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Pau Brasil

Contratos para o corte de pau-brasil

Escrito por Super User | Publicado: Segunda, 05 de Fevereiro de 2018, 18h26 | Última atualização em Sexta, 28 de Mai de 2021, 17h43

Decreto do príncipe regente d. João sobre o lanço de contratos para o corte de pau-brasil na província do Rio de Janeiro, e nas capitanias do Espírito Santo e da Bahia no triênio 1818-1820, a serem arrematados em praça pública, e escolhidos seus contratantes pelo Conselho da Fazenda para o triênio de 1818-1820. Entre as condições estabelecidas para a arrematação do corte de pau-brasil no Rio de Janeiro e no Espírito Santo está o direito do contratador de extrair a madeira independente desta se encontrar em propriedades particulares, em terras devolutas ou de corporações religiosas.


Conjunto documental: Conselho da Fazenda. Registro de avisos dirigidos à Secretaria
Notação: códice 33, vol. 01
Data-limite: 1808-1819
Título do fundo ou coleção: Conselho da Fazenda
Código do fundo: EL
Argumento de pesquisa: pau-brasil
Data do documento: 23 de outubro de 1817
Local: Rio de Janeiro
Folha(s): 156 v a 159 

 

Constando na minha Real Presença, que nesta província do Rio de Janeiro[1] e em algumas outras do reino do Brasil há grande abundância de pau-brasil[2], de que pode tirar a Real Fazenda[3] considerável lucro por ser gênero privativo da minha Real Coroa. Hei por bem ordenar, que se estabeleça por contratos o corte desta preciosa madeira, sendo arrematado hasta pública[4] a quem por menos preço o fizer, debaixo das condições, que serão presentes no Conselho da Fazenda[5], e na Junta da Fazenda[6] da capitania da Bahia[7], por onde devem ser feitas estas arrematações, compreendendo um dos contratos o corte do pau-brasil, que se achou nesta província do Rio de Janeiro, e no distrito da Jurisdição do governo da capitania do Espírito Santo[8], para ser arrematado no Conselho da Fazenda pelo triênio de mil oitocentos e dezoito a mil oitocentos e vinte; e outro contrato o que se achar na capitania da Bahia até ao Rio de São Francisco[9] para ser arrematado pela Junta da Fazenda daquela capitania. João Paulo Bezerra do meu Conselho, ministro e secretário de Estado dos Negócios da Fazenda, presidente do Real Erário, e nele meu Lugar Tenente, o tenha assim entendido e faça executar = Palácio do Rio de Janeiro aos vinte de outubro de mil oitocentos e dezessete. = Com a rubrica de El-Rei Nosso Senhor. = Cumpra-se e registre-se. = Rio de Janeiro vinte e três de outubro de mil oitocentos e dezessete. = Com a rubrica do Excelentíssimo presidente do Real Erário = Manoel Jacinto Nogueira da Gama. = Condições com que se deve arrematar o corte do pau-brasil nesta província do Rio de Janeiro, sendo neste contrato compreendido o distrito da Jurisdição do governo da capitania do Espírito Santo. = Primeira. = Será livre ao contratador o cortar à sua custa o pau-brasil, que esta em qualquer parte desta província do Rio de Janeiro, e na capitania do Espírito Santo, até a quantidade de oito mil quintais[10] por ano, sem reserva ou privilégio algum dos donos das matas, em que encontrarem pau-brasil, ou seja em terrenos de particulares, ou de Corporações Religiosas, ou devolutas[11]. = Segunda. = As porções de pau-brasil competentemente cortado, e torado, segundo as dimensões que se deram ao contratador, serão necessariamente entregues pelo contratador[12] até se perfazer a quantidade anual de oito mil quintais a Junta do Banco do Brasil[13], para por esta ser remetido o dito pau-brasil aos seus correspondentes em Lisboa, dando ao contratador parte ao Real Erário de cada uma das entregas, que fizer, e a Junta do Banco de cada um dos recebimentos, que for tendo, e das remessas que for fazendo aos seus correspondentes de Lisboa. = Terceira. = O contratador será pago do preço, que se convencionar, pelo corte, e condução de cada um quintal de pau-brasil, que entregar na forma da segunda condição pelos correspondentes do Banco em Lisboa; fazendo-se este pagamento pelo produto das vendas de pau-brasil, e à proporção que se for realizando a venda de cada remessa, que se fizer; para o que se expedirão as competentes ordens pela Junta do Banco do Brasil e se darão ao contratador os necessários títulos para o seu pagamento. = Quarta. = O pau-brasil antes de ser recebido pela Junta do Banco do Brasil será examinado e aprovado por dois peritos um por parte da Real Fazenda, e outro por parte do contratador a fim de ser recebido e enviado para Lisboa somente o que for de boa qualidade. = Quinta. = Pertencerá ao contratador por tempo de três anos, a contar do primeiro de janeiro de mil oitocentos e dezoito o privilégio exclusivo do corte do pau-brasil na forma do presente contrato, incorrendo na pena de perdimento do pau-brasil toda a pessoa, que o cortar ainda mesmo para seu uso particular, sem ter para isso a competente licença do Conselho da Fazenda, ficando em tal caso pertencendo ao contratador o pau-brasil, que se achar cortado sem licença do Conselho. Na mesma pena de perdimento incorrerão os que cortarem este pau para o venderem, e demais na multa de quatro mil e oitocentos réis por quintal tudo a favor do contratador além das penas, que já se acham estabelecidas contra semelhante contrabando[14]. = Sexta. = O contratador terá juiz privativo, e gozará de todas as liberdades, isenções, e privilégios para si e seus Agentes, de que gozam os mais favorecidos contratadores dos Reais Contratos. = Rio de Janeiro em vinte de outubro de mil oitocentos e dezessete. = Com a rubrica do Excelentíssimo presidente do Real Erário. = Manoel Jacinto Nogueira da Gama.

