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Vida Privada

Crime de adultério

Escrito por Super User | Publicado: Quarta, 31 de Janeiro de 2018, 18h49 | Última atualização em Sexta, 23 de Abril de 2021, 17h51

Carta do conselheiro corregedor do Crime da Corte e Casa ao príncipe regente d. João sobre a prisão de Ana Rosa, acusada de fugir de casa. A prisão foi feita a pedido de seu marido, ocorrendo em uma casa da cidade, na presença de um homem quase despido. Presa em flagrante, a mulher confessou seu adultério, pedindo perdão ao cônjuge. Crime considerado de grave condenação na época, o adultério implicava em danos morais à família e ao Estado.

 

Conjunto documental: Tribunal de Desembargo do Paço
Notação: caixa 219, pct. 02
Data-limite: 1808-1828
Título do fundo: Mesa do Desembargo do Paço
Código do fundo: 4K
Argumento de pesquisa: família, adultério
Data do documento: 3 de agosto de 1808
Local: Rio de Janeiro
Folha(s): -

 

“Senhor,

A suplicante Ana Rosa fugiu da companhia do marido trazendo consigo uma escrava, e roupas, e foi presa com o adúltero[1] em uma casa desta cidade, e os oficiais o acharam quase despido, tendo só vestido uma camisa de mulher, e ela se lançou aos pés do marido, e confessando o delito, queria que lhe perdoasse. Ele, contudo, a fez prender, e prossegue na acusação. A prova que os autos subministram é ilegível para grave condenação; o crime (...) é de muita gravidade pelos danos que produziu na família[2] e o ilegível ao Estado, (...) O parágrafo 21 do Regimento desta Mesa[3] , e quanto a sua prenhez consta esse ser verdadeira, e que este motivo merece compaixão, e que na prisão que ainda não tem comodidades não pode parir (...)

E tanto me pereceu indeferível o requerimento, V.S., porém deferiu (...).

Rio 3 de agosto de 1808. O Conselho Corregedor do Crime da Corte e Casa[4].”

 

[1] ADULTÉRIO: de acordo com o direito romano, quando o adultério era cometido pela mulher permitia-se ao marido traído “lavar com sangue” a sua honra. Mas, para que os homens fossem punidos, era necessária prova material de que ele estivesse incurso no que se chamava “concubinagem franca” com a mulher, pois relações passageiras, pequenos desvios e alguns pecadilhos eram tolerados. Considerada uma falta grave desde o Concílio de Trento (1545-1563), a Igreja reconheceu a possibilidade de separação permanente dos consortes, sendo um dos motivos mais alegados para o “divórcio”, uma vez comprovada a traição.

