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Cláudia Beatriz Heynemann
Pesquisadora do Arquivo Nacional
Doutora em História Social - UFRJUm jardim botânico, ainda mais que um herbário, “é um lugar de enganosa simplicidade: um espaço que encerra o tranqüilo zumbido da vida e desprende um discreto encanto”. As palavras de Jean-Marc Drouin referem-se a um mistério subjacente ao arranjo do jardim, que está na reunião de plantas de lugares totalmente distintos, mesmo de outros continentes e que jamais teriam entrado em contato, agora relacionadas pelo sistema de classificação em famílias.
O primeiro jardim botânico formalmente constituído foi o de Pisa, em 1543, seguido pelo de Pádua, em 1545 e de Florença, em 1550. Inicialmente eram sobretudo jardins de plantas medicinais, como o Jardim Real de Plantas Medicinais, fundado em 1635 sob Luís XIII, tendo como único propósito o ensino complementar à faculdade de medicina, ou seja, ensinando a botânica e a química farmacêutica e, mais tarde, a anatomia comparada. Coincide em seu tempo com o movimento que leva à criação do Jardim Botânico de Oxford, em 1621 e do Apothecaries’s Garden em 1673 na Inglaterra. No mundo ibérico, o século dos jardins botânicos é o XVIII, em que se destaca a criação do Real Jardim Botânico de Madri, Espanha, em 1755 e do Jardim Botânico da Ajuda, Portugal, em 1769, projetado por Domenico Vandelli, primeiro jardim botânico de Portugal a ter como objetivo o estudo e coleção de espécies vegetais de modo extensivo, organizadas de acordo com o sistema de classificação de Lineu. A ordem obedecida pelos jardins botânicos do setecentos diferia daqueles ‘jardins da inteligência’ seiscentistas, aproximando-se, em sua origem, aos jardins experimentais, indutivos, voltados para uma dada concepção de empiria, relacionados também às práticas herboristas do Renascimento.
A experiência do domínio holandês, durante o qual, “um jardim botânico e outro zoológico surgiram dentre os mangues; apareceram Piso e Marcgraf – os primeiros olhos de cientistas a estudarem sistematicamente os indígenas, as árvores, os bichos do Brasil”, foi consagrada na obra de Gilberto Freire e em tantos capítulos da historiografia, além dos homens do setecentos que iriam se ressentir da primazia holandesa. Por outro lado, se o cultivo dos jardins não foi estranho aos jesuítas, foi também na segunda metade do século XVIII e no início do XIX, em compasso com o programa reformista, que os jardins botânicos se constituíram como projetos na colônia. Vocacionados, sobretudo, para atender às demandas metropolitanas de remessas de produtos para os seus congêneres em Portugal, os hortos e jardins botânicos na colônia conheceram poucas ocorrências até o final do século, contrastando com o intenso movimento em torno das ‘produções da história natural’. Ainda assim, em 1772, com a criação da Academia Científica pelo marquês do Lavradio, existiu, por um curto espaço de tempo, um horto botânico no Rio de Janeiro, localizado junto à cerca do Hospital Militar.
A aclimatação de plantas cumpria muitas expectativas, entre elas, a de uma abundância de gêneros para a Europa. Na colônia americana, perseverava-se nesse procedimento, transladando-as entre capitanias; o Pará ocuparia um lugar de destaque, pelas características locais e as espécies que abrigava, pioneiro na instalação de um jardim botânico na colônia e de onde deveriam vir, com freqüência, inúmeras mudas, árvores e sementes para que fossem disseminadas também em outras colônias portuguesas. No jardim botânico de Belém, desenvolviam-se experiências com árvores variadas. As expectativas incidiam sobre os alimentos, “carne em pó e a geléia para suprirem as tabletas de caldo” mas concentravam-se nos medicamentos, em uma planta análoga à quina e própria para a cura da hidropisia, cujas árvores deveriam ser remetidas, “para se mandarem fazer as convenientes experiências nos hospitais e se avaliar a utilidade de que podem ser à humanidade”.
No início do século XIX a atenção se volta também para o projeto de criação do jardim botânico da Bahia, localizado em Salvador que, no entanto, não chegaria a se concretizar naquele período, a despeito dos esforços para aquisição do terreno e da indicação do médico Inácio Bittencourt para administrá-lo. Em 1809 a tomada de Caiena ensejou a transferência de plantas do jardim denominado Habitation Royale des Épiceries, conhecido como “La Gabriele”, para o Pará e posteriormente para o Rio de Janeiro. Em 1811, o funcionamento do jardim de plantas de Olinda e sobretudo a criação em 1808 do Real Jardim do Rio de Janeiro como iniciativa da administração joanina no Brasil vêm marcar, no modo mesmo como se constituem, a convivência entre o padrão colonial e a presença da Corte na América. -
Conjunto documental: coleção de memórias e outros documentos sobre vários objetos
Notação: códice 807, vol. 7
Datas-limite: 1719-1883
Título do fundo: Diversos códices SDH
Código do fundo: NP
Argumento de pesquisa: Jardim Botânico
Ementa: lista de plantas existentes no Real Jardim de Plantas de Olinda, feita por ordem de Caetano Pinto de Miranda Montenegro governador de Pernambuco. Observação do Jardim Botânico realizada pelo tenente coronel Alexandre Thomaz de Aquino de Siqueira e pelo padre João Ribeiro Pessoa. A lista das plantas e árvores é nominal, com a contagem separada de acordo com o tamanho. E também especificando as que se localizam em viveiro. São trinta e seis espécies relacionadas.
Data do documento: 28 de julho de 1816
Local: Pernambuco
Folha (s): 188 a 190Conjunto documental: Ministério dos Negócios do Brasil. Ministério dos Negócios do Reino. Ministério dos Negócios do Reino e Estrangeiro. Ministério dos Negócios do Império e Estrangeiro Pessoal
Notação: 6D-55
Datas-limite: 1812-1881
Título do fundo: Diversos GIFI
Código do fundo: OI
Argumento de pesquisa: Jardim Botânico
Ementa: ofício estabelecendo que fosse criada na cidade da Bahia uma cadeira pública de agricultura que ensinasse os princípios teóricos e práticos deste ramo das ciências naturais. Fica encarregado da regência desta cadeira Domingos Borges de Barros, que faz parte de direção do Jardim Botânico.
Data do documento: 25 de junho de 1812
Local: Rio de Janeiro
Folha (s): -Conjunto documental: Processo original dos réus da rebelião de Pernambuco
Notação: códice 7, vol. 08
Datas-limite: 1817-1818
Título do fundo: Diversos códices - SDH
Código do fundo: NP
Argumento de pesquisa: Jardim Botânico
Ementa: ofício do Governo Provisório informando sobre o processo de transplantação de plantas exóticas e sua climatização, esperando obter como resultado o aumento e a conservação de tais plantas no Jardim Botânico. Destaca ser necessário que sua administração faça uma lista das plantas encontradas e especificando o estado e as espécies de plantas encontradas.
Data do documento: 22 de março de 1817
Local: -
Folha (s): 110Conjunto documental: Correspondência da Corte com o Vice-Reinado
Notação: códice 67, vol. 26
Datas-limite: 1800-1801
Título do fundo: Secretaria do Estado do Brasil
Código do fundo: 86
Argumento de pesquisa: Jardim Botânico
Ementa: carta de d. Rodrigo de Souza Coutinho para o vice rei do Estado do Brasil, d. Fernando José de Portugal. Anuncia a ordem do príncipe regente d. João, de que fosse realizada uma publicação completa da Flora Geral do Brasil, buscando um aumento do Real Jardim Botânico e do saber botânico. Determina "que usando de algum herborista ou jardineiro perito proceda a formar uma coleção de sementes de todas as plantas, que vegetam nessa capitania (Rio de Janeiro) e o envio das sementes com seus respectivos nomes dados no país de origem.
Data do documento: 12 de novembro de 1801
Local: Palácio de Mafra
Folha (s): 194v e 195Conjunto documental: Registro dos ofícios expedidos da Real Junta do Comércio
Notação: códice 162, vol. 1
Datas-limite: 1812-1834
Título do fundo: Junta do Comércio, Agricultura, Fábricas e Navegação
Código do fundo: 7X
Argumento de pesquisa: Jardim Botânico
Ementa: ofício enviado por Manuel Moreira de Figueiredo da Real Junta do Comércio, Agricultura, Fábricas e Navegação ao inspetor e diretor da Casa da Pólvora, o tenente coronel João Gomes da Silveira e Mendonça. A Real Junta envia-lhe sementes e mudas de várias árvores que foram trazidas de Portugal, para que fossem semeadas no "Jardim Botânico da Real Fábrica de Pólvora na Lagoa de Freitas". E que tendo delas mudas e sementes, posteriormente, estas fossem distribuídas para que a sua cultura fosse difundida por todo Estado.
Data do documento: 14 de abril de 1815
Local: Rio de Janeiro
Folha (s): 34 e 34vConjunto documental: Correspondência da Corte com o Vice-Reinado
Notação: códice 67, vol. 23
Datas-limite: 1798
Título do fundo: Secretaria de Estado do Brasil
Código do fundo: 86
Argumento de pesquisa: Jardim Botânico
Ementa: ofício de d. Rodrigo de Sousa Coutinho, ministro da Marinha e dos Negócios Ultramarinos a D. José Luís de Castro, 2º conde de Resende e vice-rei do Brasil comunicando o desejo de S. Majestade de que se construísse, com a menor despesa possível, um jardim botânico na Capitania do Rio de Janeiro, a exemplo do horto da capitania do Pará. O ofício é acompanhado de um catálogo impresso onde constam todas as espécies existentes no horto do Pará e que deveriam ser igualmente cultivadas no futuro jardim botânico do Rio de Janeiro. A recomendação régia é de que se dê atenção especial às árvores cujas madeiras podem ser utilizadas em construções.
Data do documento: 19 de novembro de 1798
Local: Palácio de Queluz - Lisboa
Folha (s): 248, 249 e 249vConjunto documental: Registro dos ofícios expedidos da Real Junta do Comércio
Notação: códice 47, vol. 1
Datas-limite: 1811-1816
Título do fundo: Junta do Comércio, Agricultura, Fábricas e Navegação
Código do fundo: 7X
Argumento de pesquisa: Jardim Botânico
Ementa: provisão do príncipe regente d. João VI à Mesa de Inspeção da Bahia, em observância da carta régia de vinte e cinco de julho de mil oitocentos e doze, expedida ao governador da capitania da Bahia, criando a cadeira de professor de agricultura. Nomeia Domingos Borges de Barros para a cadeira, e também, para diretor do Jardim Botânico desta capitania, "que já havia aí mandado também estabelecer".
Data do documento: 17 de julho de 1812
Local: Rio de Janeiro
Folha (s): 29 e 29vConjunto documental: Catálogos cronológicos de avisos, provisões, cartas régias e alvarás que existem na Secretaria de Estado do Reino de Angola
Notação: códice 543
Datas-limite: 1600-1882
Título do fundo: Negócios de Portugal
Código do fundo: 59
Argumento de pesquisa: Jardim Botânico
Ementa: catálogo cronológico de todas as ordens régias, que existem na Secretaria do Estado e Reino de Angola. Ordenado por José da Silva Costa, coronel do Regimento de Milícias da cidade de São Paulo de Assunção de Luanda, e secretário do Estado e Reino de Angola, no ano de 1802. Aviso do dia 2 de Janeiro de 1797, "em que se pedem para o Jardim Botânico sementes de todas as plantas deste Reino, em que se conhecer alguma utilidade médica, ou econômica; e para o Real Museu, todos e quaisquer produtos naturais, ou sejam animais ou minerais, ou da indústria dos negros (Livro 15, fl. 11)".
Data do documento: 2 de janeiro de 1797
Local: Angola
Folha (s): 258Conjunto documental: Secretaria de Estado do Ministério do Reino
Notação: códice 68, vol. 17
Datas-limite: 1801
Título do fundo: Negócios de Portugal
Código do fundo: 59
Argumento de pesquisa: Jardim Botânico
Ementa: carta de d. Rodrigo de Souza Coutinho descrevendo como são lucrativas as atividades de cultura de gênero e concedendo autorização para o plantio de linho cânhamo, uma vez que não são reconhecidos empecilhos que provem o contrário. A linhaça foi recebida de Manoel de Souza, Mestre da Nau Princesa da Beira e o beneficiado foi o Horto Botânico do Colégio.
Data do documento: 29 de março de 1801
Local: Rio de Janeiro
Folha (s): 64Conjunto documental: Registro da correspondência do Vice-reinado com diversas autoridades
Notação: códice 70, vol. 22
Datas-limite: 1801-1808
Título do fundo: Secretaria de Estado do Brasil
Argumento de pesquisa: Jardim Botânico
Ementa: carta de d. Fernando José de Portugal à D. João Manoel de Menezes. Informa que as sementes e plantas que solicitou para o "Horto Botânico dessa Vila" ao seu antecessor, o conde de Rezende, e novamente requereu em ofício de cinco de março, que acompanha a relação das ditas sementes e plantas, serão remetidas "logo que estiverem prontas" e "pelo melhor modo que for possível".
Data do documento: 18 de junho de 1802
Local: Rio de Janeiro
Folha (s): 16Conjunto documental: Generalidades - Gabinete do ministro
Notação: IG1 8
Datas-limite: 1819-1827
Título do fundo: Série Guerra
Código do fundo: DA
Argumento de pesquisa: Jardim Botânico
Ementa: carta de José de Brito Inglês, encarregado da inspeção interina dos estabelecimentos reais do Pará, à Thomaz Antônio de Vilanova Portugal, ministro e secretário de Estado. Informa que sairá em comissão do Pará para a capitania do Rio Negro por ordem de Sua Majestade e que assim tem pouco tempo no Pará para cuidar com mais eficiência do viveiro e do jardim de Sua Majestade que estão muito danificados. Fala que o longo período de governo interino e o contágio de bexigas contribuíram para a sua decadência. Compara o viveiro às Quintas Reis em Caiena, dizendo que não o considera botânico, mas sim um estabelecimento rural devido ao seu caráter comercial. E que sendo assim não precisa de conhecimentos nesta "arte e cultura" e sim uma agricultura e administração livres de interesses.
Data do documento: 28 de junho de 1820
Local: Quartel do Pará
Folha (s): último documento do envelope de 1820, 6 páginasConjunto documental: Registro da correspondência do vice-reinado para a corte
Notação: códice 69, vol. 5
Datas-limite: 1790-1795
Título do fundo: Secretaria de Estado do Brasil
Código do fundo: 86
Argumento de pesquisa: Jardim Botânico
Ementa: carta do médico Manoel Joaquim de Souza Ferraz para o conde de Resende, d. José Luiz de Castro. O médico explica sua proposta, composta de três artigos, para a construção de um jardim botânico no Rio de Janeiro, sua função e a necessidade de instituir uma aula de botânica no dito lugar para o ensino da utilidade das plantas medicinais e suas aplicações para o combate de enfermidades. Argumenta que a falta de conhecimento das plantas nacionais e de suas aplicações causam prejuízos à monarquia, já que se tem utilizado ervas velhas, adulteradas e dispendiosas vindas da Europa. Para liderar essa empreitada, o médico se oferece, justificando que tem formação acadêmica e experiência suficiente, além de ter trabalhado com Vandelli e na Academia Real de Ciências de Lisboa.
Data do documento: dezembro de 1795
Local: Rio de Janeiro
Folha (s): 263 a 264vConjunto documental: Registro da correspondência do vice-reinado para a corte
Notação: códice 69, vol. 5
Datas-limite: 1790-1795
Título do fundo: Secretaria de Estado do Brasil
Código do fundo: 86
Argumento de pesquisa: Jardim Botânico
Ementa: carta do conde de Resende, D. José Luiz de Castro ao senhor Luiz Pinto de Souza, propondo o estabelecimento de um jardim botânico no Rio de Janeiro. A proposta tem por objetivo estimular a agricultura e o comércio com o fim de aumentar o patrimônio Real, de modo que corresponda às despesas que a coroa absorve para a conservação e defesa de sues domínios. O conde de Resende conclui que seja necessário enviar profissionais experientes para explorarem os distritos desta capitania para descobrirem e registrarem vegetais e minerais, fato que invalidaria os argumentos utilizados pelos boticários e professores para importarem ervas e raízes estrangeiras. Desse modo, sugere que o médico Manoel Joaquim de Souza Ferraz, correspondente da Academia Real de Ciências de Lisboa e de Montpellier seja aprovado para estabelecer a construção do jardim botânico no Rio de Janeiro.
Data do documento: 11 de dezembro de 1795
Local: Rio de Janeiro
Folha (s): folha 260 a 262Conjunto documental: Hospitais
Notação: IG6 1
Datas-limite: 1808-1816
Título do fundo: Série Guerra
Código do fundo: 9S
Argumento de pesquisa: Jardim Botânico
Ementa: carta de d. Rodrigo de Souza Coutinho à d. Fernando José de Portugal solicitando que este escreva à Junta da Fazenda para que não seja feito o arrendamento da chácara do Hospital Real dos Exércitos. Diz que recebeu uma representação do cirurgião mor dos Exércitos, Custódio de Campos e Oliveira, dizendo ser a chácara propriedade do Hospital, e que desde o governo do Marques do Lavradio estabeleceu-se ali uma horta e um Jardim Botânico para uso dos doentes e provimento da botica.
Data do documento: 2 de abril de 1808
Local: Rio de Janeiro
Folha (s): -Conjunto documental: Capitania do Rio de Janeiro
Notação: caixa 746, pct. 01
Datas-limite: 1700-1808
Título do fundo: Vice-Reinado
Código do fundo: D9
Argumento de pesquisa: Jardim Botânico
Ementa: carta de Domingos Vandelli, diretor do Real Jardim Botânico da Ajuda, para a rainha Maria I, em 1797, em Lisboa, pedindo regulamentos econômicos e científicos e buscando uma reforma do Jardim, Museu e Aula com o aumento do ordenado daqueles que tem maiores conhecimentos e trabalho. Segundo Vandelli, "esse Jardim necessita de mais que mil e trezentos espécies, quando os jardins mais inferiores têm três e até quatro mil". Além disso, "teria que haver nele uma coleção de plantas medicinais e econômicas, como (...) tenho proposto". Com a conservação de muitos gêneros e espécies novas de animais, no Museu, "que seria interessante que se fizesse destas exatas descrições, como já dei princípio nos peixes, e que se publicasse tudo o que for desconhecido do naturalista, o que seria um aumento da História Natural, e de glória a este feliz Reinado".