 

[1] RIO DE JANEIRO: a cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro foi fundada tendo como marco de referência uma invasão francesa. Em 1555, a expedição do militar Nicolau Durand de Villegaignon conquista o local onde seria a cidade e cria a França Antártica. Os franceses, aliados aos índios tamoios confederados com outras tribos, foram expulsos em 1567 por Mem de Sá, cujas tropas foram comandadas por seu sobrinho Estácio de Sá, com o apoio dos índios termiminós, liderados por Arariboia. Foi Estácio que estabeleceu “oficialmente” a cidade e iniciou, de fato, a colonização portuguesa na região. O primeiro núcleo de ocupação foi o morro do Castelo, onde foram erguidos o Forte de São Sebastião, a Casa da Câmara e do governador, a cadeia, a primeira matriz e o colégio jesuíta. Ainda no século XVI, o povoamento se intensifica e, no governo de Salvador Correia de Sá, verifica-se um aumento da população no núcleo urbano, das lavouras de cana e dos engenhos de açúcar no entorno. No século seguinte, o açúcar se expande pelas baixadas que cercam a cidade, que cresce aos pés dos morros, ainda limitada por brejos e charcos. O comércio começa a crescer, sobretudo o de escravos africanos, nos trapiches instalados nos portos. O ouro que se descobre nas Minas Gerais do século XVIII representa um grande impulso ao crescimento da cidade. Seu porto ganha em volume de negócios e torna-se uma das principais entradas para o tráfico atlântico de escravos e o grande elo entre Portugal e o sertão, transportando gêneros e pessoas para as minas e ouro para a metrópole. É também neste século, que a cidade vive duas invasões de franceses, entre elas a do célebre Duguay Trouin, que arrasa a cidade e os moradores. Desde sua fundação, esta cidade e a capitania como um todo desempenharam papel central na defesa de toda a região sul da América portuguesa, fato demonstrado pela designação do governador do Rio de Janeiro Salvador de Sá como capitão-general das capitanias do Sul (mais vulneráveis por sua proximidade com as colônias espanholas), e pela transferência da sede do vice-reinado, em Salvador até 1763, para o Rio de Janeiro quando a parte sul da colônia tornou-se centro de produção aurífera e, portanto, dos interesses metropolitanos. Ao longo do setecentos, começam os trabalhos de melhoria urbana, principalmente no aumento da captação de água nos rios e construção de fontes e chafarizes para abastecimento da população. Um dos governos mais significativos deste século foi o de Gomes Freire de Andrada, que edificou conventos, chafarizes, e reformou o aqueduto da Carioca, entre outras obras importantes. Com a transferência da capital, a cidade cresce, se fortifica, abre ruas e tenta mudar de costumes. Um dos responsáveis por essas mudanças foi o marquês do Lavradio, cujo governo deu grande impulso às melhorias urbanas, voltando suas atenções para posturas de aumento da higiene e da salubridade, aterrando pântanos, calçando ruas, construindo matadouros, iluminando praças e logradouros, construindo o aqueduto com vistas a resolver o problema do abastecimento de água na cidade. Lavradio, cuja administração se dá no bojo do reformismo ilustrado português (assim como de seu sucessor Luís de Vasconcelos e Souza), ainda criou a Academia Científica do Rio de Janeiro. Foi também ele quem erigiu o mercado do Valongo e transferiu para lá o comércio de escravos africanos que se dava nas ruas da cidade. Importantíssimo negócio foi o tráfico de escravos trazidos em navios negreiros e vendidos aos fazendeiros e comerciantes, tornando-se um dos principais portos negreiros e de comércio do país. O comércio marítimo entre