de suas ações. Foi preso em 1789 pela Devassa e enviado para o Rio de Janeiro para interrogatório. Alvares Maciel foi condenado à morte, mas teve sua pena comutada para degredo perpétuo em Angola, conseguindo estabelecer-se com sucesso na região como negociante, inclusive a serviço da Coroa. Em 1799, tornou-se encarregado de uma missão para verificar a existência de riquezas minerais nos sertões de Angola, dando início à produção de ferro no ano seguinte.

[2] COSTA, CLAUDIO MANUEL DA (1729-1789): nasceu nas cercanias da atual Mariana, em Minas Gerais. Integrante da elite letrada da colônia formou-se em Coimbra e estabeleceu sua banca de advocacia ao voltar para o Brasil. Conquistara, ainda em Portugal, sua fama de poeta, e de volta a terra natal passou a compor poemas dramáticos que eram recitados em teatros no Rio de Janeiro e em Vila Rica. Foi nomeado secretário do governo de Minas pelo governador Gomes Freire de Andrade, conde de Bobadela, cargo que exerceu intermitentemente entre 1762 e 1773. Além de uma clientela respeitável, adquiriu riqueza com sociedades em minas de ouro, além de uma fazenda de criação e um negócio de concessão de créditos. Recebia em sua mansão intelectuais e poetas mineiros. Aos 60 anos de idade, integrou-se ao movimento conspiratório que viria a ser conhecido por Conjuração Mineira. Junto ao cônego Luis Vieira da Silva, Claudio Manoel da Costa recebeu a incumbência de elaborar uma constituição provisória. Homem de grande riqueza e prestígio na região, supõe-se ter sido um propagador dos ideais da rebelião entre a elite mineira. Preso, foi interrogado pelos juízes da Alçada em 2 de julho de 1789. Segundo alguns depoimentos da época, encontrava-se assustado e nervoso durante o interrogatório e acabou por comprometer os companheiros, esclarecendo pontos-chave da conspiração. Foi encontrado morto dois dias depois no cubículo da Casa dos Contos – imóvel que pertencia a João Rodrigues de Macedo, arrematante da Arrecadação Tributária das Entradas e Dízimos da Capitania de Minas Gerais, e que serviu de abrigo para as tropas do vice-rei, que vieram do Rio de Janeiro para abafar o movimento. Sua morte suscita polêmica há duzentos anos: para alguns, suicídio; para outros, assassinato, talvez por ordem do próprio visconde de Barbacena, governador de Minas Gerais, que, segundo os defensores da tese de assassinato, poderia ser implicado na conspiração pelo poeta e advogado. Era solteiro e deixou filhos naturais.

[3] SILVA, LUIS VIEIRA DA. CÔNEGO (1735-1809): nascido na atual cidade de Congonhas do Campo, em 1735, assumiu o posto de professor de filosofia no Seminário de Mariana em 1757 e lá permaneceu até 1789. No levante mineiro [conjuração mineira], sua participação incluiria a formulação de um arcabouço jurídico para o regime republicano a ser implementado. Luis Vieira era um padre erudito, com uma biblioteca composta por cerca de 600 volumes. Defendia a independência das terras americanas em relação aos países europeus, cujo exemplo maior eram os acontecimentos na América do Norte, na década anterior. O cônego demonstrava não se opor, se necessário fosse, à instalação de um império luso-brasileiro com sede no Brasil, ideia que já na época encontrava seus adeptos. Foi preso em junho de 1789 e interrogado na Casa dos Contos, em Vila Rica. A sentença de d. Maria I o enviou para degredo em São Tomé, onde passou 4 anos, depois dos quais conseguiu sair do cárcere e recolher-se em convento.