[2] FAMÍLIA: uma das principais instituições do Brasil colonial, a família foi marcada pela pluralidade e por experiências diversas, decorrentes de fatores como regionalização, origem social, gênero e etnia. Dentre as diversas camadas sociais, destacam-se as famílias patriarcais, que se tornaram as “poderosas instituições econômicas e políticas” do período. Através de casamentos e alianças, estas famílias criaram verdadeiros núcleos de poder, cuja estrutura fundiária serviu-lhes de base econômica, constituindo-se uma das principais heranças do período colonial. Uma interpretação clássica é a do sociólogo Gilberto Freyre, para quem a colonização do Brasil teve como pilar social a família patriarcal. O chefe da família e senhor de terras e escravos era a autoridade máxima, seguido de seus filhos, mulher, filhos bastardos, empregados, escravos domésticos e na base da pirâmide hierárquica, os escravos da lavoura. Ou seja, a instituição família não se restringia apenas ao núcleo formado por pai, mãe e filhos, mas faz referência a todos – grande número de criados, parentes, aderentes, agregados e escravos – que giram em torno do núcleo centralizador dos vários tipos de relação: o patriarca. Para o autor, a família teve papel central na formação do país, o “grande fator colonizador”, que povoou e tornou produtivas as terras descobertas. E, devido à distância do Estado luso, a família colonial brasileira transferiu o exercício de “mando” das relações privadas para o domínio público, ou seja, para o exercício político. O chefe de família também seria chefe de Estado, dividindo seu foco de atuação entre a casa e o governo. O governo da casa/ família, pautado na violência e submissão ao pater familia, refletia-se nas relações de poder entre o que Ilmar Rohloff de Mattos chamou de mundo do governo e mundo do trabalho, ou seja, os escravos. Trazer a ordem entre dominantes e dominados, assim como acontecia dentro da família, era manter, através de um controle que se exercia continuamente, a situação de classe dominante da elite econômica. Freire foi o grande idealizador da família patriarcal brasileira, considerando-a paradigmática do nordeste açucareiro. No entanto, afastado do contexto do engenho, existiam formas plurais de família. Em São Paulo e Minas Gerais, por exemplo, predominou a família nuclear (pais e filhos), além de um considerável número de famílias chefiadas por mulheres – a ausência dos homens é explicada pela necessidade econômica de sair em busca de riquezas, como no caso das bandeiras ou dos mascates. No Brasil colonial uma variedade de arranjos familiares se fez presente, independente da formalização do casamento, que usualmente se aplicava às famílias mais abastadas. Nas décadas de 1950 e 1960 autores como Florestan Fernandes e Roger Bastide apostaram na inexistência de famílias escravas, dada a superioridade numérica da população masculina e à opressão do cativeiro. Posteriormente Katia Matoso em Ser escravo no Brasil sugeriu que, a despeito da violência dos senhores, não deixou de haver laços de solidariedade entre os escravizados, ainda que não contestasse as teses anteriores. Em décadas recentes diversos estudos mostraram a constituição de famílias escravas tanto no Oeste paulista quanto no Vale do Paraíba no século XIX, com casamentos formais e núcleos familiares extensos (SLENES,Robert W., FARIA, Sheila de Castro. Família escrava e trabalho. Tempo, Vol. 3 - n° 6, Dezembro de 1998. https://www.historia.uff.br/tempo/artigos_dossie/artg6-4.pdf). Finalmente, deve-se lembrar da união do português e da mulher indígena. Portanto, é fundamental considerarmos o dinamismo das formações familiares na América portuguesa, ainda que marcadamente patriarcal.

[3] MESA DO DESEMBARGO DO PAÇO E DA CONSCIÊNCIA E ORDENS (RIO DE JANEIRO): criada no Rio de Janeiro, após a transferência da Corte portuguesa ao Brasil, pelo alvará de 22 de abril de 1808, era um órgão superior da administração judiciária. O recém-criado tribunal encarregava-se dos negócios que, em Portugal, pertenciam a quatro secretarias: os tribunais da Mesa do Desembargo do Paço, da Mesa da Consciência e Ordens, do Conselho do Ultramar e da Chancelaria-Mor da Corte e do Reino. O alvará de criação do Desembargo do Paço e da Mesa da Consciência e Ordens, definia ambos como um mesmo tribunal, no entanto, na prática, mantiveram funcionamento e normas distintas. Referente ao Conselho Ultramarino, sua jurisdição englobava apenas os temas que não fossem militares, uma vez que estes já eram contemplados pelo Supremo Conselho Militar, uma de suas atribuições foi a confirmação das sesmarias da Corte e província do Rio de Janeiro, que até então eram dadas pelos vice-reis, pelos governadores e pelos capitães-generais de diversas capitanias.

[4] CORREGEDOR DO CRIME DA CORTE E CASA: magistrado superior criminal, o cargo estava previsto como um dos ministros que integravam a Casa de Suplicação. Também servia à Casa Real, e atuava na comarca onde estava instalada a Corte, comandando, em matéria de justiça, as vilas da região.

 
 
Sugestões de uso em sala de aula
Utilização(ões) possível(is):
- No eixo temático sobre a “História das relações sociais da cultura e do trabalho”.
- No eixo temático sobre a “História das representações e das relações de poder”.

Ao tratar dos seguintes conteúdos:
- Práticas e costumes coloniais
- A manutenção  do sistema colonial
- Estrutura administrativa colonial
- Brasil colonial: sociedade, delitos e transgressões

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