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Brasil

Indígenas

Publicado: Terça, 24 de Janeiro de 2017, 13h02 | Última atualização em Quarta, 25 de Janeiro de 2023, 13h41

  • Maria Regina Celestino de Almeida
    Doutora pela UNICAMP e professora do Departamento de História da UFF

    Para os índios, “povos na infância, não há história: há só etnografia”, disse Varnhagen no século XIX [1]. Se essa sugestão foi, por longo tempo, bem acolhida entre os historiadores, já não se sustenta em nossos dias, quando um número cada vez maior de pesquisadores tem se voltado para o estudo das populações indígenas numa perspectiva histórica. Até muito recentemente, os índios integrados à colônia portuguesa e depois ao império brasileiro eram, grosso modo, negligenciados em nossa historiografia, apesar da farta documentação que evidencia sua significativa presença nas sociedades colonial e imperial nas mais diversas regiões do Brasil. Nas últimas décadas, as novas concepções teóricas da História e da Antropologia, que repensam e complexificam alguns conceitos básicos para o estudo das relações de contato entre os índios e as sociedades envolventes, tais como cultura e etnicidade, têm possibilitado um novo olhar dos pesquisadores sobre a documentação a respeito dos índios. Ao invés de vítimas passivas de um processo de perdas culturais sucessivas que os conduzia inevitavelmente à extinção étnica e cultural, os índios inseridos no império colonial português e, mais tarde, no império brasileiro podem ser vistos como agentes sociais ativos neste processo. Sem desconsiderar a extrema violência, os imensuráveis prejuízos e a altíssima mortalidade causados aos índios pela conquista e colonização, é possível perceber, através da documentação interpretada à luz das novas concepções interdisciplinares, que os índios foram também agentes de seu processo de metamorfose e encontraram diferentes meios de rearticular suas culturas, identidades e histórias para sobreviverem às diversas relações de contato que estabeleceram na colônia e no império. Em nossos dias, multiplicam-se os processos de etnogênese, sobretudo no nordeste, evidenciando que os índios integrados às sociedades colonial e imperial não desapareceram sem deixar rastros, como costumava ser sugerido pela historiografia. Ao invés disso, muitos lograram, em várias partes do Brasil, chegar ao século XXI, afirmando sua identidade indígena, reivindicando direitos garantidos pela Constituição de 1988 e, em alguns casos, buscando suas origens nos aldeamentos missionários do período colonial. A farta documentação sobre índios e aldeias no Brasil colonial e imperial, ainda em grande parte inédita e esparsa nos diversos arquivos e bibliotecas, sobretudo no Arquivo Nacional, já tem despertado a atenção de vários pesquisadores que repensam a história indígena. Além deste site, outras iniciativas importantes para facilitar o acesso às fontes primárias sobre índios e aldeias do Brasil têm sido realizadas. Dentre elas, cabe citar o “Guia de Fontes para História Indígena e do Indigenismo em Arquivos Brasileiros”, organizado por John M. Monteiro e “Os Índios em Arquivos do Rio de Janeiro, coordenado por José R. Bessa Freire, ambos disponíveis no Arquivo Nacional [2] . A política de aldeamentos foi um aspecto chave no projeto de colonização da Coroa Portuguesa, cuja realização contou com a colaboração da Igreja e sobretudo da Companhia de Jesus. As novas aldeias estabelecidas junto aos núcleos portugueses constituíram palco privilegiado para a inserção das populações indígenas na ordem colonial. As inúmeras disputas em torno delas evidenciadas pela documentação apontam para os diversos interesses que despertavam entre os vários segmentos sociais da Colônia. Índios, colonos, missionários e autoridades políticas locais e metropolitanas enfrentavam-se para fazer valer o cumprimento de suas expectativas quanto à formação e ao funcionamento dessas aldeias.
    Do século XVI ao XIX, elas integraram o projeto de colonização e, ao longo desse tempo, adquiriram diferentes funções e significados para os índios, colonos, missionários e autoridades. Para a Coroa, integrar os índios à sociedade colonial, tornando-os aliados e súditos cristãos do rei de Portugal era essencial para expandir fronteiras e garantir a soberania dos territórios conquistados contra as investidas de invasores estrangeiros e índios hostis. Além disso, as aldeias cumpriam também a função de assegurar aos colonos, aos missionários e à Coroa a mão-de-obra indígena necessária aos mais diversos tipos de trabalho. Isso se fazia de acordo com um sistema de rodízio e pagamento irrisório estabelecido pelas diversas legislações referentes aos direitos e obrigações dos índios aldeados [3]. A Coroa e os missionários tinham, portanto, objetivos ambivalentes em relação aos índios, pois visavam torná-los súditos cristãos e força de trabalho, enquanto os colonos estavam mais diretamente interessados em tê-los como mão de obra. Apesar das dificuldades para se identificar as expectativas dos índios em relação às aldeias, dadas as lacunas das fontes, é possível perceber na documentação, sobretudo naquela referente aos conflitos, indícios suficientes para se afirmar que sua colaboração com os portugueses não se resumia, absolutamente, à submissão passiva a uma ordem colonial que não lhes dava nenhuma margem de manobra. Diante do caos e da violência da colonização, aldear-se podia significar o mal menor. Os variados registros sobre suas disputas lançam algumas luzes sobre os diferentes interesses que os impulsionavam. Requerimentos e petições feitos por eles próprios e/ou pelos padres solicitavam terras, o direito de não serem escravizados e de trabalharem para quem quisessem, cargos, aumentos de salários, ajudas de custo e destituição de autoridades não reconhecidas por eles, indicando, pelos menos, algumas das suas expectativas na condição de aldeados. Some-se a isso os vários acordos de paz e de descimentos [4] estabelecidos com os portugueses que incluíam sempre promessas de terra e proteção. Na segunda metade do século XVIII, as reformas pombalinas significaram um ponto de inflexão na política de aldeamentos da Coroa Portuguesa. A expulsão dos jesuítas e o estabelecimento do Diretório dos Índios, legislação criada em 1757, inicialmente para a Amazônia e depois estendida às demais regiões da América portuguesa, lançou as bases da política assimilacionista. A intenção era transformar as aldeias em vilas e lugares portugueses e os índios em vassalos do rei, sem distinção alguma em relação aos demais vassalos. Apesar das mudanças, o Diretório manteve, em grande parte, as diretrizes básicas do Regimento das Missões de 1686 [5] , no que diz respeito à organização do trabalho indígena e sua repartição, bem como aos direitos e obrigações dos índios aldeados.
    A grande mudança foi o incentivo à miscigenação e à presença de não índios no interior das aldeias, como medidas necessárias para promover a assimilação. Apesar da presença cada vez mais intensa de brancos no interior das aldeias, incentivada pela própria lei, e das usurpações agrárias que tendiam a aumentar, suas terras e rendimentos permaneceram patrimônio coletivo dos índios, que inúmeras vezes recorreram à justiça para fazer valer seus direitos. A aplicação do Diretório nas diferentes regiões da América portuguesa variou conforme as diversas situações dos grupos indígenas e seus variados níveis de integração à sociedade colonial. Se o objetivo da lei era a assimilação, alcançá-la exigia diferentes procedimentos de acordo com as regiões e as populações com as quais se lidava: em algumas áreas efetuavam-se descimentos e estabeleciam-se novas aldeias; em outras se desencadeavam guerras; e em áreas de colonização mais antiga, pregava-se o fim das aldeias, com o argumento de que os índios já estavam civilizados e misturados à massa da população. Essas práticas podiam ocorrer concomitantemente e em regiões muito próximas, como ocorreu no Rio de Janeiro, por exemplo. No final do século XVIII e início do XIX, nas margens norte e sul do rio Paraíba, algumas aldeias se estabeleciam, enquanto nas regiões mais próximas ao núcleo da cidade do Rio de Janeiro, aldeias seculares eram transformadas em freguesias como primeiro passo para sua extinção. É instigante constatar, em algumas dessas aldeias, a resistência dos índios às tentativas de extingui-las: diversos documentos evidenciam que, após a expulsão dos jesuítas, os índios nelas permaneceram, lutando juridicamente para preservar o patrimônio que lhes fora concedido séculos antes por sua condição de aldeados. Enquanto isso, em áreas não muito distantes, outras aldeias se estabeleciam para incorporar os chamados “índios bravos”. Cabe notar que alguns particulares, ainda no século XIX, interessavam-se em assumir essa tarefa, provavelmente por verem nela amplas possibilidades de obter maior controle sobre a mão de obra indígena. Foi o caso de José Rodrigues da Cruz que, em 1800, obteve do Príncipe Regente consentimento e auxílio para seu projeto de civilização e domesticação do gentio às margens do Paraíba (AN, códice 206, folha 2v e3). Por sua iniciativa foi criada, em 1801, a aldeia de Valença que deu origem à cidade do mesmo nome [6] . Percebe-se, pois, que o estudo sobre os povos indígenas e suas relações com as sociedades envolventes na América portuguesa e no Brasil imperial deve ser regionalizado, dada a imensa diversidade de grupos indígenas e as variadas formas de colonização estabelecidas em diferentes regiões. Embora algumas leis fossem gerais, suas aplicações variaram muito, como variaram também as atuações dos índios em relação a elas. Durante o século XIX, a ausência de uma política indigenista de caráter geral - desde a extinção do Diretório, em 1798, até o Regulamento das Missões de 1845 - não impediu o predomínio da política assimilacionista, dando seqüência, às propostas iniciadas por Pombal. Ao longo do oitocentos, intensificaram-se os debates políticos e intelectuais sobre os índios, discutindo-se basicamente como integrá-los e as propostas divergiam entre as possibilidades de fazê-lo de forma branda ou violenta. O projeto de José Bonifácio, na Constituinte de 1823, que afirmava a humanidade dos índios e a necessidade de integrá-los com brandura, apesar de aprovado, não chegou à prática. A Constituição de 1824 sequer mencionou a questão indígena que se tornou competência das Assembléias Legislativas Provinciais. Não obstante, apesar das teorias discriminatórias e racistas que influenciavam o pensamento de intelectuais e políticos a proposta humanista de José Bonifácio predominou na política indigenista. As autoridades estatais e locais visavam extinguir as aldeias e incorporar suas terras, integrando os índios, sem distinção, à massa populacional, mas procuravam fazer isso dentro das regras estabelecidas pela legislação através de meios brandos e persuasivos, recomendando-se a violência para os que se recusassem a colaborar. Foi o caso dos Botocudos, contra os quais foi decretada a guerra ofensiva em Carta Régia de 1808 (AN,Códice 206, folha 50 a 51v.). Em relação aos aliados, verificavam-se alguns cuidados em cumprir a legislação. O Regulamento das Missões de 1845 decretou o direito dos índios às terras nas aldeias, considerando, no entanto, a possibilidade de extingui-las, conforme seu estado de decadência. A lei de Terras de 1850 seguiu orientação semelhante ao estabelecer para os índios o usufruto temporário das terras até que atingissem o “estado de civilização”.
    Na segunda metade do século XIX a intensa correspondência oficial entre autoridades do governo central, das províncias e dos municípios é reveladora da preocupacão do Estado em obter informações sobre o estado de decadência das aldeias e o grau de civilização dos índios com o objetivo de dar cumprimento à política assimilacionista, a ser implementada conforme as situações específicas de cada região. Algumas petições dos índios para resguardar seus direitos contradiziam os discursos assimilacionistas que pregavam estarem eles misturados à massa da população. A partir de 1861, o encargo da catequese e civilização dos índios passou ao Ministério dos Negócios, Agricultura, Comércio e Obras Públicas, evidenciando que, no século XIX, a questão dos índios tornara-se, em algumas regiões, essencialmente uma questão de terras, como afirma Carneiro da Cunha [7] .
    A idéia de que para os índios não há história, mas apenas etnografia já vem sendo desconstruída há, pelo menos, duas décadas. Os conjuntos documentais aqui apresentados tratam de diferentes aspectos relativos à história dos índios em várias regiões do Brasil e em tempos diversos e oferecem aos pesquisadores um rico material com inúmeras possibilidades de interpretação, questionamentos e problematizações. Refletir sobre eles, à luz de abordagens interdisciplinares e comparativas permite uma compreensão mais ampla e complexa sobre as relações de contato e, principalmente, perceber os índios como agentes sociais dos processos históricos por eles vivenciados.

    Notas
    [1] Francisco A. de Varnhagen. História Geral do Brasil [1854]. 3ªed. São Paulo: Melhoramentos, 1962, v.1, p.42.
    [2] John M. Monteiro (org.) Guia de Fontes para a História Indígena e do Indigenismo em arquivos brasileiros. São Paulo: Companhia das Letras, 1994; J. Ribamar Bessa Freire (coord.) Os Índios em Arquivos do Rio de Janeiro. Ed. UERJ, 1995-96. 2vols.
    [3] Sobre isso ver B. Perrone-Moises. “Índios Livres e Índios Escravos: os princípios da legislação indigenista do período colonial (séculos XVI a XVIII). In: M. Carneiro da Cunha. História dos Índios no Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, pp.115-132, 1992.
    [4] As expedições de descimento visavam transferir os índios das aldeias de origem para as novas aldeias estabelecidas sob a administração portuguesa.
    [5] O Regimento das Missões, de responsabilidade do Padre Antonio Vieira, ficou em vigor até o estabelecimento do Diretório. Embora tenha sido elaborado especificamente para a Amazônia, seus princípios mais gerais eram aplicados nas demais aldeias jesuíticas da América portuguesa. Sobre isso, ver B. Perrone-Moises, op.cit. e J. Oscar Beozzo. Leis e Regimentos das Missões: política indigenista no Brasil. São Paulo: Loyola, p.38;112, 1983.
    [6] Sobre isso ver: Marcelo S. Lemos. “O Índios virou pó de café? – A resistência dos índios Coroados de Valença frente à expansão cafeeira no Vale do Paraíba (1788-1836”. Rio de Janeiro:UERJ, 2004. Dissertação de Mestrado.
    [7] Manuela Carneiro da Cunha. Legislação Indigenista no Século XIX- Uma Compilação (1808-1889)São Paulo, EDUSP,1992.