[4]GONZAGA, TOMÁS ANTONIO (1744-1810): nascido em 1744, ganhou fama como poeta, em especial como autor de Marília de Dirceu e das Cartas Chilenas, sátira virulenta que tinha como alvo o venal governador de Minas Gerais na época, Luís da Cunha Meneses. O antagonismo entre Cunha Meneses e Tomás Gonzaga, aliás, bem demonstra o tipo de conflito que emergia na confusa e dinâmica região das minas, resultado de uma máquina administrativa que permitia a sobreposição dos interesses da Coroa, daqueles que ocupavam postos de funcionários desta e de indivíduos que apenas tencionavam explorar a riqueza da terra de forma privada. Ouvidor de Vila Rica, nascido em Portugal, mas criado no Brasil, era apontado como provável primeiro governante de um Brasil livre – ou antes, das Minas Gerais livre. Seus escritos por ele permitem entrever um pensador alerta, perspicaz, crítico da tirania de alguns monarcas, mas muito mais afinado com uma monarquia não-despótica do que com a democracia republicana dos norte-americanos. Foi um dos primeiros implicados no levante de 1798 (Conjuração Mineira), preso ainda no mês de maio e logo remetido para o Rio de Janeiro. Seus depoimentos pouco revelaram, sustentando até o fim que jamais ouvira falar em sedição alguma. Foi condenado a degredo em Moçambique, onde acabou por casar-se e reconstruir sua vida, terminando a carreira como funcionário da Coroa no cargo de promotor de defuntos e ausentes e advogado dos auditórios públicos.

 

 

[5]ALVARENGA, IGNACIO JOSE DE (1744-1792): nascido no Rio de Janeiro, viveu desde criança em Portugal, onde frequentou o curso de Leis na Universidade de Coimbra na mesma época que Tomás Antônio Gonzaga. Terminados seus estudos lecionou em uma das cadeiras do mesmo curso e começou a carreira na magistratura em Portugal. Protegido do marquês de Pombal, veio a ocupar o cargo de ouvidor de rio das Mortes na capitania de Minas Gerais, até a queda do ministro, quando abandona a vida pública e passa a dedicar-se aos negócios da família da sua esposa, a poetisa Bárbara Heliodora Alvarenga Peixoto. Ignacio José também se dedicava à poesia, mas para parte da crítica sua obra não se equipava a de outros inconfidentes. Uma parcela de sua produção lírica perdeu-se devido ao seu envolvimento na conspiração em Minas Gerais da qual foi um dos principais líderes. Em fins da década de 1780, encontrava-se extremamente endividado, o que funcionava como mais um incentivo para a sua participação na Conjuração Mineira e para seu entusiasmo pela ideia de independência, atribuindo-se a ele a proposta da legenda da bandeira revolucionária “Libertas quae sera tamem”. Apesar das dívidas, contudo, suas propriedades superavam o montante devido, e o arrolamento de bens dos inconfidentes nos Autos da Inconfidência ainda o colocam no topo da lista de homens mais ricos. Diz-se que a senha para a eclosão da revolta nasceu de uma celebração em sua casa – o batizado de um dos filhos. Um dos únicos a defender o fim da escravidão – embora fosse, ele próprio, dono de terras, minas e escravos, foi um dos principais denunciados e estava entre os primeiros a serem presos por ordem do visconde de Barbacena, ainda em maio de 1789. Condenado ao degredo em Angola, morreu pouco tempo depois da sua chegada.

[6]CONTRATADOR: a quem cabia a cobrança dos mais variados impostos sobre produção e circulação de bens, a figura do contratador existia desde o nascimento do estado absolutista português. Ela foi incorporada a estrutura de poder na América portuguesa, tornando-se peça chave nas relações de poder existentes entre os colonos e entre os colonos e a Coroa. Apresentava-se como um oficial particular a serviço do Rei, que havia conquistado tal privilégio através de arrendamento. O sistema de administração colonial português permitia que interesses particulares se imiscuíssem na lógica pública e vice-versa, em uma relação obscura e mal delineada que caracterizava o próprio estado português e seguia o princípio básico do absolutismo que confundia o monarca com o estado que administrava e o povo que governava: a esfera privada, portanto, ainda não existia de forma independente da figura do monarca soberano. O arremate de contratos em geral era feito por pessoas “de cabedal”, e representava status e capital político importante.