o Rio de Janeiro, Lisboa e os portos africanos de Guiné, Angola e Moçambique constituía a principal fonte de lucro da capitania. A cidade deu um novo salto de evolução urbana com a instalação, em 1808, da sede do Império português. A partir de então, o Rio de Janeiro passa por um processo de modernização, pautado por critérios urbanísticos europeus que incluíam novas posturas urbanas, alterações nos padrões de sociabilidade, seguindo o que se concebia como um esforço de civilização. Assume definitivamente o papel de cabeça do Império, posição que sustentou para além do retorno da Corte, como capital do Império do Brasil, já independente.

[2] PAU-BRASIL (CAESALPINIA ECHINATA): madeira de excelentes propriedades como corante e matéria-prima para fabricação de instrumento musicais, estendia-se no litoral brasileiro, desde o Rio de Janeiro até o Rio Grande do Norte. Referido por cronistas como pau de tinta, a exemplo de Gabriel Soares de Souza, o pau-brasil recebeu diferentes denominações. Ibirapitanga, pelos povos tupi, arabuton por Jean de Lery ou verzino por Américo Vespucio, essa espécie foi descrita pela primeira vez em 1648 por Piso e Marcgrav – Historia Naturalis Brasilae. seguida pelas descrições elaboradas por Lamarck (1789) e por Martius (1876). Recentemente, a denominação Caesalpinia echinata de Lamarck foi modificada para Paubrasilia echinata (https://revistapesquisa.fapesp.br/pau-brasil-vira-genero-de-arvore/). Objeto de exploração exclusiva da Coroa portuguesa [estanco], a importância do pau-brasil foi tão expressiva e lucrativa, durante os séculos XVI e XVII, que era corrente o uso da expressão “fazer Brasil” para designar o complexo de operação para a extração da madeira: derrubada, corte, transporte até os portos. Assim, era incumbência da Coroa portuguesa disciplinar a exploração desordenada da madeira e evitar o descaminho uma vez que a saída da madeira, sem controle, causava danos à Fazenda Real e ao comércio. A exploração sem critérios, o corte aleatório da madeira e o comércio ilícito, realizados tanto por corsários quanto pelos súditos da metrópole, deixaram rastros de destruição das florestas, o que levava a uma interiorização dessa exploração na busca das árvores mais afastadas do litoral. Os instrumentos jurídicos que respaldavam a ocupação da terra pelos portugueses – Carta de Doação da capitania de Pernambuco e Foral (1534) e depois, os Regimentos dos governadores-gerais Tomé de Souza (1548), Francisco Giraldes (1588) e Gaspar de Souza (1612) faziam menção à exploração da madeira, mas não expunham uma preocupação efetiva em sistematizar a exploração. De acordo com Maria Isabel de Siqueira, a Coroa luso-espanhola, por intermédio de Filipe III (1598-1621), preocupada com os interesses da Fazenda Real e com os prejuízos decorrentes não só do descaminho do pau-brasil, mas também da má utilização do solo, acarretando baixa nos lucros do reino, elaborou uma legislação específica para o trato da madeira: o Regimento do Pau-brasil de 1605. Tratava-se de um conjunto de ações normativas e coercitivas para viabilizar a exploração colonial, que autorizavam a extração da madeira com a licença por escrito do Provedor-mor da Fazenda de cada uma das capitanias (artigo 1), concedia a licença para explorar a madeira somente às pessoas de qualidade (artigo 2) e exigia o registro das licenças com a declaração da quantidade de árvores a ser cortada (artigo 3). (Considerações sobre a ordem em colônias: as legislações na exploração do pau-brasil. Clio – Revista de Pesquisa Histórica, v. 29, n. 1, 2011. Disponível em https://periodicos.ufpe.br/revistas/revistaclio/article/view/24300)