Data do documento: 1797
Local: Lisboa
Folha (s): 160, datilografado para imprensaConjunto documental: Capitania do Pará, Minas Gerais e Colônia do Sacramento
Notação: caixa 747, pct.1
Datas-limite: 1764-1815
Título do fundo: Vice-Reinado
Código do fundo: D9
Argumento de pesquisa: Jardim Botânico
Ementa: carta de d. Rodrigo de Souza Coutinho, para d. Francisco de Souza Coutinho, governador da capitania do Pará, em 31 de Julho de 1799, do Palácio de Queluz. Agradece, em nome da rainha Maria I, ao governador do Pará, as informações (ofício 343) "sobre a árvore, em cuja Casca se supõem virtudes análogas à Quina(...) sendo um grande remédio para a hidropisia". Aguardando o remédio, "para se mandarem fazer as convenientes experiências nos Hospitais, e se avaliar a utilidade, de que podem ser à Humanidade. E, através do ofício 348, acompanhado por um mapa, segundo D. Rodrigo de Souza Coutinho, a rainha ficou ciente do estado do Jardim Botânico no Pará. Ordena que o governador paraense deixe disposto o modo, por que se hão de ir sempre aumentando particularmente as espécies preciosas, quais árvores: a Pão, Caneleira, Pimenteiras, Cravo da Índia, Árvores de Café, árvores de construção, e como desse viveiro se hão de ir distribuindo para as outras capitanias".
Data do documento: s.d.
Local: Palácio de Queluz
Folha (s): -Conjunto documental: Capitania do Pará, Minas Gerais e Colônia do Sacramento
Notação: caixa 747, pct. 1
Datas-limite: 1764-1815
Título do fundo: Vice-Reinado
Código do fundo: D9
Argumento de pesquisa: Jardim Botânico
Ementa: carta de d. Rodrigo de Souza Coutinho para o governador do Pará, d. Francisco de Souza Coutinho, em 13 de Abril de 1798, do Palácio de Queluz. Aprova a tentativa do governador do Pará de descobrir a Quina e pede que se "remeta todas as cascas e frutos, em que se conhecerem virtudes medicinais, para se experimentarem no Hospital da Marinha". Lembra também que sua Majestade recomenda "que se mande as sementes de todas as plantas dessa capitania do Pará, com os nomes do País para aqui se cultivarem, e se lhe aplicar o nome botânico. E, também algumas plantas vivas em caixas serão aqui muito interessantes para o Jardim Botânico"(do Pará).
Data do documento: 13 de abril de 1798
Local: Palácio de Queluz
Folha (s): -Conjunto documental: Capitania do Pará, Minas Gerais e Colônia do Sacramento
Notação: caixa 747, pct. 1
Datas-limite: 1764-1815
Título do fundo: Vice-Reinado
Código do fundo: D9
Argumento de pesquisa: Jardim Botânico
Ementa: carta de d. Rodrigo de Souza Coutinho para o governador do Pará, d. Francisco de Souza Coutinho, em 31 de Julho de 1798, do Palácio de Queluz. Segundo d. Rodrigo de Souza Coutinho, a rainha Maria I "viu com sumo gosto os úteis esforços com que conseguiu transplantar para essa colônia, o cravo da Índia, a Árvore a Pão, e o Caneleiro, assim como os esforços que continuava para conseguir a Pimenta e a Noz-Moscada. Além de louvar o estabelecimento do Jardim Botânico, e de plantações de que a mesma senhora espera os maiores frutos a benefício dos seus povos. Esperando que, o governador do Pará, "faça que esse Jardim( Botânico) sirva de modelo a todos os outros, que se devem estabelecer nas outras capitanias do Brasil, e que lhe dê uma extensão, que do mesmo possam ir para as outras capitanias as plantas exóticas, e indígenas, cultivadas no Pará".
Data do documento: 31 de julho de 1798
Local: Palácio de Queluz
Folha(s): -Conjunto documental: Registro de avisos e ofícios da Corte. Livro 1o da Corte.
Notação: IJJ1 155
Datas-limite: 1808-1809
Título do fundo: Série Interior
Código do fundo: A6
Argumento de pesquisa: Jardim Botânico
Ementa: carta de d. Fernando José de Portugal para d. Rodrigo de Souza Coutinho sobre a representação anterior do cirurgião-mor dos exércitos frei Custódio de Campos e Oliveira, que mandou realizar a obra para a construção de um jardim botânico e uma sala de anatomia na chácara que os extintos jesuítas usavam para horta.
Data do documento: 5 de maio de 1808
Local: Rio de Janeiro
Folha(s): 36 e 36vConjunto documental: Ministério do Reino. Pernambuco. Correspondência do presidente da Província
Notação: IJJ9 241
Datas-limite: 1785-1820
Título do fundo: Série Interior
Código do fundo: AA
Argumento de pesquisa: Jardim Botânico
Ementa: carta do secretário José Carlos Marins da Silva Ferrão para o senhor Caetano Pinto de Miranda Montenegro, do Conselho Real e governador e capitão general da capitania de Pernambuco. Remete quatro caixas com dezesseis mil matrizes de girofle (cravo da Índia) para o Jardim Real dessa capitania (de Pernambuco). Além, "da explicação do modo com que devem ser tiradas das capitanias plantadas".
Data do documento: 21 de novembro de 1814
Local: Caiena
Folha(s): 15Conjunto documental: Correspondência do vice-reinado para a Corte - Original
Notação: códice 68, vol. 18
Datas-limite: 1801-1803
Título do fundo: Negócios de Portugal
Código do fundo: 59
Argumento de pesquisa: Jardim Botânico
Ementa: ofício de d. Fernando José de Portugal para o visconde de Anadia mencionando o envio de diversas espécies de aves indígenas da capitania do Rio de Janeiro e também de sementes oriundas de diversas partes do Brasil para a Real Quinta de Belém, conforme os pedidos feitos em ofícios datados de 19 de novembro e 3 de dezembro de 1800.
Data do documento: 11 de novembro de 1801
Local: Rio de Janeiro
Folha (s): 9 -
Jardim botânico no Rio de Janeiro
Carta do Príncipe Regente d. João ao vice-rei e capitão-general de mar e terra do Estado d. Fernando José de Portugal, determinando o aperfeiçoamento e ampliação de algumas culturas na capitania do Rio de Janeiro, tais como pimenta, canela, árvores de pão, entre outras especiarias. Neste documento, d. João deixa claro que muito poderia contribuir a criação “de um econômico jardim botânico”, seguindo o modelo do horto do Pará, acrescentando que o mesmo deveria ser feito seguindo os princípios das experiências inglesas e francesas nas Antilhas.
Conjunto documental: Correspondência da Corte com o vice reinado.
Notação: códice 67, vol. 26
Datas-limite: 1800-1801
Título do fundo ou coleção: Secretaria de Estado do Brasil
Código do fundo: 86
Argumento de pesquisa: História Natural
Data do documento: 8 de julho de 1800
Local: Palácio de Queluz (Lisboa)
Folhas: 1v a 16"Dom Fernando Jozé de Portugal[1] vice-rei e capitão general de Mar e Terra do Estado do Brasil, amigo. Eu o príncipe regente[2] vos envio muito saudar. Havendo tomado na minha real consideração os bons serviços, e distinto préstimo, com que tende procurado desempenhar sempre os importantes deveres de governador[3] e capitão general[4] da capitania da Bahia[5] ... houve por bem nomear-vos vice-rei[6] ....
Com a mesma atividade, e inteligência procurareis aperfeiçoar e ampliar as culturas já existentes nesta capitania do Rio de Janeiro, e animar as novas que tenho mandado recomendar ao vosso predecessor, quais a da pimenta[7], canela[8], árvore de pão[9], cravo da Índia[10], e das outras especiarias[11], a do linho cânhamo[12], e o cacto da Coxonilha[13] sic, para cujo efeito muito pode contribuir a erecção de um econômico jardim botânico[14], já principiado pelo dito vosso predecessor a imitação do que mandei estabelecer na capitania do Pará[15], podendo no mesmo jardim botânico praticarem-se primeiro em pequeno as culturas daquelas plantas, que hajam depois de estender-se a toda a capitania. Entre estas culturas, devem merecer-vos muito particular atenção as que dizem respeito à subsistência do homem, como por exemplo a mandioca[16], preciosa planta, e que cada dia o será mais, logo que se cultive debaixo de princípios e com inteligência, como os ingleses e os franceses praticam nas Antilhas[17], e como também agora se observa no Pará, desterrando-se o prejuízo de que esta planta só pode cultivar-se em capoeiras[18], e depois de cruéis derrubadas de árvores preciosas, à que se dá sic fogo....
Escrita no Palácio de Queluz[19] em oito de Julho de mil oitocentos // Príncipe // Para Dom Fernando Jozé de Portugal
[1] CASTRO, D. FERNANDO JOSÉ DE PORTUGAL E (1752-1817): 1o conde de Aguiar e 2o marquês de Aguiar, era filho de José Miguel João de Portugal e Castro, 3º marquês de Valença, e de Luísa de Lorena. Formado em Direito pela Universidade de Coimbra, ocupou vários postos na administração portuguesa no decorrer de sua carreira. Governador da Bahia, entre os anos de 1788 a 1801, passou a vice-rei do Estado do Brasil, cargo que exerceu até 1806. Logo em seguida, regressou a Portugal e tornou-se presidente do Conselho Ultramarino, até a transferência da corte para o Rio de Janeiro. A experiência adquirida na administração colonial valeu-lhe a nomeação, em 1808, para a Secretaria de Estado dos Negócios do Brasil, pasta em que permaneceu até falecer. Durante esse período, ainda acumulou as funções de presidente do Real Erário e de secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros e da Guerra. Foi agraciado com o título de conde e marquês de Aguiar e se casou com sua sobrinha Maria Francisca de Portugal e Castro, dama de d. Maria I. Dentre suas atividades intelectuais, destaca-se a tradução para o português do livro Ensaio sobre a crítica, de Alexander Pope, publicado pela Imprensa Régia, em 1810.
[2]JOÃO VI, D. (1767-1826): segundo filho de d. Maria I e d. Pedro III, se tornou herdeiro da Coroa com a morte do seu irmão primogênito, d. José, em 1788. Em 1785, casou-se com a infanta Dona Carlota Joaquina, filha do herdeiro do trono espanhol, Carlos IV que, na época, tinha apenas dez anos de idade. Tiveram nove filhos, entre eles d. Pedro, futuro imperador do Brasil. Assumiu a regência do Reino em 1792, no impedimento da mãe que foi considerada incapaz. Um dos últimos representantes do absolutismo, d. João VI viveu num período tumultuado. Foi sob o governo do então príncipe regente que Portugal enfrentou sérios problemas com a França de Napoleão Bonaparte, sendo invadido pelos exércitos franceses em 1807. Como decorrência dessa invasão, a família real e a Corte lisboeta partiram para o Brasil em novembro daquele ano, aportando em Salvador em janeiro de 1808. Dentre as medidas tomadas por d. João em relação ao Brasil estão a abertura dos portos às nações amigas; liberação para criação de manufaturas; criação do Banco do Brasil; fundação da Real Biblioteca; criação de escolas e academias e uma série de outros estabelecimentos dedicados ao ensino e à pesquisa, representando um importante fomento para o cenário cultural e social brasileiro. Em 1816, com a morte de d. Maria I, tornou-se d. João VI, rei de Portugal, Brasil e Algarves. Em 1821, retornou com a Corte para Portugal, deixando seu filho d. Pedro como regente.
[3] GOVERNADOR: pessoa responsável pela administração de uma praça, província ou capitanias.
[4] CAPITÃO-GENERAL: era responsável pelo governo de uma capitania geral, territórios administrados diretamente pela Coroa, em contraste com as donatárias, atribuídas a particulares, como Bahia, Pernambuco e Minas Gerais, por exemplo. Em tese, seria subordinado ao vice-rei, mas, como a autoridade deste se diluía com as distâncias e a presença dos governadores e capitães-generais que se comunicavam diretamente com a metrópole, na prática tal subordinação não funcionou na maioria das capitanias da América portuguesa.
[5] BAHIA, CAPITANIA DA: estabelecida em 1534, teve como primeiro capitão donatário Francisco Pereira Coutinho, militar português pertencente à pequena nobreza que serviu nas possessões da Índia. Em 1548, fora revertida à Coroa e transformada em capitania real. Um ano mais tarde, com a fundação da cidade de Salvador, abrigou a primeira capital da colônia, posição que ocupou até 1763, quando a sede administrativa colonial foi transferida para a cidade do Rio de Janeiro. Nesse mesmo ano, d. José I extinguiu as capitanias de Ilhéus e de Porto Seguro e incorporou-as as suas áreas à Bahia. A ela também se subordinava, até 1820, a capitania de Sergipe d’El Rei. Sua geografia, no período colonial, estava dividida em três grandes zonas: o grande porto, que compreendia a cidade de Salvador; hinterlândia (área pouco ocupada, de desenvolvimento reduzido, subordinada economicamente a um centro urbano) agrícola, referente ao Recôncavo, e o sertão baiano, cada região com atividades econômicas específicas. A cidade de Salvador exerceu as funções de porto transatlântico para o tráfico de escravos e de cabotagem para o comércio de fumo, algodão, couro e açúcar (principal produto de exportação). No Recôncavo, destacava-se a agricultura comercial, concentrando um grande número de engenhos de açúcar. Também ali se praticava a cultura do fumo e, mais ao sul, uma agricultura de subsistência. No sertão, a principal atividade era a pecuária, tanto com produção de carne, de couro e de sebo, quanto para o fornecimento de gado que servia de força motriz nos engenhos e ao abastecimento de Salvador e do Recôncavo. Girando em torno da atividade açucareira, a vida sociopolítica baiana era reflexo da “grande lavoura”, na qual a hierarquia era dominada pelos senhores de engenho.
[6] VICE-REI: até o ano de 1720, o posto administrativo mais alto da colônia era habitualmente o de governador-geral, tendo sido por três vezes o título de vice-rei atribuído ao marquês de Montalvão (1640-1641), ao conde de Óbidos (1663-1667) e ao marquês de Angeja (1714-1718), homens de alta fidalguia no Reino. A partir de 1720, a denominação foi substituída definitivamente pelo de vice-rei, tendo sido o primeiro o conde de Sabugosa, Vasco Fernandes César de Meneses (1720-1735). O novo termo, tal como se usava já no estado da Índia desde o século XVI, deixava mais clara a ideia de um império português, constituído por territórios ultramarinos pertencentes a Portugal e a ele submissos. Contudo, em termos concretos, a mudança de nome não trouxe nenhuma alteração significativa, e a administração continuou a mesma. O Brasil não constituiu um vice-reinado unificado e a utilização do título explicita mais uma decisão política do que administrativa. A utilização da nova denominação para o posto mais alto do Estado do Brasil (os estados do Grão-Pará e Maranhão tinham governadores independentes) expressava, na verdade, a nova preponderância dos territórios brasileiros, entre si e em decorrência da expansão aurífera e relativa decadência do vice-reinado da Índia, do que transformações concretas no plano administrativo. Com a chegada da família real portuguesa em 1808, o Brasil passou a ser, em 1815, Reino Unido e acabou com o cargo de vice-rei, tendo o último sido o conde dos Arcos, d. Marcos de Noronha e Brito (1806-1808).
[7] PIMENTA: nome comum dado aos frutos ou condimentos extraídos de uma gama de plantas que tem sabor geralmente picante. Na Europa medieval, a pimenta, usada como condimento – para realçar o sabor e conservar os alimentos – e para fins medicinais, era um produto raro e caro, vindo do Oriente, e seu comércio era monopolizado por árabes e venezianos. Considerada uma especiaria, a pimenta-do-reino é uma espécie proveniente da Índia e a grande demanda pelo gênero foi fator impulsionador das grandes navegações do século XV. Após a descoberta de uma rota atlântica para o Oriente, em 1498, e a posterior conquista de Calicute, os portugueses alcançaram o controle desse comércio. Quando da chegada dos europeus na América, os índios do continente já cultivavam e empregavam as várias espécies nativas em sua alimentação, que logo seriam levadas para a Europa, ativando o negócio das trocas na primeira metade do século XVI, centrado nas especiarias.
[8] CANELA DA ÍNDIA: produto proveniente de uma árvore natural do Ceilão, onde se concentrava sua cultura e exploração. A canela (Cinnamomum zeylanicum Breyn) é utilizada em pau ou moída e das folhas extrai-se um óleo essencial utilizado na perfumaria e na fabricação de sabonetes. Foi uma das especiarias mais procuradas na Europa moderna, trazendo grandes lucros para seus comerciantes e passando por sucessivos monopólios do século XVI ao XVIII. Primeiramente, os portugueses ocuparam o Ceilão, estabelecendo um comércio em sistema de exclusivo. Em 1656, os holandeses, com a Companhia das Índias Orientais, e mais tarde, em 1796, os ingleses lucraram com a exploração dessa especiaria. No período colonial, o plantio foi por muito tempo proibido no Brasil, para não concorrer com o Oriente. Chegou a esta colônia pela mão dos padres jesuítas. A canela é empregada na culinária e faz parte da cozinha luso-brasileira. A ela atribuem-se também propriedades medicinais. Algumas espécies brasileiras fornecem madeira de lei.
[9] ÁRVORE DE PÃO: originária da região Indo Malásia, principalmente das ilhas de Java e Sumatra, a fruta-pão (Artocarpus altilis) é cultivada em muitas regiões do mundo. No Brasil teria sido introduzida por d. Francisco de Souza Coutinho, governador da capitania do Pará. Segundo Batista Benito Gabriel Calzavara, (Fruticultura tropical: a fruta-pão. Belém, EMBRAPA-CPATU, 1987), elas teriam vindo de Caiena em 1801. Nos anos seguintes, d. Rodrigo de Souza Coutinho, ministro da Marinha e Domínios Ultramarinos, recomendaria a sua inclusão no futuro jardim botânico da Bahia, devendo-se notar que a fruta-pão, utilizada por muitas culturas como alimento, foi, no século XVIII, revestida de muitas expectativas pelos europeus, que lhe atribuíram a possibilidade de mitigar a fome dos povos.
