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Ilhas Atlânticas

Produtos e comércio

Escrito por Super User | Publicado: Segunda, 16 de Outubro de 2017, 19h03 | Última atualização em Segunda, 21 de Março de 2022, 14h49

Memória ou descrição físico-política das ilhas de Cabo Verde, escrita pelo governador-geral do arquipélago Antônio Pusich.O documento permite-nos conhecer, através das criações e plantações realizadas na região, os hábitos alimentares da época, parte da história do cotidiano dos habitantes das colônias.

 

Conjunto documental: Secretaria de Estado do Ministério do Reino
Notação: caixa 644
Datas-limite: 1783-1829
Título do fundo ou coleção: Negócios de Portugal
Código do fundo: 59
Argumento de pesquisa: Ilha do Fogo 
Data do documento: 1810
Local: Lisboa
Folha (s): pacotilha 1, doc. 3

"Senhor

Dizem os administradores da companhia do seguro denominada Conceito Público da cidade da Bahia, que tenho segurado a expedição, e viagem da sumaca[1] Lindeza, que se destinava para Cabinda[2] e mais portos da Costa d’África[3], na quantia de 17.441,763 réis principiou esta a sua viagem sem novidade alguma, porém chegando ao Cabo de Lopo Gonçalves e desembarcando aí o mestre, e proprietário dela com algumas pessoas da equipagem para dar começo a sua negociação sucedeu o serem logo atacados, e perfidamente assassinados, pelos negros daquele cabo, e cometido este assassínio, passaram os ditos negros a ultimarem o mesmo nos desgraçados que ficaram a bordo da dita sumaca, e feito este roubaram a sumaca, e passaram depois a vender a um português morador da Ilha do Príncipe[4] José Ferreira Gomes, que sabendo ter sido injustamente ocupada, e roubada a dita sumaca por aqueles negros, se resolveu a comprá-la aos mesmos roubadores, e consta querer fazê-la navegar como sua (...) e por que não tem o direito das gentes[5], como valiosa e subsistente nem aquela venda, por ser feita por rebeldes  levantados de um cantão, com quem estava franco o comércio nas nossas embarcações, e a quem não era permitido roubar, e apoderar-se das embarcações, que a seus portos se dirigiam a fazer um comércio que não era vedado, e muito menos adquirem o domínio delas por um tal sic que nenhum direito justifica nas circunstâncias ponderáveis de não estarmos em guerra com eles, único caso, em que pelo direito dela se adquire o domínio das coisas tomadas sendo justa[6] aquela; num temor a seu respeito praticado como à Nação[7]. Fato que lhe oferece a verificação do direito da represália, outro caso em que poderia sustentar-se o senhorio e domínio da mesma, e nunca porém o cruel assassínio que praticaram, que nunca pode ser justificado no caso mesmo de aberta guerra[8] (...). Para Antônio Alves da Silva Pinto 2º Procurador[9]. José Joaquim da Silva Freitas."

[1]SUMACA: De origem holandesa (smak), foi um tipo de embarcação bastante utilizada entre os séculos XVI e XVII na costa norte da Alemanha e nos Mares Bálticos. Seu desenho espalhou-se por outros países, adquirindo características específicas. Tinha uma vela e o fundo chato apropriado para pequenos portos e águas rasas. No Brasil, foi introduzida durante a ocupação neerlandesa em Pernambuco, utilizada na navegação de cabotagem no Nordeste. Após a expulsão dos holandeses, espalhou-se por todo litoral brasileiro, de norte a sul. Foi, da mesma forma, importante no comércio de escravos africanos no Atlântico sul.

[2]CABINDA: Pequena porção de terra limitada ao norte pela República do Congo e ao sul e oeste pela República Democrática do Congo (antiga República do Zaire), compreende uma parcela do antigo reino do Luango e a quase totalidade dos velhos reinos do Ngoio e Cacongo. Portugueses, holandeses e ingleses estabeleceram postos de comércio, fábricas de extração de madeira e de óleo de palma nessa região. Após 1830, e especialmente nos anos de 1840, os esforços antiescravistas britânicos estimularam os negociantes a multiplicar os pontos de embarque, visando o contrabando de escravos para as plantações do Brasil e Cuba. Cabinda parece ter servido como o maior ponto de aterrissagem para mercadorias vindas do Brasil, Inglaterra e Estados Unidos. Depois de descarregar as mercadorias em Cabinda, os negociantes as direcionavam – por barco ou por terra – para a Ponta da Lenha, onde seriam utilizadas para adquirir escravos. Em praticamente todas as listagens de escravos vindos para o Rio de Janeiro, havia referências aos cabindas, grupo que parecia tão numeroso quanto o dos angolas ou congos. Por ocasião da Conferência de Berlim (1884-1885), quando simultaneamente nasceram o Congo Belga (ex-Zaire e atual República Democrática do Congo) e o Congo Francês (ex-Congo Brazzaville e atual República do Congo), a atribuição de Cabinda a Portugal foi internacionalmente confirmada, adotando-se a designação Congo português.