[7] DERRAMA: mecanismo de recolhimento de tributos para fazer face a déficits orçamentários da Coroa. A criação e regulamentação da derrama, por meio do alvará régio de 3 de dezembro de 1750, se inseriam no âmbito de uma política ostensiva de restrições e exigências financeiras que sustentavam o pacto colonial, com o objetivo de combater o contrabando e a evasão fiscal. Os descaminhos do ouro conduziram a medidas de reforma da administração pombalina para Minas Gerais, dentre as quais se destaca a decretação da derrama, cuja primeira aplicação ocorreu entre os anos de 1763-1764. A cobrança forçada dos impostos atrasados buscava arrecadar 17 arrobas de ouro correspondentes aos 13 anos de quinto insuficiente. As sucessivas derramas decretadas em Minas Gerais entre 1764 e 1777 revelam que, antes de ser opressiva, a política ilustrada de Portugal buscou envolver os mineiros na tarefa de arrecadação do quinto, além de estreitar seus vínculos com a metrópole. Quanto mais intenso o contrabando, maior seria a possibilidade do não preenchimento da cota aurífera nas Casas de Fundição, dando causa, por conseguinte, ao acometimento da derrama. Dessa forma, articulava-se uma política fazendária em que o súdito, deixando de ser apenas alvo da carga tributária, passava a participar diretamente nos esforços de arrecadação. (Tarcísio de Souza Gaspar. Derrama, boatos e historiografia: o problema da revolta popular na Inconfidência Mineira. Topoi vol.11, no.21, Rio de Janeiro, jul/dez.2010)

[8] INTENDENTE DAS MINAS: a Intendência das Minas foi o órgão responsável pela gestão dos serviços de mineração e pela arrecadação dos impostos sobre o ouro produzido na colônia. Antes da existência da Intendência foi criado, no Regimento das terras minerais do Brasil de 1603, o cargo de Provedor das Minas. Também chamado de Superintendente das Minas, era responsável por um grande número de atribuições, entre elas controlar a descoberta das minas, estabelecer e fiscalizar a exploração, presidir demarcações das datas (lotes), arbitrar conflitos entre os mineiros, informar o Governador-Geral da colônia sobre as casa de fundição, onde seriam recolhidos, fundidos, marcados, registrados o ouro e a prata, bem como cobrado o quinto, entre outras. O cargo de Intendente do Ouro foi criado pelo Registro do Regimento da Capitação de 26 de setembro de 1735, tendo sido a Intendência do Ouro criada apenas em decreto de 28 de janeiro do ano seguinte. O intendente do Ouro substituiu o Provedor, e passou a ter como subordinados fiscais, tesoureiro, escrivão, meirinhos e ajudantes. A administração das minas deixava de ser nacional e passava a ser regional, já que cada capitania onde houvesse distrito mineiro deveria ter pelo menos um Intendente do Ouro, que estaria subordinado apenas ao governador e capitão-general, e seria a maior autoridade dentro dos distritos. Entre suas incumbências estavam: matricular os escravos que trabalhassem direto na mineração, visitar as lavras e verificar se todos os escravos estavam matriculados, manter as balanças e marcos (pesos) aferidos para pesar o ouro corretamente sem prejuízo das partes e da Fazenda Real, fiscalizar o pagamento da capitação (imposto cobrado per capita de quem produzisse, trabalhasse ou fosse dono das minas), que veio a substituir o quinto, e prestar contas ao Governador-Geral, que por sua vez remeteria ao Conselho Ultramarino. O sistema de capitação, que pretendia controlar e agilizar a cobrança dos impostos e evitar os descaminhos, durou entre 1736 e 1750. Nesse período as jazidas começaram a enfrentar o escasseamento da produção e começou a haver diminuição da receita para a Fazenda. Em 1750 o sistema de tributação voltou ao quinto, desde que atingisse um mínimo de 100 arrobas anuais. Caso o valor fosse inferior, a derrama seria instaurada para completar o total. À Intendência do Ouro cabia fiscalizar as Casas de Fundição, examinar balanças e pesos, vigiar oficiais e fazer devassas sobre o ouro descaminhado, sobre barras e bilhetes falsos, inclusive julgando os culpados, receber anualmente o ouro dos quintos, somar e pesar para verificar se havia 100 arrobas, e remeter o ouro dos impostos à Casa dos Contos no Rio de Janeiro, além de examinar e controlar a entrada e saída dos valores e o cofre dos quintos. O alvará de 3 de dezembro de 1750 que retomou a cobrança do quinto e manteve o funcionamento das Intendências do Ouro e as casas de fundição sob sua responsabilidade, vigorou até o ano de 1803, quando foi criado o cargo de Intendente Geral das Minas, respondendo à Real Junta Administrativa de Mineração e Moedagem. As intendências regionais passaram para a responsabilidade das Relações da Bahia e do Rio de Janeiro e algumas atribuições foram passadas para os Juízos de Fora locais. A partir de 1808, com a queda na produção aurífera e diamantina, a Intendência Geral das Minas foi perdendo força e importância, e deixou de existir definitivamente em 1832.