[10] CRAVO-DA-ÍNDIA: também chamado cravinho ou apenas cravo, o Syzigium aromaticum (L.) é uma das especiarias de uso mais antigo, principalmente no Oriente. Botão da flor do craveiro, o cravo, depois de seco, é usado para temperar e aromatizar pratos. É também conhecido por suas propriedades medicinais e de perfumaria, como um poderoso antisséptico (era mascado para refrescar o hálito) e usado para melhorar o odor de ambientes. O cravo-da-índia, juntamente com a pimenta, a canela e a noz moscada, era a especiaria mais consumida na Europa no século XV e uma das mais caras. Originária das ilhas Molucas, na Indonésia, já era bastante conhecida e utilizada na China desde os séculos III-II a.C. Durante a Idade Média entrou na rota dos comerciantes árabes que transportavam produtos orientais para a Europa, passando por Constantinopla. A partir do século VIII, o comércio e uso do cravo se intensificaram no Mediterrâneo a preços muito altos. Esse comércio lucrativo acabou também por impulsionar que os europeus, sobretudo os portugueses, se lançassem aos mares em busca de rotas que permitissem buscar o cravo diretamente das “índias” e monopolizar sua venda na Europa. Em 1511, os portugueses chegaram às Molucas e verificaram nas ilhas quantidade de cravo suficiente para abastecer o Reino e ainda vender o que excedesse. Até chegar ao mercado europeu, a mercadoria percorria um longo caminho: era, primeiramente, escoada para Malaca, depois Goa, só então seguindo para o Mediterrâneo. Tal trajeto encarecia o preço da especiaria e logo essa atividade tão lucrativa despertaria o interesse dos holandeses que chegaram às ilhas produtoras no início do XVII e conseguiram expulsar os portugueses, passando a controlar o comércio do cravo. O monopólio da produção restringiu-se ao Oriente e às ilhas até meados do Setecentos, quando o cravo começou a ser plantado com sucesso em regiões da África e das Américas. As primeiras mudas levadas para Caiena datam de 1773, e os registros oficiais apontam que chegaram ao Brasil, na Amazônia, em finais do XVIII. No entanto, a produção em larga escala só foi registrada no Oitocentos. Mapas comerciais e balanços do Estado do Grão-Pará e Maranhão apontam que já havia produção de cravo na região, que figurava entre as drogas do sertão, e que o produto já era exportado para Portugal em fins dos anos 1760.
[11] ESPECIARIAS: palavra proveniente do termo latim especia = substância. Tinha o sentido de substâncias raras e caras, usadas em pequenas quantidades, para fins de perfumaria, remédios e condimentos (principalmente na conservação dos alimentos). A necessidade do uso de especiarias e outros gêneros na alimentação e conservação foi um dos motores das grandes navegações no século XVI, em busca de novos caminhos para o Oriente e de terras onde se pudessem explorar essas riquezas. A noz-moscada, o gengibre, a canela, o cravo-da-índia, a pimenta (líder absoluta da preferência das importações), e, por algum tempo, o açúcar são alguns exemplos de especiarias apreciadas pelos europeus na Idade Moderna. O açúcar deixou de ser considerado uma especiaria com o início de seu consumo em massa, a partir da monocultura de cana-de-açúcar fomentada pelos portugueses. A expressão francesa “caro como pimenta” data desta época, sendo utilizada para caracterizar o alto preço de um algum produto, assim como o valor das especiarias.
[12] LINHO CÂNHAMO: de origem asiática, é uma espécie herbácea da família das moráceas. De suas plantas são extraídas fibras utilizadas na construção de velas para barcos e cordas. Portugal destacou-se na produção dessa espécie, fornecendo matéria-prima para grande parte de suas embarcações na idade moderna. Até fins dos oitocentos, o cânhamo era a cultura não alimentar primordial em Portugal, pois era considerado item de primeira necessidade para as potências marítimas. Nesse mesmo século, foram realizadas iniciativas para seu plantio em Santa Catarina e no Rio Grande do Sul. A política pombalina tinha como objetivo uma autossuficiência na produção do linho- cânhamo, buscando uma independência da Inglaterra para a produção de linho e tecidos para o velame das naus portuguesas. Assim, tendo como orientação o fomento da indústria naval, em 1783, por ordem do marquês de Pombal, foi instalada a Real Feitoria do Linho Cânhamo, no Rincão de Canguçu (RS). Foram enviados à região, escravos, ferramentas e uma estrutura burocrática, responsável pela produção e envio dos gêneros à metrópole. Estariam proibidas, portanto, as manufaturas têxteis ou de corda em território colonial. Apesar de alguma produção no Brasil, a inexperiência no cultivo, a falta de implementos apropriados e a má conservação das sementes fizeram com que a cultura do linho-cânhamo não tivesse grande expressão.
[13] COXONILHA: inseto da família dos coccídeos, a cochonilha vive numa planta chamada nopal, típica da região do atual México. O nopal era cultivado para a criação do inseto, cuja intenção era a obtenção de uma substância corante vermelha produzida pelas fêmeas. Esse corante natural, também chamado cochonilha, é utilizado ainda hoje.
[14] JARDIM BOTÂNICO DO RIO DE JANEIRO: o Real Horto, posteriormente denominado Jardim Botânico do Rio de Janeiro, a exemplo de outros congêneres estabelecidos no país, foi criado com o objetivo de desenvolver experiências de aclimatação com espécies vegetais de interesse agrícola e comercial, cujas primeiras mudas para o jardim botânico foram provenientes das Ilhas Maurício, do Jardim La Pamplemousse, oferecidas ao príncipe regente pelo comerciante português Luiz de Abreu Vieira e Silva. A origem do horto relaciona-se com o estabelecimento da fábrica de pólvora, criada por decreto de 13 de maio de 1808 nas terras do antigo engenho de cana-de-açúcar, de propriedade de Rodrigo de Freitas. Um mês após, no dia 13 de junho, um novo decreto do então príncipe regente d. João determinou a instalação de um jardim para aclimatação de espécies vegetais originárias de outras partes do mundo, em especial aquelas provenientes do Oriente, como a baunilha, a canela, a pimenta e outras. O jardim botânico estava subordinado ao Ministério dos Negócios da Guerra e seus diretores eram os vice-diretores da fábrica de pólvora até 1824, quando foi nomeado para diretor do jardim frei Leandro do Sacramento, doutor em Ciências Naturais pela Universidade de Coimbra e professor de botânica da Academia Médico-Cirúrgica do Rio de Janeiro. Sua gestão (1824-1829) é apontada como um importante marco com a realização de obras, pesquisas, experimentações, catalogação, classificação e introdução de novas espécies, a exemplo da aclimatação e plantio de chá. Simultaneamente às pesquisas científicas, a área do arboreto foi ampliada e ornamentada com lagos e cascatas, servindo também como espaço de lazer de especial interesse de d. João VI. O jardim botânico foi aberto à visitação após a proclamação da independência, sendo objeto de descrição de diversos visitantes como a inglesa Maria Graham, os botânicos Spix e Martius, o naturalista Hermann Burmeister, Charles de Ribeyrolles. Somente nos primeiros anos da República, o Jardim Botânico do Rio de Janeiro retomou suas funções e atividades de caráter científico, sob a gestão de João Barbosa Rodrigues.
[15] PARÁ, CAPITANIA DO: a etimologia do nome da antiga unidade administrativa decorre do rio Pará, derivado do tupi-guarani pa'ra que significa rio do tamanho do mar ou grande rio devido sua grande extensão. No ano de 1621, a colônia americana portuguesa foi dividida em dois territórios administrativamente separados que respondiam ambos diretamente a Lisboa: o Estado do Brasil, com sede em Salvador, e o Estado do Maranhão, com centro administrativo em São Luís. O Estado do Maranhão e Grão-Pará permaneceu com essa designação até o ano de 1751, quando no reinado de d. José I e do gabinete de Sebastião José de Carvalho e Melo, transfere a capital administrativa de São Luiz para Belém (fundada em 1616) e passa a se chamar Estado do Grão-Pará e Maranhão. O Estado do Grão-Pará e Maranhão era composto pelas capitanias do Pará, Maranhão, Piauí e Rio Negro, mantida essa estrutura até o ano de 1772/1774, quando o governo português resolve dividir o Estado do Grão-Pará e Maranhão em duas unidades administrativas distintas: o Estado do Grão-Pará e Rio Negro (1772/1774 -1850), ficando a capitania do Rio Negro Subordinada ao Pará, e o Estado do Maranhão e Piauí (1772/1774-1811), ficado a capitania do Piauí subordinada ao Maranhão. Ambas, as unidades administrativas criadas ficaram subordinadas diretamente a Lisboa (SANTOS, Fabiano Vilaça dos. O governo das conquistas do norte: trajetórias administrativas no Estado do Grão-Pará e Maranhão (1751-1780). Tese de doutorado em História. USP, 2008). As conquistas do norte eram inicialmente subordinadas ao Estado do Maranhão, que não conseguia defender toda a vasta região amazônica, além de expandir as fronteiras para o oeste. Para tentar efetivar a apropriação do território e conter o alcance da influência dos religiosos nas missões e aldeamentos, a Coroa criou e distribuiu sistematicamente, entre 1615 e 1645, capitanias e sesmarias ao longo do rio Amazonas. As capitanias que compunham o Estado do Maranhão no século XVII eram Pará, Maranhão e Piauí – reais – e Cumá, Caeté, Cametá e Marajó (ou Ilha Grande de Joanes), estas particulares e subordinadas às da Coroa. O regime das capitanias permaneceu em vigor desde 1615 até 1759, quando o marquês de Pombal, primeiro-ministro de d. José I, reformulou o sistema, incorporando todas à Coroa e dando uma nova configuração ao Estado do Grão-Pará e Maranhão. O Grão-Pará representou grande possibilidade de riqueza para colonos e colonizadores, interessados nas drogas do sertão e nas terras indígenas. O setecentos, sobretudo na segunda metade, foi um período profícuo para a região, devido à intensificação do comércio das drogas e ao incentivo às culturas agrícolas, como o cacau, tabaco, café, algodão, entre outros, promovidos pela Companhia de Comércio do Grão-Pará e Maranhão e resultante da expulsão dos jesuítas, que controlavam o comércio com os índios.
[16] FARINHA: preparada a partir de uma raiz tropical conhecida como mandioca ou aipim, que pertence a uma única espécie, a Manihot esculenta, e apresenta centenas de variedades. A maioria é venenosa, pois contém ácido cianídrico (HCN). A cultura da mandioca era bastante comum entre as populações indígenas, quando os portugueses aqui chegaram. A produção da farinha entre os índios é um trabalho tradicionalmente realizado pelas mulheres que processam as raízes venenosas para eliminar o ácido cianídrico, utilizando o tipiti. Este instrumento consiste num cesto cilíndrico extensível, com uma abertura na parte superior, na qual se coloca a massa de mandioca amolecida. Nas extremidades do tipiti existem alças que permitem fazer sua torção para se extrair a água combinada ao HCN. Livre da água e do veneno, essa massa era colocada em panelas ou frigideiras de barro para secar e, só depois, era ralada para se obter a farinha, que podia apresentar uma consistência muito dura e seca, usada como suprimento alimentar nas expedições guerreiras, ou transformar-se em um polvilho branco, usado para fazer os beijus de tapioca. A mandioca era também a base do cauim, bebida pelos índios durante três dias antes dos rituais do canibalismo, levando à condenação de seu consumo entre os cristãos. Apenas algumas variedades podem ser aproveitadas após o simples cozimento: a mandioca doce ou aipim (Rio de Janeiro) também denominada macaxeira (Nordeste). No século XVI, os portugueses encontraram a mandioca domesticada pelos indígenas, adotaram suas técnicas de plantio e beneficiamento e foram os responsáveis por sua difusão na África e demais domínios. Chamada “pão dos trópicos” pelo padre José de Anchieta, substituiu por muito tempo o trigo no cotidiano dos colonos e estava entre os mais baratos dos produtos alimentícios. Além de ser uma planta resistente, era um alimento versátil, podendo ser consumido em forma de pão, farinha, ou ainda cozido, assado ou como pudim. A farinha de mandioca era consumida diariamente pelos habitantes da colônia em todas as regiões, acompanhando a mesa dos ricos ou a modesta refeição dos pequenos proprietários, misturadas a caldos ou ao feijão, até ser o alimento principal dos escravos, que nas fazendas contavam com alguns punhados de farinha seca, além de bananas, laranjas e eventualmente pequenas porções de toucinho e feijão.
[17] ANTILHAS: denominação geral das ilhas da América Central, do mar do Caribe, a oeste do Atlântico, também chamadas de Índias Ocidentais. Compreendem hoje, entre outros, os seguintes países: Bahamas, Cuba, Jamaica, Haiti, República Dominicana, Barbados, São Vicente e Granadinas, Granada e Trinidad e Tobago. Dos colonizadores europeus, os primeiros a conquistarem as ilhas foram os espanhóis, seguidos pelos franceses, holandeses, ingleses e até mesmo dinamarqueses. As Antilhas espanholas eram compostas pelo que atualmente corresponde a Cuba, Porto Rico, República Dominicana e algumas ilhas do litoral da Venezuela. As holandesas compreendiam as ilhas de Bonaire, Curaçao, Aruba, ilha das Neves, Antígua e a parte sul da ilha de São Martinho. As francesas correspondiam ao Haiti (São Domingo), ilha São Vicente, parte da ilha de Guadalupe, ilha de São Bartolomeu, ilha de Santa Luzia, Martinica, Dominica. Os territórios da Jamaica, das Ilhas Virgens, São Cristóvão, São Martinho, Bahamas, La Anguila, Barbuda, Trinidad e Tobago, Granada, São Vicente e Granadinas eram possessão inglesa. Os principais itens de exportação produzidos na região durante toda época colonial foram o açúcar, o tabaco, o café e o anil. Durante todo o século XVII e parte do XVIII, o açúcar antilhano, sobretudo o fabricado pelos holandeses, extraído da beterraba, foi o grande rival do açúcar produzido pelos portugueses no Nordeste brasileiro, proveniente da cana-de-açúcar. Tornou-se um produto tão importante que passou a designar o arquipélago, conhecido como Sugar Lands, “as terras do açúcar”, destinadas e dependentes da exploração do “ouro branco”.
[18] CAPOEIRA: o termo remete a algumas versões quanto à sua origem. Capoeiras eram campos abertos onde escravos fugidos praticavam uma espécie de luta ritual. Atribuía-se também a denominação a um tipo de cesto usado pelos escravos de ganho para transportar aves e verduras pelas ruas da cidade. A luta que praticavam entre si teria recebido o nome dos cestos. De uma forma ou de outra, a capoeira floresceu nas cidades e arredores de Pernambuco, Bahia e Rio de Janeiro, sendo sempre alvo de repressão e inspirador de temor. Se a origem da prática é rural ou urbana permanece pouco clara; foi, contudo, no início do século XIX, que ela se espalhou de forma avassaladora entre os escravos da cidade do Rio de Janeiro – transformada em corte –, tornando-se um problema de ordem pública de proporções inesperadas. Uma forma de dança e luta ritualizada, representava um momento de congraçamento, mas também de enfrentamento entre diversas etnias africanas, colocadas todas, à força, sob um mesmo rótulo e vivendo no mesmo local. Além disso, passou a ser um meio de ataque e defesa fundamental na resistência à repressão dos movimentos, manifestações e presença dos negros nas ruas da cidade. Em 2014, a UNESCO reconheceu a capoeira como patrimônio cultural imaterial da humanidade.
[19] QUELUZ: cidade portuguesa, parte do concelho de Sintra, área metropolitana de Lisboa, no centro-sul do território do país. A cidade tornou-se célebre em função da construção do Palácio de Queluz, em 1747, como residência de verão da família real portuguesa. Anteriormente havia sido o pavilhão de caça da propriedade dos marqueses de Castela Rodrigo, que foi confiscada pela Coroa portuguesa durante a Restauração. O palácio, em estilo rococó, foi mandado construir pelo infante d. Pedro, futuro rei, tio e marido de d. Maria, com todo o luxo e apuro que a monarquia portuguesa podia prover, de forma a promover e indicar a solidez, a ostentação e a distinção da Coroa e de sua realeza. Com a morte do rei em 1786 e do primogênito (d. José) em 1788, a rainha começou a apresentar sinais de loucura e foi recolhida ao Palácio de Queluz. De lá, a partir de 1794, ela e o regente d. João governaram o reino e seus domínios no ultramar, quando o Palácio da Ajuda, principal sede da monarquia, pegou fogo e obrigou a Corte a mudar-se temporariamente para Queluz, onde permaneceu até 1807, quando se transferiu para o Brasil, em fuga das invasões napoleônicas. O “mundo” de Queluz ficou associado ao período em que foi sede do poder político durante o reinado mariano e a regência joanina, de transição da monarquia absoluta para uma governança constitucional e mais liberal. Esse mundo era caracterizado pela forte presença de uma sociedade de Corte do Antigo Regime, espelhada na Corte francesa de Versalhes (o palácio português era tido como uma versão modesta do exemplar francês), em um momento de reação às políticas reformistas pombalinas, de centralização estatal e de sacralização da figura do monarca, de intrigas palacianas e disputas entre os ministros e a alta realeza, que se sentia diminuída frente aos mandos e privilégios dos secretários de Estado. Antes de se tornar sede do poder político, Queluz era palco de grandes festas de São Pedro e São João, com missas, corridas de touros, concertos musicais e óperas, até a perda do herdeiro real, quando se manteve somente a celebração, bem mais modesta, do aniversário da rainha. Em 1807 deixou de ser a sede do governo e a partir de 1826 não mais foi usado pela monarquia para funções políticas. Foi no palácio que d. Pedro I, imperador do Brasil (Pedro IV de Portugal) nasceu e morreu, em 1834. Um século depois (1934) passou por um incêndio que destruiu todo o interior, mas foi completamente restaurado e atualmente é um importante ponto de visitação turística, além de servir hospedagem para chefes de Estado em visitas oficiais a Portugal.
Sugestões de uso em sala de aula:
Utilização(ões) possível(is):
- No eixo temático do ensino fundamental do 3º Ciclo “História das relações sociais da cultura e do trabalho”
- Ao trabalhar o tema transversal “Meio ambiente”Ao tratar dos seguintes conteúdos:
- A sociedade colonial: culturas naturais
- Economia colonial
- Brasil colonial: riquezas naturais
- Negócios ultramarinosAmostras da flora do Rio de Janeiro
Carta de d. Rodrigo de Souza Coutinho para o vice-rei e capitão general de mar e terra do Estado do Brasil, d. Fernando José de Portugal, anunciando a intenção do príncipe regente d. João de uma publicação completa da Flora Geral do Brasil e de todos os seus vastos domínios. Dessa forma, pretendia –se contribuir promover a botânica, considerada uma importante área do conhecimento dada suas aplicações medicinais, e contribuir para a ampliação do Real Jardim Botânico da Ajuda.