[3] REAL ERÁRIO: instituição fiscal criada em Portugal, no reinado de d. José I, pelo alvará de 22 de dezembro de 1761, para substituir a Casa dos Contos. Foi o órgão responsável pela administração das finanças e cobrança dos tributos em Portugal e nos domínios ultramarinos. Sua fundação simbolizou o processo de centralização, ocorrido em Portugal sob a égide do marquês de Pombal, que presidiu a instituição como inspetor-geral desde a sua origem até 1777, com o início do reinado mariano. Desde o início, o Erário concentrou toda a arrecadação, anteriormente pulverizada em outras instâncias, padronizando os procedimentos relativos à atividade e serviu, em última instância, para diminuir os poderes do antigo Conselho Ultramarino. Este processo de centralização administrativa integrava a política modernizadora do ministro, cujo objetivo central era a recuperação da economia portuguesa e a reafirmação do Estado como entidade política autônoma, inclusive em relação à Igreja. No âmbito fiscal, a racionalização dos procedimentos incluiu também novos métodos de contabilidade, permitindo um controle mais rápido e eficaz das despesas e da receita. O órgão era dirigido por um presidente, que também atuava como inspetor-geral, e compunha-se de um tesoureiro mor, três tesoureiros-gerais, um escrivão e os contadores responsáveis por uma das quatro contadorias: a da Corte e da província da Estremadura; das demais províncias e Ilhas da Madeira; da África Ocidental, do Estado do Maranhão e o território sob jurisdição da Relação da Bahia e a última contadoria que compreendia a área do Rio de Janeiro, a África Oriental e Ásia. Por ordem de d. José I, em carta datada de 18 de março de 1767, o Erário Régio foi instalado no Rio de Janeiro com o envio de funcionários instruídos para implantar o novo método fiscal na administração e arrecadação da Real Fazenda. Ao longo da segunda metade do século XVIII, seriam instaladas também Juntas de Fazenda na colônia, subordinadas ao Erário e responsáveis pela arrecadação nas capitanias. A invasão napoleônica desarticulou a sede do Erário Régio em Lisboa. Portanto, com a transferência da Corte para o Brasil, o príncipe regente, pelo alvará de 28 de junho de 1808, deu regulamento próprio ao Erário Régio no Brasil, contemplando as peculiaridades de sua nova sede. Em 1820, as duas contadorias com funções ultramarinas foram fundidas numa só: a Contadoria Geral do Rio de Janeiro e da Bahia. A nova sede do Tesouro Real funcionou no Rio de Janeiro até o retorno de d. João VI para Portugal, em 1821.

[4] HASTA PÚBLICA: venda de bens em pregão público a quem oferecer maior lanço; leilão.