[3]ÁFRICA: Os portugueses foram os primeiros navegadores a conquistar o litoral da África, adquirindo grande experiência marítima pelo Atlântico, o que ficou conhecido como périplo africano – circundar a costa do continente para chegar ao Oriente. Nos séculos XVI e XVII, multiplicaram-se as feitorias europeias ao longo do litoral: portugueses em Angola e Moçambique; ingleses, holandeses e franceses na Guiné, estando estes últimos também no Senegal. O estabelecimento de entrepostos criaria fortes laços comerciais entre pontos da costa africana, a América e a Europa, estimulados, sobretudo, pelo comércio da escravatura. A presença de portugueses na África transformaria a captura de escravos – a escravidão doméstica já existia no continente, mas em proporções menores e com características distintas – em uma atividade corriqueira e sistemática, formando uma rede do comércio que ligaria os portugueses na costa às rotas comerciais no interior da África e o Novo Mundo. Ao longo de três séculos, calcula-se que cerca de 10 milhões de africanos escravizados foram levados para as Américas. O tráfico atlântico de escravos africanos tornou-se força motriz de uma atividade econômica extremamente vantajosa, tanto para comerciantes lusos e luso-brasileiros, quanto para líderes africanos que passaram a controlar esse comércio. Se cativos eram importantes para a colonização da América portuguesa, os produtos coloniais como a mandioca, o tabaco e a cachaça, também despertavam interesse entre a população africana, garantindo um fluxo contínuo entre as duas margens do Atlântico. Em meados do século XIX, a África tornar-se-ia palco de disputas entre as principais nações europeias, na busca da exploração de suas riquezas e da conquista territorial, cerne do processo de expansão imperialista.

[4]SÃO TOMÉ E PRÍNCIPE: Arquipélago situado no golfo da Guiné, na costa oeste da África, cuja capital é São Tomé. Abrange, além das duas ilhas que lhe dão o nome, alguns ilhéus adjacentes que foram descobertos pelos navegadores portugueses João de Santarém e Pedro Escobar em 1471. Dedicando-se inicialmente à cultura da cana-de-açúcar, cuja produção entrou em declínio com o crescimento da atividade açucareira no Brasil, o arquipélago tornou-se um importante entreposto de escravos no período colonial. Essa atividade somente foi encerrada em 1876, quando foi decretada a abolição da escravidão nas ilhas.

[5]DIREITO DAS GENTES: Equivalente ao atual direito internacional, o direito das gentes regia as relações entre os Estados, as distintas sociedades políticas em formação, que demandavam prerrogativas e princípios aplicados à conduta e negócios entre nações e soberanos. A emergência dos Estados modernos a partir do século XV criou a necessidade de um direito interestatal, concebendo o Estado apenas como personalidade jurídica internacional. Direito que regia o tratado Direito das Gentes de Emer de Vattel, publicado no século XVIII, reflete a realidade das relações políticas internas e internacionais da época em que foi escrito e produzia regras que limitavam a liberdade plena de ação de Estados ciosos de sua soberania, desenvolvendo o princípio diplomático de equilíbrio entre as nações. Este código estava relacionado à ideia de reparação, sendo antes de caráter compensatório do que punitivo.

[6]GUERRA JUSTA: Conceito amplamente utilizado na Idade Moderna, referia-se ao embate entre os povos que professavam a fé católica contra aqueles que não a seguiam, considerando-se, assim, a guerra contra os infiéis como indubitavelmente justa, remontando à época das lutas contra os mouros, presentes na Península Ibérica entre os séculos VIII e XV. No Brasil, quando a luta contra os indígenas serviu para criar ou assegurar condições de vida aos ocupantes brancos, não se pôs em dúvida se a guerra contra os índios era justa. A legislação colonial produziu muitos dispositivos que justificavam a prática da guerra justa, mesmo quando pretendiam proteger os índios de abusos e cativeiros ilícitos. A lei de 20 de março de 1570 do rei d. Sebastião ou a lei de 10 de setembro de 1611 proclamavam, em comum, a liberdade dos índios, permitindo, no entanto, o seu cativeiro em caso de guerra justa, determinada pelo governador-geral, ou ainda o seu resgate em determinadas situações. A guerra justa mostrou-se, pois, como justificativa para escravização dos indígenas, valendo-se dos argumentos da salvação das almas e da condenação da antropofagia que, embora não fossem juridicamente reconhecidos, serviam de reforço à sua ideia principal. No contexto da empresa colonial lusitana, lançou-se mão da guerra justa diante da recusa à conversão à religião católica, das ações hostis contra os portugueses e da quebra de pactos celebrados. Esse objetivo fica claro em um trecho de Apontamento de coisas do Brasil (1558) em que o padre Manuel da Nóbrega escreve: “Sujeitando-se o gentio, cessarão muitas maneiras de haver escravos mal havidos e muitos escrúpulos, porque terão os homens escravos legítimos, tomados em guerra justa, e terão serviço e vassalagem dos índios e a terra se povoará e Nosso senhor ganhará muitas almas e S.A. terá muita renda nesta terra, porque haverá muitas criações e muitos engenhos já que não haja muito ouro e prata.” Assim, como sublinhou Pedro Puntoni, “o debate sobre a guerra justa não pode ser tomado como uma luta pela justiça (...) mas antes de mais nada como uma busca de legitimação”. (A guerra dos bárbaros: povos indígenas e a colonização do sertão nordeste do Brasil, 1650-1720. S: Hucitec, 2002.)