Conjunto documental: Correspondência da Corte com o Vice-Reinado
Notação: Códice 67, volume 26
Datas-limite: 1800-1801
Título do fundo ou coleção: Secretaria do Estado do Brasil
Código do fundo: 86
Argumento de pesquisa: Jardim Botânico
Data do documento: 12 de novembro de 1801
Local: Palácio de Mafra
Folha(s): 194v e 195
Leia esse documento na íntegra
"O Príncipe Regente[1] Nosso Senhor havendo tomado na sua Real Consideração a importância do aumento do Real Jardim Botânico cuja inspeção tem confiado ao Presidente do Real Erário[2], ministro e secretário de Estado dos Negócios da Fazenda, e querendo tão bem para adiantamento da Botânica, que se publique uma Flora completa, e geral do Brasil, e de todos os vastos domínios de S.A.R. ... para estes fins ordena a V.Sª que usando de alguns herborista ou jardineiro perito proceda a formar uma coleção de sementes de todas as plantas que vegetam nessa Capitania, as quais V. Sª irá remetendo por todas as vias que se lhe oferecerem sucessivamente conservadas em papel dentro de areia, advertindo que cada papel deve trazer o respectivo nome que às plantas se dá no país, exceto quando ele não constar, e nesta generalidade hão de ser compreendidas não só as sementes das plantas que se extraírem das terras cultivadas, mas também as dos bosques, e das partes totalmente incultas; o que participo a V. Sª para assim o executar, dando mensal, e anualmente conta do resultado desta diligência. Estas sementes de plantas secas deverão ser dirigidas ao Diretor do Jardim Botânico da Ajuda[3] com o seu catálogo, e uma duplicata do catálogo será dirigida sempre pelo Presidente do Real Erário, para ser presente a S.A.R. Deus guarde a V. Sª. Mafra em 12 de novembro de 1801.//D. Rodrigo de Souza Coutinho[4]// Snr. Vice-Rei e Capitão General de Mar e Terra do Estado do Brasil[5].”
[1] JOÃO VI, D. (1767-1826): segundo filho de d. Maria I e d. Pedro III, se tornou herdeiro da Coroa com a morte do seu irmão primogênito, d. José, em 1788. Em 1785, casou-se com a infanta Dona Carlota Joaquina, filha do herdeiro do trono espanhol, Carlos IV que, na época, tinha apenas dez anos de idade. Tiveram nove filhos, entre eles d. Pedro, futuro imperador do Brasil. Assumiu a regência do Reino em 1792, no impedimento da mãe que foi considerada incapaz. Um dos últimos representantes do absolutismo, d. João VI viveu num período tumultuado. Foi sob o governo do então príncipe regente que Portugal enfrentou sérios problemas com a França de Napoleão Bonaparte, sendo invadido pelos exércitos franceses em 1807. Como decorrência dessa invasão, a família real e a Corte lisboeta partiram para o Brasil em novembro daquele ano, aportando em Salvador em janeiro de 1808. Dentre as medidas tomadas por d. João em relação ao Brasil estão a abertura dos portos às nações amigas; liberação para criação de manufaturas; criação do Banco do Brasil; fundação da Real Biblioteca; criação de escolas e academias e uma série de outros estabelecimentos dedicados ao ensino e à pesquisa, representando um importante fomento para o cenário cultural e social brasileiro. Em 1816, com a morte de d. Maria I, tornou-se d. João VI, rei de Portugal, Brasil e Algarves. Em 1821, retornou com a Corte para Portugal, deixando seu filho d. Pedro como regente.
[2] REAL ERÁRIO: instituição fiscal criada em Portugal, no reinado de d. José I, pelo alvará de 22 de dezembro de 1761, para substituir a Casa dos Contos. Foi o órgão responsável pela administração das finanças e cobrança dos tributos em Portugal e nos domínios ultramarinos. Sua fundação simbolizou o processo de centralização, ocorrido em Portugal sob a égide do marquês de Pombal, que presidiu a instituição como inspetor-geral desde a sua origem até 1777, com o início do reinado mariano. Desde o início, o Erário concentrou toda a arrecadação, anteriormente pulverizada em outras instâncias, padronizando os procedimentos relativos à atividade e serviu, em última instância, para diminuir os poderes do antigo Conselho Ultramarino. Este processo de centralização administrativa integrava a política modernizadora do ministro, cujo objetivo central era a recuperação da economia portuguesa e a reafirmação do Estado como entidade política autônoma, inclusive em relação à Igreja. No âmbito fiscal, a racionalização dos procedimentos incluiu também novos métodos de contabilidade, permitindo um controle mais rápido e eficaz das despesas e da receita. O órgão era dirigido por um presidente, que também atuava como inspetor-geral, e compunha-se de um tesoureiro mor, três tesoureiros-gerais, um escrivão e os contadores responsáveis por uma das quatro contadorias: a da Corte e da província da Estremadura; das demais províncias e Ilhas da Madeira; da África Ocidental, do Estado do Maranhão e o território sob jurisdição da Relação da Bahia e a última contadoria que compreendia a área do Rio de Janeiro, a África Oriental e Ásia. Por ordem de d. José I, em carta datada de 18 de março de 1767, o Erário Régio foi instalado no Rio de Janeiro com o envio de funcionários instruídos para implantar o novo método fiscal na administração e arrecadação da Real Fazenda. Ao longo da segunda metade do século XVIII, seriam instaladas também Juntas de Fazenda na colônia, subordinadas ao Erário e responsáveis pela arrecadação nas capitanias. A invasão napoleônica desarticulou a sede do Erário Régio em Lisboa. Portanto, com a transferência da Corte para o Brasil, o príncipe regente, pelo alvará de 28 de junho de 1808, deu regulamento próprio ao Erário Régio no Brasil, contemplando as peculiaridades de sua nova sede. Em 1820, as duas contadorias com funções ultramarinas foram fundidas numa só: a Contadoria Geral do Rio de Janeiro e da Bahia. A nova sede do Tesouro Real funcionou no Rio de Janeiro até o retorno de d. João VI para Portugal, em 1821.
[3] REAL MUSEU E JARDIM BOTÂNICO DO SÍTIO DE NOSSA SENHORA DA AJUDA: considerado o primeiro jardim botânico de Portugal, o Jardim Botânico da Ajuda foi fundado em 1768, parte da política pombalina de fomento às instituições de caráter científico no reino. Construído em uma quinta comprada por d. José I ao conde da Ponte, junto ao Paço d’Ajuda, e sob direção do naturalista, botânico e químico italiano Domingos Vandelli (que foi seu primeiro diretor entre 1791 e 1811), o Real Museu e Jardim Botânico d’Ajuda tinha, como fim primeiro, auxiliar na educação dos jovens príncipes, bem como servir para seu divertimento. Era composto de três anexos: o Museu de História Natural, que recolheu espécies dos chamados “três reinos da natureza” frutos de expedições científicas e filosóficas [viagens e expedições filosóficas], tais como a de Alexandre Rodrigues Ferreira, ao Brasil e depois em outras colônias portuguesas, como Angola, Goa, Moçambique, Cabo Verde; o Laboratório de Química (que mais tarde passou a ser de Física também); e a Casa do Risco, para o ensino de desenho e artes. Recebeu plantas e sementes de praticamente todos os continentes (aproximadamente cinco mil exemplares no início), mas no final da gestão de Vandelli, o jardim havia decaído consideravelmente (a coleção baixou para cerca de mil e duzentas espécies vegetais), pois privilegiou-se as obras de melhoramento e estrutura em detrimento ao cuidado com as espécies. Em 1811, começou um período próspero, sob a direção de Félix de Avelar Brotero, discípulo de Vandelli, renomado botânico, que fez reviver o jardim, com a construção de estufas e o cultivo de plantas exóticas, vindas, sobretudo, do Brasil e de colônias portuguesas na África.
[4] COUTINHO, RODRIGO DE SOUZA (1755-1812): afilhado do marquês de Pombal, este estadista português exerceu diversos cargos da administração do Império luso, como o de embaixador em Turim, ministro da Marinha e Domínios Ultramarinos (1796-1801) e presidente do Real Erário (1801-3). Veio para o Brasil em 1808, quando foi nomeado secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros e da Guerra, permanecendo no posto até 1812, quando faleceu no Rio de Janeiro. D. Rodrigo foi aluno do Colégio dos Nobres e da Universidade de Coimbra, tendo viajado pela Europa e mantido contato com iluministas como o filósofo e matemático francês Jean Le Rond d’Alembert, um dos organizadores da Encyclopédie. Considerado um homem das Luzes, destacou-se por suas medidas visando a modernização e o desenvolvimento do reino. D. Rodrigo aproximou-se da geração de 1790, vista como antecipadora do processo de Independência, e foi o principal idealizador do império luso-brasileiro, no qual a centralidade caberia ao Brasil. Sob o seu ministério, o Brasil adquiriu novos contornos com a anexação da Guiana Francesa (1809) e da Banda Oriental do Uruguai (1811). Preocupado com o desenvolvimento econômico e cultural, bem como com a defesa do território, Souza Coutinho foi um partidário da influência inglesa no Brasil, patrocinando a assinatura dos chamados “tratados desiguais” de que é exemplo o Tratado de Aliança e Comércio com a Inglaterra [ver Tratados de 1810]. Responsável pela criação da Real Academia Militar (1810), foi ainda inspetor-geral do Gabinete de História Natural e do Jardim Botânico da Ajuda; inspetor da Biblioteca Pública de Lisboa e da Junta Econômica, Administrativa e Literária da Impressão Régia; conselheiro de Estado; Grã-Cruz das Ordens de Avis e da Torre e Espada. Em 1808, o estadista recebeu o título nobiliárquico de conde de Linhares.
[5] CASTRO, D. FERNANDO JOSÉ DE PORTUGAL E (1752-1817): 1o conde de Aguiar e 2o marquês de Aguiar, era filho de José Miguel João de Portugal e Castro, 3º marquês de Valença, e de Luísa de Lorena. Formado em Direito pela Universidade de Coimbra, ocupou vários postos na administração portuguesa no decorrer de sua carreira. Governador da Bahia, entre os anos de 1788 a 1801, passou a vice-rei do Estado do Brasil, cargo que exerceu até 1806. Logo em seguida, regressou a Portugal e tornou-se presidente do Conselho Ultramarino, até a transferência da corte para o Rio de Janeiro. A experiência adquirida na administração colonial valeu-lhe a nomeação, em 1808, para a Secretaria de Estado dos Negócios do Brasil, pasta em que permaneceu até falecer. Durante esse período, ainda acumulou as funções de presidente do Real Erário e de secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros e da Guerra. Foi agraciado com o título de conde e marquês de Aguiar e se casou com sua sobrinha Maria Francisca de Portugal e Castro, dama de d. Maria I. Dentre suas atividades intelectuais, destaca-se a tradução para o português do livro Ensaio sobre a crítica, de Alexander Pope, publicado pela Imprensa Régia, em 1810.
Sugestões de uso em sala de aula:
Utilização(ões) possível(is):
- No eixo temático sobre a “História das Relações Sociais da Cultura e do Trabalho”
- No sub-tema “as relações sociais, a natureza e a terra”
- Ao trabalhar o tema transversal “Meio Ambiente”Ao tratar dos seguintes conteúdos:
- Brasil colonial: riquezas naturais
- A economia colonial
- A sociedade colonial: culturas naturais
- Viagens científicasBenefícios do Horto do Pará
Carta de d. Rodrigo de Souza Coutinho para d. Francisco de Souza Coutinho, governador da capitania do Pará. Entre os diversos assuntos abordados, explicita a necessidade da manutenção dos investimentos científicos no Horto do Pará. O documento expressa a importância das espécies vegetais tropicais, consideradas “preciosas” para as ciências, em particular para a medicina.
Conjunto documental: Capitania do Pará, Minas Gerais e Colônia do Sacramento
Notação: Caixa 747, pct.1
Datas-limite: 1764-1815
Título do fundo ou coleção: Vice-Reinado
Código do fundo: D9
Argumento de pesquisa: Jardim Botânico
Data do documento: 31 de julho de 1799
Local: Palácio de Queluz (Lisboa)
Folha(s): -
“Para Dom Francisco de Souza Coutinho[1]
Tendo levado à Real Presença do Príncipe Regente[2] Nosso Senhor as cartas, que V. Sª me dirigiu ultimamente ... e principiando a comunicar a V. Sª as Reais Ordens, que tenho recebido a respeitos dos diferentes objetos de que elas tratam, se me oferece dizer-lhe, que foram muito agradáveis a S. A. Real todas as informações que V. Sª dá no ofício nº 343, seja sobre a árvore, em cuja casca se supõe virtudes análogas à Quina[3], seja sobre a árvore, cuja casca, madeira e folhas oferecem um grande remédio para a hidropisia[4], seja sobre a carne em pó e a geleia, para suprirem tabletas de caldo; e o mesmo Augusto Senhor, fica esperando pelas remessas das árvores, que têm a virtude da Quina e o remédio contra a hidropisia, para se mandarem fazer as convenientes experiências nos hospitais, e se avaliar a utilidade de que podem ser a humanidade .... Pelo ofício nº 348 e mapa que o acompanha, fica S. A. Real ciente do estado do Jardim Botânico nessa Cidade[5]; e o mesmo Augusto Senhor manda louvar muito V. S° pelos esforços, com que tem criado e aumentado o mesmo Jardim, de que para o futuro se hão de seguir os melhores efeitos, os quais ainda que ao princípio sejam vagarosos, com o tempo e com o efeito lento mas necessário da razão, hão de fazer-se úteis e palpáveis; e para este fim ordena S. A. Real, que V. Sª deixe disposto o modo, por que se hão de ir sempre aumentando particularmente as espécies preciosas, quais árvore a Pão[6], Caneleiras[7], pimenteiras[8], cravo-da-índia[9], árvores de café[10], árvores de construção; e como desse viveiro se hão de ir distribuindo para as outras Capitanias, V. Sª de oferecê-las aos seus respectivos governadores, logo que as tenha em maior abundância .... Deus guarde a V. Sª. Palácio de Queluz[11] em 31 de ju
[1]COUTINHO, FRANCISCO MAURÍCIO DE SOUZA (1730-1786): irmão de Rodrigo de Sousa Coutinho, ministro e secretário de Estado da Marinha e Domínios Ultramarinos de d. João VI, foi governador da província do Grão-Pará, entre os anos de 1790 e 1803. Foi cavaleiro da Ordem de Malta e almirante da Armada Real. Durante o seu governo, promoveu a urbanização da cidade de Belém, o estabelecimento do Jardim Botânico do Pará, o cultivo de novas culturas agrícolas como o tabaco, cânhamo e arroz, além da introdução de novas técnicas de cultivo.
[2] JOÃO VI, D. (1767-1826): segundo filho de d. Maria I e d. Pedro III, se tornou herdeiro da Coroa com a morte do seu irmão primogênito, d. José, em 1788. Em 1785, casou-se com a infanta Dona Carlota Joaquina, filha do herdeiro do trono espanhol, Carlos IV que, na época, tinha apenas dez anos de idade. Tiveram nove filhos, entre eles d. Pedro, futuro imperador do Brasil. Assumiu a regência do Reino em 1792, no impedimento da mãe que foi considerada incapaz. Um dos últimos representantes do absolutismo, d. João VI viveu num período tumultuado. Foi sob o governo do então príncipe regente que Portugal enfrentou sérios problemas com a França de Napoleão Bonaparte, sendo invadido pelos exércitos franceses em 1807. Como decorrência dessa invasão, a família real e a Corte lisboeta partiram para o Brasil em novembro daquele ano, aportando em Salvador em janeiro de 1808. Dentre as medidas tomadas por d. João em relação ao Brasil estão a abertura dos portos às nações amigas; liberação para criação de manufaturas; criação do Banco do Brasil; fundação da Real Biblioteca; criação de escolas e academias e uma série de outros estabelecimentos dedicados ao ensino e à pesquisa, representando um importante fomento para o cenário cultural e social brasileiro. Em 1816, com a morte de d. Maria I, tornou-se d. João VI, rei de Portugal, Brasil e Algarves. Em 1821, retornou com a Corte para Portugal, deixando seu filho d. Pedro como regente.
[3] QUINA: o quinino foi o remédio primordial no tratamento das febres, do paludismo e da malária, tendo sua virtude febrífuga testada nos hospitais Real e da Misericórdia, vindo a compor a Farmacopeia Geral do Reino, de 1794. As quineiras ou quinquinas são de origem sul-americana, do gênero Cinchona, da família das Rubiáceas (José Mendes Ferrão. A aventura das plantas e os descobrimentos portugueses. Lisboa, IICT, 2005), foram descobertas entre os séculos XVI e XVII, durante a conquista do império Inca pelos espanhóis, na região onde hoje se encontra o Peru, mas só se difundiram na América portuguesa posteriormente. O quinino utilizado era extraído da casca de determinadas espécies de quineiras, nativas do Peru. Entre seus nomes populares consta o “pó de jesuítas”, creditando-se a esses religiosos o envio da planta para as sociedades de dominação lusa, entre 1630 e 1640. Classificada pelo naturalista sueco Carl von Linné em 1742, com a criação do gênero Cinchona, que reunia algumas espécies com características terapêuticas similares, a quina foi um dos produtos naturais mais procurados na época moderna. Em 1820 os químicos franceses Pierre Joseph Pelletier e Joseph Caventou isolaram a quinina pela primeira vez das cascas da árvore e a identificaram como um alcaloide. A exploração da quina foi uma atividade bastante lucrativa, exportada principalmente da América hispânica para a Europa. A aclimatação da quina em Java, promovida pelos holandeses na busca da quebra do monopólio causou o declínio das exportações sul-americanas. Na América portuguesa, a partir de meados do século XVIII, se intensifica o interesse pelas quineiras, com buscas pela planta em meio à mata. Frei Mariano Veloso publicou, pela tipografia do Arco do Cego, a Quinografia portuguesa ou coleção de várias memórias sobre vinte e duas espécies de quinas, tendentes aos seus descobrimentos nos vastos territórios do Brasil (1799), no qual além de descrever as propriedades medicinais da Cinchona, copiou desenhos e descrições de diferentes espécies de quina, ocupando-se também das falsas quinas, no intuito de facilitar a procura da planta no Brasil. Em 1811 a Academia Real das Ciências de Lisboa formou uma comissão para estudar a quina do Rio de Janeiro. Participaram dessa comissão, entre outros, o médico Bernardino Antônio Gomes e o mineralogista e botânico José Bonifácio de Andrada e Silva. As investigações resultaram em relatórios e memórias, como a Experiências Químicas sobre a quina do Rio de Janeiro comparada com outras”, de 1814. A quina que chegava do Brasil era encaminhada ao presidente do Real Erário, d. Rodrigo de Souza Coutinho, para ser estudada no Real Laboratório Químico da Casa da Moeda de Lisboa, dirigido por José Bonifácio.