[5] CONSELHO DA FAZENDA: órgão da administração pública responsável por arrecadar, distribuir e fiscalizar os bens do Estado, a Fazenda tinha como principal meta controlar as atividades mercantis e a consequente transferência das rendas arrecadadas para a elite lusitana. Para tanto, suas diretrizes pautavam-se essencialmente na tributação necessária para a manutenção desse sistema. Sob a incumbência da Fazenda estavam a cobrança de impostos e o pagamento de todos os gastos do Estado, além da aplicação das penas em caso de sonegação fiscal. A gestão de muitas destas funções recaía sobre os conselheiros da Fazenda, que possuíam competências regimentais para despachos ordinários, e preparavam através de consultas, a decisão régia em matérias de despacho extraordinário. A Fazenda foi estendida ao Brasil a partir da montagem de um aparelho local, subordinado ao metropolitano, e responsável pelas funções de arrecadação tributária sobre as atividades econômicas coloniais, zelando sempre pelos interesses portugueses. Sua finalidade era agregar num único centro o controle do recolhimento das receitas e das despesas da Coroa, evitando a fraude e a acumulação de dívidas. Dividia-se em quatro seções: a primeira cuidava do Reino, a segunda, do Brasil, Índia, Mina, Guiné, São Tomé e Cabo-verde, a terceira, das Ordens Militares, da Madeira e Açores, a quarta, da África. Cabia-lhe também o financiamento, preparo e recepção das frotas das Índias Orientais e do Brasil.

[6] JUNTA DA FAZENDA: primeiras instituições coloniais com responsabilidade sobre administração financeira regional. Criadas em 1767, eram compostas por 5 a 6 membros, todos “homens bons”, em geral, ricos comerciantes, cabendo a presidência ao governador de cada capitania. As Juntas assumiram a responsabilidade de cobrar as rendas reais dentro de cada capitania e de fazer o seu envio para Lisboa, respondendo diretamente perante o Real Erário. Além da cobrança direta de impostos e outras rendas, eram responsáveis pelas alfândegas, incluindo ainda, entre suas tarefas, o arrendamento de contratos para os monopólios régios, como o do pau-brasil, do sal e da pesca das baleias e a cobrança de tarifas internas e passagens de rios.

[7] BAHIA, CAPITANIA DA: estabelecida em 1534, teve como primeiro capitão donatário Francisco Pereira Coutinho, militar português pertencente à pequena nobreza que serviu nas possessões da Índia. Em 1548, fora revertida à Coroa e transformada em capitania real. Um ano mais tarde, com a fundação da cidade de Salvador, abrigou a primeira capital da colônia, posição que ocupou até 1763, quando a sede administrativa colonial foi transferida para a cidade do Rio de Janeiro. Nesse mesmo ano, d. José I extinguiu as capitanias de Ilhéus e de Porto Seguro e incorporou-as as suas áreas à Bahia. A ela também se subordinava, até 1820, a capitania de Sergipe d’El Rei. Sua geografia, no período colonial, estava dividida em três grandes zonas: o grande porto, que compreendia a cidade de Salvador; hinterlândia (área pouco ocupada, de desenvolvimento reduzido, subordinada economicamente a um centro urbano) agrícola, referente ao Recôncavo, e o sertão baiano, cada região com atividades econômicas específicas. A cidade de Salvador exerceu as funções de porto transatlântico para o tráfico de escravos e de cabotagem para o comércio de fumo, algodão, couro e açúcar (principal produto de exportação). No Recôncavo, destacava-se a agricultura comercial, concentrando um grande número de engenhos de açúcar. Também ali se praticava a cultura do fumo e, mais ao sul, uma agricultura de subsistência. No sertão, a principal atividade era a pecuária, tanto com produção de carne, de couro e de sebo, quanto para o fornecimento de gado que servia de força motriz nos engenhos e ao abastecimento de Salvador e do Recôncavo. Girando em torno da atividade açucareira, a vida sociopolítica baiana era reflexo da “grande lavoura”, na qual a hierarquia era dominada pelos senhores de engenho.