[7]NAÇÃO: A ideia de nação surgiu como atributo central no processo de legitimação dos Estados territoriais modernos. Nas sociedades europeias de Antigo Regime, afirmou-se a tendência para identificação da Nação com o Rei, representante máximo do reino e da própria comunidade, por direito divino e monopólio do uso da força – uma construção ideológica criada pelo próprio Estado para estabelecer uma unidade, uma identidade coletiva. No entanto, o conceito ganharia importância e nova forma a partir da Revolução Francesa. Ao substituir um governo absoluto pelo poder do povo, procurou-se manter a soberania através da ideia de nação, conjunto político formado pelos cidadãos de um país. Buscou-se legitimar o novo poder e as novas leis, que não mais adivinham de um poder monárquico, mas sim de todos os indivíduos, capazes de se autogovernar. O rei absolutista deixava de ser o sujeito político preponderante, substituído por um ator coletivo, a nação. O industrialismo também teve papel fundamental na construção das nações modernas, sobretudo na criação de uma cultura comum, respaldada num sistema escolar de massa e nos meios de comunicação e propaganda. Na busca pelo desenvolvimento dessa consciência comum/nacional, os Estados investiram na adoção de uma língua comum e no reconhecimento de uma individualidade no campo internacional – através da afirmação da soberania e na total independência política diante de qualquer poder externo. Em Portugal, o termo nação ganharia força a partir das invasões francesas e a transferência da corte para o Rio de Janeiro, do confronto da população, do povo, contra a ocupação estrangeira, uma força autônoma em relação à figura do rei afastado geograficamente. Cabe lembrar que, a ideia de nação portuguesa incluía os domínios lusos no ultramar, usada ainda no sentindo de império, abarcando lusos e brasileiros. O processo de formação de uma nação no Brasil está atrelado aos movimentos emancipacionistas das ex-colônias na América e à consolidação e legitimação política do Estado Imperial brasileiro. A manutenção do regime monárquico, após o rompimento com Portugal em 1822, visava, por um lado garantir a independência política do Brasil e a unidade nacional e, de outro, evitar rupturas na estrutura socioeconômica da nova nação, ou seja, o latifúndio e a escravidão. Serão esses os interesses políticos e econômicos contemplados no projeto de Estado-nação brasileiro.

[8] Ver GUERRA JUSTA.

[9]PROCURADOR: Na esfera pública, como funcionários do Estado, os procuradores atuaram em cargos providos pelo rei, como o procurador dos feitos da Coroa, por exemplo, cargo criado em 1548, e tendo por finalidade representar a Coroa nos assuntos relativos à Fazenda. Também foram providos em cargos como o procurador dos índios para dispor sobre a validade do cativeiro indígena, ou representaram instâncias como as Câmaras municipais, representando as oligarquias locais do Brasil ou de Goa por exemplo, junto às Cortes. Ainda no âmbito privado encontra-se a figura do procurador em contratos de arrematação de negociantes, que da colônia disputavam os contratos na metrópole por meio de procuradores, como nos casos da cobrança de tributos, adquirindo ainda participação nas sociedades (Luiz Antônio Silva Araújo, Contratos na América portuguesa (1707-1750) Disponível em https://www.academia.edu/download/56270738/Artigo_Encontro_Aracaju.pdf).

Sugestões de uso em sala de aula:

Utilização(ões) possível(is):
- No eixo temático sobre as “História das Relações Sociais da Cultura e do Trabalho”
- Ao abordar o eixo temático sobre as “Relações de Poder” e no sub-tema: “Nações, povos, lutas, guerras e revoluções”
- Ao abordar o tema transversal “Pluralidade Cultural”


Ao tratar dos seguintes conteúdos:

- A manutenção do sistema colonial
- A sociedade colonial: hierarquias, resistências e culturas 
- A crise do sistema colonial: seus fatores internos

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