[4] HIDROPISIA: acumulação de soro sangüíneo em alguma cavidade do corpo ou no tecido celular. É algo semelhante a um edema.
[5] JARDIM BOTÂNICO DO PARÁ: criado por carta régia de d. Maria I, em 4 de novembro de 1796, o Jardim Botânico de Belém do Pará foi instalado em terras doadas à fazenda real por Hilário de Souza, junto ao terreno do extinto convento de São José, numa área de 50 braças em quadro, alguns anos mais tarde expandida. Além dos objetivos determinados no documento de criação para estabelecimento de viveiros e educação de plantas, d. Francisco de Souza Coutinho, governador do Grão-Pará (1790-1803), considerou introduzir também o cultivo de plantas indígenas e de mudas de espécies de “árvores de construção”. A concepção do complexo do Jardim Botânico do Pará, incluindo o Jardim das Caneleiras e o assentamento de colonos em torno do jardim, teve inspiração no jardim La Gabrielle (1778), situado em Caiena, na Guiana Francesa, de onde várias espécies foram transplantadas para aclimatação, a exemplo de pés de abricó, frutas pão, abacateiro, cravos da Índia, jacas, jasmins e maracujás. Além das mudas provenientes da colônia francesa, cujo primeiro envio data do final de 1809, atuaram na fundação e primeiros anos do Jardim do Pará Michel du Grenouillier e Jacques Sahut, que vieram de Caiena. Contudo, a consolidação do jardim paraense se deu com a atuação de Marcelino José Cordeiro, que havia sido um dos auxiliares do governador do Rio Negro, Manuel da Gama Lobo d’Almada e administrador da Serraria Real do rio Acará. A importância do Jardim Botânico do Pará pode ser medida pela influência que exerceu na criação de hortos pelo Brasil, principalmente com a vinda da família real. Esse jardim recebeu, entre 1817 e 1820, a visita dos naturalistas Spix e Martius. Entre 1818 e 1821 o jardim botânico foi dirigido pelo médico e naturalista Antônio Corrêa de Lacerda que realizou experimentos agrícolas, renovou a plantação de caneleiras e a produção de canela e iniciou a catalogação e a classificação botânica das espécies cultivadas que deu origem à Flora Paraensis. A partir da década de 1820, teve início um período de degradação do complexo do jardim botânico, acentuado com as batalhas da Cabanagem. De acordo com o pesquisador Nelson Sanjad, esse período “demarca não só a falência do complexo comercial-científico de Belém, como também o fim de uma política de investimentos na cidade que vinha se mantendo desde meados do século XVIII (...)” (Nos Jardins de São José: uma história do Jardim Botânico do Grão Pará, 1796-1873. Dissertação, Unicamp, 2001. p. 153). Em relatório do ano de 1879, o presidente da Província do Pará, José Coelho da Gama e Abreu admite o fim do Jardim Botânico de Belém do Pará face ao seu estado de destruição.
[6] ÁRVORE DE PÃO: originária da região Indo Malásia, principalmente das ilhas de Java e Sumatra, a fruta-pão (Artocarpus altilis) é cultivada em muitas regiões do mundo. No Brasil teria sido introduzida por d. Francisco de Souza Coutinho, governador da capitania do Pará. Segundo Batista Benito Gabriel Calzavara, (Fruticultura tropical: a fruta-pão. Belém, EMBRAPA-CPATU, 1987), elas teriam vindo de Caiena em 1801. Nos anos seguintes, d. Rodrigo de Souza Coutinho, ministro da Marinha e Domínios Ultramarinos, recomendaria a sua inclusão no futuro jardim botânico da Bahia, devendo-se notar que a fruta-pão, utilizada por muitas culturas como alimento, foi, no século XVIII, revestida de muitas expectativas pelos europeus, que lhe atribuíram a possibilidade de mitigar a fome dos povos.
[7] CANELA DA ÍNDIA: produto proveniente de uma árvore natural do Ceilão, onde se concentrava sua cultura e exploração. A canela (Cinnamomum zeylanicum Breyn) é utilizada em pau ou moída e das folhas extrai-se um óleo essencial utilizado na perfumaria e na fabricação de sabonetes. Foi uma das especiarias mais procuradas na Europa moderna, trazendo grandes lucros para seus comerciantes e passando por sucessivos monopólios do século XVI ao XVIII. Primeiramente, os portugueses ocuparam o Ceilão, estabelecendo um comércio em sistema de exclusivo. Em 1656, os holandeses, com a Companhia das Índias Orientais, e mais tarde, em 1796, os ingleses lucraram com a exploração dessa especiaria. No período colonial, o plantio foi por muito tempo proibido no Brasil, para não concorrer com o Oriente. Chegou a esta colônia pela mão dos padres jesuítas. A canela é empregada na culinária e faz parte da cozinha luso-brasileira. A ela atribuem-se também propriedades medicinais. Algumas espécies brasileiras fornecem madeira de lei.
[8] PIMENTA: nome comum dado aos frutos ou condimentos extraídos de uma gama de plantas que tem sabor geralmente picante. Na Europa medieval, a pimenta, usada como condimento – para realçar o sabor e conservar os alimentos – e para fins medicinais, era um produto raro e caro, vindo do Oriente, e seu comércio era monopolizado por árabes e venezianos. Considerada uma especiaria, a pimenta-do-reino é uma espécie proveniente da Índia e a grande demanda pelo gênero foi fator impulsionador das grandes navegações do século XV. Após a descoberta de uma rota atlântica para o Oriente, em 1498, e a posterior conquista de Calicute, os portugueses alcançaram o controle desse comércio. Quando da chegada dos europeus na América, os índios do continente já cultivavam e empregavam as várias espécies nativas em sua alimentação, que logo seriam levadas para a Europa, ativando o negócio das trocas na primeira metade do século XVI, centrado nas especiarias.
[9] CRAVO-DA-ÍNDIA: também chamado cravinho ou apenas cravo, o Syzigium aromaticum (L.) é uma das especiarias de uso mais antigo, principalmente no Oriente. Botão da flor do craveiro, o cravo, depois de seco, é usado para temperar e aromatizar pratos. É também conhecido por suas propriedades medicinais e de perfumaria, como um poderoso antisséptico (era mascado para refrescar o hálito) e usado para melhorar o odor de ambientes. O cravo-da-índia, juntamente com a pimenta, a canela e a noz moscada, era a especiaria mais consumida na Europa no século XV e uma das mais caras. Originária das ilhas Molucas, na Indonésia, já era bastante conhecida e utilizada na China desde os séculos III-II a.C. Durante a Idade Média entrou na rota dos comerciantes árabes que transportavam produtos orientais para a Europa, passando por Constantinopla. A partir do século VIII, o comércio e uso do cravo se intensificaram no Mediterrâneo a preços muito altos. Esse comércio lucrativo acabou também por impulsionar que os europeus, sobretudo os portugueses, se lançassem aos mares em busca de rotas que permitissem buscar o cravo diretamente das “índias” e monopolizar sua venda na Europa. Em 1511, os portugueses chegaram às Molucas e verificaram nas ilhas quantidade de cravo suficiente para abastecer o Reino e ainda vender o que excedesse. Até chegar ao mercado europeu, a mercadoria percorria um longo caminho: era, primeiramente, escoada para Malaca, depois Goa, só então seguindo para o Mediterrâneo. Tal trajeto encarecia o preço da especiaria e logo essa atividade tão lucrativa despertaria o interesse dos holandeses que chegaram às ilhas produtoras no início do XVII e conseguiram expulsar os portugueses, passando a controlar o comércio do cravo. O monopólio da produção restringiu-se ao Oriente e às ilhas até meados do Setecentos, quando o cravo começou a ser plantado com sucesso em regiões da África e das Américas. As primeiras mudas levadas para Caiena datam de 1773, e os registros oficiais apontam que chegaram ao Brasil, na Amazônia, em finais do XVIII. No entanto, a produção em larga escala só foi registrada no Oitocentos. Mapas comerciais e balanços do Estado do Grão-Pará e Maranhão apontam que já havia produção de cravo na região, que figurava entre as drogas do sertão, e que o produto já era exportado para Portugal em fins dos anos 1760.
[10] CAFÉ: planta de origem etíope da família das rubiáceas, começou a ser utilizada como bebida na Arábia. A expansão do consumo pela Europa deu-se entre os séculos XVII e XVIII, por suas qualidades estimulantes. Consta que sua introdução no Brasil, em 1727, foi feita pelo oficial português Francisco de Melo Palheta, que plantou as primeiras mudas no Pará. Ao longo do século XX, o café tornou-se uma bebida popular e seu consumo e produção se expandiram, principalmente a partir de 1865, quando passou a ser comercializado torrado e empacotado (anteriormente era vendido em grãos). Destacam-se no Brasil duas grandes fases de expansão cafeeira. A primeira, no início do Oitocentos até os anos 1850, teve início nas encostas do morro da Tijuca em plantações caseiras, até a expansão por todo o vale do rio Paraíba do Sul, a leste e oeste, com foco na região da cidade de Vassouras, o maior centro produtor da época. Nestas regiões, o café iniciou seu grande desenvolvimento pela abundância de terras férteis, pelo bom clima e pela mão de obra escrava disponível. Ocupou o lugar das plantações de cana, algodão e alimentos, gerando escassez e carestia dos gêneros de abastecimento, além de ter promovido a derrubada e queimada de grandes extensões da mata atlântica. A segunda fase, que se iniciou a partir de metade do século XIX, após a proibição do tráfico de escravos, foi marcada pela expansão das lavouras para São Paulo, seguindo o vale do Paraíba e avançando pelo oeste paulista, depois de 1870. A grande demanda de mão de obra promoveu um aumento no preço dos cativos e um despovoamento das áreas de produção de açúcar no Nordeste, sobretudo. As lavouras do café no Rio de Janeiro e de São Paulo gerou significativas divisas, e uma nova, poderosa e politicamente forte aristocracia rural, a dos “barões do café”. Embora lucrativo, o plantio do café desgastava muito rapidamente o solo, razão para a constante movimentação nas áreas de cultivo e declínio da produção na região fluminense. Outro problema era a carência do uso de novas técnicas e instrumentos. A adoção de ferramentas como o arado e de máquinas a vapor para o beneficiamento, e mesmo de procedimentos simples como o enfileiramento dos pés, só foram adotados a partir dos anos 1870. Essa era uma das razões para o café brasileiro ser considerado de qualidade inferior, se comparado ao de outros países, o que não impediu, no entanto, que, ao longo do período imperial, o Brasil fosse o responsável por 50% da produção mundial, número que aumentou para 75% nas primeiras décadas da República.
[11] QUELUZ: cidade portuguesa, parte do concelho de Sintra, área metropolitana de Lisboa, no centro-sul do território do país. A cidade tornou-se célebre em função da construção do Palácio de Queluz, em 1747, como residência de verão da família real portuguesa. Anteriormente havia sido o pavilhão de caça da propriedade dos marqueses de Castela Rodrigo, que foi confiscada pela Coroa portuguesa durante a Restauração. O palácio, em estilo rococó, foi mandado construir pelo infante d. Pedro, futuro rei, tio e marido de d. Maria, com todo o luxo e apuro que a monarquia portuguesa podia prover, de forma a promover e indicar a solidez, a ostentação e a distinção da Coroa e de sua realeza. Com a morte do rei em 1786 e do primogênito (d. José) em 1788, a rainha começou a apresentar sinais de loucura e foi recolhida ao Palácio de Queluz. De lá, a partir de 1794, ela e o regente d. João governaram o reino e seus domínios no ultramar, quando o Palácio da Ajuda, principal sede da monarquia, pegou fogo e obrigou a Corte a mudar-se temporariamente para Queluz, onde permaneceu até 1807, quando se transferiu para o Brasil, em fuga das invasões napoleônicas. O “mundo” de Queluz ficou associado ao período em que foi sede do poder político durante o reinado mariano e a regência joanina, de transição da monarquia absoluta para uma governança constitucional e mais liberal. Esse mundo era caracterizado pela forte presença de uma sociedade de Corte do Antigo Regime, espelhada na Corte francesa de Versalhes (o palácio português era tido como uma versão modesta do exemplar francês), em um momento de reação às políticas reformistas pombalinas, de centralização estatal e de sacralização da figura do monarca, de intrigas palacianas e disputas entre os ministros e a alta realeza, que se sentia diminuída frente aos mandos e privilégios dos secretários de Estado. Antes de se tornar sede do poder político, Queluz era palco de grandes festas de São Pedro e São João, com missas, corridas de touros, concertos musicais e óperas, até a perda do herdeiro real, quando se manteve somente a celebração, bem mais modesta, do aniversário da rainha. Em 1807 deixou de ser a sede do governo e a partir de 1826 não mais foi usado pela monarquia para funções políticas. Foi no palácio que d. Pedro I, imperador do Brasil (Pedro IV de Portugal) nasceu e morreu, em 1834. Um século depois (1934) passou por um incêndio que destruiu todo o interior, mas foi completamente restaurado e atualmente é um importante ponto de visitação turística, além de servir hospedagem para chefes de Estado em visitas oficiais a Portugal.
Sugestões de uso em sala de aula:
Utilização(ões) possível(is):
- No eixo temático sobre a “História das relações sociais da cultura e do trabalho”
- No sub-tema “as relações sociais, a natureza e a terra”
- Ao trabalhar o tema transversal “Meio ambiente”Ao tratar dos seguintes conteúdos:
- Brasil colonial: riquezas naturais
- A economia colonial
- A sociedade colonial: culturas naturais
- Viagens científicasErvas nacionais
Carta do conde de Resende, d. José Luiz de Castro a Luiz Pinto de Souza, onde propõe o estabelecimento de um Jardim Botânico no Rio de Janeiro. A proposta tem por objetivo estimular a agricultura e o comércio com o fim de aumentar o patrimônio Real, de modo que corresponda às despesas que a coroa absorve para a conservação e defesa de seus domínios. Consta ainda a indicação feita pelo conde de Resende para que o médico Manoel Joaquim de Souza Ferraz, correspondente da Academia Real de Ciências de Lisboa e de Montpellier, seja aprovado para estabelecer a construção desse Jardim Botânico, uma vez que era necessário o envio de profissionais experientes para explorar as riquezas naturais desta capitania. A argumentação expressa no documento representa uma valorização do estabelecimento desse gênero de instituições científicas na colônia.
Conjunto documental: Registro da correspondência do vice reinado para a Corte.
Notação: Códice 69, vol. 5
Datas-limite: 1790-1795
Título do fundo ou coleção: Secretaria de Estado do Brasil
Código do fundo: 86
Argumento de pesquisa: Jardim botânico
Data do documento: 11 de dezembro de 1795
Local: Rio de Janeiro
Folhas: 260 a 262“Ilustríssimo e Excelentíssimo Senhor. Procurando eu por todos os meios possíveis e proporcionados as forças deste Governo sujeitas a minha disposição promover os diferentes ramos de Agricultura e Comércio assim para despertar e animar a frouxidão destes povos lisonjeando a sua ambição com a esperança dos avultados lucros do seu trabalho, que ao mesmo tempo os preserva da corrupção dos costumes que é consequência infalível das ociosidades; como principalmente para fomentar o aumento do Patrimônio Real, afim de se tirarem deste rico e vastíssimo continente interesses correspondentes às prodigiosas despesas que S. Magestade[1] é obrigada a fazer para a conservação e defesa destes seus Domínios; tenho há muito tempo conhecido a grande vantagem que deverá resultar do descobrimento, cultura e comércio dos infinitos óleos, bálsamos, gomas e vegetais de que abunda este país, como é notório pela notícia dos habitantes, e uso que fazem as pessoas curiosas e experimentadas no curativo de todo o gênero de moléstias já nos sertões e nos diferentes Distritos desta cidade[2], e já nos lugares em que se acham alguns professores; e pela narração dos naturalistas[3] e viajantes[4] que descrevem grande parte daquelas drogas e vegetais, e juntamente as suas virtudes e propriedades. Do que se pode coligir com toda a probalidade que não só estas Províncias e todo esse Reino, receberam em considerável proveito da cultura de coisas tão estimáveis e esquisitas na parte que diz respeito aos ganhos provenientes do seu comércio; mas também todos estes povos conseguiram um real e inexplicável benefício do perfeito conhecimento e uso dos mesmos vegetais nas muitas e várias enfermidades assim epidêmicas, como endêmicas que cada vez mais se multiplicam, talvez por se desprezarem as ervas e raízes próprias do país, frescas e cheias de suco para se substituírem outras alienígenas que por velhas e faltas de substância não acreditam a quem as aplica nem aproveitam aos enfermos ou talvez por fazerem misteriosa a sua Arte não tanto os professores de medicina e cirurgia, como principalmente os boticários[5] que terão grandes avanços da importação das drogas pouco vulgares apesar do prejuízo dos povos, e do conhecimento que eles têm da virtude de algumas ervas que desprezam, atribuindo melhor efeito as que mandam vir de fora a fim de não se diminuírem os seus interesses.
Negando porém a mesma atenção a esses respeitos e prejuízos, tenho aplicado todo o esforço preciso para que em uma horta chamada do Colégio, que é de S.M. e está contigua ao Hospital Militar [6]se cuide na plantação de muitas ervas para uso da Botica do mesmo hospital, as quais tem-se descoberto serem conhecidamente profícuas, e ao mesmo tempo concorrerem para a diminuição da despesa que a Fazenda Real[7] é obrigada a fazer na compra de outras ervas, e raízes estrangeiras.