     

  • Conjunto documental: Roteiro da visita de inspeção feita por Martinho de Sousa e Albuquerque, governador do Grão-Pará à povoação da antiga capitania do Caité. Assinada pelo sargento-mor engenheiro João Vasco Manuel de Braun.

    Notação: Códice 1147, vol. 01
    Datas - Limite: 1787-1787
    Título do Fundo: Diversos códices - SDH
    Código do fundo: NP
    Argumento de pesquisa: índios, pacificação de
    Ementa: roteiro da visita da inspeção feita pelo governador do Grão-Pará, Martinho de Sousa e Albuquerque à povoação da antiga capitania do Caeté. Dentre os assuntos abordados, são destacados através das referências ao pé de página, os povoamentos e vilas formadas nas margens dos rios da região. Alguns desses povoamentos seriam habitados por índios.
    Data do documento: s.d.
    Local: Província do Grão-Pará
    Folhas: 1 a 17

    Conjunto documental: Capitania do Pará, Minas Gerais e Colônia do Sacramento
    Notação: Caixa 747, pct.01
    Datas – limite: 1764-1815
    Título do fundo: Vice-Reinado
    Código do fundo: D9
    Argumento de pesquisa: índios, pacificação de índios
    Ementa: carta de d. Rodrigo de Souza Coutinho para o governador e capitão geral da Capitania do Pará, d. Francisco de Souza Coutinho, solicitando ao governador que utilize todas as noções que houver sobre um sistema de civilização para os chamados índios bravos, com o intuito de retirá-los do paganismo para converte-los ao cristianismo e tornando-os assim súditos da rainha d. Maria I de Portugal.
    Data do documento: 24 de Novembro de 1796
    Local: Palácio de Queluz
    Folha (s): -

    Conjunto documental: Coleção de memórias e outros documentos sobre vários objetos
    Notação: Códice 807, vol.19
    Datas – limite: 1647-1880
    Título do fundo: Diversos códices - sdh
    Código do fundo: NP
    Argumento de pesquisa: índios, aldeamentos
    Ementa: texto de José Estevão Grodona intitulado “a proclamação da sentinela da liberdade”, protestando contra o sistema colonial e incentivando os brasileiros a fazer um movimento de independência e liberdade, em oposição a Portugal.
    Data do documento: s.d.
    Local: Brasil
    Folha (s): 43 a 44v

    Conjunto documental: Coleção de memórias e outros documentos sobre vários objetos
    Notação: Códice 807, vol. 11
    Datas – limite: 1768-1822
    Título do fundo: Diversos códices - SDH
    Código do fundo: NP
    Argumento de pesquisa: índios, aldeamentos
    Ementa: Carta da rainha d. Maria I ao governador e capitão general do Estado do Pará, d. Francisco de Souza Coutinho. A rainha estabelecia uma série de ordens para que os índios do Pará fossem integrados à sociedade, tanto aqueles que já habitavam as povoações quanto aqueles que vivem “embrenhados”. O objetivo era que todos fiquem em igualdade com os outros vassalos, sendo úteis e governados pelo Estado e pela Igreja. Para isso, ordenava a extinção do Diretório dos Índios.
    Data do documento: 12 de maio de 1798
    Local: Palácio de Queluz
    Folha (s): 23 a 34

    Conjunto documental: Coleção de memórias e outros documentos sobre vários objetos
    Notação: Códice 807, vol. 11
    Datas – limite: 1768-1822
    Título do fundo: Diversos códices - SDH
    Código do fundo: NP
    Argumento de pesquisa: índios, aldeamentos
    Ementa: ofício do governador da Capitania de Mato Grosso, Francisco de Paula Maggozzi Tavares de Carvalho a Thomaz Antonio de Vilanova Portugal. O governador informa sobre o que lhe fora relatado a respeito do serviço de Estado, a bandeira realizada pelo padre Francisco Lopes Sá. O relato foi feito por um homem pertencente à mesma bandeira, cujo objetivo era seguir para a Serra dos Martírios, onde teriam encontrado ouro. Tal homem informa sobre o encontro hostil com os índios Tapanhunas, e sobre os objetos encontrados na aldeia, como redes tecidas com enfeites coloridos. Assegura que os índios “Hypiacazes” amam o padre e reconhecem a imagem sacra como seu Deus, o que demonstra a importância de bons sacerdotes para a catequização. Em anexo, a carta do dito padre, de 4 de outubro de 1820, detalhando sua jornada, como as características do lugar e o encontro com os “gentios”.
    Data do documento: 18 de dezembro de 1820
    Local: Quartel general de Cuiabá
    Folha (s): 65 a 66

    Conjunto documental: Registro original de correspondência dos governadores do Rio de Janeiro, destes com outros e com diversas autoridades
    Notação: Códice 87, vol.02
    Datas – limite: 1725-1727
    Título do fundo: Secretaria de Estado do Brasil
    Código do fundo: 86
    Argumento de pesquisa: índios, escravidão indígena
    Ementa: portaria sobre os índios bravos da serra de Macaé, do governador Vasco Fernandes César de Meneses a ser executada por Caetano Barcelos Machado. Segundo esta, “baixam quadrilhas de índios bravos nas fraldas da mesma Serra, inquietando os moradores daqueles distritos e infestando a estrada que vai para os Campos dos Goitacazes”. Ainda, recomenda a captura de alguns índios bravos para o “conhecimento daqueles sertões”, pois já era notória a povoação indígena na parte sul da serra com as minas.
    Data do documento: 4 de Maio de 1726
    Local: Rio de Janeiro
    Folha (s): 106

    Conjunto documental: Registro original de correspondência dos governadores do Rio de Janeiro, destes com outros e com diversas autoridades
    Notação: Códice 87, vol.02
    Datas – limite: 1725-1727
    Título do fundo: Secretaria de Estado do Brasil
    Código do fundo: 86
    Argumento de pesquisa: índios, escravidão indígena
    Ementa: edital do governador do Rio de Janeiro Luiz Vaya Monteiro proibindo a todas as pessoas levar índios para as minas. Ordena a proibição da passagem dos índios” aos “oficiais dos registros dos caminhos para as minas”, que prejudicava a catequização e separava o indígena das Aldeias. Sendo assim, proibia “levar índio algum para as minas sem licença do Superior da Aldeia, a quem estiver agregado”. Não se cumprindo tal procedimento, “esta pessoa será presa e remetida com o índio, ou índios que levar consigo”.
    Data do documento: 11 de Junho de 1727
    Local: Rio de Janeiro
    Folha (s): 231v

    Conjunto documental: Registro de cartas régias, provisões, alvarás, ordens régias, decretos e atos relativos ao Grão-Pará
    Notação: Códice 101, vol.02
    Datas – limite: 1798-1799
    Título do fundo: Junta da Real Fazenda da Capitania do Pará
    Código do fundo: 4 A
    Argumento de pesquisa: índios, pacificação de índios
    Ementa: Documento escrito por d. Francisco de Souza Coutinho em 4 de agosto de 1797 no Pará e recebido posteriormente por d. Rodrigo de Souza Coutinho. Lista com 35 itens que informam sobre a navegação entre o Pará e o Mato Grosso, trazendo apontamentos para melhorar o comércio do Estado. Alguns itens abordam a questão dos índios como mão-de-obra na navegação, porém levantam pontos como a alta mortandade indígena, o medo e falta de costume com os brancos e ainda apontam que os negros “são muito mais robustos e próprios para o trabalho violento que os índios”, o que atrapalha os planos de utilização desse tipo de mão-de-obra.
    Data do documento: 12 de Maio de 1798
    Local: Palácio de Queluz
    Folha (s): 17 a 34v

    Conjunto documental: Registro de cartas régias, provisões, alvarás, osdens régias, decretos e atos relativos ao Grão-Pará
    Notação: Códice 101, vol.02
    Datas – limite: 1798-1799
    Título do fundo: Junta da real fazenda da Capitania do Pará
    Código do fundo: 4 A
    Argumento de pesquisa: índios, pacificação de índios
    Ementa: registro de uma carta régia recebida por d. Francisco de Souza Coutinho no Pará. A rainha ordenava que fosse extinto o diretório dos índios, dando-lhes liberdade para que assim tenham os mesmos direitos dos outros vassalos, sendo todos dirigidos e governados pelas mesmas leis. A Coroa alegava que os índios dessa época eram mais civilizados que os das gerações anteriores, atribuindo à religião grande participação nesse processo. O objetivo principal da extinção do diretório era promover um maior contato entre brancos e índios. Dessa forma, seria acelerado o processo de civilização. Para maior contato, a rainha ordenava que se promovessem casamentos entre brancos e índios, com o Estado oferecendo as alianças e distribuindo privilégios para quem se casar.
    Data do documento: 8 de Janeiro de 1799
    Local: Pará
    Folha(s): 44v a 54

    Conjunto documental: Junta da Real Fazenda, registro de avisos e ofícios, portarias e editais do vice-rei, provisões e cartas régias, requerimentos, etc.
    Notação: Códice 206
    Datas – limite: 1801-1808
    Título do fundo: Junta da Real Fazenda da Capitania do Rio de Janeiro
    Código do fundo: 4B
    Argumento de pesquisa: índios, pacificação de índios
    Ementa: ofício de d. Rodrigo de Souza Coutinho, da Secretaria de Estado dos Negócios da Marinha e Domínios Ultramarinos, ao conde de Rezende, d. José Luiz de Castro. O príncipe regente, d. João, ordena que se conceda o pedido de José Rodrigues da Cruz, contido na carta de Ofício de 31 de outubro de 1799. Ordenava que o mesmo seja auxiliado, tendo suas idéias de civilização e domesticação dos gentios atendidas, e a povoação das margens superiores do rio Paraíba seja incentivada por meio de sesmarias. Em relação à conversão dos gentios, que viviam embrenhados nos sertões “sem a luz, e o conhecimento do verdadeiro Deus”, mandava que fossem enviados ao Paraíba do Sul, missionários doutos, fiéis e zelosos.
    Data do documento: 7 de março de 1800
    Local: Palácio de Queluz
    Folha(s): 2v. e 3

    Conjunto documental: Coleção de memórias e outros documentos sobre vários objetos
    Notação: Códice 807, vol.19
    Datas – limite: 1647-1880
    Título do fundo: Diversos códices - sdh
    Código do fundo: NP
    Argumento de pesquisa: Índios, aldeamentos
    Ementa: carta régia em que o príncipe regente determina que os oficias das câmaras do Maranhão e Pará não interfiram na administração dos casais Goarapiranga, deixando essa função para os religiosos capuchos.
    Data do documento: 1675
    Local: Portugal
    Folha (s): 3v a 4v

    Conjunto documental: São Paulo. Ministério do Reino e Império. Registro de correspondência.
    Notação: IJJ9 5
    Datas-Limite: 1808-1830
    Título do Fundo: Série interior
    Código do fundo: AA
    Argumento de pesquisa: índios, aldeamentos
    Ementa: carta do conde de Aguiar para o marquês de Alegrete. O autor afirma ter levado ao príncipe regente o ofício do marquês que autorizava os governadores e capitães generais daquela capitania a criar vilas de índios. O conde de Aguiar relata que sem autorização da Coroa, os governadores não podem criar aldeias e vilas de índios.
    Data do documento: 21 de julho de 1813
    Local: Rio de janeiro
    Folhas: 38v.