[9] [AMERICANOS] INGLESES: a independência das colônias inglesas da América do Norte, levada a cabo em 1776 pelos treze territórios na costa leste do que é hoje os Estados Unidos, inspirou os rebeldes mineiros de 1789 [ver Conjuração Mineira]. Mesmo que não compartilhassem os mesmos ideais republicanos, verificaram-se alguns paralelos entre o processo que levou à independência norte-americana e as expectativas dos mineiros de liberdade. O historiador Kenneth Maxwell, em artigo de 1989, destaca que o exemplo da revolução americana era, aos olhos dos inconfidentes, semelhante ao que os movia, sendo o rompimento obrigado pelos “grandes tributos que lhe taxaram” conforme seus protagonistas. Também exemplares de Revolução da América, um dos livros que compõem a obra Histoire des deux Indes, do Abade Raynal, publicada desde 1770, circulava nas bibliotecas dos revoltosos. A inserção desse texto dedicado à Independência americana e o entusiasmo que permeia o texto pareceria aos conjurados uma projeção do que também iria se passar na capitania de Minas Gerais. Um episódio considerado marcante do ponto de vista da influência norte-americana entre os inconfidentes remonta a 1786: Thomas Jefferson, founding father da nação americana e na época embaixador dos Estados Unidos na França, recebeu correspondência assinada por “Vendek”, pseudônimo de José Joaquim Maia Barbalho, vinda da Universidade de Montpellier, com quem trocaria algumas cartas. Nelas, o remetente alegava que o Brasil se sentia impulsionado a seguir o exemplo dos norte-americanos e livrar-se da servidão em relação a Portugal. Afirmava encontrar-se em Paris a realizar a missão de conseguir apoio externo, notadamente dos Estados Unidos, para a empreitada. Embora sua atenção fosse atraída pelas riquezas do território brasileiro e pela possibilidade de obter privilégios comerciais com o Brasil, Thomas Jefferson mostrou-se cauteloso, provavelmente porque o auxílio envolveria recursos materiais e a uma nação recém independente não interessava entrar em conflito com outras mais poderosas.

[10] ALFERES: presente em quase todos os exércitos do mundo, o posto de alferes designou originalmente aquele que levava o estandarte militar. Existiu no Brasil até 1905 e corresponde, atualmente, a patente de segundo-tenente ou subtenente. Na estrutura militar portuguesa transposta para a América e dividida em três forças, encontra-se sempre o alferes, oficial de baixa patente acima dos sargentos, ao qual pardos e mulatos aspiraram ser aceitos no período colonial. O posto se notabilizou na história brasileira graças à participação na Conjuração Mineira de Joaquim José da Silva Xavier conhecido como Tiradentes.