... E porque o que se tem descoberto nesta matéria, mais se deve ao acaso, e às tradições ou notícias comunicadas pelos índios, do que as regulares diligências de naturalistas, e homens peritos, que se tenham encarregado de indagação tão útil a humanidade, fica-me lugar de concluir que destinando-se uma ou mais pessoas dotadas de gênio, estudo, e experiência para discorrerem pelos Distritos desta Capitania não só descobrirão maior número de vegetais, e ainda minerais além dos conhecidos, mas também autenticando as singularidades e efeitos daqueles, de que se tem notícia farão desaparecer a razão que alegam os professores e boticários de não usarem desses inventos antes de se manifestar a sua analogia como os outros remédios, que comumente se aplicam.
Quando premeditava em propor a V. Excelência a execução deste projeto que julgo não ser indiferente pelas razões que tenho exposto, casualmente chegou a esta cidade Manoel Joaquim de Souza Ferrás, Doutor em Medicina e correspondente do Número da Academia Real das Ciências de Lisboa[8] e de Montpellier, munido de documentos que atestam da sua habilidade ... O Plano que propõem o sobredito médico, e que eu tenho a honra de enviar a V. Excelência, consta de três artigos todos de fácil execução, e de insignificante despesa em comparação das vantagens que se prometem pois ainda a respeito do Jardim Botânico[9] que se deve estabelecer, pode destinar-se para esse ministério a horta acima referida, sem outro despendio que de uma casa para aula de botânica.
Eu fico também esperançado na aprovação de S. M. por não deixar de anuir as representações de V. Excelência em objeto de tanta ponderação que entro a conceber um particular gosto de ter procurado o estabelecimento de uma Arte e de um Comércio útil a todo o Reino e a estes povos (...) Deus Guarde a V. Excelência. Rio 11 de dezembro de 1795. Conde de Rezende[10]. Senhor Luiz Pinto de Souza[11].”
[1]JOÃO VI, D. (1767-1826): segundo filho de d. Maria I e d. Pedro III, se tornou herdeiro da Coroa com a morte do seu irmão primogênito, d. José, em 1788. Em 1785, casou-se com a infanta Dona Carlota Joaquina, filha do herdeiro do trono espanhol, Carlos IV que, na época, tinha apenas dez anos de idade. Tiveram nove filhos, entre eles d. Pedro, futuro imperador do Brasil. Assumiu a regência do Reino em 1792, no impedimento da mãe que foi considerada incapaz. Um dos últimos representantes do absolutismo, d. João VI viveu num período tumultuado. Foi sob o governo do então príncipe regente que Portugal enfrentou sérios problemas com a França de Napoleão Bonaparte, sendo invadido pelos exércitos franceses em 1807. Como decorrência dessa invasão, a família real e a Corte lisboeta partiram para o Brasil em novembro daquele ano, aportando em Salvador em janeiro de 1808. Dentre as medidas tomadas por d. João em relação ao Brasil estão a abertura dos portos às nações amigas; liberação para criação de manufaturas; criação do Banco do Brasil; fundação da Real Biblioteca; criação de escolas e academias e uma série de outros estabelecimentos dedicados ao ensino e à pesquisa, representando um importante fomento para o cenário cultural e social brasileiro. Em 1816, com a morte de d. Maria I, tornou-se d. João VI, rei de Portugal, Brasil e Algarves. Em 1821, retornou com a Corte para Portugal, deixando seu filho d. Pedro como regente.
[2] RIO DE JANEIRO: a cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro foi fundada tendo como marco de referência uma invasão francesa. Em 1555, a expedição do militar Nicolau Durand de Villegaignon conquista o local onde seria a cidade e cria a França Antártica. Os franceses, aliados aos índios tamoios confederados com outras tribos, foram expulsos em 1567 por Mem de Sá, cujas tropas foram comandadas por seu sobrinho Estácio de Sá, com o apoio dos índios termiminós, liderados por Arariboia. Foi Estácio que estabeleceu “oficialmente” a cidade e iniciou, de fato, a colonização portuguesa na região. O primeiro núcleo de ocupação foi o morro do Castelo, onde foram erguidos o Forte de São Sebastião, a Casa da Câmara e do governador, a cadeia, a primeira matriz e o colégio jesuíta. Ainda no século XVI, o povoamento se intensifica e, no governo de Salvador Correia de Sá, verifica-se um aumento da população no núcleo urbano, das lavouras de cana e dos engenhos de açúcar no entorno. No século seguinte, o açúcar se expande pelas baixadas que cercam a cidade, que cresce aos pés dos morros, ainda limitada por brejos e charcos. O comércio começa a crescer, sobretudo o de escravos africanos, nos trapiches instalados nos portos. O ouro que se descobre nas Minas Gerais do século XVIII representa um grande impulso ao crescimento da cidade. Seu porto ganha em volume de negócios e torna-se uma das principais entradas para o tráfico atlântico de escravos e o grande elo entre Portugal e o sertão, transportando gêneros e pessoas para as minas e ouro para a metrópole. É também neste século, que a cidade vive duas invasões de franceses, entre elas a do célebre Duguay Trouin, que arrasa a cidade e os moradores. Desde sua fundação, esta cidade e a capitania como um todo desempenharam papel central na defesa de toda a região sul da América portuguesa, fato demonstrado pela designação do governador do Rio de Janeiro Salvador de Sá como capitão-general das capitanias do Sul (mais vulneráveis por sua proximidade com as colônias espanholas), e pela transferência da sede do vice-reinado, em Salvador até 1763, para o Rio de Janeiro quando a parte sul da colônia tornou-se centro de produção aurífera e, portanto, dos interesses metropolitanos. Ao longo do setecentos, começam os trabalhos de melhoria urbana, principalmente no aumento da captação de água nos rios e construção de fontes e chafarizes para abastecimento da população. Um dos governos mais significativos deste século foi o de Gomes Freire de Andrada, que edificou conventos, chafarizes, e reformou o aqueduto da Carioca, entre outras obras importantes. Com a transferência da capital, a cidade cresce, se fortifica, abre ruas e tenta mudar de costumes. Um dos responsáveis por essas mudanças foi o marquês do Lavradio, cujo governo deu grande impulso às melhorias urbanas, voltando suas atenções para posturas de aumento da higiene e da salubridade, aterrando pântanos, calçando ruas, construindo matadouros, iluminando praças e logradouros, construindo o aqueduto com vistas a resolver o problema do abastecimento de água na cidade. Lavradio, cuja administração se dá no bojo do reformismo ilustrado português (assim como de seu sucessor Luís de Vasconcelos e Souza), ainda criou a Academia Científica do Rio de Janeiro. Foi também ele quem erigiu o mercado do Valongo e transferiu para lá o comércio de escravos africanos que se dava nas ruas da cidade. Importantíssimo negócio foi o tráfico de escravos trazidos em navios negreiros e vendidos aos fazendeiros e comerciantes, tornando-se um dos principais portos negreiros e de comércio do país. O comércio marítimo entre o Rio de Janeiro, Lisboa e os portos africanos de Guiné, Angola e Moçambique constituía a principal fonte de lucro da capitania. A cidade deu um novo salto de evolução urbana com a instalação, em 1808, da sede do Império português. A partir de então, o Rio de Janeiro passa por um processo de modernização, pautado por critérios urbanísticos europeus que incluíam novas posturas urbanas, alterações nos padrões de sociabilidade, seguindo o que se concebia como um esforço de civilização. Assume definitivamente o papel de cabeça do Império, posição que sustentou para além do retorno da Corte, como capital do Império do Brasil, já independente.
[3] NATURALISTAS: bacharéis em Filosofia Natural, formados pela Universidade de Coimbra, ou ainda magistrados, matemáticos e/ou médicos que cursavam a cadeira de História Natural, os naturalistas estavam habilitados para o recolhimento e preparação dos produtos naturais e para observações zoológicas, botânicas e mineralógicas. Dedicavam-se, portanto, à investigação da natureza. Também se encontram religiosos e professores (lentes) de geometria ou filosofia, além de militares e práticos na que eram engajados na coleta, preparação e conservação de plantas, animais, sementes e outros itens entre os chamados “produtos” da História Natural. Como parte de um amplo movimento na história moderna, e reflexo da política lusa de conhecimento dos territórios ultramarinos e investigação dos recursos naturais, a partir de segunda metade do XVIII, são promovidas as viagens científicas e filosóficas comandadas por naturalistas. O perfil ideal do naturalista viajante era o de um indivíduo com uma formação ampla que, além de história natural, conhecesse áreas como geografia, química, física, direito, economia, matemática (em especial trigonometria plana) e desenho. Sendo difícil congregar em uma só pessoa saberes tão diversos, as equipes das viagens científicas, muitas vezes, contavam com indivíduos de formações diferentes. Muitos naturalistas atuavam apenas nos Gabinetes de História Natural europeus, o que também se verificou em Portugal, planejando as viagens e sistematizando o material recebido.
[4] VIAGENS E EXPEDIÇÕES FILOSÓFICAS: A América portuguesa recebeu, ao longo do setecentos, diversas expedições promovidas pela Coroa lusa que, até o último quartel do século, tinham como objetivo a demarcação de limites com a Espanha. Tais expedições, decorrentes de acertos dos tratados de Madri e de Santo Ildefonso, contavam com a presença de astrônomos, geógrafos, matemáticos e engenheiros, que promoveram minuciosa descrição geográfica das regiões fronteiriças. A partir da segunda metade do século XVIII, em compasso com o movimento característico da época moderna, o das viagens de exploração e conhecimento do território a história natural passa a figurar entre as principais preocupações das expedições, ao mesmo tempo em que, se configurava como disciplina na reformada Universidade de Coimbra. Concomitante ao mapeamento do espaço, impunha-se inventariar suas “produções naturais”, conhecer as potencialidades do território, seus recursos naturais e possíveis aplicações na medicina, na alimentação e na indústria, privilegiando, sobretudo, áreas como a botânica, a zoologia e a geografia, além de verificar os terrenos mais propícios a cada cultura. Idealizadas pelo naturalista italiano Domenico Vandelli, professor da Universidade de Coimbra, as chamadas Viagens filosóficas foram expedições enviadas às possessões portuguesas na América e na Ásia, comandadas por seus alunos, a partir da década de 1780. No ano de 1783, os naturalistas Joaquim José da Silva, Manoel Galvão da Silva, João da Silva Feijó e Alexandre Rodrigues Ferreira foram enviados para Angola, Índia e Moçambique, Cabo Verde e Brasil, respectivamente. As equipes contavam ainda com “riscadores” encarregados de desenhar as espécies da flora e fauna, além dos nativos. Cabia aos naturalistas, o recolhimento de espécies dos “reinos vegetal, mineral e animal” dos territórios coloniais que seriam encaminhadas a instituições científicas portuguesas. Uma vez recolhidas as espécies seriam analisadas e classificadas conforme o sistema de Carl Von Lineu. Durante as expedições, os viajantes, como ficaram conhecidos os naturalistas, deviam seguir os procedimentos estabelecidos nas Instruções para viagens, elaboradas pela Universidade de Coimbra ou pela Academia Real das Ciências de Lisboa, que determinavam o método a ser empregado na coleta, acondicionamento, classificação e remessa dos produtos, além de orientar sobre a produção de um diário de viagem. No âmbito da administração lusa, a Secretaria de Estado Dos Negócios da Marinha e Domínios Ultramarinos, na figura do secretário Martinho de Melo e Castro esteve à frente desses empreendimentos. Embora o projeto inicial de Vandelli de produzir uma História Natural das Colônias não tenha sido levado a cabo, as viagens filosóficas produziram farta documentação, entre correspondências, diários, memórias, gravuras e ilustrações, e outras publicações, a respeito da natureza e geografia desses territórios, bem como serviram de fonte de informação sobre o cotidiano, cultura, hábitos e costumes dos povos indígenas no ultramar. A partir de 1808, as viagens científicas no Brasil passaram a ser promovidas também por iniciativa e coordenação de outros países europeus, como França e o Império Austro-Húngaro.
[5]BOTÂNICO: a botânica como campo do conhecimento mereceu os primeiros esforços registrados de sistematização a partir de Teofrasto (371-287 a.C). Discípulo de Aristóteles (384-322 a.C), ele estabeleceu um vocabulário técnico próprio à descrição das diferentes partes das plantas. Por muito tempo o exercício da botânica foi um domínio dos médicos, os únicos que recebiam educação formal nessa matéria e que não iriam, necessariamente, praticar a medicina quando diplomados. É no século XVIII que a botânica passa a se desvincular da farmácia, da produção de medicamentos, interesse primeiro que, desde o Renascimento, regeu também a constituição dos jardins botânicos, de que é exemplo o Jardim Real de Plantas Medicinais, fundado em 1635 na França. Médicos ou naturalistas ocuparam-se do mundo vegetal em atividades de herborização, voltadas para o cultivo e observação das plantas, vivas ou conservadas secas em herbários, tarefa que competia com a construção de um sistema de classificação e de uma nomenclatura que viabilizasse o ordenamento e o inventário da natureza. Esse projeto não se restringiria ao mundo ou reino vegetal, sendo mais amplamente desenvolvido no campo da história natural. Em 1735 a obra Sistema Natural, do médico sueco Carl Von Linné (1707-1778), divide os chamados três reinos da natureza em classe, ordem, gênero e espécie, proposta que, na botânica, estabelece um sistema sexual segundo características dos pistilos e estames, adotados como princípio único a ser obedecido. Na América portuguesa os naturalistas envolvidos com as coleções botânicas e a organização de jardins tinham diferentes formações: entre os práticos foram improvisados muitos militares, enquanto o médico Inácio da Câmara Bittencourt, formado em medicina pela Universidade de Montpellier, foi convidado a criar um jardim botânico na Bahia em 1796. Alexandre Rodrigues Ferreira (1756-1815), egresso do curso de medicina, formado em filosofia natural pela Universidade de Coimbra, liderou a Viagem filosófica pelas capitanias do Grão-Pará, Rio Negro, Mato Grosso e Cuiabá entre 1783 e 1792, e o frei franciscano José Mariano da Conceição Veloso (1742-1811) destacou-se como naturalista na segunda metade do século XVIII, empreendendo a obra Flora Fluminensis, publicada entre 1825 e 1831 e na qual se encontra a descrição, pelo método de Lineu, de quatrocentas novas espécies de plantas da flora local.
[6] HOSPITAL MILITAR DO RIO DE JANEIRO: a inexistência de um hospital próprio para os militares na América portuguesa, levou ao rei de Portugal Pedro II a decretar, através de carta régia de 21 de março de 1702, a criação de um hospital militar no Rio de Janeiro. Mas o funcionamento do Hospital Real Militar e Ultramar só se iniciou na segunda metade do século XVIII, no antigo Colégio dos Jesuítas, no morro do Castelo. Até a sua criação, a responsabilidade dos cuidados com os enfermos militares ficava a cargo, sobretudo, dos hospitais da misericórdia, que recebiam para isso um pagamento da Fazenda Real. No entanto, ao longo dos anos, as santas casas, como eram conhecidos os hospitais da misericórdia estabelecidas nas principais vilas coloniais, tornaram-se insuficientes e passaram a exigir um aumento do subsídio anual pago pelo Estado. Assim, logo após a expulsão dos jesuítas em 1759, foram transferidas, para o então desocupado Colégio dos Jesuítas, enfermarias militares, com o objetivo de centralizar o atendimento a esses pacientes em um único edifício, cuja direção foi entregue ao cirurgião-mor Teotonio dos Santos de Almeida. Com a transferência da corte em 1808, o hospital passou a ser chamado de Hospital Militar da Corte do Rio de Janeiro, e sofreu por diversas mudanças na sua organização, entre as quais pode-se citar a nomeação de um boticário e ajudantes para o preparo de remédios na própria instituição. Anexa ao hospital, foi criada a Botica Real Militar, onde os remédios seriam manipulados. Em 1820, o decreto de regulamentação dos hospitais regimentais levou a descentralização do atendimento exclusivo aos soldados.
[7] REAL ERÁRIO: instituição fiscal criada em Portugal, no reinado de d. José I, pelo alvará de 22 de dezembro de 1761, para substituir a Casa dos Contos. Foi o órgão responsável pela administração das finanças e cobrança dos tributos em Portugal e nos domínios ultramarinos. Sua fundação simbolizou o processo de centralização, ocorrido em Portugal sob a égide do marquês de Pombal, que presidiu a instituição como inspetor-geral desde a sua origem até 1777, com o início do reinado mariano. Desde o início, o Erário concentrou toda a arrecadação, anteriormente pulverizada em outras instâncias, padronizando os procedimentos relativos à atividade e serviu, em última instância, para diminuir os poderes do antigo Conselho Ultramarino. Este processo de centralização administrativa integrava a política modernizadora do ministro, cujo objetivo central era a recuperação da economia portuguesa e a reafirmação do Estado como entidade política autônoma, inclusive em relação à Igreja. No âmbito fiscal, a racionalização dos procedimentos incluiu também novos métodos de contabilidade, permitindo um controle mais rápido e eficaz das despesas e da receita. O órgão era dirigido por um presidente, que também atuava como inspetor-geral, e compunha-se de um tesoureiro mor, três tesoureiros-gerais, um escrivão e os contadores responsáveis por uma das quatro contadorias: a da Corte e da província da Estremadura; das demais províncias e Ilhas da Madeira; da África Ocidental, do Estado do Maranhão e o território sob jurisdição da Relação da Bahia e a última contadoria que compreendia a área do Rio de Janeiro, a África Oriental e Ásia. Por ordem de d. José I, em carta datada de 18 de março de 1767, o Erário Régio foi instalado no Rio de Janeiro com o envio de funcionários instruídos para implantar o novo método fiscal na administração e arrecadação da Real Fazenda. Ao longo da segunda metade do século XVIII, seriam instaladas também Juntas de Fazenda na colônia, subordinadas ao Erário e responsáveis pela arrecadação nas capitanias. A invasão napoleônica desarticulou a sede do Erário Régio em Lisboa. Portanto, com a transferência da Corte para o Brasil, o príncipe regente, pelo alvará de 28 de junho de 1808, deu regulamento próprio ao Erário Régio no Brasil, contemplando as peculiaridades de sua nova sede. Em 1820, as duas contadorias com funções ultramarinas foram fundidas numa só: a Contadoria Geral do Rio de Janeiro e da Bahia. A nova sede do Tesouro Real funcionou no Rio de Janeiro até o retorno de d. João VI para Portugal, em 1821.