    Conjunto documental: São Paulo. Ministério do Reino e Império. Registro de correspondência.
    Notação: IJJ9 5
    Datas-Limite: 1808-1830
    Título do Fundo: Série interior
    Código do fundo: AA
    Argumento de pesquisa: índios, pacificação de índios
    Ementa: carta de Thomaz Antônio de Villanova Portugal para o conde de Palma. O autor informa ao destinatário que d. João VI gostou bastante da viagem feita por João Caetano da Silva realizada da Capitania de Goiás até São Paulo, graças a sua descoberta da navegação que contribuiria tanto para a civilização de muitos indígenas “embrenhados e selvagens” viventes nas margens dos rios de ambas as capitanias, como para o aumento da agricultura e do comércio entre as mesmas. Por esses motivos, d. João VI concedeu à João Caetano da Silva o Hábito da Ordem de Cristo. O autor também sugere que o conde de Palma deveria contratá-lo para que ele pudesse fazer mais descobertas interessantes para a coroa Portuguesa.
    Data do documento: 29 de agosto de 1817
    Local: Rio de Janeiro
    Folhas: 61

    Conjunto documental: São Paulo. Ministério do Reino e Império. Registro de correspondência.
    Notação: IJJ9 5
    Datas-Limite: 1808-1830
    Título do Fundo: Série interior
    Código do fundo: AA
    Argumento de pesquisa: índios, pacificação de índios
    Ementa: Carta de Thomaz Antônio de Villanova Portugal para o bispo de São Paulo. O autor afirma que levou ao conhecimento de d. João VI o pedido do bispo de São Paulo para que fosse construído uma igreja no distrito de Conquista de Guarapuava. Tal igreja seria construída em virtude dos requerimentos feitos pelos índios catecúmenos, e pelos colonos residentes naquele distrito. D. João VI atendeu esses pedidos mandando construí-la em Atalaia de Guarapuava. Ele teria atendido tais apelos também por avaliar que a construção da igreja seria uma forma da catequese de gentios e povoamento da região, que faria assim aumentar o cultivo daqueles “fertilíssimos campos”. Por fim, o autor mencionava que o padre Francisco Chagas, graças à “conduta exemplar” na catequese dos índios seria nomeado vigário da igreja que seria construída.
    Data do documento: 27 de agosto de 1818
    Local: Rio de janeiro
    Folhas: 69

    Conjunto documental: Requerimentos de militares.
    Notação: Caixa 488, pct. 02
    Datas-Limite: 1803-1805
    Título do Fundo: Vice-reinado
    Código do fundo: D9
    Argumento de pesquisa: índios, aldeamentos
    Ementa: requerimento de José Reiz da Cruz, chefe das diligências sobre os índios coroados, para o vice-rei. O autor intercedia em favor de Francisco Pernes Lisboa, morador da região, para que este não participasse mais das diligências com o comandante do regimento de cavalaria, capitão Henrique Vicente Louzada. Este, segundo o autor, se encontrava “caduco” e influenciado pelo capelão Joaquim José Flores, de conduta “intrigante”, o que estaria atrapalhando o aldeamento dos índios coroados. O autor solictava, assim, a substituição do referido capelão. Desse modo, o capitão Louzada não atrapalharia mais as diligências e o aldeamento dos índios coroados.
    Data do documento: 26 de julho de 1803
    Local: s.l.
    Folhas: -

    Conjunto documental: Junta da Real Fazenda, registro de avisos e ofícios, portarias e editais do vice-rei, provisões e cartas régias, requerimentos, etc.
    Notação: códice 206
    Datas – limite: 1801-1808
    Título do fundo: Junta da Real Fazenda da capitania do Rio de Janeiro
    Código do fundo: 4B
    Argumento de pesquisa: índios, pacificação de índios
    Ementa: carta régia para o governador e capitão general de Minas Gerais, Pedro Maria Xavier de Ataíde e Mello. O príncipe regente, d. João, determina a execução de várias medidas a serem tomadas pelo governador de Minas Gerias, em relação aos índios Botocudos. As medidas dizem respeito à implantação de uma guerra ofensiva contra esses índios, já que os mesmos têm invadido diversas partes desta capitania, especialmente sobre as margens do rio Doce. Nessas áreas, os índios destruíam as fazendas, obrigando os proprietários a abandoná-las, além de praticarem antropofagia com os índios mansos e portugueses.
    Data do documento: 13 de maio de 1808
    Local: Palácio do Rio de Janeiro
    Folha (s): 50 a 51v.

    Conjunto documental: Correspondência dos governadores do Rio de Janeiro com diversas autoridades
    Notação: Códice 84, vol.14
    Datas – limite: 1757-1763
    Título do fundo: Secretaria de Estado do Brasil
    Código do fundo: 86
    Argumento de pesquisa: escravidão Indígena
    Ementa: Carta de José Antônio Freire de Andrada para o doutor Marcelino Roiz Collaço pedindo que quando o mesmo passar pela cidade de Cabo Frio, examine e dê o seu parecer sobre o capitão Mor e todos os índios da Aldeia de São Pedro.
    Data do documento: 12 de Maio de 1758
    Local: Rio de Janeiro
    Folha(s): 85

    Conjunto documental: Correspondência dos governadores do Rio de Janeiro com diversas autoridades
    Notação: Códice 48, vol.14
    Datas – limite: 1757-1763
    Título do fundo: Secretaria de Estado do Brasil
    Código do fundo: 86
    Argumento de pesquisa: escravidão Indígena
    Ementa: Carta do Conde de Bobadella para o Padre Miguel Freyre Ferreira informando que já está no calabouço o índio que lhe foi enviado para ser castigado.
    Data do documento: 25 de Agosto de 1760
    Local: Rio de Janeiro
    Folha(s): 238v e 239

    Conjunto documental: Registro original de correspondência dos governadores do Rio de Janeiro, destes com outros e com diversas autoridades.
    Notação: códice 87, vol.02
    Datas – limite: 1725-1727
    Título do fundo: Secretaria de Estado do Brasil
    Código do fundo: 86
    Argumento de pesquisa: índios, escravidão indígena
    Ementa: Portaria para o Provedor do Registro sobre os índios que vão para as minas fugidos, em 11 de Junho de 1727, do Rio de Janeiro. Denunciando que várias pessoas induzem os índios à catequização com o intuito de extraí-los das Aldeias, prejudicando o “serviço de Deus e das almas”, perdendo assim, a doutrina católica e reduzindo as Aldeias. Além da diminuição do número de indígenas para trabalhar nas fortificações, prejudicando os vassalos reais. E, dos ditos catequizadores, é sabido que, uns levam os índios para as minas e outros induzem ao índio fugirem das aldeias. Ficando proibido ao Provedor do Registro “deixar passar índio algum para as minas, ainda que mostre licença de Padre Superior, para sair da Aldeia em algum serviço”.
    Data do documento: 11 de Junho de 1727
    Local: Rio de Janeiro
    Folha (s): 231v

    Conjunto documental: Descrição geográfica da Capitania de Mato Grosso pelo sargento-mor do corpo de engenheiros no Forte da Nova Coimbra, Ricardo Franco de Almeida Serra.
    Notação: códice 873
    Datas – limite: 1797-1797
    Título do fundo: Diversos códices-SDH
    Código do fundo: NP
    Argumento de pesquisa: índios, aldeamentos
    Ementa: Descrição de dados geográficos da capitania de Mato Grosso, assim como dos rios situados no local. Descreve a localização e características de diversas tribos indígenas que eram hostis com os portugueses e espanhóis, atacando diversas missões, como as do Santo Coração e de São Tiago. Posteriormente se reconciliaram, buscando a paz e reconhecendo vassalagem. Dentre as tribos, estão a dos Guaycurus ou Cavalheiros, Payaguas, Mequens, Patitins, entre outras. Descreve também sobre os Bororos, que mantinham dificuldades de comunicação com os portugueses em função das apreensões e extermínio de variadas tribos que habitavam o rio Paraguai, executadas pelas incursões dos paulistas e espanhóis. Além desses, a ação dos jesuítas que levavam os índios para as missões foram fatores de intimidação dos índios Bororos. É importante destacar o relato sobre a comitiva de Aleixo Garcia, mandada por Martim de Souza para reconhecer os sertões a ocidente da costa do Brasil. Tal comitiva fora morta e o carregamento de ouro e prata, levados pelos índios Guaycuruz e Payaguas às margens do rio Paraguai.
    Data do documento: 1797
    Local: s.l.
    Folha (s): 1 a 65

    Conjunto documental: Vice- Reinado. Portarias.
    Notação: códice 73, vol. 08
    Datas – limite: 1773-1775
    Título do fundo: Secretaria de estado do Brasil
    Código do fundo: 86
    Argumento de pesquisa: índios, escravidão indígena
    Ementa: Portaria para o desembargador provedor da Fazenda Real. Tal documento mandava que se desse os “gêneros contidos em uma relação” para dois índios do Rio Grande: Pascoal Baylão e Nicolau da Costa Guimaraens. Segundo a portaria, estes índios estavam praticando a “Arte de Cirurgia” no Hospital Militar.
    Data do documento: 02 de abril de 1773
    Local: Rio de Janeiro
    Folha(s): 24v.

  • Contato entre brancos e índios

     Ofício do governador da capitania de Mato Grosso, Francisco de Paula Maggozzi Tavares de Carvalho, a Tomás  Antônio de Vilanova Portugal, informando a respeito da bandeira realizada pelo padre Francisco Lopes Sá,   cujo objetivo era seguir para a Serra dos Martírios em busca de ouro. Baseando-se no relato feito por um dos membros da bandeira, o governador informou sobre o encontro hostil dos bandeirantes com os índios tapanhunas,  bem como sobre os objetos encontrados na aldeia dessa tribo.  Este documento também relata a curiosa relação entre os índios hipiacazes e o padre,  os quais parecem amar o padre e reconhecer a imagem sacra como seu Deus.  O documento é relevante para se conhecer o papel desempenhado pelos  sacerdotes junto aos indígenas, além de revelar a visão que se construía sobre essa cultura.

     

    Conjunto documental: Coleção de memórias e outros documentos sobre vários objetos.
    Notação: Códice 807, vol. 11
    Datas – limite: 1768-1822
    Título do fundo: Diversos códices - SDH
    Código do fundo: NP
    Argumento de pesquisa: índios, aldeamentos
    Data do documento: 18 de dezembro de 1820
    Local: Quartel General de Cuiabá
    Folha (s): 65 a 66

     

    “Ilustríssimo e Excelentíssimo Senhor.

    Pela carta inclusa, que tenho a honra de levar à presença de V. Excelência e que me remeteu o padre Lopes, verá V. Excelência o acontecimento, que teve com os índios Tapanhonas, por cujo motivo retrocedeu, e tentou ir ao Juruína em busca da prata; porém um homem, que foi na mesma Bandeira[1], e que veio aqui falar-me assegura, serem decerto os Martírios, naquele sítio; não só pelas grandes formações que viram, como também porque em onze bateadas, que deram em um pequeno riacho, a que puseram o nome de São João, tiraram quatro oitavas de ouro; porém ele diz, que o padre não quisera ficar ali, por se temer dos índios Tapanhonas, porque fazendo-lhe todos uma proposta, para passarem as águas naquele lugar, por ser saudável, e estarem muito perto da Serra dos Martírios, não quisera ceder, por maneira alguma; porque mandando ele uma porção de gente a uma aldeia dos Tapanhonas com foices e machados, para os brindar, e também com algumas miçangas, que daqui se lhe haviam mandado, não encontraram na dita aldeia senão mulheres, as quais fugiram imediatamente que os viram; e eles vendo, que elas se retiravam, deixaram dependurados os donativos que levarão, para lhes fazer ver que iam de paz e não para os ofender, porém isso de nada serviu, porque no outro dia apareceram mais de quinhentos e muito bem armados, todos cobertos de penas magníficas, homens de grande estatura, muito bem feitos e brancos (isto mesmo condiz com a informação, que havíamos tido dos índios Hipiacazes e pensando eles, que vinham agradecer o donativo, foi pelo contrário, porque imediatamente fizeram um grande círculo e entraram a disparar flechas, chegando a distância dela passos, pelo que se viram obrigados a pegar nas armas, e fazer-lhes algum fogo, em que morrerão alguns índios; e pelo muito que se aproximavam vieram no conhecimento que eles não conheciam ainda armas de fogo.

    Encontraram na dita aldeia muitas redes, magnificamente tecidas, com enfeites de diferentes cores, e muito finas; um Pagol, que pelo menos teria quatrocentos carros de milho[2], um grande mandiocal[3], muitos algodoais[4], e uma plantação de milho de mais de doze alqueires; e asseguram o mesmo homem, que veio da tal Bandeira, que serão precisas 100 armas de fogo, para se poder concluir aquele descoberto, pela muita gentilidade, que há por aqueles rios; e que sem dúvida neles se encerram grandes tesouros; pois que em um pequeno buraco, que fizeram, acharam cinco pedras, sendo a maior de vintém. Eu estou esperando as últimas notícias do padre Lopes, e do seu resultado, terei a honra de participar a V. Excelência. Segura-me mais o dito homem, que os índios Hipiacazes só lhes falta trazerem o padre ao colo, que o amam e respeitam no último ponto, e que um pequeno oratório, que levara o padre com uma imagem; os índios senão tiram do pé dele, a beijarem-no, dizendo que está ali pajé, que assim intitulam eles a deus; e aqui verá V. Excelência quão necessários eram bons sacerdotes, para a cultura destes índios, que se acham com os ânimos dispostos, que são de uma índole bela, como já disse a V. Excelência, e que esta nação tem uns poucos de milhares de índios, que podem vir a ser muito proveitosos para agricultura e povoação desta província. Deus guarde a V. Excelência. Quartel General de Cuiabá[5], 18 de Dezembro de 1820. Ilustríssimo e Excelentíssimo Senhor Thomaz Antonio de Vilanova Portugal[6]. Francisco de Paula Maggozzi Tavares de Carvalho.”

     

    [1]BANDEIRAS: expedições armadas organizadas por paulistas da capitania de São Vicente, primeiramente para combater estrangeiros e indígenas; mais tarde se dedicaram ao apresamento e cativeiro de índios e a busca de minas de ouro e pedras preciosas. Valiam-se da extensa rede hidrográfica partindo do Tietê, Pinheiros, Cotia, Piracicaba para alcançar a bacia do Prata, Parnaíba e São Francisco. As bandeiras eram compostas por bandos imensos de mamelucos e seus cativos que por meses e até anos se deslocavam a pé ou a remo; acampavam para plantar e colher roças com que se supriam de mantimentos para prosseguir viagem sertão adentro, através de matas e de campos naturais, procurando aldeias indígenas ou missões de índios capturáveis. Essas expedições tiveram um impacto forte sobre as populações nativas, provocando o despovoamento de vastas regiões no interior do continente em consequência de contaminação por doenças ou deslocamento dos cativos para os povoados portugueses. Outro desdobramento dessas iniciativas foi a ampliação dos territórios sob o domínio da Coroa portuguesa, transpondo os limites territoriais portugueses na América definidos pelo Tratado de Tordesilhas e, obrigando Espanha e Portugal a renegociarem suas possessões no Novo Mundo. As bandeiras percorreram todas as regiões do extremo sul à Amazônia e do litoral leste e nordeste ao extremo oeste do país. No começo do século XVII, no vale do rio Paraná e de seus afluentes os bandeirantes penetraram nas reduções jesuíticas e nas áreas de ocupação espanhola do Guairá, do Paraguai e do Uruguai onde capturaram das dezenas de milhares de índios sedentarizados nas missões do Guaíra, Itatim e Tapes. Durante um século e meio, os paulistas se fizeram cativadores de índios, primeiro, para serem os braços e as pernas do trabalho de suas vilas e seus sítios, e como mercadoria para venda. Desse modo despovoaram as aldeias dos grupos indígenas lavradores em imensas áreas, indo buscá-los a milhares de quilômetros terra adentro. Frequentemente, quando a população nativa disponível para o trabalho se tornava escassa, bandeiras eram organizadas com a finalidade de tomar novos cativos, contando com a anuência ou mesmo a participação ativa de autoridades régias, que simulavam as condições de guerra justa impostas pela legislação em vigor para escravizar índios para as lavouras coloniais. Quando da abertura de uma nova zona os índios apresentavam resistência maior ou quando estalava uma rebelião escrava ou ainda quando um grupo negro se insurgia implantando um quilombo, apelava-se às bandeiras. A de Domingos Jorge Velho foi uma das mais conhecidas com essa função repressora, tendo sido contratada para destruir o quilombo de Palmares e liquidar a resistência dos índios Cariris no Nordeste (1685-1713), na chamada Guerra dos Bárbaros.