[11]XAVIER, JOAQUIM JOSÉ DA SILVA (1746-1792): Joaquim José da Silva Xavier nasceu em 1746 na região onde hoje se encontra a cidade de São João del-Rei, em Minas Gerais. Uma das suas ocupações consistia em arrancar dentes ruins e colocar “novos”, feitos de ossos, o que lhe rendeu, além da alcunha de Tiradentes, um importante papel como arregimentador para o movimento inconfidente mineiro [ver Conjuração Mineira]. Deixava abertamente implícito o seu descontentamento com o governo português e ressentimento em relação ao exército – por sentir-se preterido em missões e promoções na carreira militar, na qual ingressou em 1775, após uma experiência não muito bem sucedida na mineração. Era alferes – oficial de baixa patente –  no corpo de Dragões del-Rei: unidade do exército português criada em 1775 na cidade de Vila Rica, responsável pela arrecadação dos tributos da Coroa portuguesa; pela garantia da lei e da ordem nas atividades de exploração do ouro; pela vigilância das estradas, caminhos e rios, entre outros. Tal cargo fazia dele uma peça-chave no levante, já que dos soldados, dependeria o êxito inicial do movimento. Tiradentes foi um dos maiores propagandistas do levante, cujas ideias apresentavam, mais claramente, o viés do “nacionalismo econômico”, caracterizado pela defesa e enaltecimento dos recursos naturais da colônia, superiores, em muito, aos da metrópole. Não apoiou o fim do tráfico negreiro ou da escravidão, embora o autor que mais citasse publicamente, o Abade Raynal, iluminista francês e autor censurado na colônia, a condenasse. Compunha o grupo de inconfidentes para quem a questão política, ou seja, o rompimento com a metrópole portuguesa, colocava-se acima das contingências financeiras imediatas causadas pelos altos impostos. Pertencia ao núcleo central de revoltosos que dariam início ao levante assim que a derrama fosse anunciada em Minas Gerais, e era previsto que ele mostrasse a cabeça do governador Luís Antônio Furtado de Castro do Rio de Mendonça, visconde de Barbacena, clamando por liberdade. A seguir, seria proclamada a República e lida uma declaração de independência, conclui o historiador Kenneth Maxwell (Conjuração mineira: novos aspectos. Estudos Avançados, 3(6), 04-24. http://www.revistas.usp.br/eav/article/view/8518 ). No entanto, devido à denúncia do coronel Silvério dos Reis, a conspiração foi desmantelada. Instaurou-se uma devassa da inconfidência, desdobrada em dois processos, um aberto no Rio de Janeiro e outro na capitania de Minas Gerais, destinados a apurar e punir os crimes dos conjurados. Tiradentes foi preso por um destacamento de soldados do regimento europeu de Estramoz na casa em que se escondia no Rio de Janeiro em 10 de maio de 1789, portando um mosquete carregado, e admitiu a culpa que lhe fora atribuída, declarando-se o cabeça do levante, cujo objetivo seria, segundo os autores de sua sentença, “subtrair da sujeição, e obediência devida a mesma senhora [a rainha d. maria I]; pretendendo desmembrar, e separar do Estado aquela Capitania [Minas Gerais], para formarem uma república independente”. Seu processo durou aproximadamente três anos e, em abril de 1791, foi declarado culpado por crime de lesa-majestade. De todos os condenados à morte, Tiradentes foi o único que não recebeu indulto – os demais condenados à mesma pena tiveram sua sentença comutada ao degredo na África. Morreu na forca em 1792 e foi esquartejado, suas partes foram expostas ao longo do caminho para Minas Gerais. Todos os seus sucessores, incluindo filhos e netos, caso os tivesse, foram declarados infames, e seus bens foram revertidos para o Fisco e para a Câmara Real. Sua casa em Vila Rica foi derrubada e o terreno salgado, em um gesto que significa infertilizar as terras. Cerca de cem anos depois de sua morte, a figura de Tiradentes, como a própria “inconfidência” em si, seria recuperada pelos republicanos e, em torno desta personagem e deste evento, seriam tecidas teias complexas de mitos e significados, a confundir ideias e ideais, lenda e história. Os autos da devassa da inconfidência, contendo depoimentos e a sentença de Joaquim José da Silva Xavier, estão reunidos em oito volumes e formam o conjunto documental Inconfidência em Minas Gerais, levante de Tiradentes, sob custódia do Arquivo Nacional. Em 2007, os autos da devassa foram nominados ao Registro Nacional do Brasil do Programa Memória do Mundo da UNESCO.