[8] ESPÍRITO SANTO, CAPITANIA DO: capitania litorânea situada entre os atuais estados da Bahia, Minas Gerais e Rio de Janeiro. Originada da capitania doada a Vasco Fernandes Coutinho (1535), recebeu este nome por ter sido no domingo do Espírito Santo, 23 de maio de 1535, que seu donatário tomou posse das terras, fundando vilas e erguendo os primeiros engenhos de açúcar. A ocupação do território foi marcada por inúmeros conflitos com as populações indígenas que habitavam a região, entre eles os índios Aimorés, Goitacazes e Puris. Foi alvo também, de constantes incursões de piratas franceses, holandeses e ingleses. Muitos sertanistas partiram do litoral capixaba para o interior do Brasil, descendo os principais rios até a região das minas de ouro. Tais estradas foram, muitas vezes, utilizadas para o contrabando de metais preciosos, levando à proibição de abertura de caminhos que levassem as minas. A ocupação territorial concentrou-se, assim, em uma estreita faixa costeira. Tal fato deveu-se também, à criação da capitania de São Paulo e Minas Gerais e a presença de índios no sertão, sobretudo os botocudos, que impediram a interiorização do território.

[9] RIO SÃO FRANCISCO: também chamado Opará, sua nascente histórica fica na Serra da Canastra em Minas Gerais, atravessa o estado da Bahia, fazendo o limite ao norte com Pernambuco, constituindo ainda divisa natural dos estados de Sergipe e Alagoas, percorrendo aproximadamente 2.800 quilômetros. Os primeiros documentos que descrevem o rio consistem num roteiro da viagem de exploração, ordenada pelo rei d. João III ao governador-geral Tomé de Sousa em 1553, e numa carta do jesuíta basco João de Azpilcueta Navarro que acompanhou o desbravador castelhano Francisco Bruza de Espinosa nessa missão. Foi palco de violentos conflitos contra os povos indígenas da região e contra os franceses e holandeses que se instalaram na sua foz. Rio que ligava a região Sudeste e o Nordeste do Brasil, começou a ser desbravado e navegado a partir da segunda metade XVI, principalmente nas regiões litorâneas, mas foi nos séculos XVII e XVIII que se consolidou como rota para o interior. O primeiro núcleo povoador às suas margens foi a vila de Penedo, fundada na capitania de Pernambuco pelo donatário Duarte Coelho (hoje em Alagoas). Seu outro nome, “rio dos Currais”, relaciona-se ao fato de ter servido de trilha para fazer descer o gado do Nordeste até a região das Minas, sobretudo, no início do século XVIII, quando se achava ali o ouro que fez afluir milhões de pessoas à terra e integrando a região nordeste às regiões leste, centro-oeste e sudeste. Sua ocupação ocorreu por meio do sistema de sesmarias, uma vez que o rio São Francisco ocupava parte das terras atribuídas à Casa da Torre, de Garcia d’Ávila e à Casa da Ponte, de Antônio Guedes de Brito, e pela ação missionária de franciscanos e capuchinhos que, a partir de 1641, se instalaram na região.

[10] QUINTAIS: antiga unidade de medida usada no império português antes da adoção do sistema métrico e decimal. O peso de um quintal equivale a quatro arrobas, ou seja, aproximadamente 60 quilos.

[11] DEVOLUTAS: a legislação fundiária aplicada durante o período colonial foi instituída de modo descontinuado, dispersa em um amplo número de avisos, resoluções administrativas, cartas de doação, forais e os textos das Ordenações. Essa gama de dispositivos legais ensejou uma legislação fragmentada, nem sempre coesa, revogada e reafirmada. É nesse contexto que surgem as terras devolutas, cuja existência pode ser creditada ao instituto da carta de doação ou carta de foral por meio da qual o donatário transmitia a posse de certa parcela do território – sesmaria - a um colono. No sistema de sesmarias, pelas Ordenações Manuelinas, terra devoluta era a sesmaria que retornava à posse da Coroa, pois o posseiro descumprira seus deveres de dar destinação útil à terra. Contudo, alguns autores afirmam que nem todas as terras do Brasil colônia foram objeto de concessão aos donatários das capitanias, que eram delimitadas e seu número abrangeu apenas um limitado e restrito pedaço do solo. Por outro lado, grande parte do território veio a ser adquirido após a cessação do regime de capitanias. Essas novas terras não poderiam ser tidas como devolutas, pois não foram, em época alguma, devolvidas à Coroa portuguesa. Mais tarde, durante o Império, com a lei de Terras de 1850, terra devoluta passou a significar a terra que não tivesse a posse legitimada, sendo de titularidade e posse do Império.