    [2]MILHO: alimento originário do continente americano, o milho foi, e ainda é, a base alimentar de muitos povos do continente. Existem registros de seu cultivo que datam de cerca de 7000 anos no México. Apresentado aos europeus no século XVI, o milho, junto a outros produtos como a mandioca e, posteriormente, a aguardente, tornaram-se os principais alimentos da cultura de subsistência do Brasil colonial. Cristóvão Colombo foi o responsável por levar o cereal à Europa, que logo ganharia a aceitação da população pobre de países como Itália e França. Tendo sido empregado como ração animal, viria a despertar certo preconceito entre os mais abastados. Os portugueses, que também observaram o consumo do milho entre os nativos de sua colônia americana tão logo de sua chegada, não demorariam para aproveitar todas as formas de uso do cereal, como alimento para consumo próprio, até a fabricação de óleo, farinha, bebidas e ração animal. Em tempo, levariam seu cultivo para outras colônias na África e Ásia, e a partir de então, o milho tornou-se um dos mais importantes alimentos em todos os continentes.

    [3]FARINHA: preparada a partir de uma raiz tropical conhecida como mandioca ou aipim, que pertence a uma única espécie, a Manihot esculenta, e apresenta centenas de variedades. A maioria é venenosa, pois contém ácido cianídrico (HCN). A cultura da mandioca era bastante comum entre as populações indígenas, quando os portugueses aqui chegaram. A produção da farinha entre os índios é um trabalho tradicionalmente realizado pelas mulheres que processam as raízes venenosas para eliminar o ácido cianídrico, utilizando o tipiti. Este instrumento consiste num cesto cilíndrico extensível, com uma abertura na parte superior, na qual se coloca a massa de mandioca amolecida. Nas extremidades do tipiti existem alças que permitem fazer sua torção para se extrair a água combinada ao HCN. Livre da água e do veneno, essa massa era colocada em panelas ou frigideiras de barro para secar e, só depois, era ralada para se obter a farinha, que podia apresentar uma consistência muito dura e seca, usada como suprimento alimentar nas expedições guerreiras, ou transformar-se em um polvilho branco, usado para fazer os beijus de tapioca. A mandioca era também a base do cauim, bebida pelos índios durante três dias antes dos rituais do canibalismo, levando à condenação de seu consumo entre os cristãos. Apenas algumas variedades podem ser aproveitadas após o simples cozimento: a mandioca doce ou aipim (Rio de Janeiro) também denominada macaxeira (Nordeste). No século XVI, os portugueses encontraram a mandioca domesticada pelos indígenas, adotaram suas técnicas de plantio e beneficiamento e foram os responsáveis por sua difusão na África e demais domínios. Chamada “pão dos trópicos” pelo padre José de Anchieta, substituiu por muito tempo o trigo no cotidiano dos colonos e estava entre os mais baratos dos produtos alimentícios. Além de ser uma planta resistente, era um alimento versátil, podendo ser consumido em forma de pão, farinha, ou ainda cozido, assado ou como pudim. A farinha de mandioca era consumida diariamente pelos habitantes da colônia em todas as regiões, acompanhando a mesa dos ricos ou a modesta refeição dos pequenos proprietários, misturadas a caldos ou ao feijão, até ser o alimento principal dos escravos, que nas fazendas contavam com alguns punhados de farinha seca, além de bananas, laranjas e eventualmente pequenas porções de toucinho e feijão.

    [4]ALGODÃO: diversas espécies nativas de algodão podiam ser encontradas no Brasil desde os primeiros anos de colonização. A chegada das primeiras técnicas de fiação e tecelagem com a fibra algodoeira, no entanto, datam do século XVII, quando as roupas de algodão passaram a ser utilizadas para a vestimenta dos escravos nos meses mais quentes. A partir da segunda metade do século XVIII, a crescente demanda pelo consumo de algodão pelo Império britânico forçou a expansão do cultivo e a fabricação de fios no Brasil. Esse processo provocou uma segunda onda de interiorização da produção mercantil para exportação, isso porque o plantio do algodão é mais propício em clima seco, com chuvas regulares, ou seja, em áreas afastadas do litoral. Foi no Maranhão, através dos incentivos criados pela Companhia Geral do Comércio do Grão-Pará e Maranhão, que a produção algodoeira obteve crescimento mais intenso e longevo, perdurando até meados do século XIX. No Estado do Grão-Pará e Maranhão, serviu ainda ao pagamento dos funcionários régios e às transações comerciais (na forma de novelos ou de peças de pano) até 1749, quando foi introduzida a moeda metálica naquela região. No Oitocentos, apesar da onda de produção crescente, o baixo preço e a qualidade superior do algodão norte-americano terminaram por suplantar o produto brasileiro nos mercados internacionais.

    [5]CUIABÁ: ao tempo da passagem da Viagem Filosófica, a capitania de Mato Grosso e Cuiabá, na avaliação dos demarcadores de limites portugueses, era uma das mais importantes de todo o Brasil, tanto pela sua extensão e pelas sabidas, mas ainda intactas riquezas, que guardam os seus vastíssimos sertões, como por ser fronteira ao vasto, populoso e rico Peru. Manoel de Campos Bicudo foi um bandeirante pioneiro na penetração do oeste brasileiro, no início do século XVII. Com o seu filho Antônio Pires de Campos, foi o primeiro bandeirante a atingir a região da atual cidade de Cuiabá, entre 1673 a 1682, fundando o primeiro povoado batizado de São Gonçalo Beira Rio, onde o rio Coxipó deságua no rio Cuiabá. Mato Grosso teve seu espaço colonizado na primeira metade do século XVIII, sendo o arraial e depois Vila Real do Senhor Bom Jesus do Cuiabá (atual cidade de Cuiabá) o ponto mais avançado até 1734, quando foram descobertas as minas na região do Guaporé. Essa vila teve sua origem com a descoberta do ouro nas lavras do Coxipó-Mirim, em 1719, tendo à frente de tal investida paulistas e reinóis, com destaque para a bandeira do sorocabano Pascoal Moreira Cabral. No ano de 1727 o arraial do Senhor Bom Jesus do Cuiabá foi elevado à condição de vila e, nesse momento, pertencia à jurisdição da capitania de São Paulo. Embora tivesse uma vasta extensão territorial que totalizasse 48 mil léguas, a capitania de Mato Grosso era constituída por apenas dois distritos, o do Cuiabá e o do Mato Grosso, e suas respectivas vilas: Vila Real do Senhor Bom Jesus do Cuiabá (1727) e Vila Bela da Santíssima Trindade (1752), esta última fundada para ser sede de governo. Cuiabá foi elevada à condição de cidade em 17 de setembro de 1818, tornando-se então a capital da província de Mato Grosso em 28 de agosto de 1835.

    [6]PORTUGAL, TOMÁS ANTONIO DE VILA NOVA (1755-1839): bacharel em leis pela Universidade de Coimbra, foi desembargador do Paço, chanceler-mor do Reino, ministro e secretário de Estado dos Negócios do Reino e dos Negócios Estrangeiros. Figura de relevo no cenário político luso-brasileiro, destacou-se por sua participação como autor intelectual da elevação do Brasil à categoria de Reino Unido a Portugal e Algarves em 1815. Próximo a d. João, Vila Nova acumulou, em caráter ordinário e efetivo, vários cargos importantes. Foi ministro do Reino, do Erário Régio e dos Negócios Estrangeiros e da Guerra, entre 1818 e 1820. Favorável aos ideais absolutistas, defendia os valores e fórmulas do Antigo Regime e a permanência da corte no Brasil, longe das ideias liberais que assolavam a Europa. Sem êxito em seu propósito, retornou a Portugal junto com a família real em 1821.

     

    Sugestões de uso em sala de aula:
    Utilização(ões) possível(is):
    - No eixo temático sobre “História das relações sociais da cultura e do trabalho” 

    Ao tratar dos seguintes conteúdos:
    - A expansão territorial brasileira
    - A organização administrativa do Brasil colonial
    - As relações sociais de dominação na América Portuguesa
    - Produtos coloniais

    Extinção do Diretório dos Índios

    Carta da rainha d. Maria I ao governador e capitão general do Estado do Pará, d. Francisco de Souza Coutinho, estabelecendo uma série de ordens para que os índios daquela região - tanto aqueles que já habitavam as povoações quanto aqueles que viviam “embrenhados” - fossem integrados à sociedade. Para tanto,  o mesmo documento extinguia o Diretório dos Índios. Segundo este documento, o objetivo dessa medida era que os indígenas ficassem em igualdade com os outros vassalos, tornando-se úteis e governados pelo Estado e pela Igreja.

     

    Conjunto documental: Coleção de memórias e outros documentos sobre vários objetos.
    Notação: Códice 807, vol. 11
    Datas – limite: 1768-1822
    Título do fundo: Diversos códices - SDH
    Código do fundo: NP
    Argumento de pesquisa: índios, aldeamentos
    Data do documento: 12 de maio de 1798
    Local: Palácio de Queluz
    Folha (s): 23 a 34

     

    “D. Francisco de Souza Coutinho[1], do meu Conselho, Governador e Capitão General do Estado do Pará[2]. Eu a Rainha[3] vos envio muito saudar. Sendo a civilização dos índios, habitantes dos vastos distritos dessa Capitania, um objeto mui digno da Minha Maternal atenção, pelo bem real que eles, não menos do que o Estado, acharam em entrarem na sociedade, e fazerem parte dela, para participarem igualmente com os outros meus vassalos[4] dos efeitos do meu contente e ilegível interrompido desvelo em os amparar à sombra das saudáveis determinações (...) e assim não só de convidar aqueles índios que ainda estão embrenhados no interior da capitania a vir viver entre os outros homens, mas de conservar ilegível e permanentes aqueles que já hoje fazem parte da sociedade, servindo o Estado e conhecendo uma religião, em que vivem felizes, bem de outro modo que os primeiros, desgraçadamente envolvidos em uma ignorância cega e profunda até dos primeiros princípios da Religião Santa, abraçaram os últimos, por efeito da pias e benéficas disposições dos Senhores Reis, meus predecessores e minhas: e querendo igualmente que a condição destes índios, assim dos que já hoje tem trato e comunicação com os outros meus vassalos, como dos que deles fogem, seja em tudo a de homens em sociedade: Hei por bem abolir e extinguir de todo o Diretório dos Índios[5] estabelecido provisionalmente para o governo econômico das minhas Povoações, para que os mesmos índios fiquem, sem diferença dos outros meus vassalos, sendo dirigidos e governados pelas mesmas leis, que regem todos aqueles dos diferentes Estados, que impõem (sic) a Monarquia, restituindo os índios aos direitos, que lhes pertencem igualmente como aos meus outros vassalos livres. E confiando eu que vós procedereis para o importante fim da civilização dos índios com um acerto tanto do Meu agrado, quanto o foi o da informação que cobre este objeto me destes, encarrego-vos de cuidar desde logo nos meios mais eficazes de ordenar e formar os índios que já vivem em Aldeias, promiscuamente com os outros, em Corpos de Milícias, conforme a população dos Distritos, e segundo o Plano por que estão formados e ordenados os outros: E para Oficiais Comandantes de tais Corpos nomeareis os principais e oficiais das povoações indistintamente com os moradores brancos, fazendo executar as disposições e ordens concernentes ao governo e direção deles pelos referidos oficiais comandantes e pelos seus juizes, alternativamente brancos e índios, segundo a ordem a que pertencerem. Tratarei também de formar um Corpo efetivo de índios, bem como os Pedestres de Mato Grosso[6] e de Goiases[7], preferindo porém os pretos forros e mestiços, enquanto os houver, como mais robustos e capazes de suportar o trabalho, deixando ao ilegível discernimento o modo porque, haveis de organizar o referido Corpo efetivo, sem prejuízo da condução das madeiras e de outros serviços em que utilmente se empregam os índios, fixando-lhes um número determinado de anos de serviço (...) só trabalharão uma parte do ano, ficando-lhes a outra, para cuidarem nos negócios das suas famílias; o que insensivelmente os irá costumando a ocupações sérias, e por conseqüência a achar necessário para a sua felicidade um governo, que provê todas as mais precisões. ... A paga deste Corpo será a mesma que a atual dos índios, acrescentando com uma porção de sal à ração diária e dando-lhes outra de aguardente[8], quando andarem em viagens, ou estiverem nos matos. Vencerá este Corpo dois uniformes cada ano (...) Conformando-me igualmente com o vosso parecer acerca dos índios que se ocupam nas pescarias, ordeno-vos, que façais logo alistar em número suficiente todos aqueles que houverem de ser pescadores, dispensando-os de entrarem assim no Corpo do Meu Real Serviço como nos de Milícias, e que lhes destineis as vilas em que devem habitar ficando porém sujeitos a outros trabalhos da pescaria, e impondo-lhes uma pena proporcionada, àqueles alistados que faltarem ao serviço ou abandonarem as embarcações (...) E porque não é da Minha Real Intenção que o Contrato dos Dízimos suba de preço à custa dos índios, mas sim que o dizimeiro e os outros contratadores daqueles contratos tenham gente para remar as canoas que a eles pertencem, e a quem paguem pelo preço em que convierem. (...) O outro meio que me propendes, como tendente também para o mesmo fim da Civilização dos índios, é a continuação do comércio e navegação para Mato Grosso, feito por escravos[9], e não pelos índios (...) E com a fiel e bem entendida execução que confio dareis a estas Minhas Saudáveis Providências, espero ver realizados os desejos de aumentar o número dos fiéis, atraindo ao Grêmio da Igreja e à obediência das Minhas Leis uma considerável porção dos habitantes desse vasto país, que involuntário mas cegamente e infelizmente não conhecem outra lei que não seja da sua vontade sem regra, nem discernimento. E quanto antes poserdes em prática estas Minhas Disposições, tanto maior serviço fareis a Seus e a mim, a quem será mui agradável que vós sejais o Instrumento da total civilização desses índios, ao ponto de se confundirem as duas castas de índios e brancos em um só de vassalos úteis ao Estado, e filhos da Igreja.