[12]REPÚBLICA: o termo “república” vem do latim res publica, que significa literalmente “coisa pública”, ou seja, o bem público, o que era comum a todos os cidadãos. Considerando-se a tipologia de Estado moderno, o termo República representa o oposto das concepções monárquicas de soberania: a primeira, embora compreenda uma grande variedade de formas de governo e organização de Estado, pauta-se pelo exercício do poder político baseado na escolha do povo e em especial, na não hereditariedade do exercício deste poder. Na monarquia, ao contrário, o soberano herda o direito de ocupar o mais alto cargo político em função da sua linhagem. No entanto, o termo República é bastante anterior às teorias de Estado modernas, sua origem reside na necessidade de os romanos definirem em termos apropriados uma nova realidade de organização do poder depois que a forma de exercício dos antigos reis encontrou seu fim. Expressava uma ideia semelhante à politeia grega, qual seja, o bem comum. Cícero e Políbio estão entre os primeiros a estruturar as discussões em torno da coisa pública em um conceito coerente, ressaltando a importância de leis comuns para que o bem comum fosse alcançado, contrapondo assim, a República aos estados (ou antes, as formas de associação política) “injustos” (ilegais, ilegítimos). Na Idade Moderna, o termo se tornou caro àqueles que buscavam derrubar as formas de organização política típicas do Antigo Regime. Enfatizando o caráter de legitimidade do governo (fosse ele monárquico, democrático, aristocrático), havia uma tendência à defesa de um estado de direito que preservasse o bem dos seus cidadãos, em contraposição ao despotismo de reis que só respeitava a sua própria vontade, por terem recebido seu poder “diretamente de Deus”. Após as revoluções francesa e americana, no século XVIII, a definição de república passa por um sem número de discussões e reelaborações, em grande medida consequência das experiências práticas que se desenvolvem com o passar dos anos. Indissociável da ideia de república é a da constituição, na qual o direito deixa de ser expressão do poder real e se torna o espelho da nação organizada. Nesse sentido, e após a Revolução Francesa, o termo soberania deixará de designar a legitimidade dinástica, transferindo-se para a vontade popular (Cf. LAFER, C. O significado de República. Estudos Históricos, Rio de Janeiro, vol. 2. n. 4, 1989. http://bibliotecadigital. fgv.br/ojs/index.php/reh/article/download/2286/1425) A adoção de um governo republicano e a difusão dos princípios de liberdade, em um mundo no qual preponderavam governos absolutistas, passaram a ser vistos pelo mundo monárquico como os “abomináveis princípios franceses”. Ao lado da independência das treze colônias inglesas na América do Norte, que se libertaram do domínio metropolitano, tornando-se uma República, inspirariam, sobremaneira, movimentos anticoloniais. De todo modo, a noção mais antiga e abrangente de República, segundo a qual o Estado deveria expressar a vontade do povo, associada à construção de um novo pacto social, continuou a influenciar alguns movimentos políticos. No contexto do Brasil colonial, o conceito de República explicitava uma defesa não de um sistema de governo com maior participação popular, nem sequer, necessariamente, de um governo independente da metrópole, mas sim, de um governo mais justo entre os súditos do Reino e Ultramar. Ainda assim, considera-se que a seu modo, movimentos como a conjuração mineira de 1789 e a Revolução de 1817 guardaram a inspiração republicana, norte-americana, sem dúvida, e no último caso, francesa.