[12] CONTRATADOR: a quem cabia a cobrança dos mais variados impostos sobre produção e circulação de bens, a figura do contratador existia desde o nascimento do estado absolutista português. Ela foi incorporada a estrutura de poder na América portuguesa, tornando-se peça chave nas relações de poder existentes entre os colonos e entre os colonos e a Coroa. Apresentava-se como um oficial particular a serviço do Rei, que havia conquistado tal privilégio através de arrendamento. O sistema de administração colonial português permitia que interesses particulares se imiscuíssem na lógica pública e vice-versa, em uma relação obscura e mal delineada que caracterizava o próprio estado português e seguia o princípio básico do absolutismo que confundia o monarca com o estado que administrava e o povo que governava: a esfera privada, portanto, ainda não existia de forma independente da figura do monarca soberano. O arremate de contratos em geral era feito por pessoas “de cabedal”, e representava status e capital político importante.

[13] JUNTA DO BANCO DO BRASIL: o Brasil colônia não teve instituições bancárias. O crédito realizava-se através dos comerciantes compradores ou fornecedores de mercadorias. A ideia de um banco local surgiu em fins do século XVIII. Mas, foi com a instalação da corte no Brasil, no início do século XIX, que se firmou o propósito da criação de uma verdadeira instituição privada de crédito, principalmente a serviço do governo. Assim, por iniciativa de d. Rodrigo de Sousa Coutinho, foi fundado o Banco do Brasil, a 12 de outubro de 1808. Cabia ao banco as funções tradicionais de depósitos, descontos e emissões de moeda de papel, prevendo-se que as emissões deveriam ser feitas “com a necessária cautela” – o que amiúde não aconteceu. Era incumbido da venda dos produtos estancados, saques sobre o erário, desconto dos bilhetes da alfândega. Primeiramente, o Banco do Brasil, que iniciou suas atividades em fins de 1809, funcionou somente no Rio de Janeiro. O alargamento do seu raio de ação traduziu-se em uma procura de acionistas e clientes em regiões com potencial financeiro. Assim, posteriormente, outras agências foram abertas nas capitanias, porém em pequeno número e com atuação irregular.

[14] CONTRABANDO: na América portuguesa, o contrabando consistia no comércio ilegal, sem que esse tráfico fosse autorizado ou reportado as autoridades coloniais. Seu desenvolvimento deveu-se, principalmente, ao monopólio do comércio, às pesadas taxações e à falta de regularidade no abastecimento da colônia. Este tipo de comércio fazia circularem mercadorias nacionais e estrangeiras, recebendo destaque o ouro, diamantes e pedras preciosas. O contrabando constituía ainda um dos poucos meios para escravos alcançarem a liberdade, daí muitos deles dedicarem-se ao garimpo clandestino. O fluxo de mercadorias contrabandeadas envolvia países como Inglaterra, Holanda e França, tendo alcançado tal vulto que parcela significativa do mercado colonial era abastecida por esta prática. [Ver também DESCAMINHOS]

 

Sugestões de uso em sala de aula
Utilização(ões) possível(is)
- No eixo temático sobre a "História das relações sociais da cultura e do trabalho"
- No sub-tema "As relações sociais, a natureza e a terra"
- Ao trabalhar o tema transversal "Meio ambiente"

Ao tratar dos seguintes conteúdos
- A sociedade colonial: culturas naturais
- Economia colonial
- Brasil colonial: riquezas naturais

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