    Restituindo assim aos seus direitos os índios, convém atalhar a natural ociosidade, que os convida o clima, quer no Meu Real Serviço, que no dos particulares. (...) Iguais os índios em direitos e obrigações com os meus outros vassalos, ainda falta facilitar-lhes alianças com os brancos, como um meio muito eficaz para a sua perfeita civilização: Portanto ordeno-vos, que cuideis muito em promover os casamentos entre índios e brancos[10] (...) conceda a todos os brancos que casarem com índios a prerrogativa de ficarem isentos de todos os serviços públicos os seus parentes mais próximos, por um número de anos (...) Regulado assim a condição dos índios, que já vivem aldeados, é minha real Intenção, pelo que toca ao que andam embrenhados nos matos e repugnam procurar a sociedade dos outros seus semelhantes pelos justos motivos que me patenteais, alterar o sistema até agora seguido, e substituir lhe outro, que tenha por princípio não o conquistá-lo e sujeitá-los, mas prepará-los para admitirem comunicação e trato com os outros homens: e para este fim vos ordeno, que não façais nem consintais se faça, debaixo das mais severas penas, que ficam reservadas ao Meu Real arbítrio, guerra ofensiva ou hostilidades quaisquer a nação[11] alguma de gentios[12], que habitam os vastos espaços dessa capitania; e recomendo-vos do mesmo modo que nem deis nem consintais se dê auxílio direto ou indireto nas guerras que umas nações às outras poderem fazer; proibindo, debaixo de rigorosas penas, a compra ou recebimento de nenhum escravos apreendidos nas guerras que entre si tiverem (...) E só vos será lícito adotar um sistema diferente deste puramente defensivo, no caso em que algumas das mesmas nações intentem hostilidades e correrias contra as cidades, vilas e outras povoações do norte (...) Todos e quaisquer comboios que frequentarem o interior do Brasil, e dessa capitania em particular, seja navegando os rios, seja caminhando pelas estradas, serão obrigados a levar entre os gêneros de que compuserem as suas carregações, aqueles de que os gentios fazem naturalmente maior estimação, afim que encontrando-os, os brindem com tais presentes (...) Todo aquele indivíduo livre que quiser estabelecer-se nas terras e povoações dos gentios lhe serás concedida licença para isso; mas não poderá fazê-lo sem dar parte ao governo (...) Encarregando-vos ultimamente de cumprirdes e fazerdes se cumprir quanto nesta se contém, não obstante quaisquer outras ordens ou disposições em contrário sejam. Escrita no Palácio de Queluz[13] em 12 de maio de 1798.

     

    [1]COUTINHO, FRANCISCO MAURÍCIO DE SOUZA (1730-1786): irmão de Rodrigo de Sousa Coutinho, ministro e secretário de Estado da Marinha e Domínios Ultramarinos de d. João VI, foi governador da província do Grão-Pará, entre os anos de 1790 e 1803. Foi cavaleiro da Ordem de Malta e almirante da Armada Real. Durante o seu governo, promoveu a urbanização da cidade de Belém, o estabelecimento do Jardim Botânico do Pará, o cultivo de novas culturas agrícolas como o tabaco, cânhamo e arroz, além da introdução de novas técnicas de cultivo.

    [2]PARÁ, CAPITANIA DO: a etimologia do nome da antiga unidade administrativa decorre do rio Pará, derivado do tupi-guarani pa'ra que significa rio do tamanho do mar ou grande rio devido sua grande extensão. No ano de 1621, a colônia americana portuguesa foi dividida em dois territórios administrativamente separados que respondiam ambos diretamente a Lisboa: o Estado do Brasil, com sede em Salvador, e o Estado do Maranhão, com centro administrativo em São Luís. O Estado do Maranhão e Grão-Pará permaneceu com essa designação até o ano de 1751, quando no reinado de d. José I e do gabinete de Sebastião José de Carvalho e Melo, transfere a capital administrativa de São Luiz para Belém (fundada em 1616) e passa a se chamar Estado do Grão-Pará e Maranhão. O Estado do Grão-Pará e Maranhão era composto pelas capitanias do Pará, Maranhão, Piauí e Rio Negro, mantida essa estrutura até o ano de 1772/1774, quando o governo português resolve dividir o Estado do Grão-Pará e Maranhão em duas unidades administrativas distintas: o Estado do Grão-Pará e Rio Negro (1772/1774 -1850), ficando a capitania do Rio Negro Subordinada ao Pará, e o Estado do Maranhão e Piauí (1772/1774-1811), ficado a capitania do Piauí subordinada ao Maranhão. Ambas, as unidades administrativas criadas ficaram subordinadas diretamente a Lisboa (SANTOS, Fabiano Vilaça dos. O governo das conquistas do norte: trajetórias administrativas no Estado do Grão-Pará e Maranhão (1751-1780). Tese de doutorado em História. USP, 2008). As conquistas do norte eram inicialmente subordinadas ao Estado do Maranhão, que não conseguia defender toda a vasta região amazônica, além de expandir as fronteiras para o oeste. Para tentar efetivar a apropriação do território e conter o alcance da influência dos religiosos nas missões e aldeamentos, a Coroa criou e distribuiu sistematicamente, entre 1615 e 1645, capitanias e sesmarias ao longo do rio Amazonas. As capitanias que compunham o Estado do Maranhão no século XVII eram Pará, Maranhão e Piauí – reais – e Cumá, Caeté, Cametá e Marajó (ou Ilha Grande de Joanes), estas particulares e subordinadas às da Coroa. O regime das capitanias permaneceu em vigor desde 1615 até 1759, quando o marquês de Pombal, primeiro-ministro de d. José I, reformulou o sistema, incorporando todas à Coroa e dando uma nova configuração ao Estado do Grão-Pará e Maranhão. O Grão-Pará representou grande possibilidade de riqueza para colonos e colonizadores, interessados nas drogas do sertão e nas terras indígenas. O setecentos, sobretudo na segunda metade, foi um período profícuo para a região, devido à intensificação do comércio das drogas e ao incentivo às culturas agrícolas, como o cacau, tabaco, café, algodão, entre outros, promovidos pela Companhia de Comércio do Grão-Pará e Maranhão e resultante da expulsão dos jesuítas, que controlavam o comércio com os índios.

    [3]MARIA I, D. (1734-1816): Maria da Glória Francisca Isabel Josefa Antônia Gertrudes Rita Joana, rainha de Portugal, sucedeu a seu pai, d. José I, no trono português em 1777. O reinado mariano, época chamada de Viradeira, foi marcado pela destituição e exílio do marquês de Pombal, muito embora se tenha dado continuidade à política regalista e laicizante da governação anterior. Externamente, foi assinalado pelos conflitos com os espanhóis nas terras americanas, resultando na perda da ilha de Santa Catarina e da colônia do Sacramento, e pela assinatura dos Tratados de Santo Ildefonso (1777) e do Pardo (1778), encerrando esta querela na América, ao ceder a região dos Sete Povos das Missões para a Espanha em troca da devolução de Santa Catarina e do Rio Grande. Este período caracterizou-se por uma maior abertura de Portugal à Ilustração, quando foi criada a Academia Real das Ciências de Lisboa, e por um incentivo ao pragmatismo inspirado nas ideias fisiocráticas — o uso das ciências para adiantamento da agricultura e da indústria de Portugal. Essa nova postura representou, ainda, um refluxo nas atividades manufatureiras no Brasil, para desenvolvimento das mesmas em Portugal, e um maior controle no comércio colonial, pelo incentivo da produção agrícola na colônia. Deste modo, o reinado de d. Maria I, ao tentar promover uma modernização do Estado, impeliu o início da crise do Antigo Sistema Colonial, e não por acaso, foi durante este período que a Conjuração Mineira (1789) ocorreu, e foi sufocada, evidenciando a necessidade de uma mudança de atitude frente a colônia. Diante do agravamento dos problemas mentais da rainha e de sua consequente impossibilidade de reger o Império português, d. João tornou-se príncipe regente de Portugal e seus domínios em 1792, obtendo o título de d. João VI com a morte da sua mãe no Brasil em 1816, quando termina oficialmente o reinado mariano.

    [4]VASSALO: súdito do rei, independentemente de sua localização no Império. Até o século XV, o título “vassalo” era empregado para designar homens fiéis ao rei, aqueles que o serviam na guerra, sendo, portanto, cavaleiros ou nobres de títulos superiores. Em troca do apoio e serviços realizados, recebiam tenças (pensões), dadas, inicialmente, a todos os vassalos e seus filhos varões. Na medida em que se pulverizaram as distribuições destes títulos, principalmente por razões de guerra (a conquista de Ceuta foi a mais significativa nesse processo), e que eles começaram a ser mais almejados, principalmente pelos plebeus e burgueses em busca de mercês e de aproximação com a realeza, o rei diminui a concessão dos títulos, e, mais importante, das tenças. A esta altura, as dificuldades financeiras da monarquia também empurraram para a suspensão da distribuição dos títulos e benefícios. O rei passa, então, a conceder mercês e vantagens individuais, e o termo vassalo se esvazia do antigo significado de título, passando a indicar homens do rei, súditos e habitantes do reino, de qualquer parte do Império.

    [5]DIRETÓRIO DOS ÍNDIOS: o Diretório que se deve observar nas povoações dos índios do Pará e Maranhão, aprovado por d. José I em 1755, desempenhou papel central na política metropolitana de controle dos povos indígenas durante o período pombalino. O alvará de 17 de agosto de 1758 estendia o Diretório a todo o Brasil. Dentre as principais disposições, substituía os missionários por diretores leigos, nomeados pelos governadores, cujas obrigações abrangiam o incentivo à agricultura, à mestiçagem por meio de casamentos mistos e à adoção de hábitos e da língua portuguesa, com o fim de promover a “civilidade dos índios”. Os índios seriam, assim, inseridos na “civilização” por meio da agricultura, da comercialização de produtos agrícolas e do pagamento de tributos. Os aldeamentos foram elevados a vilas e os jesuítas, que resistiam à adoção de uma administração secular desses aldeamentos, foram expulsos do país (1759). Apesar de uma perspectiva civilizatória, que pretendia abolir as diferenças entre índios e brancos, as determinações do Diretório nunca impediram a exploração da força de trabalho indígena, a espoliação das terras dos aldeamentos e o processo compulsório de aculturação dos inúmeros povos existentes no Brasil. Em 12 de maio de 1798, o Diretório foi abolido em meio a denúncias de corrupção e abusos cometidos pelas autoridades responsáveis.

    [6]MATO GROSSO, CAPITANIA DE: pelo Tratado de Tordesilhas (1494), a região centro-oeste brasileira pertencia à Coroa espanhola. Dessa forma, o território correspondente ao Mato Grosso foi, inicialmente, ocupado pelos jesuítas espanhóis que fundaram missões que se ocupavam da pacificação e catequização de grupos indígenas. Apenas na segunda metade do século XVIII, com a descoberta de ouro e, posteriormente, diamantes na região por bandeirantes paulistas, o governo português passou a demonstrar interesse naquelas terras. Motivado pela exploração dos minérios e ciente da delicada situação delicada fronteiriça, o Conselho Ultramarino determinou o desdobramento da capitania de São Paulo, criando outras duas: a de Mato Grosso e Cuiabá, e a de Goiás, através do alvará de 9 de maio de 1748. Em relação a Mato Grosso, a coroa buscava tornar a capitania forte o suficiente para conter os vizinhos espanhóis, um antemuro para todo interior do Brasil, por isso as tentativas de povoamento e incremento agrícola. A assinatura dos Tratados de Madrid (1750) e de Santo Ildefonso (1777), com a Espanha, fixando as fronteiras na região, concluíram o processo.