[13]COIMBRA:  Coimbra, cidade localizada nas proximidades do rio Mondego, se ergueu sobre a colina da Alta, o que lhe conferia um caráter estratégico, por sua privilegiada posição geográfica. Sua época de esplendor sob o domínio romano se encerrou no século V, após ter sido invadida pelos bárbaros suevos. Teve uma longa e significativa passagem sob domínio árabe (do século VIII ao XI), e foi reconquistada pelos portugueses em 1064, tornando-se uma importante cidade ao sul do Douro. Neste período, Coimbra foi capital da região, sendo depois substituída por Lisboa quando da unificação do Estado no século XIV. Coimbra ainda abriga uma das instituições superiores de ensino de maior relevo na Europa (a quarta universidade mais antiga do continente) e do mundo luso-brasileiro: a Universidade de Coimbra – fundada em 1290, inicialmente instalada em Lisboa, mas posteriormente transferida, em definitivo, para Coimbra. Em 1772, o marquês de Pombal realizou a Reforma da Universidade, abolindo, de modo geral, o ensino nos moldes da segunda escolástica praticado pelos membros da Companhia de Jesus e privilegiando a ciência moderna e experimental. A elite colonial, desde cedo, adquiriu o hábito de enviar seus filhos a Coimbra, onde puderam entrar em contato com as teorias liberais dos iluministas que começavam a revolucionar o mundo.

[14] REIS, JOAQUIM SILVÉRIO DOS (1755 OU 1756 - [1819]): Joaquim Silvério dos Reis passou para a história como o grande traidor da inconfidência mineira e, por conseguinte, da nação. Nascido em Portugal, havia sido contratante de entradas, e achava-se em débito com o Real Erário na época em que o levante começou a ser fomentado. Durante o governo de Luís da Cunha Meneses, período no qual granjeou fama de corrupto e distribuidor de subornos, chegou a receber alguns favores, como poderes especiais para a execução de dívidas, que permitiam burlar as autoridades formais da Coroa. Seu contrato encerrara-se em 1784, sua dívida só fazia crescer e, com a chegada do visconde de Barbacena, substituto de Cunha Meneses, Silvério dos Reis recebeu a primeira má notícia e que atingia indivíduos influentes: a extinção dos regimentos auxiliares e reorganização das tropas regulares, criados no antigo governo, tendo comprado patentes, tal como Alvarenga Peixoto e outros, que viria a perder sem qualquer contrapartida (FURTADO, João Pinto. Uma república entre dois mundos: Inconfidência Mineira, historiografia e temporalidade. Rev. bras. Hist., São Paulo, v.21, n.42, 343-363,2001. http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S010218820010003 00005&lng=en&nrm=iso). A anunciada derrama tornou-o ainda mais inquieto, fazendo com que esquecesse antigas desavenças (como por exemplo, com Tomas Antônio Gonzaga) para integrar-se ao grupo de conspiradores que pretendiam insurgir-se contra as arbitrariedades da coroa portuguesa. Em meados de março de 1789, após anunciada a suspensão da derrama e consequentemente do próprio levante, Silvério dos Reis denuncia verbalmente o movimento ao visconde de Barbacena. As razões para a denúncia parecem obscuras: a carta à câmara de Vila Rica anunciando a suspensão da derrama, que inicialmente fora prevista para fevereiro, é enviada em 14 de março, antes da delação. Assim, provavelmente, Barbacena tomara a sua decisão com bases outras que não o conhecimento de um levante a ser iniciado pelo anúncio da cobrança dos impostos atrasados. Por outro lado, a expectativa quebrada ainda em fevereiro possivelmente arrefeceu os ânimos dos inconfidentes, que perceberam que, sem o sentimento de indignação e opressão desencadeados pela derrama, seria difícil realizar uma revolta bem-sucedida. A denúncia de Silvério, realizada no dia seguinte à suspensão formal da derrama, talvez possa ser explicada pelo desânimo em relação à não realização do levante, que para ele significava a manutenção da sua condição de grande devedor do Real Erário, ao passo que a rebelião o libertaria das amarras da sua antiga condição frente a coroa. E, de fato, no início de março a Junta da Fazenda já havia convocado Silvério, descrevendo-o como “fraudulento e falsificador”. Sua deserção expressa a fragilidade de um grupo considerável dentro do movimento, que agia com base em motivações exclusivamente pessoais e econômicas contingentes. Barbacena transformou o delator em espião e, poucas semanas depois da denúncia verbal, intimou Silvério dos Reis a formalizar sua queixa em papel. Enviado ao Rio de Janeiro pelo visconde para entregar sua imputação ao vice-rei, acaba preso ele mesmo, posto que este último o considerava perigoso e possivelmente participante da inconfidência que denunciava. Recebeu o perdão real e uma série de recompensas. Contudo, jamais voltaria a se sentir confortável entre seus pares, que o consideravam venal e indigno. Morreu no Maranhão.