[8] ACADEMIA REAL DAS CIÊNCIAS DE LISBOA: fundada em 24 de dezembro de 1779, no início do reinado de d. Maria I, pelo duque de Lafões e pelo abade Correia da Serra. Embora consagrado como “viradeira” em razão de um suposto revisionismo em relação ao reformismo pombalino, o reinado mariano ainda é marcado pela aliança entre as ideias iluministas, os princípios da fisiocracia e o mercantilismo que caracterizou o período anterior. A Academia Real configura-se como espaço privilegiado para a elaboração de projetos e memórias vinculados a um pensamento econômico no qual a ênfase nas “Artes e na Agricultura” como saída para a crise parece levar a uma adesão incondicional à fisiocracia. No entanto, como adverte o historiador Fernando Novais no estudo Portugal e Brasil na crise do Antigo Sistema Colonial, trata-se de um ecletismo no qual "o pragmatismo cientificista lastreava o mercantilismo". Essa formulação se manifestou em uma prática científica a serviço do Estado na qual se identifica o primado da experiência sobre os sistemas, a defesa de um saber utilitário, a aplicação do conhecimento na solução de problemas práticos relacionados à economia, à cultura e à sociedade portuguesas. Tais premissas apontam para o papel que a instituição cumpriria como instrumento do Estado português no redirecionamento de sua política colonial e na recuperação da economia lusa no último quartel do século XVIII. Congregando homens da ciência, naturalistas, literatos e outros intelectuais portugueses e estrangeiros, a Academia articulava o Reino aos círculos europeus, desempenhando papel fundamental na ciência, na medicina, na economia e na literatura em Portugal. Esteve à frente dos grandes debates nacionais como as reformas na educação pública, na padronização dos pesos e medidas, culminando na adoção do sistema métrico francês e na institucionalização da vacinação através da Instituição Vacínica. Espaço de diálogo entre os ilustrados luso-brasileiros a Academia privilegiava o conhecimento científico voltado para a utilização racional da natureza a fim de atingir o progresso material, principalmente através das colônias, o que a levou a patrocinar viagens e expedições filosóficas às possessões portuguesas com a finalidade de conhecer o território, demarcar limites e realizar um “inventário” da natureza do Novo Mundo, enviando remessas da fauna e flora local para catalogação nos museus de história natural da Europa.
[9] JARDIM BOTÂNICO DO RIO DE JANEIRO: o Real Horto, posteriormente denominado Jardim Botânico do Rio de Janeiro, a exemplo de outros congêneres estabelecidos no país, foi criado com o objetivo de desenvolver experiências de aclimatação com espécies vegetais de interesse agrícola e comercial, cujas primeiras mudas para o jardim botânico foram provenientes das Ilhas Maurício, do Jardim La Pamplemousse, oferecidas ao príncipe regente pelo comerciante português Luiz de Abreu Vieira e Silva. A origem do horto relaciona-se com o estabelecimento da fábrica de pólvora, criada por decreto de 13 de maio de 1808 nas terras do antigo engenho de cana-de-açúcar, de propriedade de Rodrigo de Freitas. Um mês após, no dia 13 de junho, um novo decreto do então príncipe regente d. João determinou a instalação de um jardim para aclimatação de espécies vegetais originárias de outras partes do mundo, em especial aquelas provenientes do Oriente, como a baunilha, a canela, a pimenta e outras. O jardim botânico estava subordinado ao Ministério dos Negócios da Guerra e seus diretores eram os vice-diretores da fábrica de pólvora até 1824, quando foi nomeado para diretor do jardim frei Leandro do Sacramento, doutor em Ciências Naturais pela Universidade de Coimbra e professor de botânica da Academia Médico-Cirúrgica do Rio de Janeiro. Sua gestão (1824-1829) é apontada como um importante marco com a realização de obras, pesquisas, experimentações, catalogação, classificação e introdução de novas espécies, a exemplo da aclimatação e plantio de chá. Simultaneamente às pesquisas científicas, a área do arboreto foi ampliada e ornamentada com lagos e cascatas, servindo também como espaço de lazer de especial interesse de d. João VI. O jardim botânico foi aberto à visitação após a proclamação da independência, sendo objeto de descrição de diversos visitantes como a inglesa Maria Graham, os botânicos Spix e Martius, o naturalista Hermann Burmeister, Charles de Ribeyrolles. Somente nos primeiros anos da República, o Jardim Botânico do Rio de Janeiro retomou suas funções e atividades de caráter científico, sob a gestão de João Barbosa Rodrigues.
[10] CASTRO, D. JOSÉ LUÍS DE (1744-1819): 2º conde de Resende foi governador e capitão-general da Bahia de 1788 a 1801, de onde seguiu para o Rio de Janeiro como vice-rei do Estado do Brasil até 1806. Considerado um administrador colonial com baixa popularidade, durante sua administração ocorreram a Conjuração Mineira e o julgamento e condenação dos envolvidos, dentre eles, Joaquim José da Silva Xavier, o Tiradentes, preso, enforcado e esquartejado no Rio de Janeiro. Foi responsável também pelo fechamento e pela devassa da Sociedade Literária do Rio de Janeiro, academia voltada para literatura e filosofia natural, acusada pela sedição conhecida como a Conjuração do Rio de Janeiro, ocorrida em 1794. A administração de conde de Resende contribuiu para a urbanização da cidade do Rio de Janeiro e melhoria das condições sanitárias. Em relação à iluminação pública, instalou lamparinas com óleo de peixe, criou o primeiro Regulamento de Higiene, em 1797, e acabou com o despejo sanitário no Campo de Santana, aterrando a área contaminada e transformando-a em um grande “rossio”. Concluiu a reforma do Paço dos Vice-Reis, entre outras importantes obras de canalização e distribuição de água. Em 1792, a Real Academia de Artilharia, Fortificação e Desenho foi criada, instituição encarregada da formação de engenheiros militares no país. A nomeação como Marechal de Campo, em 1795, sugere que atuou nas guerras contra a França, entre 1793 e 1795, concomitantemente com o vice-reinado. De volta a Portugal, foi nomeado Conselheiro de Guerra e recebeu a Grã-Cruz da Ordem de São Bento de Avis.
[11] COUTINHO, LUIZ PINTO DE SOUSA (? - 1804): 1º visconde de Balsemão, era filho de Alexandre Luis Pinto de Souza Coutinho (10º senhor do morgado de Balsemão) e de d. Josefa Mariana Madalena Pereira Coutinho de Vilhena. Casou-se, em 1767, com d. Catharina Michaela de Souza César de Lencastre. Fidalgo da Casa Real, militar e diplomata, foi governador da capitania de Mato Grosso (1769- 1772), embaixador em Londres (1774-1788), secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros e da Guerra e dos Negócios Interiores do Reino (1788-1801). Foi plenipotenciário português durante as negociações do Tratado de Badajóz, assinado em 1801 e pôs termo à guerra da Espanha e França contra Portugal. Simultaneamente, resolvia-se, em definitivo, a questão das fronteiras dos territórios portugueses e espanhóis, na América do Sul.
Sugestões de uso em sala de aula:
Utilização(ões) possível(is):
- No eixo temático sobre a “História das relações sociais da cultura e do trabalho”
- No sub-tema “as relações sociais, a natureza e a terra”
- Ao trabalhar o tema transversal “Meio ambiente”Ao tratar dos seguintes conteúdos:
- Brasil colonial: riquezas naturais
- A economia colonial
- A sociedade colonial: culturas naturais
- Viagens científicasFlora medicinal brasileira
Carta do médico Manoel Joaquim de Souza Ferraz para o conde de Resende, d. José Luiz de Castro. O médico apresenta sua proposta para a construção de um Jardim Botânico no Rio de Janeiro, explicitando a importância desta instituição. Acredita também, que o sítio deveria proporcionar aulas de botânica para o ensino da utilidade das plantas medicinais e suas aplicações para o combate de enfermidades. O documento apresenta a preocupação dos chamados “homens de ciência” em estudar e conhecer as plantas nacionais e suas aplicações, tendo em vista os prejuízos causados à monarquia pela utilização de ervas vindas da Europa.
Conjunto documental: Registro da correspondência do vice reinado para a Corte.
Notação: Códice 69, vol. 5
Datas-limite: 1790-1795
Título do fundo ou coleção: Secretaria de Estado do Brasil
Código do fundo: 86
Argumento de pesquisa: Jardim Botânico
Data do documento: dezembro de 1795
Local: s. l.
Folhas: 263 a 264v
“Ilustríssimo e Excelentíssimo Senhor conde de Rezende[1]. Sendo o cuidado da saúde pública a primeira Lei do Estado social; e vendo eu que desgraçadamente são inertes e insuficientes os meios que empenha a este fim a arte saudável no fértil e aprazível continente do Brasil, servindo-se de drogas velhas corruptas, e adulteradas, que por grande preço se mandam vir da Europa, podendo-se aliás fazer uso com indizível proveito e vantagem das maravilhosas e mui virtuosas plantas de que a benigna providência enriqueceu esta famosa Província da Índia Ocidental[2], como consta pela geral autoridade dos botânicos[3] e viajantes[4] do Orbe, e pelas curas estupendas que vulgarmente aqui operam os curiosos empíricos e selvagens administrando remédios eficazes tirados dos vegetais indígenas; estando eu persuadido e certificado do que acabo de referir pelas informações que tenho buscado, pelas observações e experiências de que tenho usado e pelas digressões botânicas que tenho feito nos subúrbios desta cidade, faltaria o meu dever como patriota e bom vassalo, e a obrigação do meu ministério, como botânico e médico, se agora não fizesse estas representações a V. Excelência ... observando a causa primária de todos estes inconvenientes a qual é certamente a falta de conhecimento das plantas indígenas ou nacionais, e das suas virtudes, isto é a ignorância da ciência botânica aprovando os meios que vou propor a este respeito.
Primeiro- Que se estabeleça um Jardim Médico Botânico nesta capital para onde se hajam de transplantar e cultivar as árvores e plantas medicinais do país, encarregando-se os Generais Governos de mandá-las diligenciar por pessoas inteligentes, e remetendo-as ao dito Jardim, cuja edificação e tratamento se propõem fazer com mui tênue despesa.
Segundo- Que se institua no dito Jardim uma aula de botânica onde sistematicamente se ensine a ciência das plantas, as suas virtudes e modo de as aplicar às diversas enfermidades sendo todos os boticários[5] e cirurgiões[6] futuros obrigados a freqüentarem assiduamente o dito curso, onde serão primeiramente aprovados pelo Professor para depois serem licenciados, para o exercício das suas profissões.
Terceiro- Obrigando-se os boticários atuais a substituírem plantas indígenas às européias inertes e corruptas de que abundam as suas oficinas, vigiando sobre isto o professor de botânica autorizado a condená-los, uma vez, que não se conformem a estas determinações ao menos quanto for possível ... Julgando-se sic finalmente S. M. com assaz de zelo para fomentar no Brasil os progressos desta ciência, e reformar as oficinas de farma; e com Luzes suficientes para ocupar melhor que outrém no Brasil esta nova cadeira pelas informações sic que a este respeito ser-me-á fácil obter de ilegível Lente[7] de botânica e agricultura na Universidade de Coimbra[8] a quem dei provas da minha aplicação no decurso de quatro anos que pratiquei a medicina na cidade do Porto[9], e me entreguei ao estudo e aquisição na flora do Minho, de dom Vandelli[10], lente de prima jubilado em Lisboa; e da Real Academia das Ciências[11], onde há bem poucos anos recitei uma Memória sobre a necessidade de se adiantarem os conhecimentos de Botânica em Portugal e no Brasil, onde a natureza se mostra quase pródiga nas suas produções; sobre os erros em que se tem precipitado a Medicina por falta de Luzes Botânicas e sobre as vantagens do médico botânico; eu me ofereço para exercer este importante ministério em todo o zelo e diligência de que é capaz um vassalo[12] honrado e amigo do bem público fazendo algumas digressões para descobrir e indagar as plantas medicinais comprovando pela experiência a sua eficácia quanto permitirem as minhas tênues forças e fraca (sic) saúde, e isto por qualquer remuneração que determinar S.M. Deus Guarde V. Excelência. Para felicidade nossa e glória dos seus ilegível dezembro de 1795. ilegível dito Manoel Joaquim de Souza Ferrás.”
[1] CASTRO, D. JOSÉ LUÍS DE (1744-1819): 2º conde de Resende foi governador e capitão-general da Bahia de 1788 a 1801, de onde seguiu para o Rio de Janeiro como vice-rei do Estado do Brasil até 1806. Considerado um administrador colonial com baixa popularidade, durante sua administração ocorreram a Conjuração Mineira e o julgamento e condenação dos envolvidos, dentre eles, Joaquim José da Silva Xavier, o Tiradentes, preso, enforcado e esquartejado no Rio de Janeiro. Foi responsável também pelo fechamento e pela devassa da Sociedade Literária do Rio de Janeiro, academia voltada para literatura e filosofia natural, acusada pela sedição conhecida como a Conjuração do Rio de Janeiro, ocorrida em 1794. A administração de conde de Resende contribuiu para a urbanização da cidade do Rio de Janeiro e melhoria das condições sanitárias. Em relação à iluminação pública, instalou lamparinas com óleo de peixe, criou o primeiro Regulamento de Higiene, em 1797, e acabou com o despejo sanitário no Campo de Santana, aterrando a área contaminada e transformando-a em um grande “rossio”. Concluiu a reforma do Paço dos Vice-Reis, entre outras importantes obras de canalização e distribuição de água. Em 1792, a Real Academia de Artilharia, Fortificação e Desenho foi criada, instituição encarregada da formação de engenheiros militares no país. A nomeação como Marechal de Campo, em 1795, sugere que atuou nas guerras contra a França, entre 1793 e 1795, concomitantemente com o vice-reinado. De volta a Portugal, foi nomeado Conselheiro de Guerra e recebeu a Grã-Cruz da Ordem de São Bento de Avis.
[2] ÍNDIAS OCIDENTAIS: no final do século XV, a expressão era utilizada para designar o novo continente descoberto – do ponto de vista da ignorância europeia – por Cristóvão Colombo em 1492, que acreditava ter atingido a Ásia e, assim, chegado à Índia. Dessa forma, o termo passou a ser empregado pelos europeus para designar seus próprios territórios na América.
[3] BOTÂNICO: a botânica como campo do conhecimento mereceu os primeiros esforços registrados de sistematização a partir de Teofrasto (371-287 a.C). Discípulo de Aristóteles (384-322 a.C), ele estabeleceu um vocabulário técnico próprio à descrição das diferentes partes das plantas. Por muito tempo o exercício da botânica foi um domínio dos médicos, os únicos que recebiam educação formal nessa matéria e que não iriam, necessariamente, praticar a medicina quando diplomados. É no século XVIII que a botânica passa a se desvincular da farmácia, da produção de medicamentos, interesse primeiro que, desde o Renascimento, regeu também a constituição dos jardins botânicos, de que é exemplo o Jardim Real de Plantas Medicinais, fundado em 1635 na França. Médicos ou naturalistas ocuparam-se do mundo vegetal em atividades de herborização, voltadas para o cultivo e observação das plantas, vivas ou conservadas secas em herbários, tarefa que competia com a construção de um sistema de classificação e de uma nomenclatura que viabilizasse o ordenamento e o inventário da natureza. Esse projeto não se restringiria ao mundo ou reino vegetal, sendo mais amplamente desenvolvido no campo da história natural. Em 1735 a obra Sistema Natural, do médico sueco Carl Von Linné (1707-1778), divide os chamados três reinos da natureza em classe, ordem, gênero e espécie, proposta que, na botânica, estabelece um sistema sexual segundo características dos pistilos e estames, adotados como princípio único a ser obedecido. Na América portuguesa os naturalistas envolvidos com as coleções botânicas e a organização de jardins tinham diferentes formações: entre os práticos foram improvisados muitos militares, enquanto o médico Inácio da Câmara Bittencourt, formado em medicina pela Universidade de Montpellier, foi convidado a criar um jardim botânico na Bahia em 1796. Alexandre Rodrigues Ferreira (1756-1815), egresso do curso de medicina, formado em filosofia natural pela Universidade de Coimbra, liderou a Viagem filosófica pelas capitanias do Grão-Pará, Rio Negro, Mato Grosso e Cuiabá entre 1783 e 1792, e o frei franciscano José Mariano da Conceição Veloso (1742-1811) destacou-se como naturalista na segunda metade do século XVIII, empreendendo a obra Flora Fluminensis, publicada entre 1825 e 1831 e na qual se encontra a descrição, pelo método de Lineu, de quatrocentas novas espécies de plantas da flora local.
[4] VIAGENS E EXPEDIÇÕES FILOSÓFICAS: a América portuguesa recebeu, ao longo do setecentos, diversas expedições promovidas pela Coroa lusa que, até o último quartel do século, tinham como objetivo a demarcação de limites com a Espanha. Tais expedições, decorrentes de acertos dos tratados de Madri e de Santo Ildefonso, contavam com a presença de astrônomos, geógrafos, matemáticos e engenheiros, que promoveram minuciosa descrição geográfica das regiões fronteiriças. A partir da segunda metade do século XVIII, em compasso com o movimento característico da época moderna, o das viagens de exploração e conhecimento do território a história natural passa a figurar entre as principais preocupações das expedições, ao mesmo tempo em que, se configurava como disciplina na reformada Universidade de Coimbra. Concomitante ao mapeamento do espaço, impunha-se inventariar suas “produções naturais”, conhecer as potencialidades do território, seus recursos naturais e possíveis aplicações na medicina, na alimentação e na indústria, privilegiando, sobretudo, áreas como a botânica, a zoologia e a geografia, além de verificar os terrenos mais propícios a cada cultura. Idealizadas pelo naturalista italiano Domenico Vandelli, professor da Universidade de Coimbra, as chamadas Viagens filosóficas foram expedições enviadas às possessões portuguesas na América e na Ásia, comandadas por seus alunos, a partir da década de 1780. No ano de 1783, os naturalistas Joaquim José da Silva, Manoel Galvão da Silva, João da Silva Feijó e Alexandre Rodrigues Ferreira foram enviados para Angola, Índia e Moçambique, Cabo Verde e Brasil, respectivamente. As equipes contavam ainda com “riscadores” encarregados de desenhar as espécies da flora e fauna, além dos nativos. Cabia aos naturalistas, o recolhimento de espécies dos “reinos vegetal, mineral e animal” dos territórios coloniais que seriam encaminhadas a instituições científicas portuguesas. Uma vez recolhidas as espécies seriam analisadas e classificadas conforme o sistema de Carl Von Lineu. Durante as expedições, os viajantes, como ficaram conhecidos os naturalistas, deviam seguir os procedimentos estabelecidos nas Instruções para viagens, elaboradas pela Universidade de Coimbra ou pela Academia Real das Ciências de Lisboa, que determinavam o método a ser empregado na coleta, acondicionamento, classificação e remessa dos produtos, além de orientar sobre a produção de um diário de viagem. No âmbito da administração lusa, a Secretaria de Estado Dos Negócios da Marinha e Domínios Ultramarinos, na figura do secretário Martinho de Melo e Castro esteve à frente desses empreendimentos. Embora o projeto inicial de Vandelli de produzir uma História Natural das Colônias não tenha sido levado a cabo, as viagens filosóficas produziram farta documentação, entre correspondências, diários, memórias, gravuras e ilustrações, e outras publicações, a respeito da natureza e geografia desses territórios, bem como serviram de fonte de informação sobre o cotidiano, cultura, hábitos e costumes dos povos indígenas no ultramar. A partir de 1808, as viagens científicas no Brasil passaram a ser promovidas também por iniciativa e coordenação de outros países europeus, como França e o Império Austro-Húngaro.