    [7] GOIÁS, CAPITANIA DE: região localizada no centro-oeste brasileiro, já era conhecida pelos portugueses desde o século XVI. No entanto, seu processo de colonização iniciou-se apenas no final do século XVII, a partir das descobertas de minas de ouro por bandeirantes paulistas – com destaque para Bartolomeu Bueno da Silva, o Anhanguera, considerado o descobridor de Goiás. Entre 1590 e 1670, diversas bandeiras percorreram a região, vindas de São Paulo e, a partir de 1653, outras partiram de Belém pelo Amazonas e alcançaram a região dos rios Tocantins e Araguaia. Além de bandeirantes em busca de ouro e escravos, também jesuítas chegaram para catequizar, principalmente, os povos indígenas. Assim, em 1727 é fundado o arraial de Santana, que viria a se transformar na vila Boa de Goiás, próximo da fronteira com o atual estado do Mato Grosso. A exploração do cobiçado mineral na região ampliou as fronteiras ocupadas da América portuguesa, inicialmente com a chegada dos colonos de São Vicente, tradicionalmente berço de desbravadores e caçadores de riquezas, aos quais logo se seguiram reinóis e aventureiros de diversas capitanias. Índios chamados Goyazes habitavam a Serra Dourada e deram origem ao nome da capitania. Aparentemente, haviam migrado da região amazônica em tempos não muito remotos e juntaram-se a outros grupos em resistência às seguidas tentativas de extermínio e escravização pelos brancos que chegavam atrás do ouro. As “minas dos Goyazes” estiveram inicialmente subjugadas à jurisdição da capitania de São Paulo. No entanto, sua criação data de 9 de maio de 1748, quando a capitania de São Paulo foi desmembrada dando origem a três capitanias distintas: São Paulo, Mato Grosso e Goiás. Foi o segundo maior produtor de ouro durante o período colonial, depois de Minas Gerais. Mas observa-se também a existência de uma economia de subsistência para alimentar os mineiros e escravos que trabalhavam nas minas. Com o declínio da mineração, em fins do século XVIII, os goianos passariam a se dedicar a atividades agropastoris, exportando gado e seus subprodutos, além de algodão e açúcar, para as capitanias vizinhas do Norte e Nordeste.

    [8]AGUARDENTE: bebida derivada da fermentação e destilação do caldo ou do melaço da cana-de-açúcar, conhecida também como jeribita, táfia, cachaça, vinho de mel, ou ainda garapa azeda. Foi introduzida no Brasil pelos primeiros colonizadores portugueses, surgindo como subproduto dos engenhos de açúcar. Destinada inicialmente ao consumo local, ficou conhecida por muito tempo como bebida de escravo. Entretanto, pelo altíssimo teor alcoólico e baixo preço em relação ao vinho português, sua venda disseminou-se não só na América, como também em outras colônias portuguesas, de maneira que, no século XVII, já era utilizada como moeda de troca na compra de escravos na costa africana. A concorrência com a produção das Antilhas no Seiscentos fez despencar o preço do açúcar brasileiro no mercado internacional, forçando a procura por outros gêneros com características semelhantes. Foi nessa conjuntura que a aguardente ganhou espaço, sendo considerada como produto compensador da economia açucareira. Mesmo nas fases favoráveis, o açúcar possuía uma grande desvantagem em relação à aguardente: a baixa lucratividade para os seus produtores. Sendo um derivado da cana-de-açúcar, a aguardente era a grande responsável pelos ganhos dos engenhos brasílicos (25%), pois não estava atrelada ao dízimo e não era mercadoria dividida com os lavradores de cana. Devido à alta lucratividade dada aos senhores de engenho na colônia e ao temor da concorrência com o vinho português, a Coroa passou a tributar o produto e proibir sua comercialização. Apesar disso, as engenhocas, que oficialmente fabricavam rapadura, e os alambiques continuaram a produzir aguardente, o que contribuiu para disseminar a expressão a “salvação da lavoura”. Baixo custeio da produção e alta lucratividade fizeram da bebida, tipicamente tropical, o recurso acionado em momentos de dificuldades.

    [9]ESCRAVOS [INDÍGENAS]: logo nos primeiros anos da colonização no Brasil, utilizou-se trabalho escravo indígena para garantir a mão de obra necessária à produção açucareira, principal atividade da economia colonial até o século XVIII. Empregados nas lavouras, nos engenhos, nos moinhos, na criação de gado e nos serviços domésticos, os índios foram a primeira opção dos senhores de engenho para o trabalho compulsório, devido ao grande contingente populacional então existente e à falta de recursos suficientes que viabilizassem a importação de escravos africanos, já conhecidos pelos portugueses. Apesar da existência de uma legislação que proibia a escravidão indígena desde o final do século XVI – somente através da guerra justa seria possível tornar um índio cativo: diante da recusa à conversão católica poderiam, então, ser escravizados – a Coroa portuguesa não conseguiu extingui-la. A necessidade de mão de obra barata levou os colonos a encontrarem maneiras de burlar as restrições legais, simulando pretextos para guerras justas. No entanto, encontraram na ação da Companhia de Jesus um entrave para expansão da instituição. Contrários a escravidão dos nativos, os jesuítas fundaram missões – aldeamentos indígenas formados com o intuito de civilizar e catequizar os índios – onde esses teriam proteção contra as investidas dos colonos em busca de mão de obra. No entanto, tais aldeamentos foram constantemente atacados por sertanistas ao longo do período colonial e diversos povoados destruídos. Os gentios reagiam a escravidão das mais diversas formas: lutas armadas, fuga, alcoolismo e suicídio foram os meios encontrados para reagir à violência do escravismo colonial. A substituição do escravo indígena pelo escravo africano deu-se a partir do século XVII, resultando de vários fatores: a grande resistência dos índios à escravidão; a crescente escassez de mão de obra indígena, decorrente da mortandade gerada pelas doenças e pelas guerras; a posição contrária da Igreja Católica e o tráfico de escravos africanos intercontinental. Na verdade, foi o lucro originado do comércio negreiro que, tornando-se uma das principais fontes de recursos para a metrópole, fez do escravo africano mais atrativo do que o indígena.

    [10]PROMOVER O CASAMENTO ENTRE ÍNDIOS E BRANCOS: de acordo com a historiografia tradicional, a Coroa portuguesa enviou, no final do século XVI, navios com mulheres brancas para que os primeiros colonizadores pudessem estabelecer famílias no Brasil. Isto seria também uma maneira de impedir a miscigenação das raças e a união sem a benção da Igreja Católica. No entanto, estudos atuais sobre a colonização brasileira mostram que estes casamentos inter-raciais foram em algumas situações até estimulados, uma vez que o casamento entre um europeu e uma índia de determinada tribo poderia assegurar vantajosas alianças políticas nas batalhas que envolvessem um povo considerado inimigo pelo grupo da esposa. Além disso, havia a questão da aculturação dos povos indígenas, a partir do incentivo da Igreja através da catequese, que asseguraria ao marido a legitimidade da união, uma vez que a esposa passaria a professar a fé católica. A política portuguesa de povoamento das áreas coloniais de fronteira, também foi fator impulsionador da miscigenação, pois os casamentos mistos incentivavam um aportuguesamento da população que ocupava essas áreas, contribuindo sobremaneira para povoar/colonizar o vasto território fronteiriço. O Diretório dos Índios de 1757 – conjunto normativo com o objetivo de organizar a administração e o governo dos índios do Pará e Maranhão –, previa, entre outras questões, o incentivo ao casamento entre índios e brancos: “Pelo que recomendo aos Diretores, que apliquem um incessante cuidado em facilitar, e promover pela sua parte os matrimônios entre os Brancos, e os Índios, (…). Para facilitar os ditos matrimônios, empregarão os Diretores toda a eficácia do seu zelo em persuadir a todas as Pessoas Brancas, que assistirem nas suas Povoações, que os Índios tanto não são de inferior qualidade a respeito delas, que dignando-se Sua Majestade de os habilitar para todas aquelas honras competentes às graduações dos seus postos, consequentemente ficam logrando os mesmos privilégios as Pessoas que casarem com os ditos índios; desterrando-se por este modo as prejudicialíssimas imaginações dos Moradores deste Estado, que sempre reputaram por infâmia semelhantes matrimônios”.

    [11]NAÇÃO: a ideia de nação surgiu como atributo central no processo de legitimação dos Estados territoriais modernos. Nas sociedades europeias de Antigo Regime, afirmou-se a tendência para identificação da Nação com o Rei, representante máximo do reino e da própria comunidade, por direito divino e monopólio do uso da força – uma construção ideológica criada pelo próprio Estado para estabelecer uma unidade, uma identidade coletiva. No entanto, o conceito ganharia importância e nova forma a partir da Revolução Francesa. Ao substituir um governo absoluto pelo poder do povo, procurou-se manter a soberania através da ideia de nação, conjunto político formado pelos cidadãos de um país. Buscou-se legitimar o novo poder e as novas leis, que não mais adivinham de um poder monárquico, mas sim de todos os indivíduos, capazes de se autogovernar. O rei absolutista deixava de ser o sujeito político preponderante, substituído por um ator coletivo, a nação. O industrialismo também teve papel fundamental na construção das nações modernas, sobretudo na criação de uma cultura comum, respaldada num sistema escolar de massa e nos meios de comunicação e propaganda. Na busca pelo desenvolvimento dessa consciência comum/nacional, os Estados investiram na adoção de uma língua comum e no reconhecimento de uma individualidade no campo internacional – através da afirmação da soberania e na total independência política diante de qualquer poder externo. Em Portugal, o termo nação ganharia força a partir das invasões francesas e a transferência da corte para o Rio de Janeiro, do confronto da população, do povo, contra a ocupação estrangeira, uma força autônoma em relação à figura do rei afastado geograficamente. Cabe lembrar que, a ideia de nação portuguesa incluía os domínios lusos no ultramar, usada ainda no sentindo de império, abarcando lusos e brasileiros. O processo de formação de uma nação no Brasil está atrelado aos movimentos emancipacionistas das ex-colônias na América e à consolidação e legitimação política do Estado Imperial brasileiro. A manutenção do regime monárquico, após o rompimento com Portugal em 1822, visava, por um lado garantir a independência política do Brasil e a unidade nacional e, de outro, evitar rupturas na estrutura socioeconômica da nova nação, ou seja, o latifúndio e a escravidão. Serão esses os interesses político econômicos contemplados no projeto de Estado-nação brasileiro.

    [12]GENTIO: a designação foi empregada, ao longo da história da conquista da colônia, para se referir ao índio não cristão, àquele que não havido sido integrado na órbita colonial luso-brasileira. Gentio é um termo usualmente relacionado a “bárbaros”, “selvagens”, “bravos”, “gentio”, ou ainda “tapuia” sem muita distinção, contribuindo para a construção de um recurso jurídico visando a decretação de guerra justa, escravização dos índios e liberação de terras para os colonos. Em carta a Mem de Sá, em 1558, o rei recomenda que os colonos apoiem os jesuítas na tarefa mais importante da política real do Brasil, quer dizer, na conversão dos pagãos “porque o principal e primeiro intento que tenho em todas as partes da minha conquista é o aumento e conservação da nossa santa fé e conversão dos gentios delas”. Em Apontamento de coisas do Brasil (1558), Nóbrega se refere ao gentio como “de qualidade que não se quer por bem, senão por temor e sujeição, como se tem experimentado e por isso se S.A. os quer ver todos convertidos mande-os sujeitar e deve fazer estender os cristãos pela terra adentro e reparti-lhes o serviço dos índios àqueles que os ajudarem a conquistar e senhorear, como se faz em outras partes de terras novas, e não sei como se sofre, a geração portuguesa que entre todas as nações é a mais temida e obedecida, estar por toda esta costa sofrendo e quase sujeitando-se ao mais vil e triste gentio do mundo.” (Ribeiro, D. e Moreira Neto, C.A. A fundação do Brasil. Petrópolis: Vozes, 1992: 121)

    [13]QUELUZ: cidade portuguesa, parte do concelho de Sintra, área metropolitana de Lisboa, no centro-sul do território do país. A cidade tornou-se célebre em função da construção do Palácio de Queluz, em 1747, como residência de verão da família real portuguesa. Anteriormente havia sido o pavilhão de caça da propriedade dos marqueses de Castela Rodrigo, que foi confiscada pela Coroa portuguesa durante a Restauração. O palácio, em estilo rococó, foi mandado construir pelo infante d. Pedro, futuro rei, tio e marido de d. Maria, com todo o luxo e apuro que a monarquia portuguesa podia prover, de forma a promover e indicar a solidez, a ostentação e a distinção da Coroa e de sua realeza. Com a morte do rei em 1786 e do primogênito (d. José) em 1788, a rainha começou a apresentar sinais de loucura e foi recolhida ao Palácio de Queluz. De lá, a partir de 1794, ela e o regente d. João governaram o reino e seus domínios no ultramar, quando o Palácio da Ajuda, principal sede da monarquia, pegou fogo e obrigou a Corte a mudar-se temporariamente para Queluz, onde permaneceu até 1807, quando se transferiu para o Brasil, em fuga das invasões napoleônicas. O “mundo” de Queluz ficou associado ao período em que foi sede do poder político durante o reinado mariano e a regência joanina, de transição da monarquia absoluta para uma governança constitucional e mais liberal. Esse mundo era caracterizado pela forte presença de uma sociedade de Corte do Antigo Regime, espelhada na Corte francesa de Versalhes (o palácio português era tido como uma versão modesta do exemplar francês), em um momento de reação às políticas reformistas pombalinas, de centralização estatal e de sacralização da figura do monarca, de intrigas palacianas e disputas entre os ministros e a alta realeza, que se sentia diminuída frente aos mandos e privilégios dos secretários de Estado. Antes de se tornar sede do poder político, Queluz era palco de grandes festas de São Pedro e São João, com missas, corridas de touros, concertos musicais e óperas, até a perda do herdeiro real, quando se manteve somente a celebração, bem mais modesta, do aniversário da rainha. Em 1807 deixou de ser a sede do governo e a partir de 1826 não mais foi usado pela monarquia para funções políticas. Foi no palácio que d. Pedro I, imperador do Brasil (Pedro IV de Portugal) nasceu e morreu, em 1834. Um século depois (1934) passou por um incêndio que destruiu todo o interior, mas foi completamente restaurado e atualmente é um importante ponto de visitação turística, além de servir hospedagem para chefes de Estado em visitas oficiais a Portugal.