[15]REAL ERÁRIO: instituição fiscal criada em Portugal, no reinado de d. José I, pelo alvará de 22 de dezembro de 1761, para substituir a Casa dos Contos. Foi o órgão responsável pela administração das finanças e cobrança dos tributos em Portugal e nos domínios ultramarinos. Sua fundação simbolizou o processo de centralização, ocorrido em Portugal sob a égide do marquês de Pombal, que presidiu a instituição como inspetor-geral desde a sua origem até 1777, com o início do reinado mariano. Desde o início, o Erário concentrou toda a arrecadação, anteriormente pulverizada em outras instâncias, padronizando os procedimentos relativos à atividade e serviu, em última instância, para diminuir os poderes do antigo Conselho Ultramarino. Este processo de centralização administrativa integrava a política modernizadora do ministro, cujo objetivo central era a recuperação da economia portuguesa e a reafirmação do Estado como entidade política autônoma, inclusive em relação à Igreja. No âmbito fiscal, a racionalização dos procedimentos incluiu também novos métodos de contabilidade, permitindo um controle mais rápido e eficaz das despesas e da receita. O órgão era dirigido por um presidente, que também atuava como inspetor-geral, e compunha-se de um tesoureiro mor, três tesoureiros-gerais, um escrivão e os contadores responsáveis por uma das quatro contadorias: a da Corte e da província da Estremadura; das demais províncias e Ilhas da Madeira; da África Ocidental, do Estado do Maranhão e o território sob jurisdição da Relação da Bahia e a última contadoria que compreendia a área do Rio de Janeiro, a África Oriental e Ásia. Por ordem de d. José I, em carta datada de 18 de março de 1767, o Erário Régio foi instalado no Rio de Janeiro com o envio de funcionários instruídos para implantar o novo método fiscal na administração e arrecadação da Real Fazenda. Ao longo da segunda metade do século XVIII, seriam instaladas também Juntas de Fazenda na colônia, subordinadas ao Erário e responsáveis pela arrecadação nas capitanias. A invasão napoleônica desarticulou a sede do Erário Régio em Lisboa. Portanto, com a transferência da Corte para o Brasil, o príncipe regente, pelo alvará de 28 de junho de 1808, deu regulamento próprio ao Erário Régio no Brasil, contemplando as peculiaridades de sua nova sede. Em 1820, as duas contadorias com funções ultramarinas foram fundidas numa só: a Contadoria Geral do Rio de Janeiro e da Bahia. A nova sede do Tesouro Real funcionou no Rio de Janeiro até o retorno de d. João VI para Portugal, em 1821.

 

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