[5] BOTICÁRIO: restabelecer a saúde de um doente administrando e criando medicamentos foi, durante muito tempo, função de uma mesma pessoa. Foi no século VIII que a obtenção de remédios para a cura dos doentes deixou de ser uma atividade dos médicos, atribuindo-se aos boticários a manipulação de substâncias nas boticas, além de aviar receitas médicas. Para exercerem suas funções, os boticários necessitavam de licenças expedidas pela fisicatura-mor (1808-1828), órgão que regulamentava todas as atividades médicas. Diogo de Castro foi o primeiro boticário a chegar ao Brasil vindo de Portugal, em 1549, na comitiva do governador-geral Tomé de Souza, composta entre outras pessoas, por seis jesuítas, liderados pelo padre Manuel da Nóbrega, e de um físico e cirurgião da expedição, Jorge Valadares. De início, os medicamentos preparados vinham da metrópole, porém chegavam irregularmente e, com frequência, estragados devido à demora na viagem. A solução para os problemas de saúde na colônia residia, então, na manipulação de raízes, folhas e sementes da flora brasileira, respaldada no conhecimento dos índios para aplicação terapêutica das plantas medicinais. Os jesuítas, no seu trabalho de catequese, se dedicaram ao aprendizado manipulação de matérias primas nativas para obtenção de remédios que curassem as doenças próprias da região dos trópicos. Tal fato também contribuiu para o empenho dos jesuítas em aprender a transformar em medicamento o que as plantas nativas ofereciam, mesclando os conhecimentos médicos europeus com aqueles obtidos com os indígenas. De certa forma, os jesuítas foram os primeiros boticários e nos seus colégios criaram-se as primeiras boticas, onde o povo encontrava os medicamentos para alívio dos seus males. Foram instaladas sob a direção dos padres boticas na Bahia, Olinda, Recife, Maranhão, Rio de Janeiro e São Paulo. A mais importante foi a da Bahia, por se tornar um centro distribuidor para as demais.
[6] CIRURGIÃO: a cirurgia vem de uma longa tradição científica que nos séculos XVII e XVIII podia ser localizada no tratado árabe “O método da medicina”, de Albucasis, (936-1013) traduzido em latim e largamente disseminado na Idade Média. Na França a cirurgia teria sido o campo mais radicalmente transformado no século das Luzes, como escreve Alain Touwaide (Chirurgie. In: Delon, M. Dictionnaire européen des Lumières, 1997). É nesse período que os cirurgiões conquistam o respeito dos médicos e que a cirurgia se torna, nas universidades, um instrumento de investigação do corpo e da própria doença. Os cirurgiões distinguiam-se dos médicos, havendo diferenças entre eles, como em Portugal onde eram divididos em três tipos, os diplomados, aprovados e barbeiros, segundo a formação e local de aprendizagem, como hospitais militares, misericórdias ou outros hospitais, como explica Lycurgo Santos Filho (Cirurgiões. In: SILVA, Maria Beatriz Nizza. Dicionário da história da colonização portuguesa no Brasil, 1994). Predominaram no Brasil e em Portugal os cirurgiões-barbeiros, acolhidos como aprendizes pelos mestres cirurgiões. Ainda de acordo com Santos Filho, nos séculos XVI e XVII os cirurgiões eram quase todos cristãos novos, quase sempre perseguidos pelo Santo Ofício por práticas judaizantes, mas que dada sua especialidade chegaram a postos de destaque na sociedade colonial, como assinala Ronaldo Vainfas (Cf. Cirurgiões. In: Dicionário do Brasil colonial, 1500-1808, 2001). Nos séculos seguintes os cirurgiões na América portuguesa foram muitas vezes negros, escravizados ou não, além dos classificados como brancos ou mulatos. Cabia-lhes sangrar, aplicar bichas ou ventosas, escalda-pés, banhos, arrancar dentes, e, cortar cabelo e fazer a barba. Sem que tivessem autorização para tal, procediam a amputações e lancetavam abscessos diz Lycurgo S. Filho. A cirurgia seguiria dividida entre aqueles que adquiriam o conhecimento com mestres ou pela prática e outros que a exerceriam a partir das universidades. A partir de 1808 os hospitais militares de Salvador e do Rio de Janeiro passam a contar com cursos de cirurgia; Entre 1813 e 1816 são fundadas, nas mesmas cidades, academias médico-cirúrgicas que concedem diplomas de cirurgião e cirurgião formado. Em 1832 são criadas faculdades de medicina no Império. (PIMENTA, T. S. “Curandeiro, parteira e sangrador: ofícios de cura no início do oitocentos na corte imperial”. Khronos, nº6, pp. 59 - 64. 2018.)
[7] LENTE: professor catedrático, termo que denominava os professores das chamadas cadeiras grandes, isto é, os professores dos ensinos superiores. De acordo com os estatutos da Universidade de Coimbra de 1653, caberia aos lentes preservar todo o conteúdo das grandes áreas de ensino, apresentado e lido aos alunos, sem nenhuma espécie de questionamento. As aulas deveriam ser ministradas em latim, com os professores de barrete (espécie de chapéu de tecido) na cabeça – com pena de multa para os que não o usassem. Com a reforma pombalina da Universidade, em 1772, os novos estatutos reformularam a atuação dos lentes. Apesar das grandes áreas de ensino continuarem demarcadas, abriu-se o caminho do professor para o acompanhamento do aluno, através da indicação de bibliografia e explicação dos conteúdos, em uma tarefa levada mais à compreensão que a memorização. No Brasil, sua atuação iniciou-se com a criação das primeiras instituições de ensino superior (Academias Médicas e Militares) a partir da vinda da corte portuguesa em 1808.
[8] UNIVERSIDADE DE COIMBRA: fundada em 1290 por d. Dinis, foi a principal instituição responsável pela formação acadêmica da elite do Império português, proveniente da metrópole ou da colônia. Desde 1565, esteve sob a direção dos padres jesuítas e, em 1772, durante a administração do marquês de Pombal, ministro de d. José I, sofreu sua principal e mais significativa reforma. A renovação da Universidade resultou na elaboração de novos estatutos e fazia parte de um plano mais geral de reforma do ensino em Portugal e seus domínios, iniciada em 1759. A reforma educacional pombalina teve como principal diretriz a expulsão dos jesuítas de todo Império lusitano e, conforme os estatutos, “abolir e desterrar não somente da Universidade, mas de todas as Escolas públicas (...) a Filosofia Escolástica” que era atribuída aos árabes e aos comentadores de Aristóteles, aos quais eram associados os jesuítas. O processo educativo pedagógico, governado, anteriormente, pelos inacianos, seria substituído por um sistema público de ensino. Num primeiro momento, apenas os Estudos Menores (ensino elementar e médio) sofreram grandes mudanças, deixando-se os Estudos Maiores (superior) para um período posterior, quando a nova base da instrução estivesse organizada. Em 1771 d. José formou a Junta da Providência Literária, cuja principal missão seria a avaliação do estado da universidade durante o período em que esteve sob administração dos jesuítas e a proposição de mudanças, a fim de melhorar o ensino, conforme sua orientação. Os resultados dessa avaliação foram reunidos no Compêndio Histórico do Estado da Universidade de Coimbra. Tratava-se do primeiro documento originário da Junta de Providência Literária, apresentado ao rei pela Real Mesa Censória e que daria sustentação, no ano seguinte, aos Novos Estatutos da Universidade de Coimbra, publicados em 1772. Segundo Nívia Pombo, “seu conteúdo reiterava a primeira lição a ser aprendida: a ideia de que o Estado deveria se aproveitar das novidades das ciências e das artes e colocá-las a serviço da sociedade. Tal aspecto aparece bem marcado com a recorrência das expressões “necessidade pública” e “nações civilizadas”, associadas à noção de que o “exame da Natureza” promovia “imensas utilidades em benefício das Famílias, e dos Estados” (Nívia Pombo. A cidade, a universidade e o Império: Coimbra e a formação das elites dirigentes (séculos XVII-XVIII). Intellèctus, ano XIV, n. 2, 2015. Acesso: https://www.e-publicacoes.uerj.br). A diretriz geral da reforma seria, por conseguinte, a secularização e a modernização do ensino superior, na busca por um conhecimento mais técnico, crítico e pragmático, orientado pelos princípios das luzes e da ciência [iluminismo], para a formação de cidadãos “úteis” ao Estado e à administração pública. Deste modo, foram reformuladas as faculdades de Filosofia e de Matemática; introduzidos os laboratórios para aulas práticas; a organização dos cursos e das disciplinas foi alterada, de modo a seguir um novo método; toda a metodologia de ensino e os compêndios usados pelos jesuítas foram proibidos e substituídos e a duração das aulas e dos cursos foi encurtada. Os professores religiosos deveriam ser paulatinamente substituídos por leigos escolhidos por seleção pública. Evidenciando o viés do ensino prático, foram criados, em paralelo, o Teatro Anatômico, o Observatório Astronômico, o Horto Botânico, o Museu de História Natural, o Laboratório de Física e o Dispensatório Farmacêutico. Para realizar a reforma foi nomeado d. Francisco de Lemos de Faria Pereira Coutinho, intitulado bispo reformador da Universidade de Coimbra, natural do Rio de Janeiro, que ficou à frente da sua administração entre 1770 e 1779 (e depois entre 1799 e 1821) e que executou a reforma, nos moldes dos novos estatutos. A partir de então, a reformada Universidade de Coimbra passou a ser referência e modelo para as instituições de ensino existentes na época e as posteriormente criadas.
[9] PORTO, CIDADE DO: localizada à margem direita do rio Douro, é atualmente a segunda maior cidade de Portugal, sendo considerada a capital do norte do país. Inicialmente batizada de Cale e, posteriormente, de Portucale (nome que deu origem à denominação Portugal), a cidade passou a chamar-se Porto no século XIII, como forma de distingui-la do reino recém-fundado. Entre os séculos XIII e XV, a região desenvolveu fortemente a atividade marítima e comercial, reforçando as relações com portos importantes do Velho Mundo (Barcelona, Valência, Londres, entre outros). A cidade também se tornou conhecida pela produção e comércio de vinho de alta qualidade, que contribuiu para o aumento populacional da região no século XVII. No Porto foi instalada a Companhia Geral da Agricultura das Vinhas do Alto Douro com o objetivo de sustentar a reputação dos vinhos dessa região, a cultura das vinhas, beneficiar o seu comércio. A cidade foi palco e centro irradiador da Revolução Liberal do Porto em 1820. De caráter liberal e antiabsolutista, tinha como principal objetivo a formulação da primeira constituição de Portugal.
[10] VANDELLI, DOMINGOS AGOSTINHO (1735-1816): nascido em Pádua, na Itália, Domenico Vandelli concluiu na mesma cidade a sua formação universitária nos domínios da medicina e da história natural e integrando o corpo de professores do Real Colégio dos Nobres, a convite do Marquês de Pombal em 1764. Logo em seguida, durante as reformas da Universidade de Coimbra, passou a lecionar na Faculdade de Filosofia como lente de química e de história natural. Foi o responsável pelo planejamento e fundação do Jardim Botânico do Palácio da Ajuda (1768), além do estabelecimento do Laboratório Químico e do Museu de História Natural da Universidade de Coimbra. Elaborou o projeto de uma fábrica de louças por volta de 1780, no Rossio de Santa Clara de Coimbra, que ficou conhecida como “louça de Vandelles”, tornando-se famosa por sua beleza e qualidade. Foi designado o primeiro diretor do Jardim Botânico da Ajuda, em 1787, recebendo ainda a nomeação de deputado da Real Junta do Comércio, Agricultura, Fábricas e Navegação dos reinos e seus domínios. Pertenceu a muitas academias científicas, tendo participado da criação da Real Academia das Ciências de Lisboa e produzido diversas obras, principalmente sobre história natural (botânica). Em 1751, iniciou uma prolongada correspondência com Carl Von Lineu (1707-1778). Este, ao catalogar uma família de plantas, dedicou-lhe o gênero Vandellia. Levado pelo desejo de novas descobertas e conhecimentos científicos, Vandelli promoveu viagens e expedições filosóficas aos domínios ultramarinos portugueses, levadas a cabo por Alexandre Rodrigues Ferreira e outros naturalistas que foram seus alunos na Universidade de Coimbra. Teve ainda, entre seus discípulos, frei Mariano da Conceição Veloso, autor da obra Flora Fluminensis. Durante a invasão francesa a Portugal, foi acusado de defender as pretensões napoleônicas, sendo preso e deportado para a Ilha Terceira, nos Açores (1810), aos setenta e cinco anos de idade. Foi, posteriormente, para a Inglaterra, retornando a Portugal em 1815, onde faleceu um ano depois.
[11] ACADEMIA REAL DAS CIÊNCIAS DE LISBOA: fundada em 24 de dezembro de 1779, no início do reinado de d. Maria I, pelo duque de Lafões e pelo abade Correia da Serra. Embora consagrado como “viradeira” em razão de um suposto revisionismo em relação ao reformismo pombalino, o reinado mariano ainda é marcado pela aliança entre as ideias iluministas, os princípios da fisiocracia e o mercantilismo que caracterizou o período anterior. A Academia Real configura-se como espaço privilegiado para a elaboração de projetos e memórias vinculados a um pensamento econômico no qual a ênfase nas “Artes e na Agricultura” como saída para a crise parece levar a uma adesão incondicional à fisiocracia. No entanto, como adverte o historiador Fernando Novais no estudo Portugal e Brasil na crise do Antigo Sistema Colonial, trata-se de um ecletismo no qual "o pragmatismo cientificista lastreava o mercantilismo". Essa formulação se manifestou em uma prática científica a serviço do Estado na qual se identifica o primado da experiência sobre os sistemas, a defesa de um saber utilitário, a aplicação do conhecimento na solução de problemas práticos relacionados à economia, à cultura e à sociedade portuguesas. Tais premissas apontam para o papel que a instituição cumpriria como instrumento do Estado português no redirecionamento de sua política colonial e na recuperação da economia lusa no último quartel do século XVIII. Congregando homens da ciência, naturalistas, literatos e outros intelectuais portugueses e estrangeiros, a Academia articulava o Reino aos círculos europeus, desempenhando papel fundamental na ciência, na medicina, na economia e na literatura em Portugal. Esteve à frente dos grandes debates nacionais como as reformas na educação pública, na padronização dos pesos e medidas, culminando na adoção do sistema métrico francês e na institucionalização da vacinação através da Instituição Vacínica. Espaço de diálogo entre os ilustrados luso-brasileiros a Academia privilegiava o conhecimento científico voltado para a utilização racional da natureza a fim de atingir o progresso material, principalmente através das colônias, o que a levou a patrocinar viagens e expedições filosóficas às possessões portuguesas com a finalidade de conhecer o território, demarcar limites e realizar um “inventário” da natureza do Novo Mundo, enviando remessas da fauna e flora local para catalogação nos museus de história natural da Europa.
[12] VASSALO: súdito do rei, independentemente de sua localização no Império. Até o século XV, o título “vassalo” era empregado para designar homens fiéis ao rei, aqueles que o serviam na guerra, sendo, portanto, cavaleiros ou nobres de títulos superiores. Em troca do apoio e serviços realizados, recebiam tenças (pensões), dadas, inicialmente, a todos os vassalos e seus filhos varões. Na medida em que se pulverizaram as distribuições destes títulos, principalmente por razões de guerra (a conquista de Ceuta foi a mais significativa nesse processo), e que eles começaram a ser mais almejados, principalmente pelos plebeus e burgueses em busca de mercês e de aproximação com a realeza, o rei diminui a concessão dos títulos, e, mais importante, das tenças. A esta altura, as dificuldades financeiras da monarquia também empurraram para a suspensão da distribuição dos títulos e benefícios. O rei passa, então, a conceder mercês e vantagens individuais, e o termo vassalo se esvazia do antigo significado de título, passando a indicar homens do rei, súditos e habitantes do reino, de qualquer parte do Império.
Sugestões de uso em sala de aula:
Utilização(ões) possível(is):- No eixo temático sobre a “História das relações sociais da cultura e do trabalho”
- No sub-tema “As relações sociais, a natureza e a terra”
- Ao trabalhar o tema transversal “Meio ambiente”
Ao tratar dos seguintes conteúdos:
- A sociedade colonial: culturas naturais
- Economia colonial
- Brasil colonial: riquezas naturais
- Viagens científicas -
DOMINGUES, Angela. Para um melhor conhecimento dos domínios coloniais: a constituição de redes de informação no Império português em finais do Setecentos. HISTORIA, CIÊNCIAS, SAÚDE: Manguinhos, Rio de Janeiro: v.8, Suplemento, 2001.
FERREIRA, Alexandre Rodrigues. Viagem ao Brasil: a expedição philosophica pelas capitanias do Pará, Rio Negro, Mato Grosso e Cuyabá. s.l.: Kapa Editorial, 2002.
FERRI, Mário Guimarães. A botânica no Brasil. In: AZEVEDO, Fernando de (org). As ciências no Brasil. São Paulo: Melhoramentos, [s.d].
JOBIM, Leopoldo Collor. Os jardins botânicos e o fomentismo português no Brasil. São Paulo, Sociedade Brasileira de Pesquisa Histórica, Anais da III Reunião, 1984.
LAVOR, João Conrado Niemeyer. Histórico do Jardim Botânico do Rio de Janeiro=History of the Rio de Janeiro Botanical Garden. Rio de Janeiro: Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Florestal, 1983.
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