    Sugestões de uso em sala de aula:
    Utilização(ões) possível(is):
    - No eixo temático sobre “História das relações sociais da cultura e do trabalho”
    - No eixo temático sobre “História das representações e das relações de poder”
    - Ao trabalhar o tema da “Pluralidade cultural”
     
    Ao tratar dos seguintes conteúdos:
    - O homem e a cultura
    - As relações sociais de dominação na América Portuguesa
    - A organização administrativa do Brasil colonial
    - A expansão territorial brasileira

    Índios antropófagos

    Carta régia para o governador e capitão general de Minas Gerais, Pedro Maria Xavier de Ataide e Mello, através da qual o príncipe regente d. João ordena várias medidas a serem tomadas pelo governador em relação aos índios botocudos antropófagos. Essas medidas diziam respeito à implantação de uma guerra ofensiva contra esses índios, já que os mesmos tinham invadido diversas partes desta capitania, especialmente próximo as margens do rio Doce. Nessas áreas, os índios estariam promovendo a destruição de fazendas, obrigando os proprietários a abandoná-las, além de praticarem antropofagia com os índios mansos e portugueses.

     

    Conjunto documental: Junta da Real Fazenda, registro de avisos e ofícios, portarias e editais do vice-rei, provisões e cartas régias, requerimentos, etc.
    Notação: Códice 206
    Datas – limite: 1801-1808
    Título do fundo: Junta da Real Fazenda da capitania do Rio de Janeiro
    Código do fundo: 4B
    Argumento de pesquisa: índios, pacificação
    Data do documento: 13 de maio de 1808
    Local: Palácio do Rio de Janeiro
    Folha (s): 50 a 51v.

    Leia esse documento na íntegra

     

    “Carta Régia para o Governador e Capitão General de Minas Gerais.

    Pedro Maria Xavier de Ataide e Mello, do Meu Conselho, Governador e Capitão General da Capitania de Minas Gerais, Amigo:

    Eu o Príncipe Regente[1] vos envio muito saudar. Sendo-me presentes as graves queixas, que da capitania de Minas Gerais[2] tem subido à Minha Real Presença sobre as invasões que diariamente estão praticando os índios Botecudos[3] antropófagos em diversas e muito distantes partes da mesma Capitania, particularmente sobre as margens do rio Doce, e Rios que no mesmo deságuam, e onde não só devastam todas as Fazendas sitas naquelas vizinhanças, e tem forçado muitos proprietários a abandoná-las, com grave prejuízo seu, e da Minha Real Coroa; mas passam a praticar as mais horríveis e atrozes cenas da mais bárbara antropofagia[4], ora assassinando os portugueses, e os índios mansos, por meio de feridas, de que sorvem depois o sangue, ora dilacerando os corpos, e comendo os seus restos; tendo-se verificado na Minha Real Presença a inutilidade de todos os meios humanos, pelos quais tenho mandado que se tente a sua civilização, e o reduzí-los e aldear-se, e a gozarem dos bens permanentes de uma sociedade pacifica, e doce, debaixo das justas e humanas Leis,  que regem os Meus Povos; e até havendo-se demonstrado quão pouco útil era o sistema de Guerra defensivo, que contra eles tenho mandado seguir, visto que os pontos de defesa em uma tão grande, e extensa linha, não podiam bastar a cobrir o país: Sou servido por estes, e outros justos motivos, que ora fazem suspender os efeitos de Humanidade, que com eles tinha mandado praticar, Ordenar-vos em primeiro lugar: que desde o momento em que receberdes esta Minha Carta Régia deveis considerar como principiada contra estes Índios Antropófagos uma Guerra ofensiva, que continuareis sempre em todos os anos nas estações secas, e que não terá fim senão quando tiveres a felicidade de vos senhorear das suas habitações, e de os capacitar da superioridade das Minhas Reais Armas, de maneira tal, que movidos do justo terror das mesmas, peçam a paz, e sujeitando-se ao doce jugo da Lei,  e prometendo viver em sociedade, possam vir a ser Vassalos[5] úteis, como já o são as imensas variedades de índios, que nestes Meus vastos Estados do Brasil se acham aldeados, e gozam da felicidade, que é conseqüência necessária do Estado social (...) Em terceiro lugar: Ordeno-vos, que façais distribuir em seis Distritos, ou partes, todo o terreno infestado pelos Índios Botecudos, nomeando seis comandantes destes terrenos, à quem ficará encarregada, pela maneira que lhes parecer mais profícua, a Guerra ofensiva, que convém fazer aos Índios Botecudos, e estes Comandantes, que terão as patentes, e soldos de Alferes agregados ao Regimento de Cavalaria de Minas Gerais, que logo lhes mandareis passar com vencimento de soldo dessa nomeação, serão por agora, Antonio Rodrigues Taborda, já Alferes, João do Monte da Fonseca, José Caetano da Fonseca, Lizardo José da Fonseca, Januario Vieira Braga, Arruda, morador na Pomba, e se denominarão Comandantes da primeira, segunda, terceira, quarta, quinta e sexta divisão do Rio Doce. A estes Comandantes ficará livre o poderem escolher os soldados, que julgarem próprios para esta qualidade de duro, e áspero serviço, e em número suficiente para formarem diversas Bandeiras[6], com que ajam constantemente todos os anos na estação seca de entrarem nos matos, ajudando-se reciprocamente, não só as Bandeiras de cada Comandante, mas todos os seis comandantes com as suas respectivas forças, e consertando entre si o Plano mais profícuo para a total redução de uma semelhante, e atroz raça Antropófaga: Os mesmos Comandantes serão responsáveis pelas funestas conseqüências das invasões dos Índios Botecudos nos sítios confiados a sua guarda, logo que contra ele se prove omissão, ou descuido. Que sejam considerados como Prisioneiros de Guerra todos os Índios Botecudos, que se tomarem com as armas na mão em qualquer ataque, e que sejam entregues para o serviço do respectivo Comandante por dez anos, e todo o mais tempo enquanto durar a sua ferocidade, podendo ele empregá-los em seu serviço particular, durante esse tempo, e conserva-los com a devida segurança, mesmo em ferros, enquanto não derem provas do abandono de sua atrocidade, e antropofagia. Em quarto lugar: Ordeno-vos, que a estes comandantes se lhes confira anualmente um aumento de soldo proporcional ao bom serviço que fizerem, regulado este pelo princípio que terá mais meio soldo aquele Comandante, que no decurso de um ano mostrar, não somente, que no seu distrito não houve invasão alguma de índios Botecudos, nem de outros quaisquer índios bravos, de que resultasse morte de portugueses, ou destruição de suas plantações; mas que aprisionou, e destruiu no mesmo tempo maior número do que qualquer outro comandante; conferindo-se aos demais um aumento de soldo proporcional ao serviço que fizeram, servindo de base para máxima recompensa, o aumento do  meio soldo. Em quinto lugar: Ordeno-vos que em cada três meses convoqueis uma Junta, que será presidida por vós, e composta do coronel do Regimento de Linha, do coronel Inspetor dos destacamentos da capitania, do tenente coronel, do Major, do ouvidor da comarca na qualidade de auditor do Regimento, e do escrivão Deputado da Junta da Fazenda, na qual fareis conhecer do resultado de tão importante serviço, e me darás Conta pela Secretaria de Estado de Guerra, e Negócios Estrangeiros de tudo o que tiver acontecido, e for concernente à este objeto, para que se consiga a redução, e civilização dos índios Botecudos, se possível for, e das outras raças de Índios, que muito vos recomendo, podendo também a Junta propor-me tudo o que julgar conveniente para tão saudáveis, e grandes fins, particularmente tudo o que tocar a pacificação, civilização, e aldeação dos Índios, declarando-vos também que por este trabalho os membros da junta não terão paga, ou vencimento algum, reservando-Me a dar-lhe aquelas demonstrações do Meu Real Agrado, e Generosidade, de que os seus serviços demonstrados pelas suas contas, e resultado favorável para a Capitania os fizerem dignos.

    Propondo-me igualmente por motivo destas saudáveis Providências contra os Índios Botecudos, preparar os meios convenientes para se estabelecer para o futuro a Navegação do Rio Doce, que fará a felicidade dessa capitania, e desejando igualmente procurar, com a maior economia da minha real Fazenda[7], meios para tão saudável empresa, assim como favorecer os que quiserem ir povoar aqueles preciosos terrenos auríferos, abandonados hoje pelo susto que causam os Índios Botecudos (...) Dada no Palácio do Rio de Janeiro[8] em treze de Maio de mil oitocentos e oito. Príncipe com Guarda. Para Pedro Maria Xavier de Ataíde e Mello. Joze Joaquim da Silva Freitas.

     

    [1]JOÃO VI, D. (1767-1826): segundo filho de d. Maria I e d. Pedro III, se tornou herdeiro da Coroa com a morte do seu irmão primogênito, d. José, em 1788. Em 1785, casou-se com a infanta Dona Carlota Joaquina, filha do herdeiro do trono espanhol, Carlos IV que, na época, tinha apenas dez anos de idade. Tiveram nove filhos, entre eles d. Pedro, futuro imperador do Brasil. Assumiu a regência do Reino em 1792, no impedimento da mãe que foi considerada incapaz. Um dos últimos representantes do absolutismo, d. João VI viveu num período tumultuado. Foi sob o governo do então príncipe regente que Portugal enfrentou sérios problemas com a França de Napoleão Bonaparte, sendo invadido pelos exércitos franceses em 1807. Como decorrência dessa invasão, a família real e a Corte lisboeta partiram para o Brasil em novembro daquele ano, aportando em Salvador em janeiro de 1808. Dentre as medidas tomadas por d. João em relação ao Brasil estão a abertura dos portos às nações amigas; liberação para criação de manufaturas; criação do Banco do Brasil; fundação da Real Biblioteca; criação de escolas e academias e uma série de outros estabelecimentos dedicados ao ensino e à pesquisa, representando um importante fomento para o cenário cultural e social brasileiro. Em 1816, com a morte de d. Maria I, tornou-se d. João VI, rei de Portugal, Brasil e Algarves. Em 1821, retornou com a Corte para Portugal, deixando seu filho d. Pedro como regente.

    [2]MINAS GERAIS, CAPITANIA DE: nascida a partir do desmembramento da capitania de São Paulo e Minas do Ouro, ocorrido em 1720, Minas Gerais foi o foco da exploração de ouro e pedras preciosas – inclusive diamantes – ao longo do século XVIII. O início da exploração do ouro em fins do século XVII faria com que a metrópole implementasse reformas administrativas e legislativas com o intuito de estabelecer um maior controle sobre o território e sobre a exploração das suas riquezas, processo acentuado com a descoberta de diamantes na década de 1720. Em 1709, a crise causada pelo confronto entre os primeiros exploradores da região das minas e os “aventureiros” que chegaram posteriormente resultou no conflito conhecido por Guerra dos Emboabas e foi uma das causas para a criação da capitania de São Paulo e Minas do Ouro. Em 1720, a revolta de Felipe dos Santos (ou de Vila Rica), que questionava a forma de tributação sobre o ouro e a intensificação do controle da coroa sobre as atividades locais sob a forma da criação das casas de fundição oficiais contribuiu para novo desmembramento, e a criação da capitania de Minas Gerais. O levante de 1720 não seria o último a opor a coroa aos colonos em torno da exploração e taxação das riquezas da região; em 1789 – no período de decadência da exploração colonial do ouro, diametralmente oposto ao do movimento de Felipe dos Santos – ocorreu a Conjuração Mineira, já sob a influência das ideias liberais e da revolução americana. Tornada polo dinamizador da economia colonial, a capitania das Minas (agora, Gerais, e não apenas do ouro) desenvolve, na sua rede de povoados, vilas e cidades uma sociedade mais urbana e dinâmica do que a que caracterizava a economia agrícola, cuja exclusividade marcou os primeiros dois séculos da colonização. À medida que ouro e diamantes jorravam, as cidades se desenvolviam e sofisticavam, a sociedade se diversificava, assim como as atividades econômicas, a despeito da repressão da metrópole que não via com bons olhos a produção local de bens necessários ao dia a dia dos colonos e à própria atividade mineradora. Neste painel variado, a massa de escravos e o pequeno grupo de senhores – molas mestras da produção de riquezas –  dividiam espaço com artistas, intelectuais, comerciantes de víveres, e um sem número de “sem destinos”, indivíduos que vagavam à margem da sociedade e da riqueza da qual se apossavam poucos privilegiados. De forma não muito diferente do que ocorre nos dias de hoje, em regiões em que uma fonte potencial de riqueza é subitamente descoberta e explorada, os lucros e benefícios da nova atividade tendem a se concentrar de forma intensa, deixando à margem uma quase horda de excluídos, muitos deles vivendo a vã esperança de partilhar as sobras possíveis. Não é à toa que a paisagem arquitetônica desenvolvida ao longo do século XVIII impressiona até os dias de hoje, e lançou para a história nomes como Manuel Francisco Lisboa, que planejou a igreja do Carmo, em Ouro Preto (antiga Vila Rica). Artistas locais, como Aleijadinho e Mestre Ataíde, desenvolveram uma versão nativa de barroco/ rococó e beneficiavam-se do grande afluxo de riquezas. Patrocinadas pelas irmandades e ordens terceiras – organizações religiosas de indivíduos sem vínculo com a Igreja, mas que se dedicam a um culto específico –, que tiveram um papel crucial na vida social da região das minas, as opulentas igrejas se multiplicaram, exibindo o esplendor de uma era que chegaria ao fim com o século XVIII. Após a década de 1760 percebe-se que a comarca do Rio das Mortes passou a apresentar um crescimento demográfico substancial, em oposição à comarca de Vila Rica, que começava a perder população. Isso se deveu ao declínio da produção de ouro – estreitamente relacionada à Vila Rica – e a diversificação e florescimento da agricultura, da pecuária e até mesmo, em certa medida, da nascente produção manufatureira em Rio das Mortes. Esta transformação marca o início da queda da produção de ouro na região e indica a diversificação de atividades para além da mineração.

    [3]BOTOCUDOS: nome genérico aplicado aos índios que ocuparam largas faixas da Mata Atlântica e da Zona da Mata no interior do leste brasileiro. Denominados também Aimorés, Ambarés, Guaimurés ou Embarés e, posteriormente, Guerens, os Botocudos não pertenciam ao tronco linguístico Tupi e se notabilizaram por sua belicosidade. Considerados hábeis caçadores, constituíam-se em grupos seminômades compostos por 50 a 200 pessoas, que controlavam territórios de caça e de coleta definidos pelo chefe do grupo e cujos limites deviam ser atentamente observados. O uso de botoques de madeira – gnemetok – auriculares e labiais, de tamanhos variados, valeu aos Botocudos essa denominação. Os primeiros contatos, ocorridos no século XVI, durante a instalação das capitanias de Ilhéus e Porto Seguro, foram de tal sorte violentos que os Botocudos se internaram no sertão dos rios Pardo, Jequitinhonha, Mucuri e Doce. Foram perseguidos, apresados e dizimados por colonos em busca de braços para desenvolver a lavoura, por entradas promovidas na busca de ouro e pedras preciosas e pelas bandeiras paulistas contratadas com vistas a empreender as guerras justas, decretadas pela Coroa portuguesa.

    [4]ANTROPOFAGIA: os rituais antropofágicos, de cunho religioso ou bélico, faziam parte de algumas culturas indígenas no Brasil. Estes povos acreditavam que ao se alimentarem de determinadas partes do corpo humano, adquiriam certas características específicas do falecido, como a bravura ou a força do inimigo derrotado. O canibalismo sempre foi uma prática simbólica e não alimentar: ou se devoram os inimigos, como faziam os Tupinambá do litoral brasileiro no século XVI, em cerimônias coletivas como presenciou o alemão Hans Staden; ou se pratica uma antropofagia funerária e religiosa, como os Yanomami e Wari, no norte do país, que praticavam o endocanibalismo, comendo a cinzas de pessoas falecidas da própria tribo, os Wari também praticavam a antropofagia guerreira. O choque entre brancos e índios durante a colonização criou, no imaginário do europeu, uma série de representações largamente disseminadas por meio de iconografia e de relatos de época a respeito dessa prática, considerada um sinal da barbárie dos nativos brasileiros. Durante a colonização da América portuguesa, caberia aos missionários a catequização e civilização dos gentios, incluindo o extermínio das práticas pagãs, entre essas a antropofagia, que violava as leis divinas e naturais. Os padres jesuítas, por exemplo, viam na prática de guerrear e no canibalismo um dos principais obstáculos para a conversão nativa e, mesmo depois de catequizados, os índios voltavam aos seus antigos costumes. Dessa forma, passariam a intervir diretamente nos rituais antropofágicos, tentando impedir a sua realização ou batizando os prisioneiros, além de condenarem tal prática em seus sermões e discursos.

    [5]VASSALO: súdito do rei, independentemente de sua localização no Império. Até o século XV, o título “vassalo” era empregado para designar homens fiéis ao rei, aqueles que o serviam na guerra, sendo, portanto, cavaleiros ou nobres de títulos superiores. Em troca do apoio e serviços realizados, recebiam tenças (pensões), dadas, inicialmente, a todos os vassalos e seus filhos varões. Na medida em que se pulverizaram as distribuições destes títulos, principalmente por razões de guerra (a conquista de Ceuta foi a mais significativa nesse processo), e que eles começaram a ser mais almejados, principalmente pelos plebeus e burgueses em busca de mercês e de aproximação com a realeza, o rei diminui a concessão dos títulos, e, mais importante, das tenças. A esta altura, as dificuldades financeiras da monarquia também empurraram para a suspensão da distribuição dos títulos e benefícios. O rei passa, então, a conceder mercês e vantagens individuais, e o termo vassalo se esvazia do antigo significado de título, passando a indicar homens do rei, súditos e habitantes do reino, de qualquer parte do Império.

    [6]BANDEIRAS: expedições armadas organizadas por paulistas da capitania de São Vicente, primeiramente para combater estrangeiros e indígenas; mais tarde se dedicaram ao apresamento e cativeiro de índios e a busca de minas de ouro e pedras preciosas. Valiam-se da extensa rede hidrográfica partindo do Tietê, Pinheiros, Cotia, Piracicaba para alcançar a bacia do Prata, Parnaíba e São Francisco. As bandeiras eram compostas por bandos imensos de mamelucos e seus cativos que por meses e até anos se deslocavam a pé ou a remo; acampavam para plantar e colher roças com que se supriam de mantimentos para prosseguir viagem sertão adentro, através de matas e de campos naturais, procurando aldeias indígenas ou missões de índios capturáveis. Essas expedições tiveram um impacto forte sobre as populações nativas, provocando o despovoamento de vastas regiões no interior do continente em consequência de contaminação por doenças ou deslocamento dos cativos para os povoados portugueses. Outro desdobramento dessas iniciativas foi a ampliação dos territórios sob o domínio da Coroa portuguesa, transpondo os limites territoriais portugueses na América definidos pelo Tratado de Tordesilhas e, obrigando Espanha e Portugal a renegociarem suas possessões no Novo Mundo. As bandeiras percorreram todas as regiões do extremo sul à Amazônia e do litoral leste e nordeste ao extremo oeste do país. No começo do século XVII, no vale do rio Paraná e de seus afluentes os bandeirantes penetraram nas reduções jesuíticas e nas áreas de ocupação espanhola do Guairá, do Paraguai e do Uruguai onde capturaram das dezenas de milhares de índios sedentarizados nas missões do Guaíra, Itatim e Tapes. Durante um século e meio, os paulistas se fizeram cativadores de índios, primeiro, para serem os braços e as pernas do trabalho de suas vilas e seus sítios, e como mercadoria para venda. Desse modo despovoaram as aldeias dos grupos indígenas lavradores em imensas áreas, indo buscá-los a milhares de quilômetros terra adentro. Frequentemente, quando a população nativa disponível para o trabalho se tornava escassa, bandeiras eram organizadas com a finalidade de tomar novos cativos, contando com a anuência ou mesmo a participação ativa de autoridades régias, que simulavam as condições de guerra justa impostas pela legislação em vigor para escravizar índios para as lavouras coloniais. Quando da abertura de uma nova zona os índios apresentavam resistência maior ou quando estalava uma rebelião escrava ou ainda quando um grupo negro se insurgia implantando um quilombo, apelava-se às bandeiras. A de Domingos Jorge Velho foi uma das mais conhecidas com essa função repressora, tendo sido contratada para destruir o quilombo de Palmares e liquidar a resistência dos índios Cariris no Nordeste (1685-1713), na chamada Guerra dos Bárbaros.

    [7]REAL ERÁRIO: instituição fiscal criada em Portugal, no reinado de d. José I, pelo alvará de 22 de dezembro de 1761, para substituir a Casa dos Contos. Foi o órgão responsável pela administração das finanças e cobrança dos tributos em Portugal e nos domínios ultramarinos. Sua fundação simbolizou o processo de centralização, ocorrido em Portugal sob a égide do marquês de Pombal, que presidiu a instituição como inspetor-geral desde a sua origem até 1777, com o início do reinado mariano. Desde o início, o Erário concentrou toda a arrecadação, anteriormente pulverizada em outras instâncias, padronizando os procedimentos relativos à atividade e serviu, em última instância, para diminuir os poderes do antigo Conselho Ultramarino. Este processo de centralização administrativa integrava a política modernizadora do ministro, cujo objetivo central era a recuperação da economia portuguesa e a reafirmação do Estado como entidade política autônoma, inclusive em relação à Igreja. No âmbito fiscal, a racionalização dos procedimentos incluiu também novos métodos de contabilidade, permitindo um controle mais rápido e eficaz das despesas e da receita. O órgão era dirigido por um presidente, que também atuava como inspetor-geral, e compunha-se de um tesoureiro mor, três tesoureiros-gerais, um escrivão e os contadores responsáveis por uma das quatro contadorias: a da Corte e da província da Estremadura; das demais províncias e Ilhas da Madeira; da África Ocidental, do Estado do Maranhão e o território sob jurisdição da Relação da Bahia e a última contadoria que compreendia a área do Rio de Janeiro, a África Oriental e Ásia. Por ordem de d. José I, em carta datada de 18 de março de 1767, o Erário Régio foi instalado no Rio de Janeiro com o envio de funcionários instruídos para implantar o novo método fiscal na administração e arrecadação da Real Fazenda. Ao longo da segunda metade do século XVIII, seriam instaladas também Juntas de Fazenda na colônia, subordinadas ao Erário e responsáveis pela arrecadação nas capitanias. A invasão napoleônica desarticulou a sede do Erário Régio em Lisboa. Portanto, com a transferência da Corte para o Brasil, o príncipe regente, pelo alvará de 28 de junho de 1808, deu regulamento próprio ao Erário Régio no Brasil, contemplando as peculiaridades de sua nova sede. Em 1820, as duas contadorias com funções ultramarinas foram fundidas numa só: a Contadoria Geral do Rio de Janeiro e da Bahia. A nova sede do Tesouro Real funcionou no Rio de Janeiro até o retorno de d. João VI para Portugal, em 1821.

    [8]PALÁCIO DO RIO DE JANEIRO: referência ao edifício público Paço Imperial, situado na atual Praça XV de Novembro no centro do Rio de Janeiro. Construído a partir do projeto do engenheiro José Fernandes Pinto Alpoim, por determinação do governador da capitania, Gomes Freire Andrade, e inaugurado em 1743, a Casa dos Governadores inspirou-se na arquitetura do Paço da Ribeira, residência real em Lisboa, em acordo com seu sentido original de palácio, casa nobre, onde vive o soberano. As construções que começaram a ocupar as adjacências, tal como um chafariz e o convento das Carmelitas, delimitaram um largo ou praça – o Terreiro do Paço – uma das áreas mais valorizadas da cidade. Em 1763, quando a cidade se torna sede do poder colonial, a casa ganha o título de Palácio dos Vice-Reis e, em 1789, é construído outro chafariz junto ao novo cais, atribuído ao escultor, entalhador e arquiteto Valentim da Fonseca e Silva, o Mestre Valentim. Com a mudança da corte para o Rio de Janeiro, converteu-se em Paço Real, abrigando a família real e o governo. No entanto, em pouco tempo, o paço mostrou-se inadequado, dada a extensão da máquina administrativa e o número de membros da comitiva real. A aquisição da quinta de São Cristóvão [Quinta da Boa Vista] como local de moradia permanente da família real fez do Paço Imperial, assim denominado a partir de 1822, a sede do governo e das cerimônias oficiais, das festas da família real e outros rituais.

    Sugestões de uso em sala de aula:
    Utilização(ões) possível(is):
    - No eixo temático sobre “História das relações sociais da cultura e do trabalho”
    - No eixo temático sobre “História das representações e das relações de poder”
    - Ao trabalhar o tema da “Pluralidade cultural”

    Ao tratar dos seguintes conteúdos:
    - O homem e a cultura
    - As relações sociais de dominação na América Portuguesa
    - A organização administrativa do Brasil colonial
    - A sociedade colonial: diferenças e semelhanças culturais

  • ALMEIDA, Mª Regina Celestino de. Metamorfoses indígenas: identidade e cultura nas aldeias coloniais do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Arquivo Nacional, 2003.

    ALMEIDA, Rita Heloísa de. O Diretório dos índios: um projeto de civilização no Brasil do século XVIII. Brasília: Editora Universidade de Brasília,1997.

    CARNEIRO DA CUNHA, Manuela (org.). História dos índios no Brasil. São Paulo: Companhia das Letras,1992.

    ________. Legislação indigenista no século XIX. São Paulo: EDUSP,1993.

    FARAGE, Nádia. As muralhas do sertão: os povos indígenas do Rio Branco e a colonização. Rio de Janeiro: Paz e Terra/ANPOCS,1991.

    MATTOS, Izabel Missagia de. Civilização e revolta: os Botocudos e a catequese na província de Minas. Bauru: EDUSC,2003.

    MONTEIRO, John M. Negros da Terra: índios e bandeirantes nas origens de São Paulo: Companhia das Letras, 1994.

    _____. Site Os índios na história do Brasil. In http://www.ifch.unicamp.br/ihb/

    OLIVEIRA, João Pacheco de. A viagem de volta: etnicidade, política e reelaboração cultural, 2ª ed. Rio de Janeiro: ContraCapa/LACED, 2004.

    POMPA, Cristina. Religião como tradução: missionários, Tupi e Tapuias no Brasil colonial. Bauru: EDUSC,2003, 443 p.

    PUNTONI, Pedro. A guerra dos bárbaros: povos indígenas e a colonização do nordeste do Brasil, 1650-1720. São Paulo: HUCITEC/EDUSP, 2002, 323p.

    VAINFAS, Ronaldo. A heresia dos índios: catolicismo e rebeldia no Brasil colonial. São Paulo: Companhia das Letras, 1995.

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